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0 UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DCEEng – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E ENGENHARIAS CURSO DE CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO PROJETO DE SOFTWARE PARA AUXÍLIO PEDAGÓGICO DE CRIANÇAS PORTADORAS DE DISLEXIA GIOVANA ZIMERMANN DE SOUZA Ijuí / RS 2015 1 GIOVANA ZIMERMANN DE SOUZA PROJETO DE SOFTWARE PARA AUXÍLIO PEDAGÓGICO DE CRIANÇAS PORTADORAS DE DISLEXIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Coordenação do Curso de Ciência da Computação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI, apresentado como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Ciência da Computação. Coordenador: MSc EDSON LUIZ PADOIN. Orientador: MSc. ROMÁRIO LOPES ALCÂNTARA. Ijuí / RS 2015 2 GIOVANA ZIMERMANN DE SOUZA PROJETO DE SOFTWARE PARA AUXÍLIO PEDAGÓGICO DE CRIANÇAS PORTADORAS DE DISLEXIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Coordenação do Curso de Ciência da Computação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI, apresentado como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Ciência da Computação. Coordenador: MSc EDSON LUIZ PADOIN. Orientador: MSc. ROMÁRIO LOPES ALCÂNTARA. BANCA EXAMINADORA __________________________________ Msc. MARCOS RONALDO CAVALHEIRO Ijuí / RS 2015 3 AGRADECIMENTOS Gostaria de expressar minha profunda gratidão a Deus pela oportunidade de realização deste sonho, assim como pelo acompanhamento e amparo em todos os momentos. Não poderia ter feito nada sem minha família. Meus pais, Francisco e Cleci, a quem sou eternamente grata, que foram os primeiros a me ofertar amor, suporte e compreensão, especialmente, durante todo o período da graduação. Minhas irmãs, Adriana e Juliana, que sempre torceram por mim e acreditaram em minha capacidade. De igual modo agradeço a meus familiares e amigos que me acompanharam ao longo destes anos pelo carinho e apoio. Os companheiros de curso também merecem importância pelo estímulo intelectual, ajuda e conhecimento compartilhado durante o exercício curricular. À Romário Lopes Alcântara, meu orientador, pela paciência e por compreender meus momentos de dificuldade. Agradeço a todos os professores e ex-professores do colegiado de Ciência da Computação da UNIJUÍ que puderam contribuir em meu crescimento pessoal e profissional. A todos muito obrigada. 4 Para meus pais, Francisco e Cleci, que são minha vida e tanto me ensinaram. 5 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................ 7 RESUMO ................................................................................................................................... 8 ABSTRACT ............................................................................................................................... 9 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10 1.1 TEMA DO PROJETO ........................................................................................................ 12 1.2 PROBLEMAS A SEREM ABORDADOS ....................................................................... 12 1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 13 1.3.1 Objetivo geral .................................................................................................................. 13 1.3.2 Objetivos específicos ....................................................................................................... 13 1.4 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 14 2 A DISLEXIA ......................................................................................................................... 15 2.1 CONCEITO ........................................................................................................................ 15 2.2 A NATUREZA DA DISLEXIA ........................................................................................ 17 2.2.1 O Modelo fonológico....................................................................................................... 19 2.2.2 Observando o cérebro ...................................................................................................... 21 2.2.3 Buscando pistas na genética ............................................................................................ 24 2.2.4 Equívocos acerca da dislexia ........................................................................................... 25 2.2.5 Outros distúrbios de leitura ............................................................................................. 25 2.3 O DIAGNÓSTICO DA DISLEXIA ................................................................................... 27 2.3.1 Avaliação multidisciplinar ............................................................................................... 29 2.3.2 Primeiros indícios da dislexia .......................................................................................... 30 2.3.3 Indícios posteriores da dislexia........................................................................................ 31 2.3.4 Sinais da dislexia ............................................................................................................. 34 2.3.4.1 Sinais da dislexia na primeira infância ......................................................................... 35 2.3.4.2 Sinais da dislexia a partir da 2ª série ............................................................................ 36 2.3.4.3 Sinais da dislexia em jovens adultos e adultos ............................................................. 38 2.4 TRATAMENTO DA DISLEXIA ...................................................................................... 39 2.4.1 Modelo de um programa eficaz de intervenção de leitura............................................... 43 3 A INFORMÁTICA NA DISLEXIA ..................................................................................... 46 3.1 O COMPUTADOR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA ........................................ 46 3.2 A INFORMÁTICA NO TRATAMENTO DA DISLEXIA ............................................... 46 6 3.3 APLICAÇÕES PARA ALUNOS DISLÉXICOS .............................................................. 48 3.3.1 Aramumo ......................................................................................................................... 48 3.3.2 Mimosa e o Reino da Cores ............................................................................................. 50 3.3.3 Arqueiro Defensor ........................................................................................................... 52 3.3.4 Análise das ferramentas ...................................................................................................53 3.4 TRABALHOS RELACIONADOS .................................................................................... 54 4 PROJETO DE UMA APLICAÇÃO EDUCATIVA ............................................................. 56 4.1 FUNDAMENTOS DO PROTÓTIPO ................................................................................ 56 4.1.1 Análise de requisitos ........................................................................................................ 56 4.1.1.1 Requisitos funcionais .................................................................................................... 57 4.1.1.2 Requisitos não funcionais ............................................................................................. 57 4.1.2 Perfil do usuário .............................................................................................................. 58 4.1.3 Objetivos de usabilidade .................................................................................................. 60 4.2 DESCRIÇÃO DO PROTÓTIPO ........................................................................................ 60 4.2.1 Protótipo de interface ...................................................................................................... 60 5 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 70 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 72 ANEXO A – Guia para desenvolvimento das habilidades relacionadas à leitura. ................... 75 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – A persistência da dislexia ........................................................................................ 18 Figura 2 – A localização precisa do principal problema da dislexia. ....................................... 19 Figura 3 – Disléxicos utilizam sistemas compensatórios para ler. ........................................... 22 Figura 4 – Intervenções eficazes de leitura fazem com que o cérebro se recupere. ................. 23 Figura 5 – O Modelo de dislexia e o mar de habilidades que a cerca. ..................................... 28 Figura 6 – Bons leitores x leitores fracos. ................................................................................ 32 Figura 7 – Preenchendo a lacuna de leitura .............................................................................. 42 Figura 8 – Tela do nível 1 do jogo Aramumo. ......................................................................... 49 Figura 9 – Tela final do nível 1 do jogo Aramumu. ................................................................. 