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Noções Básicas de Radiobiologia: O Que um Neurocirurgião Precisa Saber? Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? Hugo Veroneze Toledo1 Maria Alice Ferragut 2 Daniel Benzecry de Almeida 3 1 Medical Physicist, Division of Gamma Knife, Department of Neurosurgery, Neurological Institute of Curitiba (INC), Curitiba – Brazil 2 Radiation Oncologist, Division of Gamma Knife, Department of Neurosurgery, Neurological Institute of Curitiba (INC), Curitiba – Brazil 3 Neurosurgeon, PhD, Division of Functional and Pain Neurosurgery, Division of Gamma Knife, Neurological Institute of Curitiba (INC), Curitiba – Brazil RESUMO Introdução: Cerca de dois terços dos pacientes com neoplasias necessitarão de algum tipo de tratamento radioterápico nos dias atuais. Por isso mesmo, a interdisciplinaridade do tratamento oncológico é cada vez mais necessária, sendo que, os conhecimentos básicos da ação da radiação devem ser conhecidos pelas diversas especialidades, incluindo a neurocirurgia. Objetivo: Apresentar uma revisão de conceitos básicos de Radiobiologia, com o intuito de despertar o interesse pelo conhecimento multidisciplinar, tentando estimular aos profissionais de saúde a procurarem por estudos mais aprofundados no assunto. Método: Os autores descrevem como ocorrem os efeitos biológicos causados pela radiação ionizante. Os dados acumulados são baseados na literatura, artigos e livros-texto. Para melhor abrangência, o trabalho expõe em especial alguns conceitos básicos da física sobre radiação ionizante, as interações desta com a matéria, e a sua interação e efeitos biológicos em seres vivos. Conclusão: o trabalho apresenta noções básicas sobre Radiobiologia, que é ciência que estuda os efeitos causados pela radiação em tecidos vivos. Palavras-chave: Radiobiologia; Radiocirurgia estereotática; Radioterapia ABSTRACT Introduction: About two thirds of patients who have cancer will undergo some type of treatment with ionizing radiation. Furthermore, the interdisciplinarity of cancer treatment is increasingly required. Therefore, some concepts about radiobiology is essential for most physicians, including neurosurgeons. Objective: to present some basic concepts of Radiobiology for these professionals in order to arouse interest and stimulate further studies on this subject. Method: the concepts of biological effects caused by ionizing radiation are presented in the article. The current knowledge are based mainly on literature, articles and textbooks. This paper also brings some basic concepts about physics, discussing ionizing radiation interactions with diverse matters, and how it can cause biological effects on tissues and living beings. Conclusion: Radiobiology is the science of the effects of ionizing radiation on living tissues, and some of its basic concepts are discussed. Key words: Radiobiology; Stereotactic Radiosurgery; Radiotherapy; Radiation Oncology Received Jun 19, 2015. Accepted Aug 10, 2015 Introdução Biologia das radiações, ou simplesmente radiobiologia, é o termo empregado no estudo dos diversos efeitos das radiações ionizantes sobre células e tecidos vivos. Pode-se dizer que desde os primórdios da descoberta da radiação, verificou-se que esta poderia promover mudanças no meio celular humano e em animais, que tanto poderia ser usada com uma finalidade terapêutica como uma fonte potencial geradora de danos. O desenvolvimento de novas técnicas para o estudo dessas modificações permitiu um maior conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos e abriu terreno para a otimização de estratégias de tratamento, em especial nos diversos tipos de neoplasias. De fato, as diversas formas de radioterapia têm sua maior aplicação em pacientes oncológicos. E, como a prevalência de casos de câncer na população vem aumentando a cada ano, o conhecimento de mecanismos básicos de radiobiologia deve ser conhecido por todos os profissionais que de alguma forma lidam com esses pacientes. Em um documento recente, “World Cancer Report”, publicado a partir de um levantamento epidemiológico global, nota-se que vem aumentando a taxa de pacientes com tumores malignos - excluindo-se os tumores de pele não-melanomas. Em 2010, a prevalência mundial foi de 193 Original J Bras Neurocirurg 25 (3): 193 - 199, 2014Toledo HV, Ferragut MA, Almeida DB. - Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? 