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Sociologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Vivian Fiori Revisão Textual: Profa. Ms. Natalia Conti Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade • Introdução • O Processo de Globalização • As Cidades no Contexto da Produção Global • O Mundo do Trabalho e a Globalização • A Sociedade em Rede · Analisar o processo de globalização e sua relação com a produção e com a sociedade. · Tratar das transformações pelas quais as formas de trabalho vêm passando. · Discutir as mudanças na sociedade a partir das redes sociais e das inovações das tecnologias da informação e comunicação. OBJETIVO DE APRENDIZADO Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade Introdução Nesta unidade discutiremos o processo de globalização e as alterações que vem produzindo na sociedade, em relação às formas de produção, no trabalho e nas relações sociais. O Processo de Globalização No decorrer do século XIX, o mundo conheceu o desenvolvimento de importantes ramos do conhecimento científico. A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no final do século XVIII proporcionou o surgimento de grandes inovações técnicas, que com o passar do tempo foram sendo disseminadas pelo mundo. Esta revolução passa pelos sistemas de produção, seja na agricultura, comércio e indústria, promovendo a disseminação de informações em escala mundial. Até meados do século XX, a produção industrial era concentrada em regiões. Mesmo com a industrialização de áreas dos países chamados subdesenvolvidos, permaneceu uma lógica de concentração das atividades junto a regiões que poderiam ter algum atrativo especial: matéria prima abundante, fontes de energia, mão de obra barata, proximidade de alguma estrada de ferro, rodovia ou porto. Nestas áreas industriais concentradas prevalecia um sistema de produção dentro da fábrica no qual cada operário ficava responsável por uma tarefa específica, num processo de execução e montagem. A este processo chamamos fordismo. A partir da segunda metade do século XX, com a corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, temos um amplo desenvolvimento de tecnologias de informação. O lançamento de satélites e a descoberta de novos materiais acelerou a comunicação entre os povos, por meio de redes de fibra ótica. Canais de televisão e de rádio, bem como sistemas telefônicos aproximaram lugares distantes, promovendo a disseminação de informações como nunca antes vivido pela humanidade. A este conjunto de relações de movimentação de capitais, ideias, informação, in- tercâmbio cultural e dinâmica de bens e de serviços é dado o nome de globalização. No atual período da história, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, o mundo vai se tornando cada vez mais global. Esta afirmação considera, no entanto, que este mundo tornado global refere-se principalmente à dimensão econômica, do mundo capitalista, das grandes empresas, da circulação de mercadorias, do sistema financeiro e dos sistemas de informação. 8 9 Figura 1 Há uma racionalidade capitalista norteando as formas de existência, com uma aceleração do tempo social que é moldado pelo modo capitalista de produção. Trata-se do tempo rápido, evidenciado em expressões como “tempo é dinheiro”, da rapidez na circulação das informações, da correria desenfreada nas grandes cidades, entre outras situações. Não é o tempo da natureza humana e sim do capitalismo. Podemos dizer, assim, utilizando-se de uma metáfora, que o mundo “encolheu”. Atualmente, uma viagem entre o Brasil e a Europa, que há um século levava várias semanas, pode ser feita em menos de 10 horas. Outro aspecto a destacar é o fato de que as técnicas são cada vez mais universais; basta para isso observar o cotidiano de uma grande cidade. Por exemplo, se no passado as técnicas eram mais locais e cada povo tinha uma técnica para produzir objetos, para morar, etc., que geralmente se relacionava com os materiais disponibilizados no meio. Atualmente as técnicas são cada vez mais universais, sejam as usadas na agricultura, na criação das formas das cidades ou nos objetos usados no cotidiano pela sociedade. A evolução dos sistemas técnicos ocasionou um enorme crescimento econômico, que ocorre, principalmente, devido à redução de custos de produção. Assim, o que antes era produzido numa concentração geográfica elevada – um parque industrial, por exemplo – atualmente pode ser feito com peças produzidas em diferentes partes do mundo. 