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1 CCUURRSSOO DDEE IIMMUUNNOOHHEEMMAATTOOLLOOGGIIAA Parte I: A Membrana Eritrocitária e os Grupos Sanguíneos 2009 2 CURSO DE IMUNOHEMATOLOGIA – 2009 Parte I – A Membrana Eritrocitária e os Grupos Sanguíneos 1- Estrutura das Membranas celulares: As biomembranas são estruturalmente bastante similares, sejam vegetais ou animais. São constituídas por lipídios sob a forma de fosfolipídios (40-80%), proteínas (50-70%) e carboidratos glicosilando lipídios e proteínas. Os fosfolipídios emparelhados e dispostos em camada dupla formam a matriz membranária que contem o citoplasma da célula. A quantidade de colesterol presente nesta matriz lipídica é responsável pela rigidez de cada membrana celular, de maneira que quanto maior a concentração de colesterol, maior a rigidez da membrana. As proteínas membranárias apresentam múltiplas funções fisiológicas, fazendo com que as membranas celulares não sejam apenas barreiras passivas para conter o citoplasma, mas sim barreiras ativas responsáveis pelo que poderíamos chamar “vida social das células”. De acordo com a forma de inserção na membrana, estas proteínas podem ser classificadas como Integrais ou Intrínsecas e Periféricas ou Extrínsecas. As proteínas integrais ou intrínsecas atravessam a matriz fosfolipídica da membrana uma vez (de único passo) ou várias vezes (de multipasso). As proteínas periféricas ou extrínsecas não atravessam a membrana e estão localizadas em sua parte externa sobre uma ancora de glicosilfosfatidilinositol (GPI) ou em sua 3 parte interna, formando um grupo de proteínas que constituem uma espécie de “cito-esqueleto“. Os carboidratos podem estar ligados aos fosfolipídios sob a forma de glicolipídios ou às proteínas sob a forma de glicoproteínas. 2- Funções das membranas celulares: Como dito anteriormente, as biomembranas são ativas e muti-funcionais através de suas proteínas. Entre suas principais funções, temos: Defesa contra potenciais elétricos externos, através de um grupo de proteínas glicosiladas, principalmente sialoglicoproteínas, constituintes do chamado “glicocalix” que é como um escudo de defesa da célula contra a aproximação de outras células ou matrizes extracelulares eletricamente carregadas. O transporte seletivo de moléculas polarizadas que não são capazes de atravessar a matriz fosfolipídica da membrana celular por simples difusão, é feito por proteínas intrínsecas de mutipasso especializadas em transporte. A transmissão de sinais, através da membrana celular, que irão iniciar algum processo dentro da célula, como crescer, dividir, sintetizar proteínas ou morrer, é feita através de receptores protéicos membranários. A interação entre células acontece em alguns processos fisiológicos. Na “diapedesis”, por exemplo, leucócitos atravessam o endotélio de vasos sanguíneos e migram intersticialmente até sítios inflamatórios. Para que este processo ocorra, certas proteínas membranárias dos leucócitos devem interagir com matrizes extracelulares no endotélio de capilares sanguíneos, promovendo a aderência inicial entre leucócitos e endotélio. 4 Algumas proteínas membranárias apresentam atividades enzimáticas importantes no metabolismo e em mecanismos de defesa do organismo. 3- Modelo de Biomembranas: Este modelo de representação das biomembranas evidencia sua matriz fluídica de fosfolipídios atravessada por proteínas puras (não glicosiladas) e glicoproteínas (glicosiladas) que cumprem diversas funções, como vimos no slide anterior. As proteínas relacionadas com a função de transporte na membrana variam de simples canais para transporte de água (aquoporinas), até proteínas mais complexas que transportam íons e moléculas maiores e eletricamente carregadas; estas últimas são proteínas que consomem energia (ATP) para realizar suas funções. Uma grande parte das proteínas transportadoras, ao atravessar a matriz fosfolipídica da membrana, liga-se com proteínas internas do “citoesqueleto” cumprindo também, uma função estrutural, ou seja, de manutenção da morfologia celular. Outras proteínas, aqui representadas, são glicoproteínas ditas de reconhecimento capazes de reagir com algumas matrizes extracelulares e promover a aderência entre células, além daquelas que são receptores membranários de sinais (ex: receptores hormonais) e de certos peptídios biologicamente ativos como quimiocinas. Moléculas de colesterol aparecem na matriz lipídica, determinando a fluidez (menos colesterol) ou rigidez (mais colesterol) da membrana celular. 5 4- Representação 3D da matriz fosfolipídica da membrana: As moléculas de fosfolipídios emparelhadas estão dispostas em dupla camada, de maneira que suas extremidades hidrofílicas se comunicam com o citoplasma e o exterior da célula e as extremidades saturadas criam uma região hidrofóbica na matriz celular. 5- Síntese de proteínas: 6 Vamos recordar brevemente o processo de biosíntese de proteínas e o mecanismo de inserção das proteínas membranárias. O Genoma humano é representado por todo o material genético do organismo, incluindo todas as seqüências de DNA dos cromossomos e das organelas celulares. Os cromossomos são as unidades físicas do genoma visíveis dentro do núcleo durante os processos de divisão celular, enquanto os genes são as unidades funcionais envolvidas no processo de produção de proteínas. Um gene é um segmento de DNA (seqüência de nucleotídios) dividido em três regiões: Uma região “codificadora”, contendo segmentos que são traduzidos em peptídios (EXONS) interligados por segmentos que não são traduzidos (INTRONS). Uma região anterior a codificadora “leader”. Uma região posterior a codificadora “trailer”. No primeiro e no último exon, existem seqüências de bases que, embora, façam parte da região codificadora, não são traduzidas em aminoácidos na proteína. São chamadas, respectivamente de “5‟ UTR” e “3‟ UTR” (UTR significa região não traduzida). A “5‟ UTR” é, geralmente, curta e se estende do início do primeiro exon até o “Ponto de Iniciação” que se refere à posição correspondente ao primeiro códon (ATG) transcrito em RNA. A “3‟ UTR”, no último exon, começa com um dos três “Stop Codons” TAA, TAG ou TGA e termina na seqüência chamada “Sinal poli-A”, que na maioria dos genes é representada pelas seis bases AATAAA. Precedendo a “5‟ UTR” está uma região receptora de sinais que dirigem e controlam a expressão do gene, chamada “Região Promotora”. 7 A maioria dos genes eucarióticos é transcrita pela enzima chamada “RNA polimerase II”, cuja ativação depende de uma série de fatores de transcrição que se unem, em uma ordem precisa, ao redor de uma seqüência específica da região promotora (25 bases antes do ponto de iniciação), chamada “TATA-Box”. A fita dupla de DNA que constitui um gene é formada de duas fitas simples complementares em sentidos opostos, sendo a fita codificadora aquela que se alonga no sentido do carbono 5‟ para o carbono 3‟ da desoxirribose. A fita complementar à codificadora (3‟–5‟) serve de modelo no processo de “Transcrição” para construção de um RNA-nuclear, que tem a mesma seqüência da fita codificadora no gene (incluindo exons e introns). Posteriormente, por um processo chamado “RNA–splicing” que elimina os segmentos não-codificadores (introns), o RNA-nuclear é transformado em RNA-mensageiro (mRNA) que é representado por uma seqüência somente de exons. Considere que a base pirimídica Timina no DNA é substituída por Uracila no RNA. Uma vez formado, o mRNA migra para o citoplasma celular e vai dirigir a sínteseprotéica feita pelos ribossomos no sistema retículo-endoplasmático rugoso. O processo de “Transcrição” é iniciado quando a RNA-polimerase II se liga à região promotora do gene. Inicialmente, uma proteína chamada TF-IID (TATA-Proteína Ligante) se liga a uma curta seqüência T-A-T-A-A (TATA-box) na região promotora, cerca de 25-30 nucleotídios antes do “Ponto de iniciação” (ATG). Este complexo inicial formado é estabilizado pelos fatores de transcrição TF-IIA (A) e TF-IIB (B). TF-IIB (B) 8 funciona como um sítio de ligação para TF-IIF (F) e a RNA-polimerase II que, em seguida, é ativada por TF-IIE (E) e fosforilada por TF-IIH (H). O ritmo da transcrição depende de dois outros grupos de fatores de transcrição chamados co-ativadores e ativadores, sendo que as proteínas co-ativadoras se ligam em fatores de base já fixados na região promotora, enquanto as proteínas ativadoras se ligam em regiões do DNA, distantes da região promotora, chamadas “Enhancers”. A interação entre proteínas ativadoras e subunidades das proteínas co-ativadoras na região promotora aumenta o ritmo de transcrição. Quando um tipo de proteína chamada “Repressora” se liga em regiões do DNA chamadas “Silencers” adjacentes aos “Enhancers”, as proteínas ativadoras não conseguem mais ligar ao DNA e o processo de transcrição é interrompido. Uma vez que a RNA-polimerase II se fixou sobre a região promotora, a fita dupla de DNA começa a se desemparelhar nesta região, expondo a fita modelo (3‟-5‟) complementar à fita codificadora (5‟-3‟), que é a única que contem as seqüências corretas da região promotora. Em seguida a primeira base de RNA é transcrita no “Ponto de Iniciação” da fita modelo e inicia o processo de alongamento. Nucleotídios RNA são adicionados seqüencialmente a partir deste ponto, até que a RNA-polimerase II atinja o final da fita modelo e libere uma fita simples de RNA-nuclear, que contem a mesma seqüência de bases da fita codificadora (5‟-3‟) de DNA do gene expresso, incluindo os segmentos de exons e introns. Vale recordar que a base Timina no DNA é substituída por Uracila no RNA. 9 Antes de deixar o núcleo celular e migrar para o sistema reticulo endoplasmático rugoso para ser traduzida em proteína pelos ribossomos, a fita transcrita de RNA- nuclear sofre algumas modificações: Uma molécula CAP (Catabolite gene Activator Protein) consistindo de uma GTP (Guanosina trifosfato) modificada é incorporada ao terminal 5‟, servindo como um sinal de reconhecimento para os ribossomos. Uma seqüência de mais de 150 bases de Adenina (poli-A) é incorporada ao terminal 3‟, para estabilização do RNA. Os segmentos de introns são removidos por um processo chamado “RNA- splicing”. No “RNA-splicing” ou Processamento de RNA, pequenas ribonucleoproteínas nucleares (snRNP), contendo moléculas curtas de RNA, são capazes de reconhecer e ligar especificamente (por pareamento de bases) nos terminais 5‟ e 3‟ dos introns. Outras moléculas de “snRNP” são adicionadas formando um complexo chamado “Spliceosoma” que une as extremidades 5‟ e 3‟ do intron removendo-o e ligando os exons adjacentes; as moléculas de “snRNP” são liberadas. A nova molécula formada pelas modificações do RNA-nuclear é o RNA-mensageiro (mRNA), que deixa o núcleo celular por um processo ativo de reconhecimento da extremidade CAP do mRNA pelos poros da membrana nuclear e migra-se para o citoplasma da célula. 