12 milhões de habitantes acometidos e um total de 8 milhões de mortes. A previsão é que este número atinja um patamar de 17 milhões de pessoas afetadas no ano de 2020. A crescente taxa de casos diagnosticados deve-se a uma soma de diversos fatores, dentre os quais: a) um aumento na expectativa de vida da população; b) melhora nos métodos diagnósticos e; c) melhor controle do crescimento celular anormal, com o aperfeiçoamento de técnicas de quimioterapia e radioterapia. Cerca de dois terços de todos os pacientes oncológicos irá receber algum tipo de radioterapia com finalidade curativa durante sua doença, sendo que apenas três desses tipos (tumores de mama, próstata e pulmão) correspondem à metade destes casos. Concomitantemente, o número de médicos radioterapeutas tem aumentado em países como os Estados Unidos12. Ao analisarmos apenas as modalidades de radiocirurgia, o número preciso de tratamentos não é conhecido, apesar da suposição de que este valor esteja aumentando em escala global, incluindo as enfermidades do sistema nervoso central. Da mesma forma, a maior aceitação da utilização destes métodos em lesões benignas, tais como meningiomas, malformações arteriovenosas e Schwannomas vestibulares faz com que a taxa de sua utilização seja ainda maior. Radiação Ionizante (RI) Radiação é um termo que remete basicamente a alguma forma de propagação de energia pelo espaço. A radiação pode se apresentar em várias formas, como ondas eletromagnéticas (como luz, calor, raios-X e gama, raios ultravioleta, etc.) e partículas em movimento (como prótons, elétrons e nêutrons). Os diferentes tipos de radiação podem ser classificados de acordo com sua natureza, energia e modo de interação com o meio em que se propaga. Há tipos de radiação que conseguem entregar mais energia para a matéria do que outras (é o caso das partículas carregadas, prótons e elétrons, que perdem sua energia mais rapidamente à medida que penetram num meio qualquer, quando comparadas com as radiações eletromagnéticas (REM), por ex. raios-X e raios gama. Quando certo tipo de radiação se propaga num meio, dependendo da sua energia, pode quebrar ligações químicas das moléculas presentes nesse meio, ocasionando a formação de íons. Radiações com energia suficiente para formar íons recebem o nome de Radiações Ionizantes (RI). As radiações não-ionizantes apenas causam excitações nas moléculas ocasionando um leve aumento na temperatura local sem danos agudos maiores. Exemplos de radiações ionizantes são raios-X e raios gama e exemplos de radiações não-ionizantes são: luz, raios infravermelhos, som etc. A energia da radiação corpuscular (partículas mássicas com ou sem carga elétrica) está associada à sua posição (energia potencial) e a seu momento (energia cinética). Já as REM viajam sempre na velocidade da luz (3x108 m/s), independentemente de suas energias. O que diferencia a energia de um feixe para outro é a frequência com que oscilam os campos elétrico e magnético formadores desses raios. Quanto maior for essa frequência, maior a energia da partícula e vice-versa. Na prática clínica, os tipos de radiação mais comumente utilizados são raios-X, raios-gama, elétrons, prótons, nêutrons e partículas alfa. Em radiocirurgia especificamente, os tipos mais utilizados são os raios-X, gama e prótons. Breve Histórico O raio-X foi descoberto em 1895 por Wilhelm Röentgen9 por meio de um tubo de raioscatódicos e, em questão de semanas já se usava esta nova tecnologia para fins diagnósticos, visualizando-se os ossos. Em 1896, Henri Becquerel descobre a radioatividade natural10, entendendo-a como emissão espontânea de algum tipo de radiação a partir de um material encontrado na natureza, em um estado energético instável. Dois