9 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade Essa mudança na esfera da produção afeta toda a vida cotidiana do planeta. Um executivo de uma multinacional pode sair da matriz em Nova York, ir até o Japão visitar sua filial, depois à Austrália e ao Brasil. Se não puder fazer tal viagem, ainda é possível controlar os processos de sua fábrica por meio da internet, por diversos aplicativos, como Skype ou WhatsApp. Essa universalização também implica mudanças no cotidiano dos cidadãos comuns. Se desejar obter uma melhor colocação profissional nesta multinacional, um cidadão indiano, brasileiro ou moçambicano deve pelo menos fazer um bom curso de inglês. Isso porque o inglês tornou-se um idioma universal, principalmente pela sucessão das hegemonias britânica e norte-americana no controle global da produção capitalista. Talvez no futuro possa ser o mandarim, falado na China. Figura 2 – Casa Branca, Estados Unidos Fonte: iStock/Getty Images Uma das formas de promover transformações em escala global, utilizada pelo sistema de produção de mercadorias, implica no que alguns autores chamam de “indústria cultural”. A veiculação de propaganda, filmes, novelas, séries televisivas e pela internet, tudo isso contribuía para a propagação de informações antes próprias de um único sistema de valores e crenças. Uma das características marcantes desse período é a propagação do consumo. As empresas multinacionaisdispersaram suas bases pelo globo, aproveitando-se de benesses como acesso à mão de obra barata. Para obter lucro, é preciso que se venda a maior quantidade possível de produtos a um custo unitário baixo. Como explica o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1999, p. 77): Quando falamos de uma sociedade de consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial de que todos os membros dessa socieda- de consomem; todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas “consomem” desde tempos imemoriais. O que temos em mente é que a nossa é uma “sociedade de consumo” no sentido, similarmente 10 11 profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma “sociedade de produtores”. Aquela velha sociedade moderna engajava seus membros primordialmente como produtores e soldados; a maneira como moldava seus membros, a “norma” que colocava diante de seus olhos e os instava a observar, era ditada pelo dever de desempe- nhar esses dois papéis. Desse modo, como afirma o autor, deixamos de ser uma sociedade de produtores para ser uma sociedade de consumo, a partir da qual ter é mais importante do que ser. Assim, torna-se necessário que as pessoas, nos mais diversos países, consumam aceleradamente os mais distintos produtos. Mas como tornar atraente, para um mesmo número de pessoas, os mesmos produtos? Existem formas de se alcançar isso. Uma delas é o investimento em inovação, que faz com que cada edição de um mesmo produto – seja uma televisão, automóvel ou telefone celular – acrescente novas aplicações, tecnologias e modernizações. Muitas vezes as inovações nos produtos não podem mais ser alcançadas por mudanças na estrutura de seu funcionamento. Neste momento, a indústria pode utilizar-se de algum apelo estético: um automóvel “Edição Especial Copa do Mundo”, por exemplo, com alguma alteração externa, ou de acabamento interno, para atrair a atenção do consumidor. O produto comprado anteriormente fica assim, sob certo aspecto, ultrapassado. Ou, utilizando um termo mais adequado, obsoleto. Esta característica do projeto do produto é chamada de “obsolescência programada”. O que é obsolescência programada? Trata-se de uma estratégia de empresas que programam o tempo de vida útil de seus produtos para que durem menos do que a tecnologia permite. Assim, eles se tornam ultrapassados em pouco tempo, motivando o consumidor a comprar um novo modelo. Os casos mais comuns de obsolescência programada ocorrem com eletrônicos, eletrodo- mésticos e automóveis. É algo relativamente novo: até a década de 20, as empresas desen- havam seus produtos para que durassem o máximo possível. A crise econômica de 1929 e a explosão do consumo em massa nos anos 50 mudaram a mentalidade e consagraram essa tática. É uma estratégia “secreta” dos fabricantes para estimular o consumo desenfreado. Fonte: https://goo.gl/tVq9Da Ex pl or Esse movimento em direção ao consumo desenfreado não ocorre, evidentemen- te, sem conflitos e contradições. A primeira delas diz respeito aos limites físicos de uma expansão acelerada da economia. Para se produzir qualquer tipo de mercadoria, é necessária certa quantidade de matéria prima, energia e mão de obra. Do mesmo modo, para que haja consumo, é vital que a totalidade, ou pelo menos grande parte da população, tenha uma renda. 