49 Figura 10 – Tela inicial do Jogo Mimosa e o Reino das Cores. ............................................... 50 Figura 11 – Tela do jogo de colorir do aplicativo Mimosa ...................................................... 50 Figura 12 – Um dos desafios para colorir o ambiente .............................................................. 51 Figura 13 – Atividade “Desembaralhe”, similar a um jogo antigo, o “Racha-Cuca”. ............. 51 Figura 14 – Lançando a flecha no inimigo. .............................................................................. 52 Figura 15 – Tela para digitar a palavra ouvida. ........................................................................ 52 Figura 16 – Tela inicial do software Prefon ............................................................................. 55 Figura 17 - Tela inicial do jogo ................................................................................................ 61 Figura 18 – Tela de seleção de personagem ............................................................................. 62 Figura 19 – Tela da atividade motora – Recolher as moedas ................................................... 62 Figura 20 – Tela da fase 1: Diferenciar formas ........................................................................ 63 Figura 21 – Tela da fase 2: Divisão e reconhecimento de sons. ............................................... 64 Figura 22 – Tela da fase 3: Divisão e reconhecimento de rimas. ............................................. 65 Figura 23 – Tela da fase 4: Diferenciar fonemas...................................................................... 66 Figura 24 – Tela da fase 5: Completar palavras ....................................................................... 67 Figura 25 – Tela da fase 6: Soletração. .................................................................................... 68 Figura 26 – Tela de Feedback. ................................................................................................. 69 8 RESUMO A Dislexia representa uma deficiência específica na aprendizagem da leitura e pode ser considerada uma das causas mais frequentes do baixo rendimento e fracasso escolar. Normalmente é diagnosticada nos anos inicias do processo de alfabetização, quando a criança passa a ter contato com a leitura e a escrita. Porém a maioria das crianças não são identificadas antes da 3ª série. Dos casos, grande parte não é identificada ou tratada de forma eficaz. Contudo, o diagnóstico precoce e preciso é possível, assim como qualquer diagnóstico médico fundamentado cientificamente. Para que uma intervenção de leitura seja bem-sucedida são necessários profissionais altamente capacitados e experientes, métodos adequados e acompanhamento especial para que a criança possa superar suas limitações. Embora não haja uma cura definitiva para a dislexia, pessoas inteligentes, dedicadas e motivadas podem concluir seus estudos e construir uma carreira de sucesso. Diante do crescente processo de informatização da sociedade e da carência de recursos tecnológicos em língua portuguesa para disléxicos, a proposta deste trabalho está voltada à utilização do computador como ferramenta de auxílio pedagógico no tratamento de crianças disléxicas. Neste documento são apresentadas informações acerca da dislexia e propostas atividades com um software educativo visando facilitar o trabalho dos professores/psicopedagogos e promover uma intervenção de leitura de sucesso. Palavras-chave: Dislexia, Dificuldade de Aprendizagem, Computador, Leitura, Criança, Linguagem. 9 ABSTRACT Dyslexia has a specific deficiency in learning to read and can be considered one of the most common causes of low performance and school failure. It is usually diagnosed in the initial years of the literacy process, when the child meets reading and writing. But, most children are not identified before the 3rd grade. Of those, most are not identified or treated effectively. However, the early and accurate diagnosis is possible as well as any scientifically based medical diagnosis. For a reading intervention to succeed are needed highly skilled and experienced professionals, appropriate methods and special monitoring for the child to overcome their limitations. Although there is no permanent cure for dyslexia intelligent, dedicated and motivated people can complete their studies and build a successful career. In the face of growing process of computerization of society and the lack of technological resources in Portuguese to dyslexics, the purpose of this work is aimed at using the computer as a teaching aid tool in the treatment of dyslexic children. This document presents information about dyslexia and proposed activities with an educational software to facilitate the work of teachers/educational psychologists and to promote a successful reading intervention.Keywords: Dyslexia, Learning Disabilities, Computer, Reading, Child, Language. 10 1 INTRODUÇÃO A leitura é um dos aprendizados mais importantes, porque é a chave para acesso a todo o conhecimento. Da mesma forma, para o enriquecimento do vocabulário, dinamização do raciocínio e a interpretação. É preciso aprender a ler para mais tarde ler para aprender. Falar, ler e escrever são formas de manipulação linguística, que se desenvolvem de forma lenta e gradativa, onde a criança integra experiências visuais, verbais e auditivas, fazendo distinção entre sons e símbolos, conferindo a eles significados, por fim, os memorizando. A escrita representa aspectos da fala. A leitura vai além da decodificação de símbolos, envolve a compreensão da expressão escrita. Ler é mais complexo que falar, por não ser uma característica inata, porém é relativamente simples para a grande maioria das pessoas. Contudo, há uma parcela significativa de pessoas que, mesmo gozando de inteligência mediana ou superior, manifestam deficiência na aprendizagem. A dislexia é um transtorno específico de aprendizagem, mas especificamente de leitura, onde, devido a um déficit linguístico, o cérebro processa a linguagem de forma peculiar, afetando não somente a leitura, mas também o reconhecimento, decodificação (tanto escrita como oral), compreensão e soletração de palavras, comprometendo o rendimento escolar. Segundo Monteiro (2014) a dislexia é a causa de 15% das reprovações escolares. Até poucos anos, não se conhecia a origem desse distúrbio. Era visto como uma incapacidade oculta, comumente confundida com desinteresse, alta de atenção ou preguiça, resultando em mitos e preconceitos que estigmatizavam aos que portavam o problema. Há necessidade de estratégias psicopedagógicas mais especificas e eficazes de intervenção para a dislexia. Áurea (2006) diz que, em média, 15% das crianças que já frequentam a escola porta a dislexia, sendo que, no Brasil, dos casos identificados na faixa crítica (entre 10 e 12 anos) 40% são de grau mais grave, 40% moderado e 20% leve. A infância é a fase da aprendizagem. O cérebro de uma criança é como uma esponja: absorve toda a informação que a cerca. Portanto, a base para o bom êxito escolar é edificada na infância e, os métodos de ensino e os estímulos dados a criança podem ser decisivos para a sua vida. Assim, é necessário que a dislexia seja compreendida, identificada precocemente e trabalhada diferenciadamente, para que possa ser estabelecida positiva e produtivamente uma relação entre a criança e a sala de aula. A psicopedagogia e a informática são áreas bastantes diferentes, no entanto, se unidas e aplicadas de forma correta possibilitam excelentes resultados. Nesse contexto, e em um mundo 11 digitalmente globalizado, a preocupação com distúrbios de aprendizagem tem ganhado evidência, promovendo, assim, a procura de alternativas de trabalho e instrumentos eficazes para intervenções psicopedagógicas em ferramentas tecnológicas que possam contribuir no processo de desenvolvimento da aprendizagem de portadores de défice de linguagem. A informática serve ao psicopedagogo como ferramenta auxiliadora de trabalho, facilitando o conhecimento e oferecendo ferramentas que podem assistir a aprendizagem, incitando conhecimento, estimulando interesse, criatividade e o desenvolvimento pessoal do disléxico. A informática, ao mesmo tempo em que desenvolve várias habilidades e pode oferecer softwares competentes para estimular as capacidades necessárias aos disléxicos trabalhando a cognição e percepção visual, também é um meio mais atrativo e motivador, que possibilita ao disléxico seu desenvolvimento, fazendo união entre copo, mente e emoção e, da mesma forma, incentiva a autonomia do mesmo. O computador pode ser visto tanto como uma ferramenta para contribuir no processo de aprendizagem quanto ser aplicável a novas alternativas de ensino para formação de educadores. Nessa perspectiva, a função do psicopedagogo (orientador especial) é fundamental, pois está em suas mãos todo o sucesso do programa de intervenção – estratégias, métodos, conteúdos e monitoramento -. A dislexia quando identificada precocemente e tratada eficazmente pode proporcionar uma vida normal a criança, libertando-a das frustrações e baixa autoestima provocadas por ficar para trás em relação ao nível dos colegas de