anos mais tarde, Marie e Pierre Curie descobriram o elemento Rádio-2268, muito utilizado em radioterapia no século seguinte. A partir daí, se desenvolveram rapidamente duas áreas da medicina contemporânea: a radiologia e a radioterapia. Os avanços tecnológicos acabaram por influenciar o desenvolvimento de técnicas de imagem mais modernas, que permitissem a visualização de novas estruturas, como a tomografia computadorizada (TC), e a ressonância magnética nuclear (RMN). Na área de radioterapia, os equipamentos utilizavam isótopos radioativos, em busca de elementos com alta energia (para teleterapia) e alta atividade por unidade de massa, visando construir fontes cada vez menores e mais potentes, o que traria benefícios na precisão do tratamento. O elemento muito utilizado mundialmente foi 194 Original Toledo HV, Ferragut MA, Almeida DB. - Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? J Bras Neurocirurg 25 (3): 193 - 199, 2014 o Cobalto-60. Ultimamente, porém, vem perdendo espaço para os aceleradores lineares de baixa energia, por apresentarem vantagens como menores riscos de acidentes radiológicos e maiores possibilidades terapêuticas, principalmente em lesões mais profundas. A Radiocirurgia Estereotática iniciou-se na década de 1960 quando o neurocirurgião sueco Dr. Lars Leksell adaptou um arco estereotático2,14, até então utilizado em cirurgias neurológicas funcionais, para criar um equipamento de radiocirurgia, o qual denominou Gamma Knife. Sua concepção era muito simples: organizar diversas fontes radioativas numa hemiesfera, de maneira que todos os feixes de radiação fossem direcionados a um único ponto no espaço. Desta forma, este ponto receberia a somatória de dose de todos os feixes a ele direcionados, enquanto que as estruturas adjacentes receberiam uma quantidade significativamente menor de radiação, não havendo danos importantes no tecido. Inicialmente, Dr. Lars Leksell dedicou o Gamma Knife ao tratamento de doenças neurológicas funcionais, mas com o passar do tempo e evolução dos conceitos em radioterapia, foram descobertas outras aplicações, tais como metástases cerebrais, meningiomas, malformações arteriovenosas (MAV), neurinomas do acústico, entre outras. Interação da radiação ionizante com a matéria Se tivermos um meio que está sendo bombardeado com um determinado feixe de radiação, há alguns tipos de interações possíveis de acontecer. Por exemplo, há uma probabilidade de que os raios desse feixe atravessem o meio sem interagir com nenhuma molécula, bem como a probabilidade de haver uma interação e o raio se desviar do caminho original (feixe espalhado) ou ser completamente absorvido11. Existem diversos tipos de interações da RI com a matéria. Suas probabilidades de ocorrência dependem de alguns fatores, tais como o tipo de radiação, energia do feixe, número atômico (Z) do meio irradiado, densidade eletrônica desse meio, etc. Os tipos de interação mais expressivos em radioterapia são: a) o Efeito Fotoelétrico; b) o Efeito Compton; e c) Produção de Pares. Esses efeitos, cada um à sua maneira, levam à formação de íons no meio, o que pode representar a quebra de uma molécula importante para a célula e, posteriormente, se manifestar como um efeito biológico. Efeito Fotoelétrico (EF) O EF (Figura 1A) acontece quando um fóton de raios-X ou gama penetra num meio e interage com um átomo desse meio. O resultado dessa interação é a completa absorção desse fóton pelo átomo e a emissão de um elétron, que é chamado de fotoelétron. O elétron ejetado vai percorrer um caminho provocando ionizações, ou seja, quebras de ligações moleculares, no meio. Essas quebras podem acontecer em estruturas nobres de uma célula, por exemplo, o DNA, ocasionando um efeito biológico. A probabilidade de ocorrência do EF está relacionada com o número atômico do meio e com a energia do fóton incidente (sendo esta dependência inversamente proporcional). O EF tem maior probabilidade de ocorrência para energias baixas, muito utilizadas para fins diagnósticos11. Efeito Compton (EC) O EC (Figura 1B) acontece de forma