10 O processo de “Tradução” consiste em decifrar o código genético contido na fita de mRNA e produzir uma proteína de acordo com este código. Este processo ocorre fora do núcleo em estruturas chamadas ribossomos, produzidas pelos nucléolos. Cada unidade de ribossomo é formada de duas subunidades de diferentes pesos moleculares e separadas uma da outra, exceto quando produzindo uma proteína. Nas células eucarióticas, a subunidade maior é designada 60S e a menor 40S, sendo “S” o coeficiente de sedimentação em ultracentrífugas. Existem dois tipos básicos de ribossomos, os livres e os aderidos ao “Retículo Endoplasmático Rugoso” (RER). Toda síntese protéica começa nos ribossomos livres e dependendo da presença de certas seqüências de sinal na proteína em formação, os ribossomos se ligam ao RER. As proteínas formadas no RER são secretadas para fora da célula ou são integradas em organelas como a membrana celular ou lisossomos, enquanto aquelas produzidas em ribossomos livres integram mitocôndrias e o “citosol” (matriz citoplasmática). A síntese de uma proteína começa quando a subunidade menor (40S) do ribossomo liga-se ao mRNA e move-se ao longo da fita para encontrar o códon de iniciação “AUG” que significa uma “Metionina”, que é o primeiro aminoácido de toda proteína produzida em células eucarióticas, mesmo que este aminoácido seja removido, posteriormente, da proteína funcional. Quando um “RNA-transportador” (tRNA) carreando metionina (anticódon UAC) se liga ao códon AUG do mRNA, isto provoca a adesão da subunidade maior (60S) do ribossomo ao complexo. Muitos ribossomos podem ligar-se e ler a mesma fita de mRNA, produzindo estruturas chamadas “Poliribossomos”. Uma vez reconhecido o código de iniciação AUG, cada unidade de ribossomo move-se ao longo do mRNA (direção 5‟-3‟), deslocando-se de 3 em 3 bases ou seja de códon a códon. Cada códon lido determina um novo aminoácido na cadeia peptídica da proteína, até que cada unidade de ribossomo encontre um códon que não pode ser traduzido em aminoácido, chamado “stop códon”, representado por uma das seqüências “UAA, UAG ou UGA”. Um chamado “Fator de liberação” liga-se ao “stop códon” terminando o processo de tradução e liberando a proteína completa do ribossomo. O movimento dos ribossomos consome energia fornecida por moléculas de “Guanosina Trifosfato” (GTP), similares as de ATP. Uma unidade de ribossomo possui basicamente dois sítios de ligação para tRNA, o sítio P (peptidil) e o sítio A (acceptor). Podemos incluir um terceiro sítio chamado sítio E (exit), onde o tRNA livre do aminoácido que já foi inserido na cadeia peptídica é liberado. O primeiro tRNA transportando a Metionina inicial se liga ao sítio P do ribossomo, o segundo tRNA reconhece e liga-se ao próximo códon no sítio A. A metionina no sítio P liga-se ao aminoácido que acabou de entrar no sítio A, pela formação de uma ligação peptídica entre os dois aminoácidos. O ribossomo avança um códon e o tRNA livre é liberado no sítio E. O próximo aminoácido é adicionado pelo tRNA com o anticódon correspondente ao códon disponível no sítio A. O ribossomo continua a mover-se ao longo do mRNA e novos aminoácidos são adicionados à 11 crescente cadeia peptídica. A proteína estará pronta quando o ribossomo encontrar um stop códon (UAA, UAG ou UGA). Um gene é transcrito em mRNA num “Open Reading Frame” (ORF) que é representado pela seqüência de códons entre um códon de iniciação (AUG) e um “stop” códon (UAA, UAG ou UGA). Em células eucarióticas, um único ORF é utilizado para expressão de um gene; normalmente o mais longo. 6- Inserção de proteínas membranárias: As proteínas membranárias constituem nosso maior objeto de estudo em Imunohematologia. Como já comentamos anteriormente, estas proteínas são produzidas pelos ribossomos aderidos ao RER (retículo endoplasmático rugoso) que liberam as proteínas recém-formadas na luz deste sistema de endomembranas formado por uma rede de túbulos e cisternas interconectados. As proteínas são transportadas dos compartimentos do RER por um mecanismo de formação de vesículas de transporte, contendo proteínas, que se desprendem do RER e se fundem com outro sistema de endomembranas chamado “Complexo de Golgi”, onde são temporariamente armazenadas. A inserção das proteínas na membrana celular se dá pelo mesmo mecanismode formação de vesículas de transporte, contendo proteínas. Estas se desprendem do complexo de Golgi e se fundem com a membrana celular, inserindo as proteínas na matriz lipídica membranária. Núcleo Inserção de Proteínas na Membrana Celular 12 7- Papel fisiológico das proteínas membranárias: O slide 17 apresenta exemplos de proteínas membranárias em modelos 3D e animações destas proteínas executando suas funções, publicados no “The Virtual Cell Web Page, Chapter Three: Cell Biology”. 8- Estrutura básica da membrana eritrocitária: Se fizermos um corte em uma membrana eritrocitária, vamos perceber que sua estrutura básica é a mesma de qualquer biomembrana, ou seja, uma matriz dupla de fosfolipídios, proteínas e açucares. 13 O slide acima apresenta um modelo 2D de representação das proteínas da membrana eritrocitária, de acordo com o tipo de inserção membranária e os antígenos de grupos sanguíneos carreados por elas. Proteínas glicosiladas (glicoproteínas) de único passo com o terminal amínico (NH2) fora da célula e o terminal carboxílico (COOH) dentro da célula são carreadoras de antígenos dos sistemas de grupos sanguíneos MNS, Gerbich, Indian, Knops, Lutheran, LW e XG. Uma glicoproteína similar, mas inserida na membrana eritrocitária em sentido inverso (ter-NH2 dentro da célula e ter-COOH fora da célula) é carreadora de antígenos do sistema Kell. Glicoproteínas de multipasso apresentando o terminal COOH dentro da célula e NH2 fora da célula são tipicamente receptores membranários. A proteína Duffy tem esta estrutura e como veremos adiante ela desempenha um importante papel como receptor membranário. A maioria das proteínas de multipasso apresenta os terminais NH2 e COOH dentro da célula e desempenha funções estruturais ou de transporte de moléculas através da membrana celular e, freqüentemente, as duas funções. Quando são estruturais, um ou os dois terminais intracelulares (NH2 e COOH) se ligam em proteínas internas do citoesqueleto. Estes dois tipos de proteínas podem ou não ser glicosiladas. As proteínas Kx e Rh são proteínas puras, enquanto as proteínas Diego, Colton e Kidd são glicoproteínas. Alguns antígenos de grupos sanguíneos como os dos sistemas Cromer, Yt, Dombrock e JMH estão localizados em glicoproteínas extrínsecas externas, construídas sobre uma âncora de GPI (glicosil-fosfatidil-inositol) na matriz fosfolipídica. Os antígenos glicídicos, como os dos sistemas ABO, H, Lewis, I e P, são carreados pelas cadeias de açucares que glicosilam as proteínas (glicoproteícos) e, principalmente, pelos açucares ligados diretamente sobre os fosfolipídios da matriz membranária (glicolipídicos). 9- Sistemas de Grupos Sanguíneos (ISBT): De acordo com a nomenclatura da ISBT (Sociedade Internacional de Transfusão Sanguínea), conhecemos 29 sistemas de grupos sanguíneos contendo um total de 245 antígenos. Todos estes sistemas tiveram seus genes seqüenciados e localizados em regiões cromossomicas específicas. Um sistema de grupo sanguíneo consiste de um ou mais antígenos controlados por um único gene ou por dois ou mais genes homólogos ligados, que apresentem pouco ou nenhum grau de recombinação entre eles. 14 10- Coleções de Antígenos Eritrocitários (ISBT): 15 As coleções contêm antígenos relacionados sorológica, bioquímica e geneticamente, mas que não atendem a todos os critérios requeridos para serem sistemas. Conhecemos, atualmente, 6 coleções de antígenos eritrocitários. Observem a nova coleção criada VEL (211), contendo dois antígenos relacionados de alta freqüência VEL1 e ABTI (VEL2). A criação dos sistemas I e GLOB (Globosídeo) contendo, respectivamente, os antígenos I e P, pressupõe que as coleções 207 (I) e 209 (GLOB) contendo, respectivamente, os antígenos i e Pk mantêm símbolos idênticos aos dos sistemas. 