escola, tornando-a um adulto confiante e passível de sucesso. Mascarenhas (2015) cita algumas personalidades portadoras de dislexia que superaram o problema: George Washington: político e militar. Foi o primeiro presidente dos Estados Unidos; Pablo Picasso: pintor, escultor, desenhista e escritor de poesia. É considerado um mestre da arte no século XX. Tom Cruise: ator americano e produtor de cinema. Possui indicação ao Oscar e venceu três Globos de Ouro. Walt Disney: produtor cinematográfico, cineasta, diretor, roteirista, dublador, animador, empreendedor e criador do parque temático Disneylândia; Agatha Christie, Albert Einstein, Anthony Hopkins, George W. Bush, Harrison Ford, John F. Kennedy, John Lennon, Leonardo da Vinci, Robin Williams, Steven Spielberg, Thomas Edison, Vicent Van Gogh, Whoopi Goldberg, entre outros. (PIVA, 2013) 12 A pretensão deste trabalho está na contribuição, não apenas para sazonar o processo de ensino/aprendizagem, mas objetiva também fomentar a utilização de softwares educativos como elementos pertinentes aos programas de intervenção de leitura. Essa temática pode ser bastante controversa, devido à falta de senso comum dentre os pesquisadores da área. Portanto, toda a fundamentação científica deste trabalho será baseada nos resultados das pesquisas realizadas pela Dra. Sally Shaywitz na Universidade de Yale, que porta os títulos de Doutora em Medicina, neurocientista, professora de pediatria e co-diretora do Centro de Estudos da Aprendizagem e da Atenção em Yale, e é considerada, pela comunidade da área, uma das mais renomadas especialistas mundiais em dislexia e leitura. O presente trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, “Introdução”, é feita uma pequena abordagem contextual, explanando o tema, problemas abordados, objetivos a serem alcançados e a justificativa. No segundo capítulo, “A dislexia”, mediante revisão bibliográfica, é explicada acerca da dislexia; conceituando o problema, a sua natureza, como é feito o diagnóstico e é mostrado a base para um tratamento de intervenção eficaz. No terceiro capítulo, “Informática na dislexia”, é explicado sobre como a informática pode ser utilizada para benefício dos disléxicos, e, também, é feita uma análise comparativa de algumas aplicações disponíveis para o tratamento da dislexia. Por sua vez, no capítulo quarto, “Projeto de uma aplicação educativa”, é descrita a ideia e fundamentos para uma aplicação de auxílio pedagógico a crianças portadoras de dislexia. No capítulo cinco, “Conclusão”, são apresentadas as principais conclusões obtidas com este estudo e perspectivas para trabalhos futuros. Por último encontram-se as “Referências Bibliográficas” e “Anexos”. 1.1 TEMA DO PROJETO Diante do crescente processo de informatização da sociedade e a busca das escolas em acompanhar esta evolução, a proposta do tema visa projetar um software capaz de prestar auxílio pedagógico a crianças portadoras do transtorno de aprendizagem conhecido como Dislexia. 1.2 PROBLEMAS A SEREM ABORDADOS O problema principal a ser tratado é como identificar e tratar de forma eficiente crianças disléxicas, a fim de projetar uma aplicação que ofereça recursos para a melhora das habilidades fonológicas, leiturae memorização, assim os auxiliando em seu aprendizado, visto que há uma 13 deficiência prática de aplicações tecnológicos que prestem assistência a portadores de necessidades especiais educativas, particularmente disléxicos, 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Objetivo geral Nos últimos anos a tecnologia tem crescido consideravelmente, tornando-se indispensável na sociedade atual e fundamental na psicopedagogia. Porém nesta evolução, há uma lacuna no desenvolvimento de aplicações para pessoas com necessidades de ensino especiais. É neste contexto que este trabalho se compõe: desenvolver um estudo aprofundado a fim de projetar um software de auxílio pedagógico direcionado a portadores de dislexia que possa contribuir na integração e desenvolvimento dos mesmos na sociedade, cativando-os ao uso de novas tecnologias. 1.3.2 Objetivos específicos A partir do objetivo geral apresentado anteriormente, foram definidos um conjunto de objetivos específicos do projeto a ser realizado. São eles: a. Compreender a problemática imposta pela dislexia; b. Entender o comportamento de disléxicos através da identificação dos sinais e consequências do transtorno para definir o público alvo; c. Inquirir os efeitos da tecnologia na educação especial; d. Investigar ferramentas educativas que tentem resolver o mesmo problema; e. Levantar dados para descobrir as necessidades e características do protótipo a ser projetado. f. Mediante a análise dos pontos anteriores, projetar um protótipo de uma aplicação para auxilio pedagógico de crianças portadoras de dislexia. 14 1.4 JUSTIFICATIVA A escolha deste tema surgiu da constatação de que no Brasil há escassez de recursos tecnológicos, em língua portuguesa, que ofereçam assistência pedagógica a portadores de dislexia. O emprego de potencialidades da tecnologia em uma área de ensino carente também representa um desafio. Pensando nisso e numa era de domínio tecnológico, certamente uma ferramenta do gênero pode estimular o interesse das crianças disléxicas. 15 2 A DISLEXIA Nas páginas a seguir, deste capítulo, estão descritos os aspectos humanos e científicos da dislexia. Incialmente será esclarecido a parte conceitual (seção 2.1), em seguida como ela se desenvolve (seção 2.2). São explicados na seção 2.3 os sinais da dislexia em crianças, jovens adultos e adultos, bem como o diagnóstico precoce e o diagnóstico tardio (crianças com idade mais avançada à adultos). E, por fim, o tratamento mais eficaz para crianças (seção 2.4), visto que são o público alvo deste estudo. 2.1 CONCEITO Conceito apresentado por um médico alemão, Rudolf Berlin, em 1887 em sua monografia “Um caso particular de cegueira verbal” onde são apresentados seis casos estudados durante vinte anos. O termo dislexia utilizado por Berlin referia-se a então chamada “cegueira verbal adquirida” em adultos, dos quais, após algum tipo de lesão cerebral, teriam perdido a capacidade de leitura, apresentando dificuldades de interpretação de símbolos escritos ou impressos. Tais lesões, oriundas de derrame ou até mesmo tumor, podem danificar funções físicas diversas, visto que costumam afetar o lado esquerdo do cérebro, causando fraqueza muscular, confusão em pronunciar algumas palavras ou mesmo nominar objetos, além da dificuldade de leitura. Caso a lesão fosse total chamavam-na de alexia adquirida, sendo esta uma incapacidade irrestrita de leitura. A “cegueira verbal congênita” (também chamada de alexia do desenvolvimento) apresenta um quadro clínico mais delicado, pois se dá em crianças e vem desde o nascimento, como se houvesse “uma queda de energia nas conexões cerebrais durante o desenvolvimento embrionário, ficando esse problema nas conexões neurais confinado a um determinado sistema neural (utilizado para a leitura). ” (SHAYWITZ, 2006, p. 27). Por muito tempo pode passar despercebida e evolui à proporção que a criança encontra problemas contínuos de leitura na escola. Apesar de ter base biológica, é no ambiente escolar que a dislexia se expressa, fazendo com que sua identificação dependa muito dos métodos utilizados em sala de aula. Dislexia não é uma doença ou deficiência, e sim um distúrbio genético da linguagem, de procedência neurobiológica, caracterizado pela dificuldade de decodificação do estímulo escrito ou da simbologia gráfica. Comprometendo, assim, a aprendizagem da leitura e escrita, fluência e compreensão de textos. Em graus distintos, os portadores deste transtorno inato são 16 incapazes de fixar a memória fonêmica, ou seja, associar os fonemas às suas respectivas letras. Um disléxico não é um bom leitor, isto é, tem a capacidade de ler, porém não compreende o que lê. Definição de dislexia adotada em 2002 pela International Dyslexia Association (IDA) e também utilizada pelo National Institute of Child Health and Human Development (NICHD) é a seguinte: A Dislexia do desenvolvimento é considerada um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldade no reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, na habilidade de decodificação e em soletração. Essas dificuldades normalmente resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem e são inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas. (Associação Brasileira de Dislexia) Os disléxicos podem ser muito inteligentes e habilidosos nas mais diversas áreas. Apresentam quociente de inteligência (QI) normal ou até mesmo acima da média, pois as habilidades intelectuais não são afetadas pela dislexia – pensamento, razão, compreensão – sobressaindo-se apenas a sua dificuldade acentuada na leitura/escrita. Quando não diagnosticada ainda nos anos iniciais da educação infantil, tal distúrbio pode conduzir crianças entre 8 a 9 anos, do ensino fundamental, a desordens emocionais e linguísticas. Frustrações associadas à dificuldade de leitura/escrita podem levar a repressão social e agressividade. Até pouco tempo a dislexia era descreditada, sendo considerada uma resposta emocional, como uma válvula de escape das obrigações escolares. De acordo com Pestun (2003 apud FREITAS, 2015, p. 01), a dislexia subdivide-se em: a) Dislexia fonológica ou disfonética: é um problema de ordem auditiva. Os disléxicos deste grupo possuem dificuldade em associar as letras aos seus sons, apresentando problemas de alteração semântica na leitura oral de palavras desconhecidas, longas ou mais complexas. b) Dislexia visual ou diseidética: é um problema de ordem visual, caracterizado pela deficiência perceptiva das palavras inteiras. A leitura demanda muito esforço para os disléxicos deste grupo, eles leem de forma lenta e cansativa, como se nunca tivesses visto tais palavras. c) Dislexia mista: neste grupo, o disléxico apresenta problemas dos dois tipos supracitados: disfonético e diseidético. Causa incapacidade de leitura quase por completo. 