11 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade O sistema global de produção de mercadorias opera pela maximização dos re- sultados, ou seja, obtenção do maior lucro com o mínimo de investimento. As esco- lhas por parte dos investidores, ao instalar uma empresa num determinado ponto do mundo, são determinadas por este atrativo, que chamamos fatores locacionais. Fatores locacionais são atributos de um determinado território, ou de uma porção do território, que influenciam na localização de um determinado empreendimento (industrial, agrícola, comercial, ou de serviços). Estes atributos podem ser naturais – a proximidade de uma fonte de água é importante para uma indústria de bebidas, por exemplo. Podem ser também atributos relacionados à proximidade de um bom sistema de transporte, para recebimento de matéria prima e escoamento da produção. Na medida em que o mundo foi se modernizando, a dependência relativa de alguns fatores locacionais também foi mudando. No início da Revolução Industrial, era fundamental que as indústrias se localizassem próximas a regiões produtoras de matéria prima e energia (no caso da Inglaterra, a fonte de energia primordial foi o carvão mineral). A disponibilidade de mão de obra para trabalhar num empreendimento é outro fator importante. Isso se torna evidente pela própria evolução do processo de urbanização dentro do sistema capitalista. Todos os países que se industrializaram apresentam elevadas taxas de urbanização, com massivas quantidades de trabalhadores mudando-se do campo para as cidades. O Brasil, dentre estes países, apresentou uma das mais radicais e rápidas mudanças na composição da sua população, passando em poucas décadas de uma nação com maioria de população rural para uma extremamente urbanizada. Com a evolução dos processos relacionados à industrialização dos países, os governos nacionais cada vez mais tiveram que competir por investimentos, numa verdadeira corrida para adequar seus territórios aos projetos corporativos globais. A necessidade de geração de empregos e de renda levou a um enorme aumento da competitividade entre os lugares. Governos têm criado diversos incentivos, como redução de impostos, doação de terrenos, apoio à capacitação de pessoal, de modo a aumentar o potencial de atração de investimentos para seus territórios. Mesmo dentro de um país, como o Brasil, temos estados federados e municípios que “competem” entre si, numa verdadeira “guerra de lugares”, para obter algum benefício, como aumento de empregos e arrecadação. Muitas vezes, este processo causa transformações drásticas na condição social, por conta do crescimento rápido da população, o que acaba não proporcionando oportunidades para todos, gerando mais problemas do que benefícios (aumento da criminalidade, desemprego, prostituição etc.). No atual sistema globalizado do modo de produção capitalista ocorreram impor- tantes modificações, que tinham como objetivo flexibilizar a produção, reduzindo 12 13 custos e promovendo maior competitividade econômica. No território brasileiro temos alguns exemplos a respeito. Existem atualmente várias montadoras de automóveis, em diversos estados bra- sileiros, com estruturas de produção fortemente automatizadas. Estas montadoras trocaram a mão-de-obra intensiva presente no período fordista, a qual era menos qualificada, por menos trabalhadores, porém mais especializados, que operam ro- bôs e utilizam peças pré-fabricadas, cuja origem não é mais uma fábrica de auto- peças vizinha dentro de um mesmo polo industrial, mas sim fabricadas em cidades longínquas na Índia, Indonésia ou China. Figura 3 Fonte: iStock/Getty Images Neste contexto, novas estruturas de transporte são criadas para atender este sistema globalizado de produção. A utilização do contêiner no transporte interna- cional de mercadorias, por exemplo, permite uma padronização das cargas, dentro do conceito de intermodalidade, favorecendo a utilização de várias modalidades de transporte de modo integrado, o que minimiza os custos e procura atender várias demandas, do modo mais adequado possível. As Cidades no Contexto da Produção Global Em seu livro “A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, Milton Santos (2006) descreve o nosso mundo, na atual fase do capitalismo globalizado (ou mundializado, como alguns autores preferem), como um lugar onde os fluxos tornam-se mais importantes que os fixos(o “imperativo da fluidez”). Ou seja, o deslocamento de pessoas, mercadorias e das informações tornou-se fundamental, ocorrendo de forma cada vez mais rápida, na medida em que a evolução tecnológica transforma diariamente as bases sobre as quais transcorrem tais deslocamentos. 