11- Séries de Antígenos Eritrocitários (ISBT): Existem 2 séries de antígenos eritrocitários: a série 700 de antígenos de baixa freqüência (18 antígenos) e a série 901 de antígenos de alta freqüência (8 antígenos). Os critérios para inclusão de antígenos na série 700 devem considerar uma baixa incidência (<1%) do antígeno em diversas populações testadas, uma perfeita distinção de outros antígenos de baixa incidência pertencentes aos sistemas ou coleções, além da demonstração de herança genética do antígeno em pelo menos duas gerações. De maneira similar, antígenos a serem incluídos na série 901 devem considerar uma alta incidência (>90%) do antígeno em diversas populações testadas, uma perfeita distinção de outros antígenos de alta incidência pertencentes aos sistemas e coleções e demonstração de herança genética do antígeno em pelo menos duas gerações. 16 12- Antígenos da Membrana Eritrocitária: Os antígenos eritrocitários são, basicamente, de duas naturezas bioquímicas: Glicídica e Protéica. Os antígenos glicídicos são representados por açúcares específicos de cadeias glicídicas ligadas em glicoproteínas ou em fosfolipídios (glicolipídios); enquanto os antígenos protéicos são representados por pontos de polimorfismos nas cadeias peptídicas de glicoproteínas ou proteínas puras, intrínsecas e extrínsecas da membrana eritrocitária. Estudaremos com detalhes os sistemas de grupos sanguíneos de importância clínica, cujos antígenos são açucares como ABO, H, Lewis, P e os sistemas, cujos antígenos são protéicos como RH, Kell, Duffy, Kidd, MNS, Diego, Lutheran e outros. 13- Sistema ABO (ISBT: 001 – ABO) e associados: Os antígenos do sistema ABO (ISBT: 001 – ABO) e de seus associados diretos H (ISBT: 018 – H) e Lewis (ISBT: 007 – LE) serão estudados em conjunto, uma vez que os antígenos destes sistemas fazem parte dos mesmos construtos moleculares na membrana do glóbulo vermelho e nos fluidos biológicos como saliva, plasma e líquido pericárdico. 14- Sistema ABO e associados diretos: O sistema ABO é o mais importante dos sistemas de grupos sanguíneos e que , na realidade, é um sistema tissular de histocompatibilidade. Seus antígenos estão presentes em todas as células do organismo e, inclusive, nos líquidos biológicos 17 como plasma sanguíneo, saliva e líquido pericárdico, sob a forma de glicoproteínas solúveis. Os antígenos ABO são representados por pontos de polimorfismo em cadeias complexas de glicídios das glicoproteínas membranárias e solúveis e, principalmente, dos glicolipídios membranários. As especificidades ABO estão relacionadas com o último açúcar nestas cadeias glicídicas e, constituem as estruturas imunodominantes A e B. Quando o açúcar terminal é N-acetil-D-galactosamina, a especificidade é A; quando este açúcar for D-galactose, a especificidade é B. Açúcares não são herdados geneticamente e, portanto, os antígenos ABO são produtos secundários dos alelos ABO. Os produtos primários são enzimas genericamente chamadas “Glicosiltransferases”, que são carreadoras de açúcares. As glicosiltransferases ABO transportam os açucares ABO e os inserem nas cadeias glicídicas de glicoproteínas e glicolipídios que já contenham o antígeno H como substrato para as enzimas. Os raros indivíduos que apresentam fenótipos eritrocitários deficientes em antígeno H (Bombay), também não expressam os antígenos ABO, ainda que possuam um gene ABO ativo, uma vez que as glicosiltransferases ABO não reconhecem como substrato, cadeias glicídicas que não contenham antígeno H. O gene ABO se estende por 18 kb de DNA genômico no cromossomo 9 (9q34), apresentando uma estrutura com 7 exons. Substituições de bases de nucleotídios 18 nos exons 6 e 7 criam uma diversidade de alelos ABO, que por sua vez, produzem glicosiltransferases com diferentes especificidades ecapacidades variáveis de transporte do açúcar específico. Como resultado, temos fenótipos comuns ABO (A1, A2, B, A1B, A2B e O) produzidos pelos alelos comuns correspondentes (A 1, A2, B e O) e os fenótipos ditos raros (A3, Aend, Ax, Am, Ay, Ael, B3, Bx, Bm, Bel, B(A) e cis-AB) produzidos pelos alelos raros correspondentes (A3, Aend, Ax, Am, Ay, Ael, B3, Bx, Bm, Bel, B(A) e cis-AB). Os antígenos ABO são bem distribuídos no organismo, mas com uma função não muito clara. Como são açucares, glicosilam proteínas membranárias formadoras do chamado “glicocalix”, que funciona como um escudo de cargas negativas que protege a célula contra potenciais elétricos externos. Não existe uma associação direta entre doenças e a ausência de antígenos ABO, mas pode-se verificar que a vulnerabilidade à algumas doenças infecciosas bacterianas, é maior em determinados grupos sanguíneos que em outros. Isso se deve ao fato de bactérias apresentarem em suas membranas, estruturas similares aos antígenos ABO. 15- Antígenos ABO e associados nas hemácias: A síntese dos antígenos ABO e H das hemácias ocorre quando os glóbulos são, ainda, eritroblastos e possuem núcleos celulares. Nas hemácias maduras, encontramos cadeias glicídicas sobre proteínas e, principalmente, sobre fosfolipídios da matriz membranária, construídas pelas glicosiltransferases do eritroblasto. Nas representações gráficas mostramos uma seqüência de açucares em azul, que foram adicionados à cadeia glicídica por glicosiltransferases produzidas por genes que não sofreram mutações (selvagens) e que, portanto, todos os indivíduos os possuem. Assim sendo, a seqüência de açúcares em azul forma uma “substância de base” comum em todos os indivíduos. Os açúcares terminais foram adicionados pelas glicosiltransferases ABO e H, produzidas pelos genes ABO e H respectivamente, sendo o antígeno H uma L- fucose, o antígeno A uma N-acetil-galactosamina e o B uma D-galactose. 19 16- Biosíntese dos antígenos ABO e seus associados diretos: Quando estudamos a estrutura de uma cadeia glicídica carreadora de antígenos ABO e H produzida pelo glóbulo vermelho (mais especificamente pelo eritroblasto), observamos que os dois últimos açúcares da “substância de base” (em azul) são ligados pelos carbonos 1 da galactose e 4 da N-acetil-glucosamina. O fato do carbono 4 não estar livre neste tipo de cadeia glicídica (Gal1- 4GlucNAc), nos permite compreender porque os antígenos Lewis, que também são associados diretos de ABO, não são produzidos pelo eritroblasto. O antígeno Lea é representado por uma L-fucose ligada, exatamente, no carbono 4 da N- acetil-glucosamina da substância de base, que neste caso já está ocupado. Os antígenos Lewis, no entanto, podem ser detectados na membrana eritrocitária por testes sorológicos de fenotipagem. São estruturas solúveis plasmáticas produzidas, possivelmente por células endoteliais dos vasos sanguíneos, que foram adsorvidas à membrana. 20 Para compreendermos o processo de biossíntese de uma cadeia glicídica contendo antígenos Lewis, além dos antígenos ABO e H, vamos estudá-lo numa glicoproteína solúvel produzida por células da mucosa salivar. Observamos que a ligação entre os dois açúcares terminais da substância de base (em azul) é do tipo “Gal1-3GlucNAc”, onde o carbono 4 da N-acetil-glucosamina está livre para receber uma L-fucose, que é inserida na cadeia glicídica por uma glicosiltransferase produzida pelo gene ativo do sistema Lewis (Le). Este é o antígeno Lea. A presença do antígeno H, representado por uma outra L-fucose ligada ao carbono 2 do último açúcar da substancia de base (Gal), modifica a posição da molécula de L-fucose no carbono 4 (Lea) que passa a não ser reconhecida pelo anticorpo anti-Lea, mas sim pelo anti-Leb. Dessa forma, o antígeno Lea se converte em Leb pela presença do antígeno H. Uma observação importante é que a glicosiltransferase que insere o antígeno H na substancia de base de tipo “Gal1-3GlucNAc” (produzida fora do eritroblasto), é produzida pelo gene “Se” (secretor) e não pelo gene H que é ativo apenas no eritroblasto. O açúcar A (N-acetil-galactosamina) ou B (D-galactose) do sistema ABO é inserido no carbono 3 do último açúcar da substancia de base (Gal), de acordo com a especificidade da glicosiltransferase produzida pelo gene ABO. 21 17- Genes ABO e Glicosiltransferases produzidas: Nas representações gráficas, apresentamos os “backgrounds” genéticos mais comuns que produzem as diversas glicosiltransferases ABO. Mostramos diferentes posições de mutação, na seqüência de bases dos alelos ABO, numa linha amarela (5‟-3‟) e diferentes posições na seqüência de aminoácidos das enzimas ABO numa linha branca (NH2 – COOH). Vamos estudar mutações sofridas pelo gene ABO, que levam a produção de diversos alelos deste gene e as conseqüências das mutações na estrutura das glicosiltransferases produzidas. Vamos considerar como padrão o alelo A1, que produz a glicosiltransferase A1. Se compararmos as seqüências de bases de nucleotídios dos diversos alelos ABO com a seqüência do alelo padrão A1 e compararmos, também, as glicosiltransferases produzidas por estes alelos com aquela produzida pelo alelo A1, vamos identificar os pontos de mutações nos alelos e suas conseqüências para a estrutura e funcionalidade das glicosiltransferases. O alelo B, se comparado com o alelo A1, apresenta 7 posições com trocas de bases, enquanto a glicosiltransferase B apresenta 4 posições com troca de aminoácidos se comparada à glicosiltransferase A1. As mutações nas posições 297A>G, 657C>T e 930G>A do alelo A1 foram do tipo “silenciosas” e não implicaram em trocas de aminoácidos na estrutura da enzima. Entretanto, as mutações nas posições 526C>G, 703G>A, 796C>A e 803G>C foram do tipo “missense” e implicaram em trocas de aminoácidos na estrutura da enzima. 