17 Felipe Ponce, um estudante de publicidade, relata que, aos 10 anos de idade após ter sofrido muito no período de alfabetização foi diagnosticado disléxico. Porém, a medida em que crescia foi desenvolvendo alguns “macetes” para superação do problema, que atualmente, considera um dom. Ele diz o seguinte: Todos dos disléxicos apresentam certa dificuldade com linguagem, mas a implicação disso varia muito de pessoa para pessoa. [...]. Imagine que você tem varias [sic] imagens do mesmo bolo de chocolate, então você pega essas imagens e entrega nasmãos de cozinheiros diferentes, pedindo para eles prepararem o mesmo bolo da foto. No final tudo dará bolo de chocolate e mesmo havendo ingredientes parecidos, cada elemento será unido de forma singular com um toque pessoal. Da mesma maneira funciona o disléxico, cada um é único e especial, por isso é tão arriscado rotular a todos de forma simples e tão generalista. (PONCE, 2014, p. 1). Ponce é o idealizador de um site de autoajuda para disléxicos e familiares, o DislexClub, onde ele afirma ainda que a “dislexia é ter o privilégio de viver no mundo com um olhar diferente”. 2.2 A NATUREZA DA DISLEXIA Comumente subjugada como uma incapacidade oculta, a dislexia pode penetrar-se em áreas diversas da vida de uma pessoa, podendo ser tão nóxia quanto qualquer doença viral. Porém já é possível identificar via imagem cerebral o local e modo de manifestação da dislexia no cérebro. Está enraizada nos mesmos sistemas cerebrais que concedem ao ser humano a capacidade de entendimento e de expressão linguística. (SHAYWITZ, 2006). A dislexia não é causada por uma deficiência intelectual geral, por isso é designada e classificada como sendo uma dificuldade específica da linguagem. Hoje, a cada cinco crianças uma sofre deste transtorno (SHAYWITZ, 2006). Aproximadamente, 70 ou 80% das crianças têm a capacidade de entender o código alfabético, que denota a leitura, seguidamente a um ano de ensino. Para as demais, a leitura persiste como um desafio fora de alcance por um ou vários anos escolares. A dislexia além de comum também é persistente. Ao longo de vários anos, educadores e pesquisadores discutiram se a dislexia retratava um retardo no desenvolvimento que poderia, de alguma forma, ser vencido ou se era um déficit constante na leitura. Se fosse um simples atraso, algo temporário, não haveriam maiores preocupações por parte dos pais e professores, pois seria superada posteriormente. Porém se não pudesse ser superada, seria imprescindível o diagnóstico precoce para que a criança recebesse o auxílio o mais cedo possível. 18 Segundo dados fornecidos por Francis no Connecticut Longitudinal Study1 (1994 apud SHAYWITZ, 2006, p. 38) a dislexia é de caráter crônico e não apenas um retardo transitório no progresso da leitura. Utilizando duas estratégias complementares, foram comparadas as proporções de crescimento individual relativas às habilidades de leitura em crianças do ensino fundamental, divididas em dois grupos: um grupo era formado por crianças que nunca apresentaram quaisquer tipos de problemas de leitura, e o outro grupo era constituído por crianças que se encaixavam nos critérios de problemas de leitura nas séries iniciais. Ao longo do tempo pôde-se observar que os dois grupos obtiveram melhora em sua capacidade de leitura. No entanto, como demonstra a Figura 1, o desempenho da leitura teria melhorado com o passar do tempo, tanto para os bons leitores (curvatura superior) quanto para os leitores fracos (curvatura inferior). Porém uma lacuna se manteve entre os grupos. Concluiu-se que os leitores fracos jamais conseguiriam alcançar os colegas que são considerados bons leitores. Sendo assim, a criança quando disléxica nos anos iniciais da escola, seguirá sofrendo problemas de leitura, precisando de ajuda desde muito cedo. Figura 1 – A persistência da dislexia Fonte: Adaptado de SHAYWITZ (2006, p. 38). Das crianças participantes do estudo longitudinal, aproximadamente um terço receberam ajuda especial, porém não era de forma contínua, acontecendo dispersamente e com 1 Nas páginas 33 a 39 Shaywitz (2006) explica um pouco dos estudos e resultados do Connecticut Longitudinal Study, com pacientes que apresentavam problemas de leitura. 19 auxílio de professores não habilitados para o exercício desse tipo de situação, ou seja, sem estratégias eficientes para uma abordagem eficaz de acordo com a seriedade do problema. Por ser um problema localizado, a dislexia não afeta a capacidade de pensar e raciocinar, que podem até ser ampliados. Um grande avanço foi entender que a dislexia representa um problema específico relacionado ao sistema de processamento linguístico cerebral, e não algum tipo de deficiência geral da inteligência ou mesmo desequilíbrio visual. A dislexia não se revela um problema generalizado na linguagem, e sim uma falha relativa a um componente do sistema de linguagem: o módulo fonológico (fono deriva do Grego phonos = voz/som). Shaywitz (2006) compara o módulo fonológico com uma fábrica de linguagem, é a parte funcional do cérebro que reconhece e monta os sons da linguagem sequencialmente a fim de formar as palavras, e as segmenta em sons elementares. 2.2.1 O Modelo fonológico Para que possa haver o entendimento do modelo fonológico é preciso entender como o cérebro processa a linguagem. Shaywitz (2006) explica que o sistema de linguagem é como uma sequência de módulos divididos em graus, onde cada um é responsável por um aspecto linguístico. Todas as operações dentro desse sistema são compulsórias, não podem ser controladas pelo indivíduo e ocorrem de forma rápida e automática. Como exemplo: uma pessoa senta à mesa com seus familiares para uma refeição, obrigatoriamente ela ouvirá o que os demais estiverem falando e, provavelmente, não conseguirá ignorar o que está sendo dito. É por esse motivo que há tanta dificuldade em estudar com alguém conversando por perto. Shaywitz (2006) afirma que estudos científicos puderam determinar onde está localizada a disfunção no sistema de linguagem. Conforme mostra a hierarquia da linguagem na figura 2, nos níveis superiores estão as partes constitutivas do discurso (frases encadeadas), sintaxe (estruturas gramaticais) e semântica (vocabulários). No nível inferior da hierarquia está o módulo fonológico, que é responsável pelo processamento dos diferentes sons da linguagem. É nesse último nível que se encontra a disfunção causada pela dislexia. Figura 2 – A localização precisa do principal problema da dislexia. O sistema linguístico: a fala e a leitura Discurso Sintaxe 20 Semântica Fonologia Fonte: SHAYWITZ (2006, p. 44). Segundo a Wikipédia “um fonema é a menor unidade sonora (fonológica) de uma língua que estabelece contraste de significado para diferenciar palavras”, sendo assim, é o elemento fundamental para todas as palavras faladas e escritas. Por exemplo, para diferenciar as palavras “vaca” e “faca”, quando faladas, basta observar o primeiro fonema de cada uma delas: /v/, na primeira palavra e /f/ na segunda. Um fonema não é uma letra senão o som em si, a letra é o modo de representação gráfica desse som. A língua portuguesa possui 31 fonemas (IAB, 2010). Combinações diferentes desses fonemas produzem centenas de milhares de palavras. O mecanismo neural do cérebro segmenta as palavras em unidades menores, os fonemas, antes mesmo que sejam identificadas, entendidas e armazenadas na memória, para que o sistema linguístico possa processá-las. A linguagem é como um código que só pode ser reconhecido e ativado pelo código fonológico. Em crianças disléxicas, os fonemas não se desenvolvem completamente. Elas não têm a percepção da estrutura sonora interna das palavras (SHAYWITZ, 2006). Pode-se fazer uma analogia a um texto desgastado com o uso, onde mal seja possível identificar as letras. Consequentemente, a criança apresentará mais dificuldade para fazer a seleção do fonema correto, podendo, assim, escolher um fonema de som similar. Confusões sonoras e ordenação incorreta de fonemas são muito comuns na fala dos disléxicos, mesmo que saibam exatamenteo que querem dizer, não conseguem encontrar a palavra correta. Alguns exemplos: Humanidade, ao invés de umidade: o problema não é o calor, é a humanidade. Furacão, ao invés de vulcão: um furacão é uma montanha grande. Recessão, ao invés de recepção: bem-vindos a esta recessão. Lobo, ao invés de bolo: que lobo gostoso. Comumente confundem algumas letras de formato similar, tais como: f – t, u – n, d – b, m – n, w – m, 21 p – q. O comportamento da leitura é inverso ao