13 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade A evolução tecnológica, especialmente a ocorrida a partir da Segunda Guerra Mundial, mudou significativamente todos os setores da existência humana. Para cumprir a finalidade deste trabalho, convém atermo-nos, basicamente, ao setor de transportes. A evolução extremamente rápida deste setor, assim como o de comunicações, ocasionou transformações muito importantes do ponto de vista espacial. Os fatores que determinam a estratégia das empresas quanto à localização das suas unidades de produção foram em sua essência profundamente alterados. Como vimos anteriormente, na fase anterior do capitalismo (o regime de acumulação fordista), a produção estava diretamente relacionada à existência de matérias primas, mão de obra barata e proximidade de mercados consumidores. Na atual fase, que Castells (2005) chama de “capitalismo informacional”, a inexistência de um destes fatores ou vantagens pode ser superada, mediante a utilização de eficientes sistemas de transporte e telecomunicações, e da descentralização de atividades produtivas no território. A descentralização das atividades produtivas, por outro lado, é acompanhada pela centralização das atividades de gerenciamento, planejamento e articulação global destas empresas, em um ponto determinado do território. Este ponto central, cérebro das atividades produtivas no território é, necessariamente, o local aonde se encontra a maior “densidade técnica” (SANTOS, 2006). Ou seja, onde se concentra o maior número de fixos, como universidades, sistemas de comunicações (rádios, tv, jornais, provedores de internet) e meios de transporte (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias). Este processo ocorreu conjuntamente com a centralização das atividades de gerenciamento, controle e planejamento das estratégias de reprodução do capital em escala nacional. A condição hegemônica da cidade de São Paulo, por exemplo, enquanto principal centro do capitalismo no território brasileiro conferiu-lhe status de “cidade global” (CASTELLS, 2005). Através dela, o capital internacional internaliza-se comandando os espaços locais, dentro da lógica dos espaços que mandam e espaços que obedecem. De acordo com Corrêa (2003), o espaço urbano no sistema capitalista de produção: [...] é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço. São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem (CORRÊA, 2003, p. 11). 14 15 Os sistemas técnicos que são criados servem, portanto, aos interesses reprodutivos do capital, abarcando o espaço como objeto a agregar valor e transformar-se em mercadoria, o que está totalmente de acordo com os mecanismos econômicos prevalentes na sociedade no momento de reprodução. Esta é uma característica inerente ao conceito de “acumulação flexível de capi- tal”, que pode ser assim caracterizada, nas palavras de Eustáquio de Sene: [...] novos processos produtivos passam a ser instalados dentro das fábricas. A economia de escala, desenvolvida do interior da grande planta fabril, típica da produção fordista, gradativamente foi sendo superada pela economia de escopo, de produção descentralizada em escala nacional e mundial e, muitas vezes, em plantas menores (SENE, 2004, p.76). Esta nova forma de acumulação depende cada vez menos de uma concentração espacial da atividade industrial, que pode estar situada dispersa no território. Há, no entanto, uma necessidade de centralização das atividades gerenciais e administrativas. Esta descentralização locacional provoca uma “guerra de lugares”, que usam isenções fiscais e investimentos em infraestrutura para atrair empresas. Por esta razão, a ação do Estado não pode ser ignorada. Cabe a este: “[...] a orquestração da dinâmica do processo de investimento e a pro- visão de investimentos públicos chave, no lugar e tempo certos, para fomentar o êxito na competição interurbana e inter-regional” (HARVEY, 2005, p. 231). A nova localização das empresas é determinada por fatores que facilitem a inserção destas no mercado cada vez mais competitivo. Esta inserção, por sua vez, depende das chamadas “externalidades”, que vêm a ser: [...] os efeitos econômicos sobre as empresas e atividades decorrentes da ação de elementos externos a elas. A localização junto a um nó de tráfego confere maior acessibilidade. A co-presença de outras empresas em um mesmo local cria uma escala que uma única empresa não teria: fala-se então em economias externas de escala ou economias de aglomeração (CORRÊA, 2003, p. 83). A centralização das atividades de gerenciamento e administração da produção no território ocorre principalmente nas grandes metrópoles, entre as quais pode- mos destacar as “cidades globais”, ou metrópoles globais, segundo a definição de Milton Santos: [...] Pelos objetos em que se apoia e pelas relações que cria, a nova divisão internacional do trabalho leva a uma verdadeira mundialização dos lugares. Destes, alguns são lugares complexos, as metrópoles, dentre as quais se destacam metrópoles globais (SANTOS, 1994, p.17). 