22 Dessa maneira, por este “background” genético, a glicosiltransferase B apresenta 4 aminoácidos diferentes da glicosiltransferase A1, nas posições 176Arg>Gly, 235Gly>Ser, 266Leu>Met e 268Gly>Ala, sendo que as trocas de aminoácidos nas posições 266 e 268 são consideradas críticas. Um aminoácido trocado na posição 268 pode alterar a especificidade da enzima. A presença de uma Alanina na posição 268 da glicosiltransferase B, em substituição a uma Glicina da glicosiltransferase A1, é a responsável pela especificidade B da enzima. O alelo O, se comparado com A1, apresenta uma mutação por deleção de uma base (Guanina) na posição 261 do gene. Isto provoca um “frameshift” na decodificação do gene e como resultado, a proteína produzida pelo alelo O não apresenta atividade enzimática, por isso o grupo sanguíneo O não possui nenhum dos dois açúcares ABO. 23 Vejamos representações gráficas dos “backgrounds” genéticos mais comuns na produção de subgrupos ABO. O alelo A2 em relação ao A1 apresenta uma mutação de tipo “missense” na posição 467C>T e deleção de uma base (citosina) na posição 1060. Como conseqüência, a glicosiltransferase A2 é diferente da A1 por uma troca de aminoácido na posição 156Pro>Leu e por ser um pouco mais curta. Em termos funcionais, a enzima A2 não mudou sua especificidade e continua carreando o açúcar A (N-acetil-galactosamina), mas de uma maneira menos eficaz que a enzima A1, só reconhecendo como substrato as cadeias glicídicas lineares das substancias de base com o antígeno H. A enzima A2 não insere o açúcar A em cadeias ramificadas. Por essa razão, o fenótipo A2 apresenta diferenças quantitativas (menor número de sítios antigênicos) e qualitativas (podem desenvolver anti-A1) em relação ao A1. O alelo A3 em relação ao A1, apresenta uma mutação “missense” na posição 871G>A, implicando numa troca de aminoácidona posição 291Asp>Asn da glicosiltransferase A3. Como conseqüência, a enzima A3 é pouco eficiente no transporte do açúcar A, criando o subgrupo A3. Este fenótipo tem como característica sorológica, em uma reação com anti-A, a aglutinação parcial das hemácias da amostra de um mesmo indivíduo (dupla população ou campo misto). O alelo Ax em relação ao A1, apresenta uma mutação “missense” na posição 646T>A, produzindo o polimorfismo da posição 216 Phe>Ile na enzima Ax. Esta enzima, pouco eficiente, converte pouca substancia de base (com antígeno H) em antígeno A. Por isso o subgrupo Ax pode não ser detectado em provas diretas de aglutinação com anticorpos anti-A, quando o número de sítios antigênicos é inferior ao mínimo necessário para produção de aglutinação das hemácias (~2.000/célula). 24 O alelo B3 em relação ao B, apresenta uma mutação “missense” na posição 1054C>T, implicando em troca de aminoácido na posição 452Arg>Trp da enzima B3. As hemácias de subgrupo B3 apresentam características sorológicas similares ao A3, ou seja, dupla população ou campo misto numa reação com anti-B. 18- Experimento sobre especificidades das glicosiltransferases A e B (F. Yamamoto): 25 Neste experimento, F. Yamamoto estudou o efeito da troca de aminoácidos na posição 268 das glicosiltransferases ABO. Ele fez a transfecção, in vitro, de 20 construtos modificados de glicosiltransferases A e B, cada um com um aminoácido diferente na posição 268, em células HeLa (células de câncer de útero) e COS1 (células de rim do “macaco verde” africano), para estudar a expressão de antígenos A e B nestas células. As células HeLa e COS1 foram escolhidas para o experimento por expressarem grandes quantidades de cadeias glicídicas contendo substancias de base com antígeno H (como hemácias de grupo O) e que, portanto, podem incluir um açúcar ABO pela atividade das glicosiltransferases específicas. A região cerca da posição 268 na glicosiltransferase A é “266Leu – 267Gly – 268Gly” e na glicosiltransferase B é “266Met – 267Gly – 268Ala”. Yamamoto analisou as conseqüências da troca de aminoácidos na posição 268 da glicosiltransferase A, onde originalmente temos uma Glicina (Gly) e demonstrou o seguinte: - Se o aminoácido for trocado por Histidina (His) ou Fenilalanina (Phe), a enzima perde em eficiência mas continua transportando o açúcar A, ainda que em menor quantidade. - Se o aminoácido for trocado por Alanina (Ala) ou Cisteína (Cys) ou Serina (Ser), a enzima perde sua especificidade e passa a transportar, também, o açúcar B, produzindo fenótipos “cis-AB”. - Se o aminoácido for trocado por Asparagina (Asn) ou Treonina (Thr), a enzima muda a especificidade e eficiência, passando a transportar somente o açúcar B e de maneira pouco eficiente. - Se o aminoácido for trocado por um dos demais, ou seja, Arginina (Arg), Aspartato (Asp), Glutamina (Gln), Glutamato (Glu), Isoleucina (Ile), Leucina (Leu), Lisina (Lys), Metionina (Met), Prolina (Pro), Triptofano (Trp), Tirosina (Tyr) e Valina (Val), a enzima perde a atividade e não transporta nem o açúcar A e nem o açúcar B. No contexto da glicosiltransferase B, os resultados das trocas de aminoácidos na posição 268, onde originalmente temos uma Alanina (Ala), foram os seguintes: - Se o aminoácido for trocado por dos seguintes: Asparagina (Asn), Aspartato (Asp), Cisteína (Cys), Histidina (His), Leucina (Leu), Prolina (Pro), Serina (Ser), Treonina (Thr) e Valina (Val), a enzima continua transportando eficientemente o açúcar B. - Se o aminoácido for trocado por Glutamina (Gln) ou Fenilalanina (Phe), a enzima continua transportando o açúcar B, mas em menor quantidade. - Se o aminoácido for trocado por Glicina (Gly), a enzima perde sua especificidade e passa a transportar, também, o açúcar A, produzindo o fenótipo “B(A)”. - Se o aminoácido for trocado por um dos seguintes: Arginina (Arg), Glutamato (Glu), Isoleucina (Ile), Lisina (Lys), Triptofano (Trp) e Tirosina (Tyr), a enzima perde a atividade e não transporta nem o açúcar B e nem o açúcar A. 26 19- Outras determinações genéticas para grupos e subgrupos no sistema ABO: Os “backgrounds genéticos” que apresentamos anteriormente, representam aqueles de maior freqüência nas diversas populações. Entretanto, existem outros menos comuns determinantes de grupos e subgrupos ABO, às vezes detectados em raros indivíduos. Se buscarmos em “sites” da Internet especializados no assunto como, “Blood Group Antigen Gene Mutation Database”, vamos encontrar publicados os mais recentes “backgrounds genéticos” descobertos em pesquisas internacionais, implicados com a produção de diferentes fenótipos ABO (slides 48 e 49). 20- Anticorpos ABO: 27 Os anticorpos no sistema ABO são, principalmente, de ocorrência natural e são chamados “regulares” porque se um antígeno está ausente, o anticorpo correspondente está sempre presente. Pelo fato dos anticorpos ABO serem regulares, a fenotipagem neste sistema deve ser feita pela pesquisa dos antígenos globulares (Prova Direta) e dos anticorpos naturais correspondentes (Prova Reversa). Os anticorpos anti-A e anti-B são, em sua maior concentração, da classe IgM, embora apresentem menores concentrações de IgG e, mesmo traços de IgA. Os indivíduos de grupo O tendem a produzir, em maior concentração, anticorpos de especificidade anti-AB, de classe IgG. Os anticorpos ABO não estão presentes ao nascimento, em função de um sistema imunológico pouco competente no recém-nascido. Se, no entanto, detectarmos anticorpos anti-A, -B, -AB em sua circulação, estes serão de classe IgG e origem materna. A produção dos anticorpos ABO, aos 3 a 6 meses de vida, não acontece por estímulos antigênicos dos glóbulos vermelhos, mas por bactérias da flora intestinal em formação, uma vez que estes microorganismos possuem antígenos ABO em suas membranas celulares. A maior concentração destas aglutininas ocorre entre 5 a 10 anos de idade, mantendo-se estável na idade adulta e declinando gradativamente em idades avançadas. Alguns indivíduos podem produzir altas concentrações de IgGs anti-A, -B, -AB quando expostos aos antígenos ABO de hemácias, leucócitos e plaquetas em transfusões sanguíneas ou por injeção de substâncias grupo-específicas A ou B contidas em vacinas bacterianas. A grande importância transfusional das aglutininas ABO está ligada ao fato de serem de classe IgM, com amplo range térmico (4 a 37°C) e por serem excelentes ativadoras do complemento. São capazes de produzir reações transfusionais graves com hemólise intravascular. A doença hemolítica do recém-nascido (DHRN) provocada por incompatibilidade feto-materna ABO, no entanto, raramente é grave. Isto ocorre porque os anticorpos da classe IgM não atravessam a barreira placentária e os da classe IgG (principalmente o anti-AB de mães de grupo O) são, rapidamente, neutralizados por antígenos ABO carreados por glicoproteínas solúveis do plasma sanguíneo e por células de revestimento do endotélio dos vasos sanguíneos. 28 21- Sistema P-relacionados (ISBT: 003-P / 028-GLOB / 209-GLOB): Três antígenos, P1, P e Pk, pertencentes ao sistema P (ISBT: 003 – P), ao sistema Globosídio (ISBT: 028 – GLOB) e à coleção GLOB (ISBT), respectivamente, constituem o que denominamos “Sistema P-relacionados”. A combinação destes três antígenos caracteriza 5 fenótipos neste sistema. Inicialmente, pela atividade de glicosiltransferases produzidas por genes isotípicos (comuns a todos indivíduos), um ceramídio de membrana é glicosilado por uma glicose e uma galactose, formando um galactosilceramídio (CDH- Ceramídio Di-Hexose), que é o precursor para a síntese dos antígenos P1, P e Pk. O antígeno Pk (CTH-Ceramídio Tri-Hexose) éo resultado da adição de uma alfa- galactose sobre o CDH, pela glicosiltransferase produzida pelo gene Pk. O antígeno P (Globosídio) é construído sobre Pk, pela adição de uma beta-N- acetil-galactosamina, pela glicosiltransferase produzida pelo gene P. A via de síntese do antígeno P1 não é a via do globosídio (Pk e P), mas sim do paraglobosídio que é o substrato sobre o qual a glicosiltransferase produzida pelo gene P1, vai adicionar uma alfa-galactose e formar o antígeno P1. 