da fala. Ainda que sejam dependentes do mesmo recurso, o fonema, apresentam uma grande diferença: a fala é natural, a leitura não, portanto mais difícil. Na leitura os fonemas já estão devidamente organizados, basta que o leitor converta as letras em sons e atente-se ao fato de que as palavras são segmentadas em fonemas. Disléxicos têm essa dificuldade de percepção. A descoberta do modelo fonológico diminuiu drasticamente o papel dos testes de inteligência no diagnóstico da dislexia. Tradicionalmente, o conceito de dislexia como uma dificuldade “inesperada” de leitura foi interpretado como um desempenho baixo na leitura relacionada à competência (ou potencial de aprendizagem) do indivíduo. Isso baseava-se na crença de que, nas pessoas com perfil intelectual dentro da normalidade, a competência (segundo QI) e o desempenho de leitura estavam relacionados. Em outras palavras, simplesmente conhecer o QI de alguém deveria indicar seu nível de desemprenho na leitura. (SHAYWITZ, 2006, p. 112) Exemplificando: se uma pessoa obtivesse 120 em seu teste de QI, então deveria obter o mesmo escore de 120 no desempenho de leitura; caso seu escore fosse 95 no teste de leitura, então concluía-se que havia uma inaptidão de leitura, devido à divergência de 25 pontos. Essa dependência de uma incompatibilidade de resultados nos testes de QI e de desempenho de leitura para o diagnóstico da dislexia já não é considerada, com exceção de casos extremamente limitados.2 O modelo fonológico mostra as ações que devem ser adotadas para que uma criança evolua do estágio de confusão de formas para o reconhecimento dessas formas como palavras de fato. 2.2.2 Observando o cérebro Diante da grande complexidade do cérebro, há uma infinidade de chances de que haja algum tipo de erro de conexão em sua fase inicial de desenvolvimento. Shaywitz (2006) considera essa a origem dos problemas referentes à dislexia, pois devido a algum erro genético programado ocorre uma má conexão do sistema neural essencial para que seja feita a análise fonológica, assim a criança traz consigo uma deficiência fonológica que afeta a linguagem, tanto na fala como na escrita. 2 Stuebing et al. discute as limitações de depender somente da discrepância entre QI e o desempenho de leitura para a identificação de crianças com dificuldades de leitura em um artigo citado por Shaywitz (2006, p. 113). 22 Pessoas disléxicas fazem uso de sistemas compensatórios para a leitura. A figura 3 mostra a imagem cerebral de um leitor disléxico enquanto tenta pronunciar algumas palavras. Esta mesma imagem demonstra que o sistema posterior esquerdo cerebral não funciona. Assim, precisa de caminhos alternativos, dependendo mais da área de Broca – localizada atrás da têmpora esquerda e responsável pela expressão da linguagem (motores da fala) – e de sistemas auxiliares localizados à direita inferior do cérebro, que, por sua vez, não é um sistema automático. À esquerda, o leitor normal ativa os sistemas neurais localizados à parte posterior esquerda do cérebro; à direita, o leitor disléxico ativa os sistemas neurais do lado direito e da frontal esquerda. Shaywitz (2006) explica essas e outras questões, como o fato de que falhas dos sistemas posteriores impedem que haja um reconhecimento rápido e automático das palavras; ao desenvolver o lado direito (e a parte anterior) como sistema auxiliar é permitido ao cérebro fazer uma leitura precisa, porém lenta. É como utilizar um sistema de leitura manual ao invés de um automático. Figura 3 – Disléxicos utilizam sistemas compensatórios para ler. Fonte: Shaywitz (2006, p. 75) A Dr. Shaywitz explica como os componentes dos sistemas neurais da boa leitura se comunicam entre si: Pensa-se que comportamentos sofisticados, tais como a leitura, originam-se em sistemas neurais amplamente distribuídos – e não em pontos anatômicos individuais –, por meio de uma sinfonia de neurônios mais do que por uma determinada seção da orquestra, diríamos. A dependência do cérebro de padrões de conectividade pode ter relevância particular para o ensino da leitura, já que nesses sistemas padrões de conexões neurais são continuamente reforçados como resultado da prática e de experiências repetidas. Podemos então imaginar que toda vez que uma criança de 6 anos consegue associar um som a uma letra, os caminhos neurais responsáveis pela realização dessa conexão são reforçados ainda mais, ficando profundamente gravados em seu cérebro. (SHAYWITZ, 2006, p. 74-75) 23 Um questionamento sobre a eficácia dos programas de leitura era se seriam apenas atenuantes, camuflando o problema e incitando um outro caminho possível, ou se conseguiam mesmo refazer as conexões cerebrais, assim fazendo com que disléxicos desenvolvessem um sistema de reconhecimento rápido e automático de palavras. Para responder a essa pergunta, Shaywitz (2006) selecionou meninos e meninas com problemas de leitura para participarem de um projeto experimental durante um ano. A figura 4 mostra a imagem de uma ressonância magnética funcional onde, após passar por uma intervenção eficiente de leitura durante um ano o cérebro da criança disléxica se recuperou. Shaywitz (2006) pôde observar que os sistemas do lado esquerdo, dos quais bons leitores fazem uso, tentavam surgir e caminhos secundários de leitura haviam se desenvolvido no lado direito. Esses caminhos auxiliares estavam menos destacados enquanto os sistemas neurais principais esquerdos mais desenvolvidos. Figura 4 – Intervenções eficazes de leitura fazem com que o cérebro se recupere. Fonte: Shaywitz (2006, p. 76) Observa-se na figura acima que, se comparada ao leitor normal, à esquerda da figura 3, os padrões de ativação (marcações em preto) eram similares aos das crianças que sempre foram bons leitores. Houve uma recuperação cerebral. Seus cérebros desenvolveram sistemas de leitura do lado esquerdo e, assim, as crianças disléxicas obtiveram melhora em sua leitura. Com isso pode-se inferir que crianças que passam por tratamento eficaz desde cedo fazem-se bons leitores. 24 2.2.3 Buscando pistas na genética A dislexia pode ser comum em várias famílias. O histórico familiar pode apresentar indícios de propensão a dificuldades de leitura, além dos sinais mostrados pelos problemas de linguagem verbal. Possuir um familiar disléxico aumenta muito as chances de que outros do grupo também o sejam. Se o pai ou a mãe for disléxico, então a probabilidade é de 25 a 50% de que os filhos também sejam. Assim, se um dos filhos for disléxico, até metade dos irmãos dele podem ser também (SHAYWITZ, 2006). Saber que há problemas de leitura no histórico familiar de uma criança ajuda muito a identificação precoce, proporcionando que sejam testadas, acompanhadas e tratadas desde cedo. Estudos recentes demonstraram que a dislexia não só está presente em muitas famílias, como também é algo genético. Uma característica familiar não precisa, contudo, necessariamente passar às gerações seguintes por meio de mecanismos genéticos. Elastambém podem passar de uma geração à outra como resultado de uma exposição ambiental a certos comportamentos ou hábitos. Mesmo se uma criança carregar o gene ou um conjunto de genes que a predispõem à dislexia, isso só quer dizer que ela corre maior risco. Se a dislexia fosse inteiramente genética, então dois gêmeos idênticos (que compartilham os mesmos genes) teriam problemas de leitura. Na verdade, em apenas 65 a 70% dos casos, ambos os gêmeos são disléxicos; em 30 a 35% dos casos, um dos gemes idênticos é disléxico e o outro, não. Assim, a expressão final da dislexia depende de uma interação entre a conformação genética e seu ambiente. Além dessa predisposição inata, ter ouvido alguém ler em casa, brincar com irmãs e, principalmente, passar por um ensino eficaz na escola determinará a espécie de leitor que teremos. (Shaywitz, 2006, p. 87). Sternberg e Grigorenko (2003 apud DUARTE, 2003, p. 38) consideram a dislexia um distúrbio hereditário. Segundo seus estudos são as características relacionadas ao processamento da linguagem que são herdados, não os problemas de leitura em si. Ou seja, há hereditariedade dos aspectos fonológicos, não dos visuais. Pode-se dizer que não há um gene específico que dá surgimento a dislexia, e sim que há vários deles envolvidos, sendo que alguns podem aumentar e outros diminuir a capacidade de leitura. Pinto (2008) contesta dizendo que, embora as principais instituições de estudo da dislexia aceitem a origem genética, oficialmente a dislexia se mantém como uma deficiência sem causa estabelecida. 