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Português - Literatura GÊNEROS LITERÁRIOS - UMA INTRODUÇÃO: COMÉDIA E DRAMA 1 Sumário Introdução ...........................................................................................................................................2 Objetivos ..............................................................................................................................................2 1. As formas dramáticas.................................................................................................................2 1.1. A Comédia ...........................................................................................................................2 1.2. O Drama ..............................................................................................................................4 Exercícios .............................................................................................................................................7 Gabarito ...............................................................................................................................................7 Resumo ................................................................................................................................................8 2 Introdução Continuando com o conteúdo da aula “Gêneros literários: uma introdução”, damos prosseguimentos aos estudos dos gêneros literários! Conforme havíamos apontado, aqui falaremos sobre dois outros gêneros essenciais do texto literário: A Comédia e o Drama. Se a tragédia é considerada o gênero por excelência para abordar os grandes temas, a comédia é vista como seu aposto, uma vez que aborda os temas considerados menores, ou seja, individuais. Já o drama envolve a atuação, e o mesmo possui uma relação intrínseca muito íntima com os demais gêneros, afinal, o ato de encenar era essencial para a propagação de informações numa sociedade em que os meios de divulgação de saberes não eram muito eficazes. Objetivos • Apresentar os gêneros literários a partir da poética de Aristóteles • Conceituar Comédia, Drama e Tragédia. 1. As formas dramáticas Nem sempre “forma dramática” e “drama” significam a mesma coisa. A tragédia é uma forma dramática, mas é por que é voltada para ações. Mas existe o “Drama” enquanto sinônimo de texto teatral. Uma comédia também pode ser um drama. Mas não significa que será sempre encenada, mas que é realizada por meio de ações. Há vários tipos de formas dramáticas, e sua estrutura traz à tona sentimentos diferentes. O dramático apela para a emoção do público. Na tragédia, irrompe-se as lágrimas. E na comédia, urge o riso. São formas que indicam a realização de ações – mas não necessariamente de atuação –, dos quais, além da comédia, do drama e da tragédia, a outros, como o Auto e a Farsa – muito comuns à obra de Gil Vicente, teatrólogo português. 1.1. A Comédia A Comédia, no seu sentido original, não tem o sentido que tem nos dias de hoje. Era ela, em parte, oposta a tragédia: se nesta o herói passava por uma catástrofe, caía, naquela tudo terminava bem. “A Divina Comédia”, de Dante, pega seu nome desse conceito. 3 A ideia antiga da comédia era diferente da que temos hoje. Havia o riso, mas não a gargalhada. Quer dizer: o texto evocava o riso como mecanismo de exorcismo: quem nunca descontraiu depois de uma risada, ou fez com que uma situação tensa fosse totalmente desconstruída? Essa forma dramática se volta para os homens de mais fraca psique, através da representação daqueles vícios que, não causando sofrimento, caem no ridículo e produzem o riso (ARISTÓTELES, 2005, p. 82). A etimologia do vocábulo "comédia" (komoidca) nos permite ligar a origem dessa forma dramática ao festejo popular (kômos) ou a kómas (aldeia), pois os atores cômicos andavam de uma aldeia para outra, por não serem prestigiados na cidade. Toda aquela tensão – presente, por exemplo, na situação catastrófica paulatinamente construída na tragédia – é extravasada, e é aí que surge o riso. Pense no conto de Andersen, “A roupa nova do imperador”, e como o riso é evocado pelas personagens para demonstrar o ridículo da situação. É o que se chama de acomodação do cômico (ARISTÓTELES, p. 82). EXEMPLO A comédia tem uma origem mais popular: não é baseada no mito, mas nos festejos agrários, associados aos ciclos de transformação do mundo. E por estar enraizada nos costumes, tratavam de todos os assuntos: a guerra, religião, gênero, artes... ela era, essencialmente, um gênero crítico – e ainda é, mas, nos dias de hoje, há os chamados “gêneros satíricos”, como as cantigas satíricas de Gregório de Matos, ou a poesia militante de Castro Alves - da sociedade e dos comportamentos, e essa crítica era feita por meio da exposição. Ao rir, você traz à tona o ridículo. É por isso que Aristóteles aponta-a como imitação de pessoas inferiores – em oposição à “A roupa nova do Imperador” é um texto do escritor Hans Cristian Andersen”, sobre um soberano que é ludibriado a andar sem roupa, e ninguém pode denunciar o absurdo da situação. Aqui, oriso é resgatado com o propósito de promover a ridicularização de algo, forçando-se, assim, sua renovação: “O Rei está nu”, grita o menino, e todos os demais o seguem, expondo o ridículo da situação e permitindo que as amarras sociais sejam superadas. 