15 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade Nestas metrópoles globais predominam o tempo acelerado nos quais as relações sociais entre amigos, na família, tornam-se cada vez menores, pois quase todo o tempo é vivido em torno do trabalho, dos problemas cotidianos. Figura 4 Fonte: iStock/Getty Images Já o conceito de “cidade global” é explorado pela socióloga Saskia Sassen, que aplica a esta uma importância proporcional à dispersão das atividades econômicas no território: As cidades globais são os lugares chaves para os serviços avançados e para as telecomunicações necessárias à implementação e ao gerenciamento das operações econômicas globais. Elas também tendem a concentrar as matrizes das empresas, sobretudo daquelas que operam em mais de um país (SASSEN, 1994, p. 35). Todas estas mudanças nas formas de produção e nos lugares alteram a sociedade, as formas de trabalho, bem como as relações sociais. As produção e disseminação da informação partem principalmente das cidades globais que concentram serviços especializados, mas nos países subdesenvolvidos também muita desigualdade socioeconômica. O Mundo do Trabalho e a Globalização A globalização, enquanto processo, abrange atualmente todas as dimensões da vida humana em sociedade. Mas além das questões relacionadas à distribuição da produção e a vida nos centros urbanos, este processo afeta diretamente, também, o universo do trabalho. 16 17 A flexibilidade na localização das indústrias permite que mais e mais pessoas possam trabalhar em diferentes pontos do mundo. Apesar disso, permanece uma concentração de população nas áreas com melhor infraestrutura técnica: melhores transportes e comunicações. O trabalho, especialmente se compararmos com o início do século XX, tornou-se também flexível. É muito comum vermos pessoas trabalharem com empregos informais, principalmente nos setores de comércio e de prestação de serviços. A necessidade de redução dos custos das empresas e a competição entre os lugares por investimentos é uma das causas deste fenômeno. Há também que ser considerado o alto crescimento em termos relativos do setor terciário da economia(comércio e serviços). O desenvolvimento dos siste- mas avançados de comunicação, como a internet, favoreceu o aparecimento de diversos serviços especializados de atendimento que são realizados “online”, e não mais presencialmente. Por exemplo: quando precisamos de serviços bancários, não mais precisamos nos deslocar até uma agência para obter um determinado serviço. Sendo cliente de um banco de porte, basta acessar a internet, baixar um “aplicativo” do banco e efetuar os serviços digitalmente, no celular ou computador. É óbvio que alguns serviços não poderão ser feitos digitalmente, mas a possibilidade de um serviço ser realizado à distância se ampliou, o que também, por outro lado, demanda que novos serviços, como os chamados “call centers” – centrais de atendimento online para clientes – sejam desenvolvidos. Figura 5 Fonte: iStock/Getty Images As pessoas que trabalham nestes ambientes cada vez mais apresentam uma relação mais precária, flexível, com relação à empresa. Na eventualidade de uma mudança de cenário econômico, fica mais fácil para um grupo ou empresa se “readequar” ou “reestruturar”. 17 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade Com o atual processo de globalização, há maior flexibilidade na produção e também na circulação de mão de obra, geralmente com precarização do trabalho. De acordo com David Harvey (2005), com a acumulação flexível nas formas de produção e nas relações de trabalho, cria-se uma rotatividade da força de trabalho, que migra, atrás de trabalho, seja permamente ou temporário. Tal flexibilidade ocorre, por exemplo, por formas de trabalho mais flexível, sem muita regulamentação, com flexibilização nos contratos de trabalho, com trabalho em horário variados, com subcontratações ou com terceirização de mão de obra, ou seja, o empregado trabalha em uma empresa, mas é funcionário de outra. Cria-se, deste modo, um ambiente flexível, ou instável – dependendo de como se queira encarar esta realidade – no qual as coisas e as pessoas se tornam fluidos, mantendo poucos laços de relação. Crescem os empregos temporários, os “bicos”, os trabalhos por tempo determinado. Como explica Michel Chossudovsky (1999, p. 46): Como consequência, essa política econômica flexível tem resultado em desemprego, postos de trabalho mal remunerados, retrocesso do poder sindical, destruição de antigas habilidades e construção de novas, além do aumento da capacidade de fabricação de uma variedade de artigos em pequenos lotes a preços mais baixos e com rápidos giros de estoques. Houve também a fllexibilização do processo de produção, capacitando as empresas