25 2.2.4 Equívocos acerca da dislexia Um dos maiores mitos é que crianças disléxicas veem as letras e palavras de forma invertida, consequentemente escrevem de trás para frente (escrita espelhada). Trocar fonemas similares, juntar palavras e unir letras aleatoriamente são comportamentos normais nos estágios iniciais do processo de alfabetização (PINTO, 2008). Não há provas científicas de que crianças disléxicas vejam, de fato, as palavras em ordem contrária, embora seja correto afirmar que apresentam dificuldades para rotular e nomear adequadamente as letras e palavras. Portanto algumas preocupações, de pais e professores, relacionadas à escrita de trás para frente são vãs. Essas inversões são irrelevantes para o diagnóstico da dislexia. “Observar a relação do aluno com a própria escrita é mais importante do que apontar os erros e muito mais efetivo do que rotulá-lo como portador de um distúrbio ” afirma a especialista em fonoaudiologia e linguagem Massi (2008 apud PINTO, 2008, p. 66). Conforme um teste feito por Shaywitz (2006), onde foi pedido para que crianças das séries iniciais, cujo histórico fosse de problemas de leitura e escrita espelhada, que copiassem uma sequência de letras e palavras. Elas não apresentaram dificuldades para realizar a tarefa, conseguiram copiar as palavras e dizer a ordem correta das letras. Porém, ao nomeá-las o faziam ao contrário. Exemplo: a palavra copiada era was, mas era falada saw. Com esse estudo pôde- se comprovar que o problema dos disléxicos está em nomear as letras e não em copia-las. Saber escrever não é somente empregar a ortografia correta. Devem ser analisadas outras qualidades nos textos dos alunos. A capacidade da prática da escrita é mostrada nos aspectos textuais, tais como: coerência, organização de ideias e emprego de referências. Há especulações sobre os fatos de ser canhoto, falta de noção espacial, não saber identificar os lados esquerdo e direito, não conseguir amarrar os sapatos e, ainda, ser desastrado sejam características relacionadas à dislexia. No entanto, essas constatações não são suficientemente significativas de maneira que maioria dos portares de dislexia não apresentam tais dificuldades. Aliás, ninguém apresenta toda a sintomática da dislexia. Cerca de 88% dos disléxicos apresentam uma deficiência fonológica (SHAYWITZ, 2006). 2.2.5 Outros distúrbios de leitura Há mais distúrbios que podem intervir na leitura. A dislexia difere dos demais devido à natureza única e limitada à deficiência fonológica, que não afeta outros âmbitos linguísticos e 26 de raciocínio. Abaixo um breve resumo elaborado pela Drª Shaywitz de cada um desses distúrbios a fim de compará-los, e não os confundir: a) Dislexia do desenvolvimento: é um distúrbio inato, onde a deficiência fonológica é mais evidente, mantendo intactos os demais componentes da linguagem e os problemas de leitura estão nivelados à decodificação de palavras isoladas. O intelecto não é prejudicado, portanto a inteligência pode ser de nível normal, superior ou, até mesmo, superdotada. b) Deficiência de aprendizagem da linguagem: também inato, porém o défice principal afeta todos âmbitos da linguagem, até mesmo os sons das palavras e seus significados. Os problemas de leitura estão nivelados à decodificação e compreensão, evidenciando todos os tipos de dificuldades de linguagem. A inteligência pode estar abaixo da média e os índices intelecto verbais são expressivamente prejudicados pelos défices de linguagem. c) Alexia adquirida: contrária à dislexia, esta disfunção é adquirida e mais comumente notada pessoas de meia-idade ou idosas. É consequência de algum trauma cerebral, tumor ou derrame que tenha causado lesão nos sistemas cerebrais essenciais à leitura. Dependendo da região afetada pela lesão pode haver mais danos, tais como a perda da fala ou fraqueza do lado direito do corpo. d) Hiperlexia: é uma condição de desenvolvimento inata, rara e de causa enigmática, sendo, em vários aspectos, a imagem espelhada da dislexia. É caracterizada pela capacidade precoce da leitura e obsessão por letras. Por volta dos 3 anos a criança já é capaz de unir letras e lê-las. Sua habilidade para o reconhecimento das palavras é comumente bem acentuada por volta dos 5 anos. Porém, o entendimento do que lê é extremamente deficiente, apresenta défices no raciocínio e na resolução de problemas abstratos. Crianças afetadas apresentam um comportamento social atípico, tendo dificuldades em criar vínculos com outras crianças e, até mesmo, adultos. A dislexia também é confundida com o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Porém a dislexia e o TDAH são distúrbios totalmente distintos. A dislexia tem como base os problemas de linguagem, cuja a leitura é afetada; o TDAH é uma disfunção caracterizada pela desatenção, incorre em focar, sustentar e distribuir a atenção. Pode-se dizer que entre 12 e 24% dos portadores de dislexia também portam TDAH. A dificuldade de leitura é somente um dos problemas de um grupo de problemas do qual é possível diagnosticar precisa e precocemente, tratar com eficácia e, quem sabe, impedir. 27 2.3 O DIAGNÓSTICO DA DISLEXIA O diagnóstico precoce e preciso da dislexia é possível. É essencial para que a criança obtenha o auxílio que necessita para chegar à idade adulta de forma confiante e podendo fazer uso de seu potencial. O cérebro humano é flexível, porém, indubitavelmente, há mais mudanças positivas e em tempo reduzido numa intervenção e tratamento precoce do que quando a criança já está com a idade mais avançada. O diagnóstico da dislexia reflete uma dificuldade inesperada de leitura em uma pessoa de determinada idade, inteligência, nível de escolaridade ou profissão. É um diagnóstico clínico que tem como base uma síntese já ponderada de informações – do histórico escolar da criança (ou adulto), das observações de sua fala e leitura e dos testes de leitura e de linguagem. Como em outras condições na medicina, a história é o componente ais fundamental e recebe maior respeito. Os médicos experientesconsideram testes apenas aproximações da realidade, que é a própria experiência de vida do indivíduo. (SHAYWITZ, 2006, P. 110). Segundo Shaywitz (2006), a maior parte das crianças que apresentam dificuldade de leitura não são identificadas antes da 3ª série, sendo que o ideal é que sejam identificadas e sofram intervenção nos primeiros anos escolares. A infância é a fase da aprendizagem. Um pesquisador da Flórida, Torgesen (1998 apud SHAYWITZ, 2006, p. 101), falou o seguinte sobre a necessidade de identificação precoce de crianças disléxicas e o preço da espera: “Quando deixamos as crianças ficarem muito para trás em qualquer momento do ensino fundamental, passamos a adotar um modelo de intervenção que remedia em vez de prevenir. Quando as crianças ficam para trás no domínio da capacidade de leitura, serão necessárias intervenções intensas para leva-las de volta a níveis adequados de precisão de leitura – e a fluência na leitura pode ser até mais difícil de recuperar por cauda da grande quantidade de prática de leitura que se perde a cada mês e a cada ano em que continuam a ler com dificuldade. ” Pesquisas realizadas por Cypel (2005 apud PINTO, 2008, p. 68) revelaram que somente 3% dos alunos, com suspeita de dislexia, encaminhados ao médico são de fato disléxicos. Pinto (2008) explica que “não há relação direta entre disfunções no exame eletroencefalográfico e dificuldades de aprendizagem. ” Explica também que, como somente os sintomas conduzem ao diagnóstico, então podem induzir a equívocos. Quando é notado em uma criança dificuldade de aprendizagem relacionadas à dislexia, a criança é submetida a exames com intento de descartar qualquer possibilidade de doença. Não havendo nenhuma falha física ou psicológica é diagnosticada a dislexia e, então, medido o grau da deficiência por intermédio dos sintomas. 28 É essencial na dislexia excluir outros fatores possíveis que agem em crianças em fase escolar e que apresentam problemas de leitura. Por exemplo, devem ser feitas avaliações de visão e audição. Alguns testes laboratoriais não são indicados para a avaliação da dislexia, como, estudo por imagens (raio x, ressonância magnética, tomografia computadorizada), eletroencefalogramas e estudos genéticos, a não ser que haja alguma indicação clínica. (SHAYWITZ, 2006). A Drª Shaywitz recomenda uma bateria de testes para que a identificação dos problemas de leitura seja sensata e eficaz. São eles: a) Fonologia (consciência, memória e acesso); b) Letras (nomes e sons); c) Vocabulário (receptivo e expressivo); d) Convenções da palavra impressa; e) Compreensão auditiva; f) Leitura (palavras reais, palavras sem sentido e compreensão). O modelo chamado “Mar de Habilidades” criado pela Drª Shaywitz é o guia mais útil para que haja a identificação precoce e, consequentemente, tratamento eficiente da dislexia. A figura 4 demonstra que na dislexia há uma gama de habilidades – originadas do pensamento e raciocínio – cercando uma deficiência isolada: a decodificação. O que em geral é considerada uma ótima capacidade de compreensão fica encoberta pela deficiência fonológica. Figura 5 – O Modelo de dislexia e o mar de habilidades que a cerca. Fonte: Adaptado de Shaywitz (2006, p. 55) Para os disléxicos, a memorizar instantaneamente e acessar rapidamente às palavras são tarefas peculiarmente difíceis. Entretanto, apresentam um nível elevado de criatividade e, 29 ultrapassando seus limites, destacam-se socialmente, seja na medicina, negócios, ciências, direito ou até mesmo literatura. Acredita-se que isso se dá pelo fato de um disléxico não ser capaz de memorizar ou agir de acordo com a própria memória; ele tem a necessidade de entender profundamente fundamentos e conceitos. O que o leva a uma compreensão mais sagaz e perspectivas distintas das alcançadas por pessoas que conseguem simplesmente memorizar – sem mesmo entender completamente. Ao aplicar esse modelo, é importante observar tanto as deficiências quanto as habilidades. Para um programa de sucesso duas coisas são essenciais: identificação (identificar uma deficiência na linguagem e as habilidades de pensamento e raciocínio) e disponibilização (estar disposto a auxiliar e adaptar-se às habilidades). 