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GEOGRAFIA E GEOLOGIA DO LIVRO OS SERTÕES

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GEOGRAFIA E GEOLOGIA DO LIVRO OS SERTÕES
Obra que inaugura o chamado Pré-Modernismo brasileiro (ao lado de “Canaã”, de Graça Aranha), “Os Sertões” (1902), de Euclides da Cunha, ultrapassa os limites da arte literária ao percorrer com afinco, entre outros, temas próprios da sociologia, da antropologia e da geografia. Lidando com assuntos tão abrangentes e apresentando alternância de enfoques, fundindo abordagem ensaística e narração literária, o livro é tido por estudiosos como Antônio Candido e Alfredo Bosi como de difícil classificação. Entretanto, a riqueza de sua linguagem, comumente enquadrada como “barroco científico”, não deixa dúvida quanto à sua literariedade, tornando-o um dos mais importantes textos do nosso cânone nacional.
Em “A Terra” (a primeira parte), o autor debruça-se sobre os principais aspectos da geografia brasileira, detendo-se, sobretudo na apresentação detalhada do sertão nordestino. Sua sólida formação em engenharia militar, que incluiu estudos de Geologia, Botânica e Etnologia, contribuiu para a elaboração dos apontamentos sobre vegetação, relevo, clima e composição do solo da região onde ocorreu a guerra de Canudos, povoado encravado no Vale do rio Vasa-Barris, disposto entre as serras do Cambaio e do Cocorobó, no nordeste baiano. Além da busca pelo rigor científico, vale destacar a poeticidade com que o autor elabora seu texto.
De sorte que quem o contorna, seguindo para o norte, observa notáveis mudanças de relevos: a principio o traço contínuo e dominante das montanhas, precipitando-o, com destaque saliente, sobre a linha projetante das praias; depois, no segmento de orla marítima entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, um aparelho litoral revolto, feito da envergadura desarticulada das serras, riçado de cumeadas e corroído de angras, e escancelando-se em baias, repartindo-se em ilhas, e desagregando-se em recifes desnudos, à maneira de escombros do conflito secular que ali se trava entre os mares e a terra [...] (CUNHA,2009:71)
“O homem” (a segunda parte) traça um perfil do sertanejo, e em abordagem mais ampla, promove um levantamento dos traços psicossociológicos do homem brasileiro. É nesta parte da obra que o autor constrói (sob forte influência darwinista, positivista e determinista) a teoria dos “dois Brasis”, refletindo sobre as diferenças raciais entre os habitantes do litoral e os sertanejos. Como decorrência desta interpretação, Euclides da Cunha produziu aquela que se tornaria a frase mais popular advinda da obra: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. 
“A luta” (terceira e última parte) ocupa-se em narrar, com contornos épicos, os embates entre as tropas oficiais e os seguidores de Antônio Conselheiro.
A estrutura do trabalho apresenta um caminho do método geográfico, a relação entre a sociedade e o meio. Primeiro, “A Terra”, depois o “O Homem”, e então “A luta”, a relação do homem e do espaço sobre a ótica do fenômeno bélico. A terceira parte apresenta descrições de movimentação: armas, tipo de forças, tamanho dos efetivos e ação tática no teatro de operações da Guerra, portanto pode ser analisado sobre a ótica da Geografia Milita.r 
. Com Humboldt, sempre venerado por Euclides, o problema não é tão diferente. O escritor brasileiro retorna ao tema da invasão das águas, agora do Atlântico sobre o norte da África, num cataclismo diluvial de proporções bíblicas. E o naturalista alemão, que nunca pisou no Brasil, verá sua “hipótese brilhante” ser aproveitada para o desenvolvimento de uma teoria sobre a formação dos desertos em latitudes onde também o solo, num passado remoto, tinha podido ser fértil e exuberante. Registrem-se ainda, apenas como parênteses, três lugares em Os Sertões em que as ideias de Humboldt, claramente glosadas na Caderneta, fundiram-se com a escritura euclidiana (pp. 108, 114,128). (BERNUCCI, 2009:25)1
Euclides da Cunha traz a influência da escola da geografia alemã determinista, bem condizente com os movimentos ligados as forças armadas da época, que estavam revendo a influência franco-inglesa que tinham nossas forças armadas, apontavam para via prussiana de modernização, alguns anos mais tarde surgiriam os “jovens turcos” (vide capítulo 7) que irão propagar a via alemã como o caminho mais apropriado para a modernização das forças armadas. 