a responder às diferentes necessidades do consumidor num mercado instável e fugaz. Esse fenômeno faz parte de um contexto amplo de “reestruturação produtiva”, nas palavras de Pierre Veltz (1996), no qual os grandes conglomerados industriais passaram a terceirizar suas atividades, descentralizando a escala produtiva, sendo, muitas vezes, mero gerenciador de processos que estão inseridos em uma complexa e intrincada rede. As redes do chamado “capitalismo informacional” (CASTELLS, 2005) induzem à construção de um sistema de produção horizontalizado, com uma hierarquia pouco rígida. A produção se concretiza por intermédio de “projetos de negócios”, não havendo uma unidade dentro do sistema. O sociólogo espanhol Manuel Castells evidencia as grandes diferenças de desenvolvimento desigual pelo mundo, com a inserção de diferentes lugares neste processo global: [...] testemunhamos a integração global dos mercados financeiros; o desenvolvimento da região do Pacífico asiático como o novo centro industrial dominante; a difícil unificação econômica da Europa; o surgimento de uma economia regional na América do Norte; a diversificação, depois a desintegração, do ex-Terceiro Mundo; a transformação gradual da Rússia e da antiga área de influência soviética nas economias de mercado; a incorporação de preciosos segmentos de economias do mundo inteiro 18 19 em um sistema interdependente que funciona como uma unidade em tempo real. Devido a essas tendências, houve também a acentuação de um desenvolvimento desigual, desta vez não apenas entre o Norte e o Sul, mas entre os segmentos e territórios dinâmicos das sociedades em todos os lugares e aqueles que correm o risco de tornar-se não pertinentes sob a perspectiva da lógica do sistema. Na verdade, observamos a liberação paralela de forças produtivas consideráveis da revolução informacional e a consolidação de buracos negros de miséria humana na economia global, quer em Burkina Faso, South Bronx, Kamagasi, Chiapas, quer em La Courneuve (CASTELLS, 1999, p. 22). A sociedade em rede exclui milhares de pessoas e amplia os bolsões de pobreza, entre os que têm acesso às benesses do mundo atual e dos que são extremamente explorados pelo mesmo sistema. Figura 6 Fonte: iStock/Getty Images Em seu livro “Por uma outra globalização”, Milton Santos (2001) apresenta a globalização como uma “fábula” com os mitos da aldeia global e com o fim das fronteiras. Verdadeiramente a circulação das pessoas é mediada pelo poder socioeconômico e para os mais pobres as barreiras continuam existindo, basta observar os imigrantes latino-americanos buscando adentrar os EUA pelas fronteiras do México. Logo, há uma seletividade social na definição dos movimentos das pessoas no mundo. Há também um processo de globalização perverso, como denomina o autor, pois há exploração da mão de obra, desemprego, baixos salários, com aumento da pobreza e uma educação formal, quando há, de baixa qualidade, situações inerentes ao próprio processo capitalista e as políticas existentes. 19 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade A Sociedade em Rede A sociedade em rede é, também, um espaço seletivo. Há pessoas, ou grupos, mais integrados a este sistema produtivo avançado. Quanto mais integrado, maiores as chances de se fazer valer neste novo sistema de relações sociais. Uma pessoa que opera um aplicativo pode conectar-se a serviços e bens que não estão diretamente disponíveis para quem não está conectado. Por meio de canais da internet, podemos, por exemplo, escolher mercadorias – uma geladeira, um automóvel – comparar preços e escolher o melhor disponível. Da mesma forma com viagens, hotéis, e até mesmo serviços médicos. Enquanto isso, em lugares onde as pessoas não possuem conexão com a internet, permanecem relações mais pessoais, o contato direto olho no olho. Essa impessoalidade nas relações via internet gera muitas críticas, pela possibilidade de afastamento das pessoas dos contatos reais. Por outro lado, abre a possibilidade de contato entre pessoas que jamais se veriam, por conta da distância ou por não fazerem parte dos mesmos círculos pessoais. Eventualmente, um parente ou amigo pode ir morar em outra cidade, estado ou país, e ainda assim manter contato diário com sua família. Não só pessoas, mas serviços também são conectados. Uma pousada ou hotel situado na Austrália pode oferecer seus quartos no Brasil, Japão, Estados Unidos. Empresas podem oferecer cursos de capacitação para funcionários em qualquer parte do mundo via Internet. Universidades podem oferecer cursos em outros estados ou países, por meio de plataformas interativas. Empregados podem ser contratados por empresas por suas habilidades específicas, mesmo estando muito longe de sua