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a justiça e a constituição do estado na república de platão

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A JUSTIÇA E A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO NA REPÚBLICA DE PLATÃO
 O conceito de Justiça é o tema principal da obra A República de Platão e é a partir da discussão em torno dessa ideia que se desenrola alguns dos pressupostos da teoria política de Platão, desde a contribuição efetiva que faz o conhecimento do bem na instituição do Estado até a relação entre virtude e política, educação e poder, indivíduo e Estado etc.
 Para Platão, certos conhecimentos são necessários para a instituição de um Estado, o mais perfeito possível, regido por governantes sábios e justos. Diante da dúvida sobre se este Estado planejado é possível ou não e, se possível, quais são suas condições de realização (República, 472a) Platão subordina essa realização à justiça e moralidade dos membros da polis e do caráter de seus cidadãos. Daí sua célebre teoria dos governantes-filósofos, qualificados assim por seu grau de conhecimento e disposição racional para suas ações, pois a moralidade contribui para o fortalecimento da justiça apenas quando se associa a certos conteúdos cognitivos indissoluvelmente ligados a uma prática racional. Ao exercício do governo só chegam pessoas qualificadas com conhecimentos específicos e capacidades morais, dotadas de uma peculiar disposição racional.
 Dentre as virtudes apontadas por Platão em sua obra, quatro são objeto de interesse particular: a coragem, a temperança, a sabedoria e a justiça. Aqui vamos nos deter apenas sobre o conceito de justiça, pois entendemos que ainda hoje esse conceito tem uma função fundamental dentro de uma organização política e social de qualquer Estado.
 A justiça platônica é entendida como uma harmonia e ordem das partes em função da consecução de objetivos comunitários que são condição para a felicidade da comunidade e de seus membros (República, 443de). A justiça requer que o Estado construa sua legítima autoridade integrando os distintos grupos sociais em uma unidade sócio-política. Um Estado onde o compromisso com os projetos comuns seja racionalmente eleitos, ainda que a partir da ação individual de cada membro da comunidade política, desde que visem o bem-estar geral.
 Dentro de um Estado como o planejado na República os interesses privilegiados pela organização da polis são os interesses da coletividade e os governantes devem agir na promoção do bem-estar geral.
 Além disso, para Platão, um Estado justo não pode existir sem que os cidadãos desenvolvam suas capacidades, talentos e interesses, sobretudo no que diz respeito a prática das virtudes e, consequentemente, da justiça. À medida que os governantes desenvolvam de maneira virtuosa sua vida moral, o Estado vai se tornando cada vez mais justo.
 A motivação moral para atuar de maneira justa não reside na obediência a um dever externo, mas na condução de uma vida virtuosa e moralmente qualificada. Inclusive porque, segundo Sócrates, é melhor sofrer uma injustiça do que cometer uma.
 Temos que destacar também o papel central que a educação deve desempenhar na realização desse “Estado filosófico”. Por que o filósofo deve assumir a gestão desse modelo de Estado? Porque é ele quem está capacitado para apreender as ideias como algo diferente das coisas sensíveis, a ideia de Bem, de Justiça, de Verdade etc. Essa tarefa de governar a polis pressupõe uma capacidade epistêmica eminentemente técnica, a qual é necessária uma formação intelectual e moral por meio de um “curriculum” completo da paideia filosófica. A organização política da polis não está desvinculada de uma ordem de conhecimentos sobre sua própria estrutura. Além disso, quando o critério organizador da comunidade política não é a justiça determinada mediante a integração e harmonia de seus membros, toda lei não faz mais do que expressar a vontade de legitimar o predomínio e o poder de interesses particulares.
 Ainda no que diz respeito ao aspecto moral da instituição do Estado platônico é preciso considerar que é da ideia de Bem que deve surgir toda justificação de normas políticas e regulamentos sociais.
 Resumindo: a direção de toda a construção do Estado platônico indica claramente que a comunidade política deve estar assentada na justiça. Se é correto afirmar que a República tenta responder a questão das razões que movem os homens a viver em sociedade, é preciso reconhecer que essa questão própria de uma teoria social se responde somente mediante uma teoria da justiça. Na República (433a e ss.) se põe manifesto que a justiça é o componente fundamental do Estado ideal. A justiça é expressão da moralidade do Estado e é ela que assegura que o Estado seja bom e deve ser exercida por cada cidadão, no exercício de suas funções e de acordo com suas capacidades: trabalhadores e artesãos, mulheres e crianças, guerreiros e guardiões, governantes, educadores, filósofos, artistas etc. Considerando inclusive que a ideia de justiça é a possibilidade da racionalidade na ordem do político, onde as partes constituem uma genuína totalidade organizada de acordo com o bem social.