A geografia alemã apontava um caminho científico para geografia humana e, naquele momento, a discussão sobre a influência do meio sobre a sociedade eram pautas do dia. “Os Sertões” é, também, fruto de sua formação na Escola Militar e da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Lá, ele teve todo o programa de formação de oficiais da Escola Militar (vide capítulo 7). “Talvez esta prática se deva ao hábito no manejo de vocábulos pertencentes às matérias estudadas por Euclides nos anos de Escola Militar e da Escola Politécnica do Rio de Janeiro”. (BERNUCCI, 2009:33). Assim, ele absorveu todas as modernizações do ensino militar, desde 1874 (vide capitulo 7), quando a disciplina Geografia reaparece no programa curricular.
Euclides teria estudado, no primeiro ano: Álgebra Superior, Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e Integral, Física Experimental, Química Inorgânica, Desenho Topográfico (Teórica e Prática); no segundo ano: Tática, Estratégia, História Militar, Direito Internacional, Direito Público, Direito Militar, Geometria Descritiva e Planos Cotados. Na Escola Politécnica fez provas de adaptação em Zoologia, Botânica, Mineralogia e Física e frequentou cursos de Engenharia Civil. José Carlos Barreto conjetura que Euclides tenha feito exames de Mineralogia e Geologia também na mesma instituição. Ao ser readmitido na Escola Militar (atual Escola Superior de Guerra) em 1890, depois do seu desligamento em dezembro de 1888, submeteu-se a exames complementares de Física, Química, Cálculo e a exames de todas as matérias do segundo ano da Escola (Mecânica, Balística, Artilharia, Aplicação da Eletricidade à Guerra, Desenho de Fortificações e Máquinas, Trigonometria Esférica, Astronomia, Geodésia, Mineralogia, 1 Prefácio, In: “Os Sertões”, Euclides da Cunha, (2009), São Paulo. Ateliê Editorial. Geologia, Desenho de Cartas Geográficas, Alemão). (BERNUCCI, 2009:33).
Euclides e sua obra contexto em que, no Brasil, havia a necessidade de uma obra que desse a conta de uma descrição geográfica mais profunda. Esta obra foi o contato mais próximo dos grandes vazios demográficos que algum brasileiro morador dos grandes centros da época iria chegar. É um impacto que só décadas mais tarde iria ser constatado pelos movimentos tenentistas da coluna Prestes. É a teoria dos dois países, de um lado um país que tinha acesso a alguns parcos produtos da civilização moderna, do outro um país esquecido por todos, em “Uma Ficção Geográfica” (op.cit, 2009:677). Euclides debate o cerne da questão pela geografia.
Para Euclides da Cunha, o meio geográfico é um elemento ponderador fundamental na guerra. Através de suas análises sobre o meio, o autor verificará como esse irá determinar as questões tática tanto da ofensiva, quanto da defensiva. Entretanto, para Euclides, o conhecimento do guerrilheiro sobre o terreno é decisivo. O autor compara o jagunço brasileiro a um guerrilheiro-tugue, conhecedor das dificuldades do terreno, dotados de uma grande mobilidade e estabelecendo tocais, armadilhas, fustigando o inimigo pelos flancos, capturando armas do inimigo e ganhando moral. Em “A Guerra das Caatingas” (op.cit, 2009:356), apresenta o debate da guerra convenciona e da guerra de guerrilha e sobre como meio pode ser decisivo para ambos os lados, uma clássica discussão no campo da Geografia Militar.