2.3.1 Avaliação multidisciplinar Antes de obter um diagnóstico multidisciplinar, quaisquer sintomas indicam apenas que há um distúrbio de aprendizagem, não podem confirmar a dislexia. No momento em que o problema for identificado, então é preciso procurar ajuda especializada de uma equipe multidisciplinar, que inclui psicopedagogo, psicólogo e fonoaudiólogo. Estes investigam o problema e verificam se o caso exige acompanhamento de outros profissionais, como neurologista, oftalmologista, otorrinolaringologista, geneticista, pediatra, etc. Para isso, é necessário o parecer escolar, dos pais, o histórico familiar e a evolução da criança. Todas as possibilidades devem ser examinadas pela equipe multidisciplinar antes do descarte ou confirmação do diagnóstico de dislexia. Oliveira (2015) afirma que vários fatores como déficit intelectual, problemas visuais e auditivos, lesões cerebrais e desordens afetivas precisam ser descartados. Todo esse processo avaliativo é necessário para que as causas das manifestações apresentadas sejam identificadas e para que a criança receba a orientação e estímulos adequados. Não há um modelo de teste ou patognomônico (sinais e/ou sintomas caraterísticos de uma doença) de dislexia. Os primeiros testes requeridos podem ser de visão e audição, em seguida testes como (OLIVEIRA, 2015): a) Cognição, b) Inteligência, c) Memória auditiva e visual, d) Discriminação auditiva e visual, e) Orientação, 30 f) Fluência verbal, g) Testes com novas tecnologias. Toda a equipe de profissionais envolvidos deve trocar informações, objetivando estabelecer um quadro e encontrar um rumo eficaz para o programa de intervenção e reeducação. 2.3.2 Primeiros indícios da dislexia O atraso na fala pode ser o primeiro indício da dislexia. Como regra geral, ao completar um ano um bebê já é capaz de falar suas primeiras palavras e entre 1 ano e 6 meses a 2 anos já pronuncia algumas frases curtas. Crianças propensas à dislexia possivelmente não consigam proferir suas primeiras palavras antes de 1 ano e 3 meses e antes dos 2 anos de idade provavelmente ainda não consigam pronunciar frases. Como o atraso não é aparentemente significativo, é muito comum que os familiares atribuam à algum histórico familiar de retardamento na fala. Ainda que, o início da fala mais tardia possa ser de procedência familiar, da mesma forma pode ser a dislexia. Um pequeno atraso na fala pode ser um primeiro sinal de problemas futuros de leitura, porém algumas crianças não apresentam esse atraso ou demonstram de forma sutil, o que acaba passando despercebido. Alunos da pré-escola, com idades entre 3 e 4 anos, costumam trabalhar muito com sons e rimas na escola. Porém, crianças disléxicas são insensíveis à rima, devido à dificuldade de compreensão da estrutura sonora das palavras, o que é outro indicativo. As dificuldades na pronuncia de uma criança que se estende além do tempo considerado normal, pode ser outro indício precoce da dislexia. Entre 5 e 6 anos de idade, a criança deve ser capaz de pronunciar a maioria das palavras de maneira correta. Shaywitz (2006) faz uma analogia a um engarrafamento, cujos fonemas se atropelam ao sair da boca de uma criança. Tal engarrafamento acontece no aparelho articulatório comprometendo a linguagem verbal. É característico não pronunciarem os sons iniciais das palavras – lefante ao invés deelefante – ou ainda inverter os sons da estrutura interna das palavras – aminal ao invés de animal. Adultos ou crianças com idade mais avançada não estão livres de pronunciar palavras erroneamente, de forma atropelada ou desordenada. Conforme a criança vai crescendo e chega a idade adulta, continua a demonstrar dificuldades na identificação da estrutura sonora das palavras. Assim, fica hesitante na fala; na busca das palavras certas acaba fazendo longas pausas e utilizando vocábulos vagos para preencher as frases, tais como: coisa e negócio (“Esqueci o negócio em cima da coisa lá. ”). 31 Quando é dado uma possibilidade de escolha de palavras, o disléxico quase sempre reconhece a correta. Por exemplo, se for mostrado a ele uma imagem de um vulcão, dando-lhe as opções de vulcão ou furacão, certamente apontará a resposta certa, vulcão. E por fim, para disléxicos, fonemas similares confundem e dificultam a iniciação da aprendizagem das letras do alfabeto e seus respectivos sons. Uma transição essencial para constituir um leitor é fase em que se aprende o alfabeto, nome e som das letras. Nesse momento espera-se que a criança consiga associar os rabiscos das letras aos nomes e sons dados a elas. Esse é o princípio da leitura. A dificuldade em conquistar essas habilidades pode ser um primeiro sinal de que, possivelmente, a criança tenha problemas de leitura. 2.3.3 Indícios posteriores da dislexia No início da alfabetização (entre 4 e 5 anos de idade), o chamado estágio logográfico, para ler a criança não utiliza os nomes das letras e seus respectivos sons, ela se baseia em elementos visuais de vários tipos, não se atentando à própria palavra. Por exemplo, se o logotipo de uma caixa de cereais for alterado e a criança aprendeu que nela está escrito “Nescau”, então mesmo que a palavra seja substituída por “Coca-Cola”, mantendo os elementos visuais originais, ela seguirá lendo o nome da marca de cereais. Esse tipo de leitor consegue reconhecer poucas palavras, estando elas associadas a algum tipo de sinal visual bem distinto. Nessa fase são capazes de memorizar centenas de palavras, porém, durante um ano escolar da 5ª série já devem se defrontar com aproximadamente 10 mil palavras. Sendo assim, a dependência da memorização passará a ser insuficiente, e a única maneira de decodificar um número tão expressivo de novas palavras é ligando as letras aos seus sons e as pronunciando oralmente. (SHAYWITZ, 2006). De maneira geral, na pré-escola as crianças aprendem a ler de uma forma considerada primitiva – o leitor não fica atento a todas as letras pertinentes a palavra, não fazendo o uso dos sons das letras e sim dos nomes que conhece –. Shaywitz (2006) explica que para que a criança possa ler com eficiência ela deve prestar atenção em todas letras de uma palavra, para que consiga decodificá-la, associando aos sons ouvidos na linguagem verbalizada. Porém a leitura não é apenas relacionar as letras aos sons. O aprendiz leitor deve elaborar seu estoque de palavras, internalizando cada imagem de letra já convertida em sons específicos, para que se torne capaz de ler vocábulos mais longos, complexos e desconhecidos. Um vasto vocabulário é essencial para a compreensão da leitura; a leitura é uma ferramenta poderosa para que a 32 criança desenvolva seu vocabulário. E, também, importantíssima para o desenvolvimento do intelecto da criança. Segundo Shaywitz (2006), a fluência – precisão, rapidez, suavidade e boa expressão na leitura – se alcança através da prática, lendo as palavras repetidas vezes, pois os circuitos neurais são fortalecidos e revigorados pela repetição. Assim, um leitor precisa encontrar-se quatro ou mais vezes com um vocábulo novo para que possa lê-lo com fluência, após esse processo já não há a dependência do contexto. Afirma também que, uma criança aprende diariamente em média sete palavras novas, o que soma 3 mil palavras anualmente. Um estudo relatado por Shaywitz (2006) mostra a influência da leitura precoce para a leitura futura e também para a o desenvolvimento do vocabulário. Nessa pesquisa foi pedido às crianças que criassem diários relatando como passavam o tempo enquanto fora do horário escolar. A figura 6 demonstra que os melhores leitores – que obtiveram resultados nos testes de leitura acima de 90% – leem no mínimo 20 minutos diariamente (aproximadamente 1,8 milhão de palavras por ano), ao passo que os que obtiveram em média 50% leem 4,6 minutos a cada dia (282 mil palavras anualmente) e os leitores fracos, abaixo de 10%, leem menos de um minuto por dia (8 mil palavras por ano), que representa dois dias dos melhores leitores. Figura 6 – Bons leitores x leitores fracos. Fonte: Shaywitz (2006, p. 92) Tendo visto as consequências da leitura fraca, é importante que se identifique o mais cedo possível que a criança não está percorrendo o caminho para se fazer um bom leitor. Para isso, no anexo A está disponível um guia para desenvolvimento das habilidades relacionadas a leitura criado pela Drª Shaywitz, onde está especificado, de forma geral, a sequência de desenvolvimento esperada para cada idade. 