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Maria Beatriz Machado PEDIATRIA – DR ABEL – ANEMIAS CARENCIAIS A anemia é caracterizada pela deficiência de oxigenação tecidual decorrente de alterações dos transportadores de oxigênio, da capacidade de o liberar às células, e dessas de o aproveitar. Ao nascer, o recém-nascido a termo (RNT) e o recém-nascido pré-termo (RNPT) são policitêmicos, eritroblastêmicos, hipervolêmicos, hipersiderêmicos, apresentando altos níveis de hemoglobina, hematócrito e saturação da transferrina, tendo seus eritrócitos elevado volume corpuscular médio. Esses valores caem progressivamente das primeiras 8 a 12 semanas de vida, voltando a se elevar em seguida: é a chamada “anemia fisiológica ou precoce do RN”. Essa anemia fisiológica do recém-nascido ocorre porque quando o feto está no útero, ele vive em regime de hipóxia, e isso leva ao aumento da produção de fatores eritropoiéticos (que estimulam a eritropoiese), porém quando ele nasce e ocorre a expansão pulmonar, vai adentrar muito O2 no organismo, assim a produção desses fatores diminui, o que causa também diminuição da eritropoiese e consequente anemia. Com o passar dos dias, vai ocorrer uma queda do nível de hemoglobina do recém-nascido, e esse nível se torna insuficiente para as necessidades metabólicas teciduais, assim, a atividade eritropoiética volta a ser estimulada e aumenta. 1. CAUSAS DA ANEMIA NO PERÍODO NEONATAL Anemia por hemorragia Pode ocorrer devido aos acidentes obstétricos como: Rotura do cordão umbilical Placenta prévia Descolamento prematuro de placenta Incisão da placenta Hemorragia feto-feto Hemorragia interna Trombocitopenia Doença hemorrágica do recém-nascido Deficiência de coagulação Anemia por hemólise Anomalias de membranas das hemácias: Esferocitose, eliptocitose.. Isoimunização: Por RH, por ABO.. Deficiências enzimáticas: G-6-PD, PIRUVATOQUINASE Outras: Hemoglobinopatias e intoxicações Anemia por hematopoese deficiente Maria Beatriz Machado 2. ANEMIAS CARENCIAIS Esse tipo de anemia ocorre quando há deficiência de substrato para produção das hemácias, como ferro, vitamina B12 ou ácido fólico 2.1. ANEMIA FERROPRIVA Anemia ferropriva ocorre como resultado final do desequilíbrio no balanço entre a quantidade de ferro biodisponível absorvido na dieta e as necessidades do organismo.Ocorre um esgotamento das reservas de ferro do organismo e do ferro circulante, e assim não há síntese correta de componentes que dependem do ferro. No primeiro estágio há diminuição dos depósitos, e no segundo há diminuição do transporte de ferro, mas os níveis de hemoglobina permanecem inalterados. Já no terceiro estágio temos a redução na concentração sérica de hemoglobina. Em populações com alta prevalência de anemia ferropriva, pode-se considerar que praticamente toda a população seja deficiente em ferro. Maria Beatriz Machado 2.1.1. EPIDEMIOLOGIA A ocorrência da anemia ferropriva, em termos de magnitude, representa o problema nutricional de maior importância na atualidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 2 bilhões de pessoas, ou seja, mais de 30% da população mundial, apresentam anemia por deficiência de ferro2 Ocorre com mais frequência entre 6 a 24 meses de vida 2.1.2. DEFINIÇÃO Crianças de 6 meses à 5 anos = Hb < 11 Crianças de 5 a 8 anos = Hb < 11,5 Crianças de 8 a 12 anos = Hb < 12 Crianças de 12 a 14 anos = Hb < 12 2.1.3. CAUSAS DA ANEMIA FERROPRIVA Aumento da demanda: Ocorre principalmente nos recém-nascidos. Durante o período gestacional, o feto recebe da mãe uma quantidade de ferro relativamente constante, que é armazenada no fígado, principalmente no último trimestre da gestação. A reserva de ferro e o leite materno garantem que o recém-nascido a termo consiga suprir todas as suas necessidades até 4 a 6 meses de vida. OBS: Os