A parte “A Luta”, segundo BOSI (1994: 309), narra relações entre os movimentos das forças que necessariamente devem passar pelo olhar crítico da geografia, da sociologia e da história, tendo uma discussão que para geografia não pode ser simplesmente esquecida.
À longa narração das escaramuças (Parte III – A Luta), quis Euclides dar uma introdução objetiva sobre o meio e sobre o homem do sertão. Os reparos científicosque se fizeram e que ainda se possam fazer a essas partes propedêutica competem obviamente ao geógrafo, ao etnólogo e ao sociólogo; a nós cabe apenas verificar o quanto subjetivo, de euclidiano, se infiltrou nessa páginas de intenção analítica.
Um debate que é feito por Euclides aparece em todo presente trabalho: o do papel da geografia na guerra assimétrica. A defesa estratégica e o uso do conhecimento do campo de batalha como um elemento de combate. O autor de “Os Sertões” constrói muitos parágrafos descrevendo a ação da guerra de guerrilha dos sertanejos. E a ineficiência de qualquer que fosse a tradição da guerra convencional. O terreno da caatinga mais a guerrilha do jagunço iriam ser obstáculos muito pesados para o desorientado exército nacional, que não sabia que caminho teórico deveria seguir (se alemão ou francês), que ainda não tinha criado o formador próprio de sua maneira de fazer a guerra, de forma diferente se mostrava o sertanejo que havia desenvolvido a sua própria maneira de combater, uma maneira mais adaptada ao seu meio.
É claro que para a visão euclidiana da guerra do Canudos era possível evitar o massacre desde que as ações fossem medidas e bem coordenadas. Acontece que a força nacional tinha a intenção de dispersar Canudos e acabar com a ocupação: assim, a coordenação do ataque usava artilharia bombardeando o centro do povoamento e o cerco por duas colunas nos flancos mais frágeis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A CRÍTICA NA VISÃO EUCLIDIANA
Alinhando sua crítica à modernização das forças nacionais, Euclides da Cunha irá realizar uma série de comentários contra o movimento das linhas no teatro de operações do campo de batalha. Suas críticas são duras e mostram como as forças armadas terrestres careciam ainda de uma formação mais ampla, e de acordo com as transformações tecnológicas, não era suficiente termos armamentos mais moderno e experimentá-lo a revelia na questão de Canudos. O resultado poderia ter sido outro e o massacre poderia ter sido evitado de qualquer forma, sendo fanáticos ou não. Sustentando esse ponto, o autor nota uma série de confusões que aumentaram as baixas de ambos os lados, sendo muito pior para os moradores do povoado. De acordo com BOSI (1994:310), a crítica radical de Euclides da Cunha o colocaria em 1940 no campo dos intelectuais de esquerda, clamando as questões sociais de um Brasil que era desconhecido dos brasileiros.
Suas críticas são direcionadas também ao campo das operações de combate, não sendo apenas um especialista militar. Indo para além dos campos da investigação militar, Euclides reforça a visão sociológica e já inclui os fatores psicossomáticos da guerra.
Euclides da Cunha realiza uma série de estudos dos recontros das ações das colunas, do cerco, dos bombardeios, dos movimentos das tropas, das tocaias, do uso do meio pelas forças, da diferença da ação de Moreira Cesar e da quarta expedição. Suas duras críticas ao Marechal Carlos Machado Bittencourt, que havia estado de forma destacada na batalha de Tuiuti (1866), e ao General Artur Oscar, aos quais responsabiliza pelo grande massacre que foi Canudos. Uma crítica radical é o fio condutor de “Os Sertões”: dentro desta existem elementos sociológicos, geográficos, etnológico e da geografia do teatro de operações de guerra e o pano de fundo para tudo isso, uma grande crítica a nossa organização militar.