33 Para os leitores disléxicos todo esse processo para se tornarem bons leitores é excessivamente demorado. Inicialmente, o obstáculo no aprendizado da leitura é associar as letras aos seus respectivos sons. À medida em que o disléxico começa a ler, também passa a construir seu estoque de palavras e suas representações. Porém o faz de forma incompleta, por não conseguir relacionar todas as letras de uma palavra a seus respectivos sons, o que dificultará a localização do armazenamento de seu som correspondente ou mesmo o reconhecimento da palavra ao se deparar com ela novamente. Dessa forma, o acesso imediato à palavra é impossibilitado. Assim, o leitor disléxico fica dependente do contexto para entender o significado das palavras. Leitores disléxicos necessitam de mais encontros e mais tempo com uma palavra impressa para que possam internalizar a representação correta ao que está escrito. A deficiência fonológica afeta também a capacidade de um disléxico se tornar um leitor competente, não somente a capacidade aprendizagem. Uma queixa comum dentre os disléxicos está na dificuldade de leitura de palavras curtas (o, a, os, as, em, no, que, um, uma, mas, para, este, com... etc.). Devido à dependência do contexto, costuma ser difícil entender funções gramaticais, das quais não se pode inferir pelo contexto, diferente de um objeto concreto que pode ser inferido e visualizado (árvore, casa...enfim). Crianças com problemas sérios de dislexia são capazes de aprender a ler e compreender o que leem. Uma criança ser capaz se ler o nome de um estádio de futebol e não conseguir ler palavras consideradas mais simples, é um exemplo de que o material de leitura deve ser selecionado de acordo com o seu interesse, tornando a leitura atraente. Além das dificuldades de leitura, outro indício de dislexia é a deficiência ortográfica. Há uma relação íntima entre saber ler e saber soletrar, pois para conseguir soletrar de forma correta a criança usa as representações do seu estoque individual, que, por sua vez, são imperfeitas aos disléxicos. Os problemas de soletração denotam que a criança não está atenta a todas as letras das palavras e que não está as guardando corretamente. Os manuscritos também são importantes para a identificação da dislexia, visto que disléxicos, tanto crianças quanto adultos, geralmente possuem uma péssima letra. Porém, ao utilizar um teclado costumam se mostrar muito ágeis na digitação. A Drª Shaywitz explica a sua teoria sobre a letra abominável dos disléxicos: Acredito queessa dificuldade reflete o problema que a criança disléxica tem para compreender os sons que compõem uma palavra. Enquanto falamos, os lábios e a boca formam os fonemas para articular as palavras. Ao escrevermos, os dedos expressam 34 a consistência fonêmica (eles formam a coordenação motora fina correspondente aos fonemas). Não ouvir o fonema claramente resulta em uma incapacidade de escrever com clareza. Essa é a minha teoria, e eu não tenho provas que a confirmem ou refutem. (SHAYWITZ, 2006, p. 97). Outro sinal é a leitura lenta, devido à falta de fluência. Adolescentes disléxicos e inteligentes gostam muito de pensar, no entanto fixar as palavras escritas é difícil para eles, pois precisam centrar sua atenção na decodificação das palavras ao invés da compreensão. A fluência é a responsável por unir texto e leitor. A dificuldade ou esforço excessivo faz com que a criança desista da leitura. Essa necessidade de dar atenção total à decodificação das palavras, torna o leitor mais sensível a movimentação e ruídos ao seu redor. Quaisquer barulhos podem o interromper e talvez não seja capaz de retomar a leitura. Portanto, o leitor disléxico precisa de um local tranquilo e silencioso para que possa ler e realizar suas tarefas. Esse mesmo problema no domínio da fonologia reflete no aprendizado de línguas estrangeiras. A dificuldade constante em aprender um novo idioma é outro sinal de que o aluno possa ser disléxico. A dislexia não impede o aprendizado de uma nova língua estrangeira. Batista (2015) explica que “a nova relação entre fonemas alfabeto e silabas da nova língua podem apresentar um novo desafio para o aluno disléxico, mas não a incapacidade de aprender. ” Por exemplo, na língua portuguesa a letra A é representada com o som a, já na língua inglesa a mesma letra tem, frequentemente, o som de ei. Finalmente, o fato de sentirem-se aflitos e com a autoestima baixa é um último indício de dislexia em crianças e adultos. As crianças e adolescentes podem relutar para ir à escola, julgam-se burros, evitam ao máximo a leitura oral. Os adultos normalmente sentem uma dor e tristeza profundas, que agridem a própria autoestima ao longo dos anos. 2.3.4 Sinais da dislexia Os sinais da dislexia variam conforme a idade e nível escolar. Para que possam ser reconhecidos em diferentes fases de desenvolvimento, a Drª. Shaywitz (2006) criou uma lista de sinais em três categorias: infância (pré-escola à 1ª série), crianças a partir da 2ª série e jovens adultos e adultos. Todos os sinais devem ser observados, sejam deficiências ou habilidades, e a partir disso atentar-se à incidência e frequência a que manifestam. Se os sintomas não forem persistentes podem ser desconsiderados. 35 2.3.4.1 Sinais da dislexia na primeira infância Normalmente os primeiros sinais são relativos à fala, sendo o primeiro a fala tardia. Quando a criança começa a falar é preciso observar o seguinte: a) Na pré-escola: Problemas para aprender rimas infantis simples; Ausência de interesse por rimas; Má pronuncia das palavras – persistir na fala de bebê; Dificuldade em aprender a nomear as letras; Dificuldade em aprender as letras do próprio nome. b) Pré-escola e primeira série: Dificuldade em entender a divisão e subdivisão das palavras. Exemplo: a palavra casa está dividida em duas partes, ca e sa, onde ca está subdividida em c e a; Incapacidade de associar as letras aos seus respectivos sons; Erros grotescos de leitura. Ler palavras com sons e letras completamente diferentes. Exemplo: ler a palavra casa como lápis. Incapacidade de ler palavras monossilábicas ou pronunciar palavras simples, tais como: mar, mas, sim, rei, bom. Queixas sobre como ler é difícil. Foge na hora de ler. Histórico familiar de problemas de leitura. A pré-escola pode ser o divisor de águas para as crianças propensas à dislexia, pois é nessa fase que passam a conviver com outras crianças em um ambiente público, do qual há expectativas acerca do que deve aprender de um determinado currículo. As crianças são diferentes, vêm de situações diferentes e, portanto, têm ritmos de aprendizagem diferentes. Assim, os sinais listados são importantes para a detecção do progresso da leitura, ou falta dele. c) Indícios de pontos fortes: Curiosidade; Alto nível de imaginação; Habilidade para compreender o processo das coisas; Envolvimento elevado com novas ideias; Compreensão da ideia principal das cosias; Boa compreensão conceitual; Maturidade precoce; 36 Vocabulário avançado para sua faixa etária; Realização ao solucionar problemas e quebra-cabeças; Habilidade para construir modelos; Compreensão absoluta de histórias que são lidas e/ou contadas. 2.3.4.2 Sinais da dislexia a partir da 2ª série Segundo Shaywitz (2006) “Uma criança que lê com precisão, mas não fluentemente, é disléxica”. Crianças que têm problemas na leitura, normalmente apresentam problemas ortográficos ao tentar converter sons em letras. a) Problemas na fala: Pronúncia errada de palavras longas, complicadas ou desconhecidas; Rompimento das palavras – omitir ou confundir partes das palavras; Fala pouco fluente – pausar frequentemente (Humm, hã, hum); Uso de palavras pouco específicas no lugar do nome do objeto, tais como, coisa ou negócio; Dificuldade para encontrar a palavra correta e confusão com palavras de fonemas similares; Incapacidade de resposta oral rápida, precisa de tempo para a elaboração; Problemas de memória imediata – dificuldade para lembrar datas, nomes, números, listas aleatórias. b) Problemas de leitura: Progresso demorado na aquisição de leitura; Carência de estratégia para a leitura de vocábulos novos; Problemas na leitura em voz alta de palavras que não conhece – tentar adivinhar as palavras e/ou não bagunçar os fonemas ao pronunciar; Inapto a ler palavras funcionais como: mas, em, para, com, um, este, etc; Embaraço para ler ou pronunciar palavras polissilábicas; Deixar lacunas ao ler as palavras. Exemplo: árve ao invés de árvore; Hesitação para ler em voz alta; Leitura oral corrompida por substituições, lacunas e má pronúncia de palavras; Leitura oral difícil, não fluente ou suave; Leitura oral sem modulação, parecendo leitura de outro idioma; 37 A compreensão da leitura depende do contexto; Compreensão das palavras é mais fácil em um contexto do que isoladamente; Baixo desempenho em testes de múltipla escolha; Impossibilidade de concluir testes dentro do tempo preestabelecido; Substituição de palavras sinônimas por não conseguir pronunciar, como: carro ao invés de automóvel; Ortografia desastrosa – palavras escritas diferentes da palavra original; Problemas na leitura de enunciados matemáticos; Leitura demasiado lenta; Tarefas de casa incompletas. Necessidade de ajuda dos pais para ler os enunciados; Grafia confusa (à punho), porém facilidade na digitação; Dificuldade ao extremo para aprender outro idioma; Falta de interesse por leitura; Foge da leitura recreativa; Precisão da leitura aumentada com o tempo, porém mantêm pouca fluência; Queda da autoestima; Histórico familiar de problemas com leitura, grafia e línguas estrangeiras. c) Sinais de habilidades nos processos mentais de alto nível: Ótimas habilidades de pensamento: concentração, raciocínio, imaginação e abstração; Melhor aprendizagem por conceitos do que por memória; Capacidade de entendimento do todo; Compreende facilmente quando alguém lê algo; Boa capacidade de
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