29 22- Fenótipos no sistema P-relacionados e possíveis anticorpos: De acordo com a presença ou ausência dos antígenos P1, P e Pk, podemos definir os seguintes fenótipos: P1 (75%) – Os antígenos presentes são P1 e P (construído sobre Pk). Os anticorpos estão ausentes porque neste fenótipo todos os antígenos estão presentes. P2 (25%) – O antígeno presente é P. A presença de anticorpos naturais anti-P1 é freqüente. Estes anticorpos têm importância relativa na prática transfusional, devendo ser considerados importantes quando reativos em 37°C, principalmente em indivíduos parasitados por vermes como Ascaris lumbricoides, Equinococcus granulosus e Fasciola hepatica. P1 k (raro) – Estão presentes os antígenos P1 e Pk. A presença de anticorpos anti-P hemolíticos é constante neste fenótipo. P2 k (raro) – O antígeno presente é Pk. Este fenótipo tem, também, presença constante de anti-P hemolítico. p (raro) – Este fenótipo não expressa nenhum dos antígenos P1, P e Pk e apresenta constantemente um anticorpo extremamente hemolítico (hemólise intravascular) anti-P1PPk, antigamente chamado anti-Tj a. 30 23- Associação com doenças: Pk e P são antígenos de adesão celular em leucócitos, associados com processos de diferenciação em linfócitos B. O glicolipídio P pode, no entanto, atuar como um receptor para o Parvovirus B-19 humano em progenitores eritróides, que por isso não irão se diferenciar. Um déficit na hematopoiese pode produzir anemia grave, principalmente em crianças, mulheres grávidas e pacientes imunodeprimidos. Além disto, regiões de ligações entre galactoses nos antígenos P1, P e Pk (Galα1- 4Gal) podem funcionar como receptores membranários para cepas de Escherichia coli, Streptococcus suis e Pseudomonas aeruginosa. 24- Sistema Rh (ISBT: 004 – RH): 31 O sistema Rh (ISBT- 004 – RH) é o mais importante na prática transfusional depois do sistema ABO, pela imunogenicidade de seus antígenos, particularmente do RhD. É um sistema protéico complexo e o mais polimórfico de todos os sistemas de grupos sanguíneos, em função da organização de seus genes no cromossomo, que facilita as recombinações genéticas. Conhecemos 49 antígenos no sistema Rh. Embora tenhamos antígenos classificados pela nomenclatura ISBT até o número 56, sete (Rh13, Rh14, Rh15, Rh16, Rh24, Rh25, Rh38) se tornaram obsoletos. 25- Proteínas Rh: Os antígenos do sistema Rh são carreados por duas proteínas transmembranárias de multipasso (RhD e RhCE) com estruturas muito similares. Ambas são compostas de 417 aminoácidos, apresentando 6 alças (loops) extracelulares, 12 segmentos transmembranários e 7 intracelulares. São produzidas por dois genes ligados e homólogos (RhD e RhCE). A proteína RhD carreia o antígeno RhD, o mais imunogênico de todos os antígenos de grupos sanguíneos. Está ausente em uma parcela importante de diversas populações, nos indivíduos chamados RhD-negativos, como resultado da supressão ou outras alterações do gene RhD. A proteína RhCE carreia os antígenos RhC, Rhc, RhE e Rhe, de acordo com as formas alélicas do gene RhCE (RhCe, Rhce, RhcE e RhCE). Os demais antígenos deste sistema são carreados por variantes das proteínas RhD e RhCE, produzidas por genes RhD e RhCE que sofreram algum tipo de mutação, desde pontuais por simples trocas de bases (missense) até recombinações genéticas com trocas parciais ou totais de exons entre os genes. 32 26- Evolução dos genes Rh: Os genes Rh (RhD e RhCE) estão localizados no cromossomo 1, na posição 1p34-36 e em sentidos opostos, ou seja, com os terminais 3‟ em face, como num espelho. Entre eles, está um gene chamado SMP1, cujo produto não é expresso na membrana eritrocitária, mas é um marcador de posição bastante conservado durante a evolução se comparamos uma espécie inferior (rato) com o homem. No rato, próximo do gene SMP1, está o gene Rh em sua posição ancestral e produzindo uma proteína Rh. No homem, o gene RhCE que está na posição do gene ancestral, duplicou-se (mutação cromossômica estrutural) formando o gene RhD nas proximidades da terminação 5‟ do gene SMP1. Nas duas extremidades (5‟ e 3‟) do gene RhD existem duas seqüências similares de bases, com 9kb cada uma, chamadas “Caixas Rhesus”. Veremos que estas duas seqüências têm papel primordial na produção do fenótipo RhD negativo pela ausência do gene RhD. 27- Estrutura e expressão dos genes Rh: 33 RhD e RhCE são homólogos e ligados (haplótipo), cada um contendo 10 exons e se estendendo por cerca de 60 kb de DNA genômico. Estes dois genes são transcritos em RNA-mensageiros (mRNA: seqüência de exons), cada um com 1558 nucleotídios, que são traduzidos nas duas proteínas do sistema Rh (RhD e RhCE), com 417 aminoácidos cada uma. Cada exon de um gene constrói um segmento da proteína, de maneira que os 10 exons produzem a proteína integral. 28- Organização das Proteínas Rh na membrana eritrocitária: As proteínas RhD e RhCE são puras (não glicosiladas), de multipasso e intrínsecas à membrana eritrocitária. Atravessam a matriz fosfolipídica 12 vezes e possuem os terminais amínicos (NH2) e carboxílicos (COOH) dentro da célula, o que é característico de proteínas membranárias com funções de transporte e estrutural. A função estrutural pode ser demonstrada nos fenótipos ditos “Rh nul”, onde os indivíduos não produzem as proteínas Rh e apresentam, por isso, problemas morfológicos e de fragilidade da membrana celular. Os indivíduos “Rh nul” apresentam constantes sinais de hemólise, ainda que compensada pela eritropoiese. 34 A função de transporte não está clara nas hemácias humanas, mas proteínas produzidas por genes homólogos em microorganismos (bactérias) são transportadoras de amônia. As proteínas Rh não estão isoladas na membrana eritrocitária. Juntamente com uma proteína de estrutura similar, a RhAG ou Rh50, produzida pelo gene RhAG (posição: 6p11-21), também com 10 exons, formam um complexo protéico na membrana chamado “Complexo Rh”. A proteína RhAG ou Rh50 é intrínseca, de multipasso (12 vezes), e com os terminais NH2 e COOH intracelulares. Diferentemente das proteínas Rh, possui 409 aminoácidos, apresenta sua primeira alça externa glicosilada, daí a denominação RhAG (Glicoproteína associada com Rh) e não apresenta pontos de polimorfismo que caracterizam antígenos de grupos sanguíneos. A inserção das proteínas Rh na membrana eritrocitária depende da presença da proteína RhAG, sem a qual o complexo Rh não se forma. Mutações no gene RhAG podem gerar proteínas RhAG incompletas que não se integram à membrana e, como conseqüência, as proteínas Rh também não se integram, criando um fenótipo “Rh nul”, dito de tipo regulador. Outras proteínas membranárias, como LW, CD47, GPB e Duffy, se ligam ao complexo Rh na membrana eritrocitária, mas não influenciam a integração das proteínas Rh. 29- Recombinações genéticas no sistema Rh: A estrutura “tandemica” (um seguido do outro) e a orientação (sentidos opostos) dos genes RhD e RhCE facilitaram as recombinações genéticas que geraram a diversidade de alelos no sistema Rh. Mutações pontuais por trocas de bases, que são as mais comuns na maioriados sistemas de grupos sanguíneos, também acontecem no sistema Rh, criando uma diversidade extra de alelos. 35 Por um processo de “permuta desigual”, uma recombinação das “Caixas Rhesus” entre haplótipos Rh mal-alinhados (in trans), suprime o gene RhD, gerando um haplótipo sem RhD. Um indivíduo que herda este haplótipo em dose dupla (homozigose) é de fenótipo RhD-negativo. Este é o “background genético” mais comum entre as populações mundiais de fenótipo RhD-negativo. A similaridade estrutural (ambos com 10 exons) e a orientação em sentidos opostos dos genes Rh facilitam as recombinações entre exons correspondentes dos genes RhD e RhCE (in cis), quando o haplótipo tem a conformação de “U” invertido. As trocas totais ou parciais de exons geram alelos Rh híbridos que produzem proteínas Rh híbridas, carreadoras de antígenos RhD e RhCE ditos “parciais” e, mesmo, proteínas híbridas RhD que já não expressam o antígeno RhD e proteínas híbridas RhCE que não expressam os antígenos relacionados a ela. 30- Haplótipos que produzem fenótipos RhD-negativos: 36 Como vimos, o fenótipo RhD-negativo é, freqüentemente, produzido por haplótipos Rh com supressão do gene RhD. Vimos, também, que algumas proteínas híbridas já não expressam seus antígenos correspondentes. Isto significa que alguns indivíduos, ainda que sejam capazes de produzir a proteína RhD, não expressam o antígeno RhD e são sorologicamente RhD-negativos. Para compreendermos os mecanismos de produção de fenótipos RhD-negativos em indivíduos que possuem o gene RhD, vamos considerar algumas premissas: Cada exon do gene constrói um segmento peptídico da proteína. Os aminoácidos que caracterizam o antígeno RhD na parte extracelular da proteína, estão nos “loops” (alças) externos 3, 4 e 6, o que significa que as diferenças externas entre as proteínas RhD e RhCE estão nestes “loops”. Os “loops” externos 3, 4 e 6 da proteína RhD são construídos, respectivamente, pelos exons 4, 5 e 7 do gene RhD. Agora podemos compreender que se um gene RhD, por processos de recombinações “in cis”, trocar seus exons 4, 5 e 7 pelos exons correspondentes do gene RhCE, o produto deste gene híbrido será uma proteína RhD com os “loops” 3, 4 e 6 da proteína RhCE e que, portanto, não expressa o antígeno RhD. 31- Variantes do gene RhD que produzem fenótipos RhD-parciais: Foram definidos diversos tipos de alelos variantes do gene RhD, que produzem fenótipos RhD-parciais, de acordo com trocas totais ou parciais de exons (genes híbridos) e trocas pontuais de bases nitrogenadas (mutação missense). Observamos que em todos os alelos descritos foram conservados os exons 4, 5 e 7 ou pelo menos um deles. Nos tipos VI, DBT e R0Har (DHar), os exons 7, 4 e 5, respectivamente, foram conservados, por isso estes alelos produzem fenótipos RhD-parciais faltando 37 muitos epítopos do antígeno RhD e que, por conseqüência, se imunizam facilmente quando transfundidos com sangue RhD-positivos. 