recém-nascidos prematuros e de baixo peso possuem uma reserva menor, e mesmo com o leite materno não serão capazes de suprir todas suas necessidades. A suplementação de ferro é necessária a partir do 1º mês de vida. Os lactentes no período de 4 meses a 1 ano de idade devem incorporar cerca de 200mg de ferro e requerem a absorção diária de 0,8mg/dia. O maior risco de deficiência de ferro está entre 6 e 18 meses de idade, porque esse é um período de crescimento rápido Fatores nutricionais Essa causa ocorre principalmente devido a ingestão inadequada de ferro. Mesmo que o leite materno contenha pouco ferro, a biodisponibilidade dele é alta, e assim o bebê fica protegido até por volta dos 6 meses Caso não receba aleitamento materno e faça uso de fórmulas, o bebê fica mais sujeito a essa deficiência na ingestão. Perdas sanguíneas As perdas sanguíneas geralmente ocorrem nas fezes (sangue oculto nas fezes), o que leva a uma diminuição dos estoques. Essa perda ocorre por alergia ao leite de vaca, parasitoses, doenças diarreicas ou refluxo gastro esofágico. 2.1.4. METABOLISMO DO FERRO Quando comemos um alimento como carne, que possui ferro na forma férrica (Fe +++), a enzima redutase vai transformá-lo em forma ferrosa (Fe++). A forma ferrosa entra no enterócito e sofre processo de transformação pela enzima hemi-oxigenase se tornando forma férrica novamente, que vai se ligar a ferritina ou a transferrina. Quando faz suplementação endovenosa de ferro, faz-se com a forma férrica (porque é essa forma que no sangue se liga a transferrina ou ferritina, e como é administração endovenosa, não vai precisar passar pelo processo de absorção). Quando faz suplementação oral de ferro, faz-se com sulfato ferroso (porque a forma ferrosa é aquela absorvida no intestino, e deporque se torna forma férrica para se ligar a ferritina ou transferrina). Maria Beatriz Machado OBS: A suplementação oral deve ser feita longe da alimentação, porque na alimentação pode ter a formação de substancias orgânicas e hidróxidos que diminuem a transformação da forma férrica em forma ferrosa. Porém, essa suplementação deve ser feita de preferencia com suco de laranja, abacaxi, tomate ou limão (substancias com ácido ascórbico, porque a acidez converte mais a forma férrica em forma ferrosa). Quando a forma férrica se liga a transferrina, essa proteína transporta o ferro para a medula óssea, onde deixa esse elemento. O ferro na medula óssea pode adentrar a hemácia e ser utilizado imediatamente por se ligar ao grupo heme, ou pode se ligar a ferritina formando uma reserva de ferro. O grupo heme que se forma vai se unir as cadeias de globina alfa e beta formadas pelos ribossomos, e vai formar a hemoglobina da hemácia. 2.1.5. ESTÁGIOS DA DEFICIÊNCIA DO FERRO 1. DEPLEÇÃO DOS ESTOQUES Como ocorre uma diminuição dos estoques, a ferritina estará abaixo do normal. Todos os outros parâmetros se encontram normais nessa fase, inclusive o ferro sérico. Como apenas a ferritina está diminuída, o paciente ainda não apresenta sintomatologia. 2. DEFICIÊNCIA DE FERRO SEM ANEMIA Nesse momento começamos a ter alteração no metabolismo do ferro, e o ferro sérico também diminui. Vai haver um aumento da capacidade de ligação do ferro à transferrina, porque o corpo entende que precisa aumentar o transporte de ferro. 