A JUSTIÇA
De modo geral nos escritos de Platão há três espécies de justiça: a relativa aos deuses, a relativa aos homens e a relativa aos mortos. As pessoas que sacrificam de conformidade com as leis e cuidam dos templos são obviamente piedosas em relação aos deuses; as que pagam os empréstimos e restituem os depósitos comportam-se corretamente em relação aos homens; e finalmente as que cuidam dos túmulos são obviamente justas para com os mortos. Sendo assim uma das espécies de justiça se relaciona com os deuses, outra com os homens e outra com os mortos. Mas o que, considera Platão como Justiça em sua obra “A República”?
 À medida que se vai adentrando e conhecendo esta bela obra dialética, percebe-se que o autor sempre demonstrou estar ciente de que os argumentos que sustentam suas afirmações não pretendem e nem representam a verdade última e definitiva, pois esta era velada pelas distorções da visão humana, isso se dá no caso também do conceito de justiça. O que em primeira vista se pode claramente entender é que a justiça em“A República” é vista como maior das virtudes por considerar o outro, uma vez que é objetiva e a única que se liga ao estado. Mas os conceitos e conclusões vão além nesse assunto e consideram que a justiça é virtude que ultrapassa a lei da Polis (legislação), implica em buscar o justo além do costume. No fim de tudo está o bem-estar de todo um povo que constitui a Pólis, sem ser prejudicial àquele que a pratica. A justiça se pode definir melhor no Estado que no indivíduo, sendo, no entanto iniciada por uma atitude interior, como podemos compreender neste fragmento:
- Na verdade, a justiça era qualquer coisa neste gênero, ao que parece, exceto que não diz respeito à atividade externa do homem, mas à interna, aquilo que é verdadeiramente ele e o que lhe pertence, sem consentir que qualquer das partes da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram umas nas outras , mas depois de ter posto a sua casa em ordem no verdadeiro sentido, de ter autodomínio, de ser organizar, de se tornar amigo de si mesmo, de ter reunido harmoniosamente três elementos diferentes, exatamente como se fossem três termos numa proporção musical, o mais baixo, o mais alto e o intermédio, e outros quaisquer que existam de permeio, e de os ligar a todos, tornando-os de muitos que eram, numa perfeita unidade, temperante e harmoniosa, só então se ocupe ( se é que ocupa) ou da aquisição de riquezas, ou dos cuidados com o corpo, ou de políticas ou de contratos particulares, entendendo em todos esses casos e chamando justa e bela a ação que mantenha e aperfeiçoe estes hábitos, e apelidando de sabedoria a ciência que preside a esta ação; ao passo que denominará injusta a ação que os dissolve a cada passo, e ignorância a ação que a ela preside.
- Dizes a inteira verdade, caro Sócrates. (Platão)[1]
 Para encontrar o que é a justiça e mostrá-la a seus interlocutoresno diálogo, Platão usa a premissa básica consistindo no fato de que uma República bem organizada (onde cada um faz a sua parte em benefício de todos – ‘um por todos e todos por um’) deve ser chamada de sábia, corajosa, sensata e justa. Depois procura saber como essas qualidades se aplicam à República e se da mesma forma podem se aplicados aos indivíduos.
Creio que a nossa cidade, se de fato foi bem fundada, é totalmente boa.
— É forçoso que sim.
— É, portanto, evidente que é sábia, corajosa, sensata e justa.
— É evidente.
— Repara então neste ponto, a ver se manténs a tua opinião. Vais incumbir os chefes da cidade de administrar a justiça?
— Sem dúvida.
— E eles, nos seus julgamentos, acaso pretendem qualquer outra coisa de preferência a isto: evitar que cada um detenha bens alheios ou seja privado dos próprios?
— Não; é isso que eles pretendem.
— Considerando que é uma coisa justa?
— Sim.
— E deste modo se concordará que a posse do que pertence a cada um e a execução do que lhe compete constituem a justiça.
— Sim.[2]
Vários estudiosos buscam oferecer uma resposta sintetizada a respeito do conceito de justiça, ou melhor, a idéia de justiça que aparece na República, e que nesse trabalho se encontram espalhada em vários parágrafos. Agora, porém, citamos dois autores e suas respectivas sínteses no referente ao assunto, a saber P. Marcos Sandrini e W. Jaeger.