sede. Evidentemente, esta “hiperconectividade” tem suas contradições. As mesmas possibilidades técnicas permitem também a aceleração de processos envolvendo atividades criminosas: pedofilia, tráfico de drogas e de pessoas, terrorismo. A dificuldade em rastrear ou localizar a origem de determinadas informações ou pessoas também possibilita a difusão de notícias falsas, a veiculação de ofensas de caráter étnico ou sexual.Dentro de cada país, os poderes públicos (governos nacionais, órgãos estatais, polícia, justiça) têm tido imensa dificuldade em estabelecer limites e parâmetros para estas atividades informacionais. A criação de leis e normas nem sempre tem efeito prático, já que as estruturas dos países podem ser obsoletas, ou estes podem não dispor de pessoal qualificado para atuar, já que este ambiente virtual se renova e se amplia com grande agilidade. 20 21 Figura 6 Fonte: iStock/Getty Images Aos que têm acesso, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) possi- bilitam rapidamente acessar informações sobre diferentes lugares e assuntos, criar uma rede social para trocar ideias, conversas, bate papos etc. Assim, as TICs em si não são portadoras de intencionalidades apenas perversas, embora hegemonicamente algumas vezes sejam usadas para este fim. Tampouco são portadoras somente de benesses como alguns as apresentam. Há muito discurso a favor das novas tecnologias como se elas por si mesmas fossem tornar o mundo melhor. Dependem de seu uso, de suas práxis sociais, considerando que estas TICs mudam as relações e as dinâmicas sociais, mas também contêm intencionalidades que vão além do uso técnico dos objetos e podem ter usos que não são democráticos e nem aceitáveis socialmente. O individualismo exacerbado é outro ponto negativo nesse atual momento do processo de globalização, em detrimento de relações sociais mais coletivas, assim como a ampliação das desigualdades sociais. Finalizando esta unidade é importante reiterar que a sociedade vem se trans- formando rapidamente com as mudanças advindas do processo de globalização, algumas situações são positivas, mas a globalização também pode ser perversa. 21 UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros O Mundo Globalizado: Economia, Sociedade e Política BARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo globalizado: economia, sociedade e política. São Paulo: Contexto, 2010. (e-book- biblioteca virtual). Vídeos A História das Coisas (The Story off Stuff) 21 min, com Annie Leonard, versão brasileira, mostra a questão da produção atual no mundo e os problemas decorrentes disso. https://youtu.be/7qFiGMSnNjw Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá (89 min, 2007). Documentário feito a partir da entrevista de Milton Santos sobre globalização. https://youtu.be/-UUB5DW_mnM Filmes The Corporation (A corporação) Documentário. Canadá, diretores Jennifer Abbott e Mark Achbar. 1h12min. parte 1 e 2, Canadá, 2003. Legendado. Assista ao documentário “The corporation” (a corporação), que conta como a partir da polêmica decisão da Suprema Corte de Justiça dos EUA uma corporação passa a ser vista como uma “pessoa”. Ficam evidentes como as grandes corporações agem, seus discursos, a exploração da mão-de-obra barata no Terceiro Mundo e a devastação do meio ambiente. No documentário há entrevista com presidentes de corporações como a Nike, Shell e IBM, além de outros não relacionados ao mundo dos negócios corporativos, que analisam a existência das corporações, tais como Noam Chomsky, Milton Friedman e Michael Moore. Assista o trailer no link a seguir: https://youtu.be/exY4u0XsEGI Leitura Globalização e Divisão Territorial do Trabalho: Uma Introdução à Discussão das Novas Tendências na Produção do Espaço ROSA, Maria Cristina. Globalização e divisão territorial do trabalho: uma introdução à discussão das novas tendências na produção do espaço. Maringá, Revista Acta Scientiarum 20(1), 1998, p. 115-119. https://goo.gl/pu55lo 22 23 Referências BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venancio Majer com a colaboração de Klauss Brandini Gerhardt. V. 1, 8 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza: impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2003. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2001. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1994. SASSEN, S. A cidade global. Lavinas, L. (org) Reestruturação do espaço urbano e regional no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1993. SENE, Eustáquio de. Globalização e espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2004. VELTZ, P. Mondialisation, Villes et Territoires: l’économie d’archipel. Paris: Puf, 1996. p. 147-72 23
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