semelhante ao EF, mas nesse caso a energia do fóton incidente não é totalmente absorvida pelo átomo. Ainda assim, ocorre a emissão de um elétron. O fóton incidente quando perde energia pode ser espalhado para outras direções. O EC tem maior probabilidade de ocorrência para energias médias em radioterapia, cerca de 1 MeV, como por exemplo o feixe de Cobalto-60, que é de 1,25 MeV. Para esta energia, predominantemente ocorre o EC e muito pouco dos outros11. Produção de Pares (PP) O efeito PP (Figura 1C) acontece em energias maiores, pois para sua ocorrência é necessário um limiar de energia de 1,022 MeV. O fóton de alta energia ao interagir com o núcleo atômico do meio é totalmente absorvido e causa uma instabilidade no núcleo, que acaba por emitir esse excesso de energia na forma de um elétron e um pósitron, que nada mais é que um elétron positivo. Este efeito ocorre com maior probabilidade à medida que a energia do feixe incidente aumenta, que é o caso da radioterapia, que já apresenta feixes clínicos de 15, 18 MeV11. 195 Original J Bras Neurocirurg 25 (3): 193 - 199, 2014Toledo HV, Ferragut MA, Almeida DB. - Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? Ação Direta e Indireta da Radiação Ionizante O objetivo principal da radioterapia é a morte de células tumorais e que os tecidos sadios no seu entorno do tumor não sofram danos causadores de efeitos biológicos indesejáveis. A morte celular em radioterapia é definida como a perda da integridade reprodutiva da célula. Para se conseguir maior eficiência na tentativa de causar a morte celular, o alvo principal é a molécula de DNA, que por tornar-se de grande tamanho em determinadas fases do ciclo celular facilita e aumenta a probabilidade de interação com a RI. Os danos causados ao DNA pela radiação são causados por quebras na estrutura molecular. Essas quebras podem ser: a) em uma só fita; b) em ambas as fitas, mas em lugares distantes ou; c) em ambas as fitas e em lugares próximos. Cada um desses eventos terá uma probabilidade de ocorrência e grau de dano diferentes. Quebras simples, em apenas uma das fitas, serão mais facilmente reparáveis pela célula uma vez que ainda existe a outra cromátide, a qual pode ser usada como um template. As quebras duplas, ou seja, nas duas fitas do DNA, em regiões distantes têm probabilidade maior de que a célula fique inviável para sobrevivência, mas dependendo das condições do meio, esta célula ainda poderá se reproduzir e levar o dano adiante. Já as quebras duplas em regiões próximas apresentam maior probabilidade de ocorrência de aberrações que causarão a morte celular. Uma vez ocorridas as quebras na molécula de DNA, as consequências podem ser o reparo completo desse dano, tornando a célula viável para reprodução; o reparo errôneo, que resulta em mutação (e nesse caso, se a célula conseguir se reproduzir, pode haver a formação de células funcionalmente anormais); ou, no último caso, não há reparo algum, com consequente morte celular. Vale lembrar que o mecanismo de morte celular ocorre através de mecanismo de apoptose ou na próxima mitose, quando a célula é “eliminada” por não preservar sua capacidade reprodutiva. A radiação ionizante apresenta duas formas de interagir com o DNA. São os tipos de ação direta e indireta3. A primeira se dá quando o fótonincidente, ou um elétron liberado no meio por ionização, interage diretamente com os átomos do DNA provocando quebras simples ou duplas. Isto causará um efeito biológico caso este(s) dano(s) não for(em) reparado(s). A ação indireta perfaz cerca de dois terços das interações; dá- se quando o fóton ou elétron livre gerado por processo de ionização com uma molécula do meio interage não diretamente com o DNA, mas com alguma outra molécula do meio, que quase sempre será uma molécula de água pela sua abundância no meio intracelular. Essa interação acarretará, por meio de algumas reações químicas (abaixo), na formação do radical livre (OH.), que é altamente reativo e tóxico. Esse radical causará dano à fita do DNA, que pode evoluir para um efeito biológico importante. H2O → H2O + + e- (ionização da molécula de água causada pela radiação) H2O + + H2O → H3O + + OH. (formação do radical Hidroxila) O Radical Hidroxila (OH.) apresenta uma difusão no tecido Figura 1. Representação de alguns dos efeitos possíveis de interação da RI com a matéria. Efeito Fotoelétrico (A), Efeito Compton (B) e Produção de Pares (C). Todos eles formam íons na matéria, seja por ejeção de um elétron ou pela formação de um par elétron-pósitron. Em todos os casos o átomo fica com carga elétrica +1. 