4 tragédia, que representava pessoas “melhores –, por meio da representação de seus vícios e maus costumes, de modo que esse indivíduo se torne risível (p.81). É devido a isso que surge uma vasta tradição, como a comédia Shakespeariana, por exemplo, ou, no Brasil, Martins Pena, que desenvolve comédia falando sobre os absurdos das elites brasileiras. Claro, ainda tem o riso. Falamos que a comédia não envolve necessariamente a gargalhada, mas não há comédia sem riso, mesmo que de maneira implícita. Não existe comédia sem riso, mesmo que seja por meio da ironia – que é um riso comedido, cínico (PROPP, 1992, p. 160), –, visto que o riso quebra a tensão. Lembra-se de Édipo, da aula 3? Há um encaminhamento para o clímax, mas na comédia a mais dura das situações é desfeita por um riso evocado, e é por isso que, no fim, as coisas “terminam bem”. 1.2. O drama Essa palavra, “drama”, tem um sentido muito pejorativo nos dias de hoje: tem o sentido de exagero, exacerbação de sentimentos, dentre outros. Fala-se em alguém que faz “drama”, “faz cena”. Mas esse sentido não está tão distante do original, e sabe por que? O Drama é o gênero literário da atuação, pois une dois elementos: a linguagem, e o problema a ser resolvido (SOARES, 2012, p.59). O grande diferencial é que o drama envolve o ato, a realização de algo. Observe que tragédia e comédia são formas dramáticas, construídas dessa forma. Envolvem sequência de ação. Mas o drama, em si, necessita de plena atuação. Por isso que seu texto é organizado pelas suas características: personagens que atuam, lugar em que a ação ocorre, rubricas que dizem como as personagens reagem. A palavra “drama” aos poucos começa a ser utilizada exclusivamente no sentido de gênero dramático, quanto de peça teatral – significa, literalmente, “fazer” – e, às vezes, como uma forma híbrida entre tragédia e comédia. Ao longo dos anos, vão surgir grandes dramaturgos, homens que criam peças de teatro. “A Odisseia” é uma tragédia,forma de texto dramático, mas Homero não é um dramaturgo. Sófocles, por outro lato, o é, via criações como “Antígona” e “Édipo Rei”. Podemos observar um drama – no sentido literal e figurado do termo – no texto abaixo: JOÃO GRILO - Padre João! Padre João! PADRE (aparecendo na igreja) - Que há? Que gritaria é essa? (Fala afetadamente com aquela pronúncia e aquele estilo que Leon Bloy chamava "sacerdotais”). 5 CHICÓ - Mandaram avisar para o senhor não sair, porque vem uma pessoa aqui trazer um cachorro qué está se ultimando para o senhor benzer. PADRE - Para eu benzer? CHICÓ - Sim. PADRE (Com desprezo) - Um cachorro? CHICÓ- Sim. PADRE - Que maluquice! Que besteira! JOÃO GRILO - Cansei de dizer a ele que o senhor não benzia. Benze porque benze, vim com ele. PADRE - Não benzo de jeito nenhum. CHICÓ - Mas, padre, não vejo nada de mal em se benzer o bicho. JOÃO GRILO - No dia em que chegou o motor novo do Major Antônio Morais o senhor não benzeu? PADRE - Motor é diferente, é uma coisa que todo mundo benze. Cachorro é que eu nunca ouvi falar. CHICÓ - Eu acho cachorro uma coisa muito melhor do que motor. PADRE - É, mas quem vai ficar engraçado sou eu, benzendo o cachorro. Benzer motor é fácil, todo mundo faz isso, mas benzer cachorro? JOÃO GRILO - É, Chicó, o padre tem razão... Quem vai ficar engraçado é ele e uma coisa é benzer o motor do Major Antônio Morais e outra benzer o cachorro do Major Antônio Morais. PADRE (Mão em concha no ouvido)– Como? JOÃO GRILO - Eu disse que uma coisa era o motor e outra.... o cachorro do Major Antônio Morais. PADRE - E o dono do cachorro de quem vocês estão falando é Antônio Morais? JOÃO GRILO - É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se zangasse, mas o Major é rico e poderoso e eu trabalho na mina dele. Com medo de perder meu emprego, fui forçado a obedecer, mas disse a Chicó: o padre vai se zangar. PADRE (desfazendo-se em sorrisos) Zangar nada, João! Quem é um ministro de Deus para ter direito de se zangar? Falei por falar, mas também vocês não tinham dito de quem era o cachorro. (SUASSUNA, 1999, p. 45-46) A cena é um trecho de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. O Auto é um tipo de texto dramático associado aos costumes, de origem medieval. Um escritor que segue a mesma linha é Gil Vicente. É uma obra que transmite saberes pela ação, de maneira acessível e, principalmente, concreta: o drama é a ação, o exemplo. Toda crítica, alusão e ideologia é representada pela ação das personagens. As personagens agem, e o mundo representado parece ter existência própria, sem que o narrador interfira, diga a ordem dos acontecimentos. Não há mais alguém que descreva as cenas, como na comédia: o desfecho vai sendo alcançado pela progressão das ações encenadas. 