A justiça nada mais é do que a harmonia que se estabelece entre três virtudes, a temperança (lavradores, artesãos e comerciantes), a fortaleza ou a coragem, (guardas) e a sabedoria (governantes). Quando cada cidadão e cada classe social desempenham as funções que lhes são próprias da melhor forma e fazem aquilo que por natureza e por lei são convocados a fazer, então realiza-se a justiça perfeita. Existe, portanto, uma justiça perfeita entre as virtudes da Cidade e as virtudes do indivíduo.[3]O conceito platônico do justo está acima de todas as normas humanas e remonta sua origem na alma mesma. É na natureza mais intima desta onde deve ter seu fundamento o que o filósofo chama o justo.[4]
A justiça platônica reside, antes de tudo, na alma humana como sua qualidade essencial e critério do melhor e mais feliz tipo de vida ao homem. Em “A República” esse pensamento está relação com as demais virtudes da cidade e as funções realizadas pelos cidadãos, o que leva a concluir que ela é necessária para a felicidade da Polis. A mesma deve permitir e trabalhar para a existência da justiça. Na República sonhada pelo personagem Sócrates, a justiça reina, fortalece e dá razão para os cidadãos amarem sua cidade, defenderem-na e por ela se doarem. Não há questionamentos quanto as diferentes posições sociais, pois se considera justo entregar a vida e inclusive a daqueles a quem se ama a fim de que a Polis seja bem construída.
Quanto à prática da Justiça
A justiça acontece em sua prática que consiste em agir descartando o egoísmo e reconhecendo a igualdade do direito do outro, ou seja, é ação que possibilita a convivência e a vivência conjunta dos homens, definição que perfeitamente cabe na “República”, pois como já mencionado, a temática da construção de um estado está em vista. Uma cidade dispõe de vários serviços a serem realizados, e precisa de pessoas com capacidade para isto. Naturalmente, para o pensamento apresentado pelo protagonista Sócrates, existe pessoas que tendem a desempenhar com agilidade, diferentes e específicas tarefas, fator que favorece a organização da Polis. E ainda, Sócrates contrapõe-se a certas ideologias (especialmente apresentadas no personagem do sofista Trasímaco) refutando a identificação da justiça com a vontade e o desígnio do mais forte, quando focaliza o fato de que cada coisa possui uma função própria. Sejam os instrumentos de trabalho, os animais ou os órgãos dos sentidos, cada um possui uma virtude própria, que o possibilita executar da melhor maneira sua função específica (por exemplo, a afiação da navalha, a visão aguda dos olhos etc.). Não escapa à regra a alma do homem. Ela tem uma função, qual seja, a vida, e a excelência ou virtude que a permite levar a cabo esta função do modo melhor possível é a justiça. Quem vive bem é o homem justo, não o injusto e, por isso, é próspero e feliz.
- Mas escuta, e diz se eu digo bem. O princípio que de entrada estabelecemos que devia observar-se em todas as circunstâncias, quando fundamos a cidade, esse princípio é, segundo me parece, ou ele ou uma das suas formas, a justiça. Ora nós estabelecemos, segundo suponho, e repetimo-lo muitas vezes, se bem te lembras, que cada um deve ocupar-se de uma função na cidade, aquela para a qual a sua natureza é mais adequada.
— Dissemos isso, sim.
—Além disso, que executar a tarefa própria, e não se meter nas dos outros, era justiça. Essa afirmação escutamo-la a muitas outras pessoas, e fizemo-la nós mesmos muitas vezes.
— É verdade.
— Logo, meu amigo, esse princípio pode muito bem ser, de certo modo, a justiça: o desempenhar cada um a sua tarefa. (PLATÃO)[5]
Essa idéia não é nenhuma novidade, já foi sugerida no diálogo Górgias e tem importância capital. “A concepção de justiça é apresentada muito diferente de outras, pois Sócrates explica a justiça como aquela virtude pela qual qualquer ser humano será levado ao tipo de vida que maximizará seu maior bem.”[6]
A Justiça e a Felicidade do Homem
 Platão defendeu a justiça como a virtude por excelência, seja para o indivíduo seja para a sociedade, insistindo dialeticamente que o homem justo é também feliz. Sendo assim, essa virtude está ligada à felicidade de cada cidadão e não é um peso ou resultado da incapacidade e medo do seu contrário – a injustiça. Identifica-se com clareza tais pontos em interrogações que podem ser sucintadas em: A justiça é melhor que a injustiça? De que forma? E quem é mais feliz, o homem justo ou o injusto?