196 Original Toledo HV, Ferragut MA, Almeida DB. - Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? J Bras Neurocirurg 25 (3): 193 - 199, 2014 biológico de até o dobro do diâmetro das fitas do DNA, cerca de 2 nm (dois nanômetros). Caso este radical tenha sido formado próximo o suficiente das fitas do DNA, a probabilidade de que ocorra uma interação com quebra da cadeia de uma das fitas é elevada. Curva de Sobrevida Celular Em Radiobiologia muito se estuda sobre as curvas de sobrevida celular3. Essas curvas são obtidas a partir de dados coletados em experimentos in vitro com diferentes tipos de células. Basicamente, é feita uma cultura de células e depois essas culturas são irradiadas com diferentes doses. A partir do número de células que conseguem se reproduzir e formar novas colônias após a irradiação, pode se ter o valor de quantas células sobreviveram àquela quantidade de radiação à qual foram expostas. de células que sobrevivem, além de poder dar uma boa noção dos esquemas de fracionamento é o modelo Linear-Quadrático (LQ)15 (Figura 2). No modelo LQ, a fração de sobrevida celular está representada pela soma de duas componentes que são proporcionais à dose (D). A primeira seria a componente linear, proporcional à D e a segunda a componente quadrática, proporcional à D2. O gráfico mostra a predominância de cada uma das componentes separadas em duas regiões da curva. Alfa (α) e Beta (β) são parâmetros de ajuste do gráfico para um determinado tecido biológico. É importante lembrar que cada tecido tem uma resposta à radiação ionizante e, consequentemente, cada tecido apresenta uma curva característica, portanto os parâmetros α e β serão também exclusivos de cada tecido. A razão α/β é definida como sendo a dose em que as mortes percentuais de cada componente (linear e quadrática) são iguais, ou seja, quando αD = βD2. Então, dependendo do valor dessa razão, pode-se prever como será a curva de sobrevida de determinado tecido. Se este valor for alto, por exemplo, quer dizer que a curva terá um “ombro” grande, caindo mais lentamente conforme a dose aumenta. E ao contrário, quanto menor for esse valor, mais rapidamente a curva cairá. Existe também uma relação dos valores de α/β com a resposta do tecido em aguda ou tardia. Quanto maior for essa razão, mais aguda é a resposta desse tecido e quanto menor, mais tardia. Ainda, a componente α está relacionada com as quebras duplas ocasionadas por uma mesma partícula, um mesmo evento, com maior probabilidade de que as duas quebras sejam em regiões próximas para as duas fitas e a chance de se ter danos letais é maior. A componente β está associada a quebras duplas devido a mais de um evento, ou seja, quebras nas duas fitas do DNA decorrentes de interações com 2 elétrons distintos. A probabilidade de que essas quebras estejam longe uma da outra é maior e, consequentemente, a chance de a célula conseguir se reparar corretamente também é maior. Afirma-se que a componente β está associada a danos subletais ou potencialmente letais, os quais são danos que podem ou não causar a morte das células. O primeiro causará a morte da célula se houverem mais danos subletais nesta célula, aumentando a probabilidade de ocorrer um reparo equivocado, enquanto que o segundo causará a morte celular se as condições do meio forem desfavoráveis para sua sobrevivência. Caso haja alguma modificação protetora no meio, que permita com que esta Figura 2. Curva de sobrevida celular, modelo Linear-Quadrático (LQ). Até hoje, muitos modelos matemáticos foram criados com o intuito de descrever