Termino a análise geográfica de “Os Sertões” (2009: 66) com as próprias palavras de Euclides da Cunha sobre o massacre da Guerra de Canudos, que matou quase 30 mil pessoas. A campanha de Canudos tem por isto a significação inegável de um primeiro assalto, uma luta talvez longa. Nem enfraquece o asserto o têrmo-la realizado nós, filhos do mesmo solo, porque etnologicamente indefinidos, sem tradições nacionais uniformes, vivendo parasitariamente à beira do Atlântico dos princípios civilizadores elaborados na Europa, e armados pela indústria alemã – tivemos na ação um papel singular de mercenários inconscientes. Além disto, mal unidos àqueles extraordinários patrícios pelo solo em parte desconhecido, deles de todo nos separa uma coordenada histórica – o tempo. Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo.
A discussão, de que tanto falamos, da desmilitarização da Força Pública já está esboçada nos escritos de Euclides da Cunha, todos aqueles que querem se debruçar sobre o tema, devem ter “Os Sertões” como leitura obrigatória e como livro de cabeceira. Este clássico apresenta a origem dos problemas que estavam relacionados as forças públicas que algumas décadas depois se tornariam as polícias militares estaduais.
5- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BERNUCCI, L.M (2009): “Prefácio”, in: CUNHA, E. “Os Sertões”. Cotia, Atelier Editorial, 2009, 900p. BOSI, A. (1994): “Uma história concisa da literatura brasileira”. São Paulo, Ed. Cultrix, 527p. CASTRO, T. (1980): ‘‘Geopolitica do Poder Mundial’’. In : A Defesa Nacional, ano 67, n°689, 115-116p. COSTA, W. M. (1992): “Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder”. Ed. Hucitec, São Paulo, 1992. CUNHA, E. (2009): “Os Sertões”. Cotia, Atelier Editorial, 2009, 900p. LACOSTE, Y. (2008): “A geografia- isso serve em primeiro lugar, para fazer a Guerra”. São Paulo, Papirus, 14º edição. LAVALLÉE, T. (1865): “Geógraphie physique, historique et militaire”. Escola Especial de Saint-Cyr, 7ª edition, Paris, Charpentier Librairie – editeur, 1865. MAC CANN, Frank D. (1985): “Influência estrangeira no Exército Brasileiro”. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro, n. 717. MARTIN, A.R. (2007): “Brasil, Geopolítica e Poder Mundial – o anti-Golbery”. Tese inédita para o concurso de obtenção do título de Livre Docente, São Paulo, março de 2007. MELLO, F. P. (2007): “A Guerra Total de Canudos”. São Paulo: A Girafa, 367p. MOTTA, J. (1976): “Formação do Oficial do Exército (currículo e regimes na Academia Militar 1810-1944). Rio de Janeiro, Editora CIA de Artes Gráficas, 368p. PALKA, E.J. & GALGANO, F.A. (2000): “The Scope of Military Geography: Across the Spectrum from Peacetime to War. MacGraw-Hill Primus”. Nova York. PAULA CIDADE, Gen. F de. (1959): “Síntese de Três Séculos de Literatura Militar Brasileira”. Rio de Janeiro: 1ª Ed. 1959, 607p. ROBERT MORAES, A.C. (1989): “A gênese da Geografia Moderna”. São Paulo: HUCITEC, Editora da Universidade de São Paulo, 1989. RODRIGUES, F. DA S. (2007): “Os Jovens Turcos e o projeto de modernização profissional do exército brasileiro”. XXIV Simpósio Nacional de História. RUDZIT, G. (1997): “O processo de formação do Oficial do Exército brasileiro & A Geografia (1850-1930)”. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Geografia (FFLCH-USP) SODRÉ, N. W. (1968): “História Militar do Brasil”. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileiro, 439p. TRAVASSOS, Mario. (1919): “A Missão”. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro, n. 64, p. 118 - 119, jan.

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