Diremos que não seria nada para admirar se estes homens fossem muito felizes deste modo, nem de resto tínhamos fundado a cidade com o fato de que esta raça, apenas, fosse especialmente feliz, mas que o fosse, tanto quanto o possível, a cidade inteira. Supúnhamos, na verdade, que seria numa cidade desta espécie que se encontraria mais a justiça; e na mais mal organizada que, inversamente, se acharia a injustiça; observando-as, determinaríamos o que há muito estamos a procurar. Ora, presentemente estamos a modelar, segundo cremos, a cidade feliz, não tomando à parte um pequeno número, para os elevar a esse estado, mas a cidade inteira. (PLATÃO) [7]
Sendo atitude interior, só pode fazer parte da própria natureza humana, ou seja, é algo nato e sem estranheza para o homem. A alma do homem, essencialmente aquilo que ele é, sem deturpações, para Platão foi criada para atingir esse estado de harmonia que é a justiça. Uma alma justa é uma alma saudável. A justiça é a beleza, o bem-estar da alma, é a saúde; a sua enfermidade é o vício é, fealdade e fraqueza. Isso basta, certamente, para deixar clara a superioridade da justiça em relação à injustiça, e o fato de que é daquela, jamais desta, que se deve esperar a felicidade verdadeira. Enfim, definida a justiça como harmonia e ordem interna, a felicidade do justo consiste na conquista e conservação dessa harmonia, a qual, nos rigores da moral socrático-platônica, não sofre maiores interferências de fatores externos.
Platão também analisou como seria o comportamento do homem justo e do homem injusto para se chegar a descrever suas virtudes, e a tipologia das almas, a fim de determinar uma postura ética que direciona o homem para a conquista da sua felicidade dentro de suas aptidões constituindo por fim um estado justo e perfeito – A República. É considerado injusto aquele que transgredir as leis estabelecidas na cidade deixando se dominar pela cólera e pelos desejos, enquanto o justo é dominado pelo racional, que o leva a concordar com a função naturalmente cabida a ele na sociedade.
 
Conclusão
 Não resta dúvida que justiça é o elemento essencial para a constituição do Estadoperfeito expresso pelo personagem Sócrates em “A República” de Platão. O Estado idealizado por Sócrates só existirá se a justiça habitar plenamente nela, assim como em cada indivíduo que a ela pertence. Por considerar o outro, uma vez que é objetiva e a única que se liga ao estado, é vista como maior das virtudes, sendo indispensável para o bem do estado, que ainda buscará manter tal virtude por meio de leis que só serão justas se forem estabelecidas por pessoas (filósofos) que praticavam a virtude da justiça, e por isso, contemplam a própria idéia de justiça. Da mesma forma uma cidade será justa quando governada pelo elemento racional, ou seja, por uma classe de pessoas que sejam assim. O grande bem na vida da Polis é a justiça, por isso é necessário que as pessoas vejam a justiça como um bem em si mesmo. Então ela terá ocupado o seu verdadeiro lugar e terá a força necessária para a ordem, uma vez que reconhecida pelos cidadãos, não havendo inversão de valores e tarefas na organização social, isto é, cada um realizando aquilo que o dotou a natureza.
A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO 
CONCEPÇÃO PLATÔNICA DE REPÚBLICA
O encontro de Platão (427-348 a.C.) com Sócrates foi um momento decisivo em sua vida. Ele tinha sido criado com conforto e em meio à riqueza. Era um jovem belo e vigoroso, chamado Platão, dizem, por causa da largura dos ombros; distinguira-se como soldado e por duas vezes ganhara prêmios nos jogos ístmicos. Uma adolescência dessas não costuma produzir filósofos. Mas Platão era um caso especial. Era um grande admirador da sabedoria de seu mestre, Sócrates.
Ele estava com 28 anos quando o mestre morreu; aquele trágico fim de uma vida tranquila deixou sua marca em todas as fases do pensamento do discípulo. Aquilo o enchera de tamanho desprezo pela democracia, tamanho ódio pelas massas, que nem mesmo sua linhagem e sua criação aristocrática haviam despertado nele; levara-o a uma decisão catônica de que a democracia deveria ser destruída para ser substituída pelo governo dos mais sábios. A preocupação de sua vida passou a ser a procura de um método pelo qual os mais sábios e melhores pudessem ser descobertos e, depois, habilitados e persuadidos a governar.
Entretanto, os seus esforços para salvar Sócrates haviam feito com que ele se tornasse suspeito aos olhos dos líderes democráticos; seus amigos insistiram que Atenas não era segura para ele e que aquele era um momento admiravelmente propício para que ele corresse o mundo. E assim, naquele ano de 399 a.C., ele partiu. Para onde foi, ninguém soube ao certo. Talvez Egito, Sicília, Itália e Índia.
Voltou a Atenas em 387 a.C., um homem de 40 anos, e por onde andara, o mundo inteiro soube, pois Platão o contou em prosa mais bela do que poesia.