essas curvas para diferentes tipos de células. O objetivo final é poder predizer como um determinado tecido responderá quando exposto a certas doses de radiação, esquemas de fracionamentos, qualidades do feixe de radiação, etc. Assim, seria possível inclusive a realização de tratamentos cada vez mais individualizados, de acordo com a biologia do tumor do próprio paciente, verificando potencialmente qual esquema de dose e fracionamento seria mais eficaz. O modelo mais aceito atualmente e que melhor descreve a relação entre os danos causados nas fitas do DNA com a fração 197 Original J Bras Neurocirurg 25 (3): 193 - 199, 2014Toledo HV, Ferragut MA, Almeida DB. - Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? célula sobreviva, esta poderá permanecer viva. Pensando em tecidos tumorais, é interessante que a componente α seja grande, para que se tenha uma maior quantidade de células morrendo por efeitos agudos. Por outro lado, como em radioterapia muitas vezes não se irradia somente o tecido tumoral, mas também uma margem de tecido sadio na vizinhança, é interessante que para esse tecido a componente β prevaleça, aumentando a probabilidade de reparo. Os Quatro Rs da Radiobiologia Quando um tecido é irradiado, em um tratamento clássico de radioterapia, por exemplo, o mecanismo de resposta dos tecidos foi amplamente estudado e observado, surgindo então quatro conceitos muito bem estabelecidos, passando a serem conhecidos como os 4 R’s da Radioterapia. São eles: o Reparo do dano celular, a Redistribuição no ciclo celular, a Repopulação e a Reoxigenação7. Reparo do dano celular: a célula começa a realizar o reparo dos danos causados pela radiação, basicamente os danos subletais são reparados. Os mecanismos de reparo para tecido normal irradiado são geralmente mais eficientes que os de tecidos tumorais. Isto gera uma vantagem quando se fraciona a dose com um certo intervalo entre estas frações, pois para a próxima fração, o tecido normal estará mais recuperado que o tumoral, terá “sofrido” menos5,6. Redistribuição no ciclo celular: algumas fases do ciclo celular são mais sensíveis à radiação, fazendo que com a mesma dose se consiga matar mais células. Quando se irradia um tecido, as células que se encontram em uma fase do ciclo mais sensível irão morrer em maior número. Durante o intervalo entre frações as outras células irão continuar o seu ciclo e poderão estar na fase mais sensível quando houver a próxima fração. Repopulação: o tecido sadio, após ser irradiado, se repara dos danos subletais e começa a se proliferar novamente. Reoxigenação: a sensibilidade de um tecido à radiação está ligada também à quantidade de oxigênio existente no meio intracelular. Células bastante oxigenadas são mais sensíveis do que células em hipóxia. O oxigênio reage com os radicaisformados nas cadeias do DNA quando há danos e não deixa a célula se reparar. É dito que ele “fixa” este dano. O fracionamento do tratamento também apresenta vantagens quanto à oxigenação das células tumorais, pois a difusão do oxigênio as vezes é pequena, quando comparada com o tamanho do tumor, fazendo com que as células mais internas não recebam oxigênio, o que as deixam menos sensíveis à RI. À medida que as células da periferia vão morrendo, por terem uma quantidade de oxigênio maior, as células mais internas começam a se reoxigenar e, consequentemente, ficam mais sensíveis17. Toda a teoria dos 4 R’s é de muita importância nos tratamentos radioterápicos fracionados, com esquemas que podem entregar maiores doses no tecido tumoral com toxicidade baixa nos tecidos circunvizinhos. Isso pode ser conseguido variando-se a quantidade de frações, o tempo total de tratamento, a dose total e a dose ministrada por fração. O conhecimento desses conceitos abriu precedentes para que a comunidade de radioterapeutas começasse a realizar tratamentos hiperfracionados, com mais de uma fração por dia, e tratamentos hipofracionados, no qual são feitas poucas frações com doses maiores4. Levando-se o hipofracionamento ao extremo, temos a radiocirurgia, que se caracteriza