3. DEFICIÊNCIA DE FERRO COM ANEMIA Anemia microcítica e hipocrômica (redução do CHCM e VCM) Diminuição da hemoglobina e hematócrito Baixa concentração de ferro sérico e ferritina Transferrina aumentada 2.1.6. QUADRO CLÍNICO Os sinais e sintomas surgem lentamente e guardam relação com os estagios de deplecao do ferro corporal. De modogeral, quando as primeiras manifestações surgem, a anemia ja é moderada. Os sinais e sintomas mais frequentemente encontrados são: Palidez cutaneo-mucosa Apatia Adinamia Dispneia Dificuldade para realizar atividade física Fraqueza muscular Intolerâncias aos exercícios Dificuldade na termorregulacao Fadiga crônica Inapetência Prejuízo do desenvolvimento físico É comum a perversão do apetite, manifestada por geofagia ou por compulsão por comer gelo, sabão, espuma de colchão ou cabelo. Exame físico: Palidez cutaneo-mucosa Glossite (hiperemia e perda das papilas linguais). Dependendo da intensidade da anemia, podem-se observar sopros cardíacos leves proto/mesossistolicos, sem irradiação, decorrentes do estado hiperdinâmico da circulação sanguínea e esplenomegalia (ate 3 cm abaixo do rebordo costal esquerdo). Maria Beatriz Machado 2.1.7. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL A anemia ferropriva é microcítica e hipocrômica. Dependendo do estágio em que se encontra a deficiência do ferro, teremos determinadas alterações laboratoriais, porém, temos no geral: Hemoglobina: Diminuída VCM: Diminuído HCM e CHCM: Diminuídos RDW: Diminuído Ferritina: Diminuída Ferro sérico: Diminuído Saturação da transferrina: Diminuída Capacidade de ligação do ferro a transferrina: Diminuída Protoporfirina eritrocitária livre: Aumentada 2.1.8. FATORES DE RISCO PARA DESENVOLVIMENTO DA ANEMIA FERROPRIVA Sangramentos Infecções Estado nutricional Prematuridade Desmame precoce e introdução do leite de vaca 2.1.9. TRATAMENTO Não medicamentoso: Caso o bebê seja menor de 6 meses, devemos estimular o aleitamento materno exclusivo, uma vez que a biodisponibilidade do ferro desse leite é maior que do leite de vaca. Caso a criança já seja maior e já tenha introduzido outros alimentos na dieta, devemos estimular o consumo de espinafre, feijão, couve, cereais, carne vermelha (possui ferro na forma ferrosa, sendo essa a forma com melhor absorção). Não oferecer alimentos e líquidos alcalinizantes após as refeições, porque o ferro é melhor absorvido em ambiente ácido. Estimular a ingestão de alimentos que possuam ácido ascórbico Facilita a absorção do ferro no organismo. Medicamentoso: O tratamento com ferro deve ser iniciado de preferência por via oral, através do sulfato ferroso. A dose diária de ferro elementar preconizada e de 4 a 6mg/kg de peso, ate o máximo de 200mg O tratamento deve ser mantido ate a normalização da ferritina ou, no mínimo, de dois a três meses após o desaparecimento da anemia. O tratamento recomendado pela Sociedade Brasileira de pediatria consiste em dose diária de 3-5mg/kg/dia de ferro, com a dose máxima de 200mg/dia, dividida em 1 ou 2 tomadas. Duração: 3-6 meses a fim de que após a correção dos valores de Hb, seja assegurada a reposição dos estoques de ferro. Administração: 30 minutos ou 1 hora antes das principais refeições, com uso adjuvante de ácido ascórbico (vitamina C ou sucos cítricos) Maria Beatriz Machado 2.2. ANEMIA MEGALOBLÁSTICA A anemia megaloblástica é uma anemia causada pela deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico. Está frequentemente acompanhada de plaquetopenia e leucopenia, porque devido a falta de vitamina b12 e/ou ácido fólico, a medula fica menos responsiva. A vitamina B12 está presente em alimentos de origem animal como carne (fígado), ovos, leite e derivados e frutos do mar NÃO ESTÁ presente em alimentos de origem vegetal. O folato existe em muitos alimentos de origem vegetal (hortaliças verdes escuras, suco de laranja, espinafre) e também de origem animal (fígado) O folato é importante para a síntese de DNA porque fornece o grupo metil. 