6 CAI NA PROVA! Esse gênero assume várias marcas ao longo do tempo: teatro filosófico, de costumes, históricos, tendo inclusive escritores célebres, como Alexandre Dumas Filho, autor de “A Dama das Camélias”, influência da obra “Lucíola”, de José de Alencar. Curioso que, em sua época, os grandes romances de José de Alencar eram mais conhecidos por suas adaptações teatrais, do que em suas versões de livro. Nos dias de hoje, o drama se reinventa, constitui uma tradição. Atinge um público maior: se os teatros reúnem um público pequeno, os dramaturgos tornam-se roteiristas, diretores de produções audiovisuais: novelas, filmes e minisséries renovam e reinventam o gênero. É, por excelência, o gênero que nunca morre: do teatro grego, aos padres jesuítas que o utilizavam para catequizar indígenas, passando por grandes nomes nacionais como Martins Pena, ele tem a função, via representação, de criticar e questionar os costumes da sociedade. DICA “O Auto da Compadecida” é uma peça muito famosa, possuindo diversas adaptações e paródias. Uma delas é a versão feita pelo antigo grupo de comediantes “Os trapalhões”, que fizeram um filme intitulado “Os trapalhões no Auto da Compadecida”. Ariano Suassuna é um escritor da 3ª fase modernista, conhecido por adaptar muitas lendas medievais que sobreviveram no imaginário do povo do nordeste brasileiro. A peça “O Auto da Compadecida” foi muito influenciada pela obra do Dramaturgo Gil Vicente, autor de “Auto da Barca do Inferno”. 7 Exercícios 1) Imagine que você escreveu um livro e, anos depois, ele foi transformado em um filme. Qual seu gênero original, e qual o atual? Quais as principais mudanças do gênero novo, em relação ao antigo? 2) Ocorre na comédia a exposição ao ridículo, mas com propósito positivo. Explique essa ideia, tomando como exemplo o quadrinho “exemplo”, o qual abordou o conto “O rei está nu”. 3) Em que medida o teatro de Ariano Suassuna, muito inspirado no teatro medieval de Gil Vicente, contextualiza/revisita certos elementos dos costumes populares na contemporaneidade? Gabarito 1) Ocorreria uma transição do gênero narrativo – usado para contar uma história – para o dramático – para ser encenado, devido às necessidades inerentes ao novo gênero. 2) O aluno deve explicar que o riso age como crítica, e as coisas terminam bem porque os problemas sociais assim são desnudados. Dessa forma, a comédia tem uma função catártica, ou seja, purificadora, pois trás a tona tudo o que prejudica a sociedade e promove um exorcismo dos males sociais pelo recurso ao riso. 3) Ariano Suassuna mostra como marcas culturais, mesmo com séculos de diferença, se perpetuam. Dessa forma, os hábitos dos tipos populares das peças vicentinas são repaginados na dramaturgia de Ariano Suassuna. Os religiosos que não seguem adequadamente seu credo e por isso não podem entrar na barca do paraíso, em "Auto da barca do Inferno”, apresentam os mesmos hábitos nos dias de hoje, quando o diabo, em "Auto da Compadecida", quer enviá-los para o inferno por se corromperem e favorecerem uns mais do que outros em proveito próprio. 8 Resumo As formas dramáticas são gêneros que apontam para as ações realizadas pelas personagens, e como essas influenciam nas histórias. Algumas, como a comédia, tem uma função denunciadora. Outra, como o drama, de promover a representação dos costumes e, assim, promover uma crítica. Nesta aula, tivemos a oportunidade de estudar como a Comédia e o Drama – completando o que já fora exposto pela Tragédia – são os gêneros que contribuíram para o desenvolvimento das literaturas ocidentais. A importância da tragédia é pelo fato de que dela se desenvolvem muitos gêneros em prosa no Ocidente, como o romance, a novela e o conto. Gênero voltado para abordar as pequenas questões do cotidiano, a individualidade, contava histórias que, ao abordar o dia a dia, atinge o universal. O drama, por sua vez, sempre teve muita importância desde sempre: é por meio dele que peças eram transmitidas e, inclusive, tragédias e comédias eram adaptadas para a atuação, uma vez que encenar é a forma mais fácil de se atingir um grande público. Esses três gêneros abrangem características-chave da cultura grega, bem como possuem reflexos até os dias de hoje. Alguns gêneros não existem e/ou não possuem uma representação específica nos dias de hoje, mas deixaram características fundamentais para todos os textos literários. 9 Referências bibliográficas ANDERSEN, H. C. A roupa nova do imperador. São Paulo: Brinque-Book, 1997. ARISTÓTELES. Poética. Tradução, Prefácio, Introdução, Comentário e Apêndices de Eudoro de Sousa. Lisboa:Imprensa Nacional/Casa da Moeta, 2005 CAMÕES, Luis Vaz. Os Lusíadas. Rio de Janeiro: Editora Círculo do livro, 1979. HOMERO. Ilíada. Tradução de Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Abril, 2009. PROPP, Vladímir. Comicidade e riso. São Paulo: Ática, 1992. SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 2012 SÓFOCLES. A trilogia Tebana. Édipo-Rei, Édipo em Colono, Antígona. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. SUASSUNA, Ariano. O auto da compadecida. 9. ed. Rio de Janeiro, Agir, 1999. VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo: Martin Claret, 2007.