A ANÁLISE DA ESTRUTURA DA REPÚBLICA
Platão aspirava a construir uma República que fosse a cidade ideal, organizada segundo as leis da justiça e da harmonia, cidade na qual cada habitante deveria preencher uma função precisa e específica. Essa reforma política sonhada por Platão nunca ultrapassou o estado de projeto. Mas ela continua mesmo hoje e para o futuro um dos inestimáveis tesouros do mundo.
O melhor deles – a República – é um tratado completo, Ali Platão está reduzido a um libro; nele encontramos a sua metafísica, sua teologia, sua ética, sua psicologia, sua pedagogia, sua política, sua teoria da arte. Nele encontramos problemas exalando modernidade e sabor contemporâneo, comunismo e socialismo, feminismo, o controle de natalidade e eugenia, problemas nietzscheanos de moralidade e aristocracia, problemas rousseaunianos de retorno à natureza e educação indeterminista, élan vita bergsoniano e psicanálise freudiano – está tudo ali. É um banquete para a elite, servido por um anfitrião generoso.
A REPÚBLICA COMO IDEAL POLÍTICO
A República termina após mais uma discussão das artes e outro argumento sobre a indestrutibilidade da alma. Mas todas as almas têm de escolher uma nova vida, mas após cruzarem o Rio Lete esquecem o que aconteceu e, assim, começa uma nova vida. Mas devemos ter cautela, a República constitui de várias maneiras uma utopia, e Platão teve plena e perfeita consciência disso.
E agora, o que vamos dizer de toda essa utopia que vai de Platão aos nossos dias? Ela é factível? Será que possui quaisquer aspectos praticáveis que possamos aproveitar no presente? Já foi posto em prática em algum lugar ou até certo ponto?
Pelo menos a última pergunta deve ser respondida em favor de Platão. Durante mil anos, a Europa foi governada por uma ordem de guardiães consideravelmente parecida com aquela imaginada pelo nosso filósofo. Na Idade Média, era costume classificar a população da cristandade em “laboratores” (trabalhadores), “bellatores” (soldados) e “oratores” (clero). O último grupo, embora pequeno em número, monopolizava os instrumentos e as oportunidades de cultura e governava com um poder quase ilimitado, metade do continente mais poderoso do globo. Os membros do clero, como os guardiães de Platão, eram colocados em postos de mando, não por sufrágio do povo, mas pelo talento demonstrado nos estudos e na administração.
Na segunda metade do período em que governaram, os membros do clero se achavam tão livres de preocupações familiares quanto o próprio Platão poderia desejar; e, em certos casos, parece não ter sido pouco o uso que faziam da liberdade de reprodução concedida aos guardiães. O celibato fazia parte da estrutura psicológica do poder do clero; porque, de um lado, seus componentes ficavam livres do egoísmo estreito das famílias, e, de outro, sua aparente superioridade diante dos apelos da carne aumentava a admiração reverente que os leigos lhes dedicavam e a disposição destes em desnudarem suas vidas ao confessionário.
Com esse corpo de doutrina, os povos da Europa foram governados praticamente sem apelar para a força, e aceitavam tanto esse governo que durante mil anos contribuíram com abundante apoio material para seus governantes e não pediram ao governo o direito de opinar. E essa aquiescência não se limitava à população em geral; mercadores e soldados, senhores feudais e pobres civis ajoelhavam-se, todos, diante de Roma. Era uma aristocracia de invulgar sagacidade política; criou, provavelmente, a mais maravilhosa e poderosa organização que o mundo já conheceu.
Os jesuítas, que durante algum tempo governaram o Paraguai, eram guardiães semiplatônicos, uma oligarquia clerical cujo poder derivava da posse do conhecimento e de capacidade em meio a uma população indígena.
E por várias décadas o Partido Comunista, que governou a Rússia após a Revolução de 1917, tomou uma forma estranhamente parecida com a República de Platão. Construíram uma pequena minoria, mantida unida quase que por causa da convicção ateísta, brandindo as armas da ortodoxia, devotados à sua causa com o mesmo ardor com que qualquer santo se dedica à sua e levando uma existência severa, enquanto governavam metade do território da Europa.
Esses exemplos indicam que, dentro de limites e com modificações, o plano de Platão é perfeitamente exequível; e realmente, ele mesmo o baseava em grande parte na prática, observada nas viagens que fizera. Ele ficara impressionado com a teocracia egípcia; ali estava uma grande e antiga civilização governada por uma pequena classe sacerdotal.
Em suma, Platão deve ter sentido que, ao propor seu plano, não estava fazendo uma melhoria impossível das realidades que seus olhos haviam contemplado.

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