2.2.1. ABSORÇÃO DE VITAMINA B12 A vitamina B12, ligada as proteínas dos alimentos, chega ao estomago, onde sofre digestão pela pepsina, liberando a cobalamina, que, por sua vez, se liga a nova proteína, denominada R-proteina. No duodeno, as proteases pancreáticas degradam a R-proteina e a cobalamina é liberada, passando a unir-se a outra glicoproteina produzida pelas células parietais do fundo gástrico, o fator intrínseco. O complexo vitamina B12 + fator intrínseco é resistente a ação das enzimas proteolíticas e, na mucosa do íleo, onde existem receptores específicos, ele consegue penetrar nos enterócitos. Enquanto o fator intrínseco sofre posterior degradação nos lisossomos dos enterócitos, a cobalamina se fixa firmemente a sua proteína transportadora fisiológica – a transcobalamina II. Considerando a escassez de dados acerca da deficiência de cobalamina, a OMS recomenda a ingestão diária de 1 mcg para adultos normais, 0,3 a 0,4 mcg para mulheres gestantes ou lactantes e 0,1mcg para crianças. 2.2.2. PORQUE A VITAMINA B12 É IMPORTANTE? O ácido fólico é transformado em tri-hidrofolato e depois em metiltetra-hidrofolato que vai ser desmetilado virando metileno tetra-hidrofolato. Quem faz essa desmetilação é a COBALAMINA (vitamina B12 depois de absorvida), e quando ela tira o radical metil do metiltetra-hidrofolato, ela passa a se chamar METILCOBALAMINA, e o metiltetrahidrofolato se torna o metileno tetra- hidrofolato. Maria Beatriz Machado A metilcobalamina vai transferir esse metil para a HOMOCISTEÍNA, e assim ela vai se tornar a METIONINA. O metileno tetra-hidrofolato é uma enzima que vai participar da formação da uridina fosfato para formar a timina, uma base de antígeno MUITO importante para a formação do DNA. Sem ela o DNA se torna irregular. A cobalamina ainda transforma o ácido metilmalonico em acetil-CoA Isso não tem nada a ver com ácido fólico, somente a vitamina B12 é necessária nesse processo de formação da acetil-CoA. A metionina e o acetil-CoA juntos são responsáveis pela mielinização das células nervosas Muito importante. O importante disso tudo é entender a ideia que é a vitamina B12 que é responsável por formar os componentes que irão realizar a mielinização das células nervosas, e por formar componentes necessários para a formação do DNA. OBS: As populações de risco para a deficiência de folato são os idosos, as grávidas e os lactentes. 2.2.3. QUADRO CLÍNICO Descorado Levemente ictérico Espaço de traube 7palpável Paciente com sintoma parestésico Marcha atáxica Lesões acrômicas: Os melanócitos tem taxa de atividade alta, e como está havendo falta de vitamina B12, não vai conseguir produzir corretamente as bases para o DNA, e vai começar a criar lesões acrômicas que parecem com vitiligo Lesões vitigoliformes. Língua “careca”: As papilas gustativas precisam realizar mitose a todo momento, e com a falta de vitamina B12 não consegue realizar a mitose corretamente pela falta de bases para o DNA e assim não vai ter a produção das papilas Língua lisa, avermelhada e dolorosa (GLOSSITE). OBS: Todos tecidos com alta taxa de divisão celular vão sofrer. OBS: Devido à falta de mielinização, e lesão das células nervosas, o paciente pode apresentar quadro psicótico, neuropatias.. 2.2.4. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DHL: Alto Bilirrubina indireta: Pouco aumentada Reticulócitos: normais Ferritina alta: Como a eritropoese é ineficaz, o ferro que iria para a hemácia, vai para a ferritina. Transferrina baixa: Como a ferritina aumenta, ocorre uma sinalização para diminuir a produção de transferrina, e as transferrinas existentes trabalharão mais, e ficarão mais saturadas. Índice de saturação elevado: As poucas transferrinas terão que carregar mais ferro para as ferritinas. Hemoglobina: baixa Leucócitos: baixos Plaquetas: Baixas 2.2.5. TRATAMENTO Deficiência de folato: 1 a 5 mg/dia VO. Anemia megaloblástica: Vitamina B12 via IM ou SC na dose de 100mcg/dia durante 7 dias, e a seguir duas doses semanais acompanhadas do exame de sangue periférico, porque após 3 a 5 dias ocorre aumento dos reticulócitos circulantes.
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