pela alta dose de radiação aplicada em uma única fração. A radiocirurgia estereotática (SRS) traz tecnologia suficiente para que as margens dos volumes alvo, com relação ao tecido tumoral, possam ser bastante diminuídas, senão eliminadas, em diversos casos. O equipamento da fabricante Elekta, o Leksell Gamma Knife® PERFEXIONTM, por exemplo, apresenta precisão no posicionamento de 0,3 mm, enquanto aparelhos utilizados para radioterapia fracionada convencional apresentam precisão de 1 mm no posicionamento, que é o limite sugerido pelos protocolos internacionais de controle de qualidade em equipamentos desse tipo1,16. Por este motivo as doses em radiocirurgia podem ser mais elevadas, de tal forma que alguns tumores que, em regimes fracionados, eram radiorresistentes passam a manifestar sensibilidade à radiação. Aqui cabe introduzir um quinto “R” aos conceitos, o da Radiorresistência. Para compreender melhor, na aplicação de radioterapia convencional, os volumes irradiados são geralmente grandes, englobando quantidades consideráveis de tecido sadio; portanto, não se pode ministrar doses muito altas de radiação, e alguns tipos de tecidos tumorais são resistentes à esta dose. Por outro lado, a Radiocirurgia permite um tratamento com algumas vantagens em certas circunstâncias. Além da precisão no delineamento da área a ser tratada, ou da não utilização de margens significativas do volume alvo em 198 Original Toledo HV, Ferragut MA, Almeida DB. - Basics of Radiobiology: What Does a Neurosurgeon Needs to Know? J Bras Neurocirurg 25 (3): 193 - 199, 2014 relação à lesão (na maioria das vezes não há margem alguma), soma-se ao constante avanço na tecnologia dos Aceleradores Lineares e do Gamma Knife que permitem tratamentos cada vez mais conformados em volumes pequenos e com entregas de dose muito mais precisas e concentradas, comprometendo minimamente os tecidos sadios em volta. Sendo assim, os limites de dose são muito maiores e, para essas doses, esses tipos de tumores passam a não mais serem resistentes13. De maneira geral, a radiocirurgia realizada em uma única fração, não é dependente dos 4 R’s, pois não há a vantagem do fracionamento, que consegue preservar melhor o tecido sadio na vizinhança do alvo de tratamento. Entretanto, os volumes de tratamento em uma radiocirurgia se restringem ao tumor, sem adição de margens de tecido sadio ao seu redor. As doses de radiação são elevadas e os volumes de tratamento reduzidos, aumentando a responsabilidade da equipe multidisciplinar no sucesso do tratamento. Isto é, o sucesso do tratamento, ou o efeito biológico esperado estão diretamente ligados à capacidade do neurocirurgião em delinear exatamente o volume que deve ser tratado, do radioterapeuta em conduzir o tratamento com a dose ideal e ajustada a cada caso e a do físico médico em garantir que o tratamento seja realizado de acordo com as necessidades individuais de cada paciente, não comprometendo áreas importantes nas adjacências do alvo. Há, entretanto, algumas limitações da técnica radiocirúrgica, como por exemplo, o tamanho do volume alvo, que pode ser indicativo de tratamento fracionado, pois o volume excede os limites seguros para altas doses. O que se faz, então, é fracionar a dose total, inserindo uma margem de setup, que engloba tecido sadio, mas, que por ação dos 4R’s, não sofrerão muito e os resultados para o controle da doença podem ser equivalentes em muitos casos. Referências 1. Brenner D, Armour E, Corry P, Hall E. Sublethal damage repair times for a late-responding tissue relevant to brachytherapy (and external-beam radiotherapy): implications for new brachytherapy protocols. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1998;41(1):135-8. 2. Brenner DJ, Hall EJ. The origins and basis of the linear-quadratic model. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1992;23(1):252-3. 3. Brenner DJ, Hlatky LR, Hahnfeldt PJ, Hall EJ, Sachs RK. A convenient extension of the linear-quadratic model to include redistribution and reoxygenation. 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