32- Alelos RhD híbridos – fenótipos parciais – antígenos expressos: Considerando os exons 4, 5 e 7 dos genes RhD e RhCE que produzem os “loops” externos 3, 4 e 6, onde estão as diferenças entre as proteínas RhD e RhCE, são possíveis 6 combinações destes exons para formar alelos híbridos RhD, ou seja genes RhD com partes de RhCE incorporadas. Os produtos destes 6 alelos RhD híbridos são proteínas RhD híbridas que produzem os fenótipos RhD-parciais: DIVb, DVa, DVI, DFR, DBT e DHar que expressam, respectivamente, os antígenos imunogênicos de baixa freqüência Rh37 (Evans), Rh23 (Dw), Rh52 (BARC), RH50 (FPTT), Rh32 e Rh33. Os fenótipos parciais DIII (DIIIa, DIIIb e DIIIc) representam exceções à regra. Embora sejam proteínas híbridas, os alelos que as produziram não são resultados de recombinações dos exons 4, 5 e 7, mas de outros exons que não afetam os “loops” 3, 4 e 6 da proteína RhD. O fenótipo DIIIb, onde o “loop” 2 da proteína RhD foi substituído pelo “loop” 2 da proteína RhCE, é resultado da recombinação genética que substituiu o exon 2 do gene RhD pelo exon 2 do gene RhCE. No caso do fenótipo DIIIc, a proteína híbrida é produto de um alelo RhD que, por recombinação genética, teve seu exon 3 substituído pelo correspondente do gene RhCE. Como o exon 3 não produz um “loop” externo da proteína, isso dificulta a caracterização sorológica deste fenótipo. 38 Os indivíduos DIIIc, no entanto, se imunizam contra antígenos RhD completos. Isto significa que mudanças na estrutura peptídica da proteína, ainda que sejam em regiões trans ou intramembranárias, podem afetar “loops” extracelulares e criar novos epítopos antigênicos. 33- Fenótipos RhD-parciais produzidos por mutações “missense”: Alelos RhD, apresentando mutações “missense” que afetam “loops” extracelulares da proteína RhD, também produzem fenótipos RhD-parciais e com uma freqüência maior que a dos alelos híbridos. Entre os fenótipos parciais produzidos por este mecanismo, os que mais se imunizam quando recebem sangues RhD-positivos são: o DVII, que expressa o antígeno Rh40 (Tar) envolvendo uma troca de leucina por prolina na posição 110 do “loop” 2 da proteína RhD e o DNB com uma troca de glicina por serina na posição 355 do “loop” 6. O fenótipo parcial DII e diversos outros que, também, apresentam simples trocas de aminoácidos em “loops” externos da proteína RhD, são menos susceptíveis aos eventos de imunização. Hoje, sabemos que a expressão do antígeno Rh12 (G) está ligada à presença de uma serina, comum em ambas as proteínas Rh, na posição 103 do “loop” 2. Por isso, este antígeno está presente nos indivíduos que expressam os antígenos RhD 39 e/ou RhC. A troca da serina por prolina na posição 103 da proteína RhD, cria um fenótipo RhD-parcial que não expressa o antígeno Rh12 (G), explicando os casos de indivíduos que são RhC-negativos e que, apesar de serem RhD-positivos, são Rh12 (G)-negativos. 34- Classificação sorológica de antígenos RhD-parciais: Os antígenos RhD-parciais foram, inicialmente, classificados em categorias de acordo com a presença ou ausência de 9 epítopos reatores do antígeno RhD, determinados por reações de aglutinação das hemácias, quando testadas contra anticorpos monoclonais anti-epD1 até anti-epD9 (epD = epítopo de D). Por esta bateria de testes com 9 anticorpos monoclonais contra epítopos de RhD, podemos observar que o RhD categoria VI (DVI) só apresenta 3 epítopos típicos de RhD. Se analisarmos a tabela estendida com testes de detecção de 30 epítopos de RhD, o DVI apresenta apenas 6 epítopos típicos de RhD. Os testes negativos significam que estes epítopos de RhD estão ausentes, porque foram substituídos por epítopos de RhCE. 40 O fenótipo RhD-parcial categoria VI (DVI) é o de maior freqüência entre os D- parciais e devido à ausência da maioria dos epítopos típicos de RhD, indivíduos DVI se imunizam facilmente, quando transfundidos com sangues RhD-positivos, produzindo anticorpos anti-RhD contra os epítopos ausentes. O “kit” comercial acima, com 6 soros monoclonais contra epítopos de RhD pode identificar as categorias mais importantes de RhD-parciais. 35- Fenótipos RhD-fracos: Certas mutações do tipo “missense” (trocas pontuais de bases nitrogenadas) no gene RhD levam a substituições de aminoácidos nas regiões intracelular e transmembranária da proteína RhD, sem nenhuma alteração em seus “loops” externos. Nestes casos, nenhum novo antígeno Rh é detectado. Um ponto de polimorfismo (troca de aminoácido) na região intracelular ou transmembranária da proteína RhD, embora não seja imunogênico, pode dificultar a inserção desta proteína na membrana eritrocitária, bem comosua interação com a glicoproteína Rh50 (RhAG), produzindo um fenótipo RhD-fraco. Diversos tipos de RhD-fracos foram descritos, de acordo com as posições de troca de aminoácidos. Os números que identificam cada tipo, foram dados de acordo 41 com a freqüência com que aparecem na população, sendo os números mais baixos, os mais freqüentes. Mencionamos alguns dos tipos melhor caracterizados. 36- Representação de variantes qualitativas e quantitativas do antígeno RhD na membrana eritrocitária: Na representação gráfica, o fenótipo chamado RhD-normal apresenta uma concentração de sítios antigênicos que nos referimos como quantitativamente “normal” (ao redor de 10.000 a 30.000 por membrana eritrocitária). Além disto, a proteína RhD apresenta todos os “loops” externos típicos de RhD, com todos os epítopos de RhD, que nos referimos como qualitativamente “normal”. RhD-fraco apresenta uma concentração reduzida de sítios antigênicos por membrana eritrocitária (quantitativamente reduzido), mas a proteína não apresenta variações nos “loops” externos e todos os epítopos de RhD estão presentes (qualitativamente normal). Este fenótipo representa o antigo D u. RhD-parcial apresenta uma concentração quantitativamente normal de sítios antigênicos por membrana, mas a proteína RhD é uma variante qualitativa que apresenta um ou mais epítopos antigênicos que não são típicos de RhD (epítopos incorporados de RhCE). 42 RhD-parcial fraco apresenta uma concentração reduzida de sítios antigênicos por membrana (quantitativamente reduzido) e, além disto, é uma variante qualitativa da proteína RhD com um ou mais epítopos antigênicos não típicos de RhD. 37- Proteínas RhCE produzidas pelos diferentes alelos RhCE x proteína RhD: Comparando as estruturas das proteínas RhCE produzidas pelos alelos Rhce, RhCe, RhcE, observamos os pontos de trocas de aminoácidos que caracterizam os antígenos RhC, Rhc, RhCw, RhE e Rhe, carreados pela proteína RhCE em suas respectivas configurações (Rhce, RhCe e RhcE). 43 Os pontos de polimorfismo que geram as diferenças entre os antígenos RhC e Rhc, estão nas posições 16, 60, 68 e 103 da proteína RhCE, sendo apenas a posição 103 localizada em um “loop” externo (“loop” 2). Nesta posição, o antígeno RhC apresenta o aminoácido serina, enquanto o Rhc apresenta uma prolina. O aminoácido arginina, na posição 51 (“loop 1”), caracteriza o antígeno RhCw, uma vez que RhC e Rhc apresentam glicina nesta posição. Em relação aos antígenos RhE e Rhe, o ponto de polimorfismo está na posição 226 da proteína RhCE (“loop” 4), onde RhE apresenta uma prolina e Rhe uma alanina. Comparando a proteína RhCE com a proteína RhD, encontramos de 34 a 37 pontos de polimorfismo, dependendo do alelo RhCE que gerou a proteína. Pelo menos 10 pontos de troca de aminoácidos estão localizados em “loops” externos das duas proteínas, tornando o antígeno RhD muito imunogênico. Por isso, deve ser fenotipado em testes pré-transfusionais e de controle da relação feto-materna. Uma situação paradoxal se apresenta quando comparamos a proteína RhD com a proteína RhCE em sua configuração RhCe. Na posição 103 (“loop” 2), RhD e RhCe apresentam o aminoácido serina. Entretanto, o antígeno RhC não se expressa no contexto da proteína RhD, mas apenas no contexto da proteína RhCE, porque sua expressão depende da presença do aminoácido cisteína na posição 16 (transmembranária), além da serina na posição 103. A proteína RhD não apresenta uma cisteína na posição 16. 38- Haplótipos variantes de RhCE: Por não apresentar estruturas como as “Caixas Rhesus” situadas nas extremidades do gene RhD, o gene RhCE não pode ser suprimido pelo mesmo mecanismo de “permuta desigual” entre haplótipos Rh mal-alinhados (in trans) com recombinação das “Caixas Rhesus”, como acontece com o gene RhD. 44 Entretanto, genes RhCE híbridos contendo partes do gene RhD, por recombinações entre exons correspondentes (in cis), podem ser produzidos. O resultado pode ser a produção de haplótipos RhCE total ou parcialmente silenciosos, dependendo da extensão da recombinação, ou seja, se os exons 4, 5 e 7 foram todos substituídos ou se algum deles foi conservado. Fenótipos “RhCE-nul”, nos quais não detectamos nenhum antígeno relacionado à proteína RhCE, podem ocorrer em indivíduos que apresentam em homozigose, haplótipos RhCE totalmente silenciosos. Mutações pontuais de tipo “missense” ocorrem, também, no gene RhCE, gerando outros fenótipos raros RhCE que expressam antígenos de baixa freqüência. 39- Função reguladora da proteína Rh50 (RhAG) na formação do complexo Rh: 45 A glicoproteína Rh50 (RhAG) tem um papel primordial na formação do complexo Rh na membrana eritrocitária. Na ausência desta proteína, as proteínas Rh não se integram à membrana celular. Mutações no gene Rh50 (RhAG) podem ocorrer por mecanismos de deleção e/ou substituição de bases nitrogenadas (missense), produzindo proteínas mais curtas e incapazes de se integrarem à membrana eritrocitária, gerando fenótipos “Rh- nul” de tipo regulador. Eventualmente, são de tamanho normal, mas com uma troca de aminoácido que dificulta sua integração à membrana e geram fenótipos chamados “Rh-mod”. 40- Anticorpos no sistema Rh: Os anticorpos no sistema Rh, via de regra, não são naturais e nem regulares, o que significa que não ocorrem sem um estímulo conhecido, seja transfusional ou feto-materno. Conhecemos, entretanto, vários exemplos de anti-RhE e outros raros de anti-RhD de ocorrência natural. São quase sempre de classe IgG, principalmente IgG1 e IgG3, sendo os da subclasse IgG3 responsáveis por hemólises mais severas. Embora anticorpos das subclasses IgG1 e IgG3 sejam bons fixadores de complemento, os anticorpos anti-Rh não fixam complemento. A condição básica para fixação de complemento por anticorpos de classe IgG, é a proximidade de duas moléculas ligadas em epítopos antigênicos adjacentes, para que a C1-esterase se fixe nos receptores de C1 (carboidratos) da fração Fc dos anticorpos. A estrutura e forma de inserção membranária das proteínas Rh, que se ligam em proteínas internas do citoesqueleto, mantêm os epítopos antigênicos demasiadamente afastados para que os anticorpos ligados iniciem a fixação do complemento. Apesar de não fixarem complemento, produzem reações transfusionais (RT) e doenças hemolíticas do recém-nascido (DHRN) severas. Os anticorpos anti-Rh podem apresentar altas concentrações e isto implica em hemólise extravascular por captura dos glóbulos opsonizados pelos macrófagos e pela citotoxidade induzida por hemácias altamente opsonizadas por IgG1 e IgG3. Além dos anticorpos produzidos por imunizações transfusionais ou feto-maternas contra os antígenos correntes RhD, RHC, Rhc, RhE, Rhe e RhCw, alguns indivíduos que apresentam fenótipos silenciosos (Rhnul de tipo amórfico ou regulador) ou parcialmente silenciosos (D--, D.., DCw- ou Dc-) se imunizam facilmente, produzindo, respectivamente, anti-Rh29 (Rh-total) ou anti-Rh17 (contra RhCE). A maioria dos auto-anticorpos quentes (IgGs), produzidos por indivíduos com anemia hemolítica auto-imune, são dirigidos contra as proteínas Rh. Alguns apresentam especificidades contra antígenos correntes Rh, principalmente anti- Rhe, embora a maioria reaja contra outros pontos das proteínas Rh, não 46 apresentando especificidade e reagindo contra todas as hemácias humanas, exceto as de fenótipo “Rhnul”. Os anticorpos anti-Rh são, raramente, detectados por provas diretas em meio salino. O fenótipo “D--“, no entanto, por apresentar uma alta concentração de sítios antigênicos RhD na membrana eritrocitária (cerca de 100.000/membrana), é capaz de produzir aglutinaçõesdiretas com anticorpos anti-RhD, em meio salino. As técnicas enzimáticas e da antiglobulina humana (Coombs Indireto) são bastante eficientes para detecção dos anticorpos anti-Rh. 41- Sistemas Kell (ISBT: 006 – KEL) e XK (ISBT: 019 – XK): O sistema Kell é o terceiro mais polimórfico sistema de grupo sanguíneo, apresentando 25 pontos de trocas de aminoácidos na glicoproteína Kell, caracterizando os 25 antígenos conhecidos neste sistema. A glicoproteína Kell é N-glicosilada e atravessa a membrana eritrocitária uma única vez (passo único). Seu peso molecular é de 93 kDa e o número de cópias desta proteína é de 3.500 a 17.000 por membrana. Estruturalmente, a proteína possui 47 aminoácidos no terminal amínico citoplasmático e 665 aminoácidos no terminal carboxílico fora da célula. A parte extracelular apresenta 6 sítios de N-glicosilação e 15 resíduos de “cisteína”, onde pontes de bissulfeto mantêm sua estrutura terciária (espacial). Por esta razão, a glicoproteína Kell pode ser desnaturada pelo tratamento das hemácias com agentes redutores de pontes de bissulfeto (DTT, AET), cessando a reatividade destas hemácias com anticorpos dirigidos contra qualquer antígeno do sistema Kell. 47 Em termos funcionais, esta glicoproteína é uma enzima com estrutura homóloga à das endopeptidases zinco-dependentes da família das “Neprilisinas”. Estas enzimas são capazes de clivar uma proteína integral chamada “Big-endotelina 3” e gerar peptídios ativados como a “Endotelina 3” (ET-3), que é um potente agente de vasoconstrição. A inserção membranária da glicoproteína Kell fica comprometida na ausência da proteína XK (fenótipo McLeod), diminuindo, conseqüentemente, a expressão dos antígenos do sistema Kell. 42- Principais pontos de polimorfismo na glicoproteína Kell: Na parte externa da glicoproteína Kell (665 aa) estão os pontos de polimorfismo que geraram os 25 antígenos do sistema Kell. O slide acima mostra a localização dos antígenos mais importantes. Na posição 193, a presença do aminoácido treonina caracteriza a especificidade de alta freqüência “k” (Cellano) e a metionina nesta posição cria a especificidade “K” (Kell) que é de baixa freqüência. De acordo com recentes trabalhos publicados, a glicoproteína Kell não apresenta atividade enzimática quando expressa o antígeno K (Kell), ou seja, a metionina na posição 193. 48 Na posição 281, a especificidade “Kpb” é caracterizada pelo aminoácido arginina, que ocorre na maioria dos indivíduos. A presença de triptofano ou glutamina nesta posição produz, respectivamente as especificidades de baixa freqüência “Kpa” e “Kpc”. A posição 597 na extremidade extracelular carboxílica, em uma região rica em resíduos de cisteína, apresenta as especificidades “Jsb” (alta freqüência) ou “Jsa” (baixa freqüência), caracterizadas pelos aminoácidos leucina ou prolina respectivamente. O fato de se localizarem em uma região com muitos resíduos de cisteína e, portanto, com muitas pontes de bissulfeto, justifica a maior susceptibilidade dos antígenos Jsa e Jsb aos reagentes redutores de pontes bissulfeto (DTT, AET), quando comparados aos outros antígenos do sistema Kell. 43- Bases genéticas do polimorfismo no sistema Kell: O gene KEL está localizado no braço longo do cromossomo 7 (7q33) e se estende por 21,5 kb de DNA genômico. Possui 19 exons, sendo o exon 1 responsável pela metionina inicial da proteína, o exon 2 constrói a cadeia peptídica no domínio citoplasmático e o exon 3 no domínio transmembranário. Os exons de 4 a 19 constroem o domínio extracelular da proteína com 665 aminoácidos. Uma mutação “missense” no exon 6 do gene KEL na posição 698, substituindo citosina por timina, provoca a troca de aminoácido na posição 193 da proteína de treonina para metionina, produzindo o antígeno K (Kell) como um par antitético de k (Cellano). Embora o antígeno K (Kell) seja de baixa freqüência, já está próxima de 10% em nossa população. Isto significa que em cada 10 transfusões que um paciente K-negativo recebe, sem fenotipagem prévia para o antígeno, existe a possibilidade de receber um sangue K-positivo. Como o antígeno K (Kell) é bastante imunogênico, uma grande parte dos pacientes politransfundidos (K- negativos) desenvolve anticorpos anti-K (Kell). 49 O polimorfismo da posição 281 (Kpb, Kpa, Kpc) é produzido por mutações “missense” no exon 8 do gene KEL. Originalmente, a posição 961 do gene apresenta uma citosina e o antígeno produzido é Kpb (arginina na posição 281 da proteína), que é uma especificidade de alta freqüência (público). Quando a citosina é substituída por timina, o antígeno produzido é Kpa (triptofano na posição 281 da proteína) que é de baixa freqüência (privado). Na posição 962 (exon 8 do gene KEL), a presença de uma guanina é típica do alelo de alta freqüência Kpb. A troca da guanina por adenina, nesta posição, cria o alelo de baixa freqüência Kpc, que produz o antígeno privado Kpc (glutamina na posição 281 da proteína). Uma outra mutação “missense” importante no exon 17 do gene KEL, produz o polimorfismo Jsa e Jsb na posição 587 da proteína Kell. O alelo de alta freqüência Jsb apresenta uma timina na posição 1910 e produz o antígeno público Jsb (leucina na posição 597 da proteína) . A troca da timina por citosina cria o alelo de baixa freqüência Jsa, que produz o antígeno privado Jsa (prolina na posição 597 da proteína). 44- Freqüência relativa dos antígenos do sistema Kell: 50 Com exceção do antígeno K (Kell), que apresenta uma freqüência próxima aos 10%, os demais antígenos do sistema são públicos ou privados, entendo-se por “públicos” os antígenos de alta freqüência (> 99%) e “privados” os de baixa freqüência (< 1%). Pacientes que se imunizam contra os antígenos privados não representam problemas transfusionais, mas imunizações contra os antígenos públicos podem significar grandes obstáculos transfusionais, se não dispomos de doadores fenotipados. 45- A proteína XK (ISBT: 019 - XK): Atualmente, sabemos que o antígeno anteriormente chamado Kx (KEL15) não está localizado na glicoproteína Kell, mas sim em uma proteína, topológicamente vizinha, chamada “XK” que se liga à proteína Kell através de uma ponte bissulfeto entre os resíduos de cisteína nas posições 72 da proteína Kell e 347 da proteína XK. XK tornou-se um sistema de grupo sanguíneo independente (ISBT: 019-XK), cujo único antígeno expresso é Kx. Esta proteína, produzida pelo gene “XK” no cromossomo X, pode estar ausente nos raros indivíduos do fenótipo “McLeod”, que não produzem a proteína KX e, que se imunizam facilmente, produzindo um anticorpo anti-Kx. Alem das hemácias, a proteína XK está presente nos músculos esqueléticos, coração, cérebro e pâncreas. Tem características de proteínas de transporte e estrutural, embora a função de transporte não esteja muito clara. Indivíduos de fenótipo McLeod apresentam hemácias com alterações morfológicas e alta proporção de acantócitos, com uma sobrevida mais curta “in vivo”. Além das seqüelas hematológicas, os indivíduos McLeod apresentam seqüelas neurológicas (neuro-acantocitose), uma vez que neste fenótipo a proteína XK está ausente de todas as células. 51 A associação Kell-XK pode ser observada em hemácias, mas não em outras células, já que a glicoproteína Kell parece restrita aos tecidos eritróides. 46- Anticorpos nos sistemas Kell e XK: Os anticorpos no sistema Kell são, em sua maioria, de classe IgG (principalmente IgG1), podendo ocorrer de classe IgM (raro) em infecções bacterianas gastrointestinais graves. O antígeno K (Kell), além de apresentar uma freqüência ao redor dos 10%, é um antígeno muito imunogênico e por isso, o anti-K (kell) é um anticorpo de freqüênciaimportante em politransfundidos e em mães K-negativas. Os anticorpos contra outras especificidades são mais raros, devido à freqüência em que os antígenos ocorrem na população (públicos ou privados) mas são, também, de classe IgG e podem provocar reações transfusionais e doença hemolítica do RN (DHRN). Na DHRN, os anticorpos do sistema Kell estão muito mais envolvidos com uma anemia fetal grave por supressão da eritropoiese, do que com a hemólise imune. Isto porque os antígenos Kell se expressam prematuramente durante a eritropoiese. No fenótipo raro K0 (KEL nul), os indivíduos imunizados produzem um anticorpo bastante hemolítico de especificidade anti-Ku, que só não reage contra hemácias do mesmo fenótipo (K0). No fenótipo McLeod, em que os indivíduos não produzem a proteína XK (associada a Kell na membrana eritrocitária), anticorpos hemolíticos anti-Kx e 52 anti-Km podem ser produzidos. O anti-Km é produzido pelos indivíduos McLeod que não apresentam “granulomatose crônica” (CGD) e é capaz de reagir com hemácias de qualquer fenótipo corrente Kell, mas não com K0 (KEL nul) ou outro McLeod. O anti-KL (anti-Kx + anti-Km) é produzido por indivíduos McLeod que apresentam CGD e é capaz de reagir fortemente contra hemácias K0 (KEL nul), fracamente contra hemácias de fenótipos correntes Kell e não reage contra fenótipos McLeod. 47- Sistema Duffy (ISBT: 008 – FY): O sistema Duffy é constituído por 6 antígenos localizados ao longo da glicoproteína Duffy, que é transmembranária e de multipasso, atravessando 7 vezes a matriz fosfolipídica. Contem 338 aminoácidos, sendo 65 no domínio N- terminal extracelular. Existem de 13.000 a 14.000 cópias desta glicoproteína por membrana eritrocitária. Os antígenos conhecidos neste sistema são representados por 6 pontos de polimorfismo, por simples trocas de aminoácidos, na glicoproteína Duffy. Após tratamento das hemácias por enzimas proteolíticas, os antígenos localizados na extremidade amínica extracelular são suprimidos, cessando a reatividade com anticorpos específicos. Em 1975, demonstrou-se que a glicoproteína Duffy atua como um receptor membranário para merozoítas do Plasmodium vivax (agente da malária vivax), estabelecendo uma correlação entre a alta incidência de fenótipos Fy(a-b-) na população negra da África do oeste e sua resistência ao parasita. Somente em 1993, a glicoproteína Duffy foi identificada como um receptor para quimiocinas (citocinas envolvidas com migração celular) como IL-8, MCP-1 e 53 MGSA, por isso a denominação “DARC” (Duffy Antigen Receptor for Chemokines). Postula-se que a função de um receptor de quimiocinas de diferentes classes, como é o caso da glicoproteína Duffy, na membrana eritrocitária, seja remover o excesso destas quimiocinas liberadas na circulação sanguínea. Apesar da alta incidência do fenótipo Fy(a-b-) em populações africanas e, mesmo em afro-descendentes, este fenótipo é raro na raça branca. A ausência da glicoproteína Duffy na membrana eritrocitária ocorre por diferentes mecanismos genéticos nas raças branca e negra. 48- Principais pontos de polimorfismo na glicoproteína Duffy: O ponto de polimorfismo mais importante da glicoproteína Duffy está na posição 42, onde as especificidades Fya e Fyb são caracterizadas pela presença dos aminoácidos Glicina e Aspartato respectivamente (Fya/Gly-42-Asp/Fyb). Fyx não é um antígeno, mas um fenótipo caracterizado pela baixa expressão dos antígenos Fyb, Fy3 e Fy6 em caucasianos. Isto se dá em função da diminuição da quantidade de glicoproteína Duffy integrada à membrana eritrocitária, acarretada pela simples troca dos aminoácidos Arginina por Cisteina na posição intracelular 89. O antígeno Fy3 está localizado no terceiro “loop” extracelular da proteína, sendo reconhecido pelo anticorpo anti-Fy3, produzido pelos raros indivíduos Fy(a-b-) de 54 raça branca. Anti-Fy3 é raríssimo na raça negra e, normalmente, acompanhado de um anti-Fya. O antígeno Fy6 é uma especificidade reconhecida pelo anticorpo monoclonal murino anti-Fy6, dependente dos aminoácidos nas posições 31 a 40. Este anticorpo foi produzido pela imunização de ratos com hemácias humanas, com o objetivo de isolar a proteína Duffy por imuno-precipitação. Os antígenos Fy4 e Fy5 não estão muito bem caracterizados, pela raridade dos soros anti-Fy4 e anti-Fy5. Assim como o Fy3, o antígeno Fy5 está ausente nos fenótipos Fy(a-b-), mas Fy5 apresenta a particularidade de estar ausente, também, nos fenótipos Rhnull. A razão desta associação entre Duffy e Rh não é conhecida. O anticorpo anti-Fy5 tem sido encontrado em indivíduos politransfundidos da raça negra, sendo responsáveis por reações transfusionais tardias. O anticorpo anti-Fy4 é capaz de reagir com hemácias Fy(a-b-), sugerindo a possibilidade de estar reagindo com alguma estrutura membranária que mudou sua conformação pela ausência da glicoproteína Duffy. 49- Bases genéticas do polimorfismo no sistema Duffy: O gene FY está localizado no braço longo do cromossomo 1, na posição 1q22-q23 e se expande por 1,5 kilobases (kb) de DNA genômico. O gene possui 2 exons, sendo o exon 1 constituído por 55 bases pareadas (bp) e responsável pela produção dos 7 aminoácidos iniciais da proteína. O exon 2 é constituído por 1038 bp e produz os outros 329 aminoácidos da proteína. 55 A base genética para o polimorfismo Fya – Fyb, caracterizado por uma simples troca de aminoácidos na posição 42 da proteína (Fya/Gly-42-Asp/Fyb), está ligada a uma mutação “missense” no exon 2 do gene FY na posição 125, onde a base adenina foi substituída por guanina. O fenótipo Fyx, representado pela baixa expressão do antígeno Fyb, é produzido por um alelo Fyb apresentando 2 mutações “missense” no exon 2, nas posições 265 (citosina trocada por timina) e 298 (guanina trocada por adenina). O fenótipo Fy(a-b-) ocorre por diferentes mecanismos genéticos nas raças branca e negra. Na raça branca, este fenótipo é muito raro e, normalmente, produzido por indivíduos que apresentam dose dupla (homozigose) de alelos mutantes que produzem proteínas truncadas que não são incorporadas em membranas celulares. Estes indivíduos são capazes de produzir um anticorpo de especificidade anti-Fy3 de alta reatividade. Na raça negra (africanos e afro-descendentes), o fenótipo Fy(a-b-) é de alta freqüência e produzido por um mecanismo genético que envolve uma troca de base na região promotora do gene Fyb na posição -33, onde a base timina foi substituída por citosina. A presença da citosina altera o sítio de ligação do fator eritroide de transcrição chamado GATA-1, impossibilitando a transcrição do gene em mRNA nos eritroblastos, resultando na ausência da glicoproteína Duffy nas hemácias destes indivíduos. Como GATA-1 é um fator de transcrição especificamente eritroide, podemos detectar a glicoproteína Duffy (Fyb) em outros tecidos (rim, baço, coração, pulmão, músculo, cérebro) destes indivíduos negros. Considerando o mecanismo genético que acabamos de explicitar, podemos compreender porque os indivíduos Fy(a-b-) de raça negra, quando imunizados, produzem anti-Fya mas não anti-Fyb e nem anti-Fy3. 50- Freqüência relativa dos antígenos do sistema Duffy: 56 As tabelas acima mostram as freqüências relativas dos diferentes antígenos e fenótipos eritrocitários Duffy. Os antígenos Fya e Fyb são polimórficos nas raças branca e negra. Na raça branca, os antígenos Fy3, Fy5 e Fy6 são de alta freqüência, uma vez que só estão ausentes nos raros indivíduos de fenótipo Fy(a-b-). O antígeno Fy4 é polimórfico nos indivíduos brancos e só está presente no fenótipo Fy(a-b-). Como o fenótipo Fy(a-b-) é de alta freqüência na raça negra, os antígenos Duffy estão, quase sempre,
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