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TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL PROFESSOR Dr. Carlos Herold Junior 2 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; HEROLD JUNIOR, Carlos. Teorias Pedagógicas da Educação Física no Brasil. Carlos Herold Junior. Maringá - PR.:Unicesumar, 2018. Reimpresso em 2019. 172 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Pedagogia. 2. Educação Física. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1026-8 CDD - 22ª Ed. 796 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Impresso por: NEAD Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Jorge Luiz Vargas Prudencio de Barros Pires, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Giovana Costa Alfredo, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo, Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard. Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Ana Claudia Salvadego, Bárbara Neves, Revisão Textual Cintia Prezoto Ferreira, Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock. Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD boas-vindas Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência autor Dr. Carlos Herold Junior Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/2011) e em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR/2009). Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR/2006). Mestradoem Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2000). Gra- duação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/1995). Profi ssionalmente, atua como professor universitário desde o ano de 1999, quando ingressou no Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO, Guarapuava). Em 2013, passou a trabalhar no Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e hoje leciona as disciplinas de Didática em Educação Física e Lutas. Em 2016, escreveu o livro História da Educação Física para o curso de Educação Física à distância da Unicesumar. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profi ssional, pesquisas e pu- blicações, acesse seu currículo, disponível no endereço a seguir: <http://lattes.cnpq. br/9723444517016722>. apresentação do material TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL Carlos Herold Junior É difícil negar a importância da educação, tanto na vida privada de todos nós quanto na vida coletiva e política de nosso tempo. Outros aspectos da vida social, como a saúde, a segurança, a economia, a arte, o trânsito ou o meio ambiente, são também relevantes. Contudo, não é um risco enxergar a educação perpassando todos esses aspectos, ao mesmo tempo. Essa importância educacional se materializa ao mesmo tempo em que tem sua causa no fato de pensarmos a educação, constante e cotidianamente. Temos nos- sas opiniões, nossas “teorias” sobre os problemas educacionais e suas possíveis soluções. E isso não apenas depois de ingressarmos em curso de nível superior ou terminarmos doutorado: desde crianças, não temos nossas impressões sobre a escola, os professores, as tarefas escolares etc.? Nada mais justo! O florescimento de opiniões e análises não impede outra impressão circulante: a de que ensinar e aprender é algo que apenas demanda bom senso, boa comu- nicação, autoridade, o assunto ser interessante etc. Não quero negar a relativa correção dessas assertivas. Apenas sublinho que um determinado “senso comum educacional”, mesmo reconhecendo a importância da educação, não enxerga a educação como um assunto complexo e sistêmico, que possui dificuldades que ultrapassam as nossas avaliações sobre professores, escolas, ensino, aprendizado etc. Com as aulas de educação física ocorre a mesma coisa. São comuns as defesas acaloradas sobre a importância desse componente curricular, ao mesmo tempo que abundam críticas sobre a inutilidade do que nessas aulas se faz, das ações (ou da falta delas) dos professores, dos problemas que essas aulas causam no funcio- namento da escola (o barulho, o suor dos alunos, o espaço que demandam) etc. Essas observações são feitas por professores, políticos, pais e também por alunos de diferentes idades, endossando que se pensa, que se “teoriza”, que se elaboram soluções sobre os problemas vistos como existentes nas aulas de educação física. Essa situação estimulou a existência de uma reflexão mais sistemática, calcada em procedimentos metodológicos de diferentes ciências. À seriedade das questões educacionais e à seriedade com que nos dedicamos a “pensar a educação” en- quanto tomamos o café da manhã ou durante a pausa de uma partida de futebol, soma-se o rigor com que se construiu toda uma tradição intelectual que avaliou e avalia o potencial e o limite da educação escolar. O mesmo ocorreu e ocorre com a construção de horizontes formativos possíveis da educação física escolar: qual a importância desse componente curricular na educação básica? Como formar os professores que realizarão essa importância com suas aulas? Quais os principais desafios a serem por eles enfrentados no planejamento delas? São essas algumas das questões abordadas pelas teorias pedagógicas que se ocupam da educação física escolar. São essas teorias pedagógicas o assunto deste livro. Teorias pedagógicas válidas para algumas realidades, em alguns casos, tem menos credibilidade para outras. Essa advertência é importante, pois este livro versará sobre Teorias pedagógicas da educação física no Brasil. Reconhecer essa especificidade é importante, mas não deve nos fazer esquecer que a educação e a educação física são assuntos pensados planetariamente, gerando um grande movimento de ideias e propostas, tanto na atualidade quanto na história. Por isso, embora objetive pensar as teorias pedagógicas da educação física no Brasil, construirei a reflexão reconhecendo a circulação de teorias pedagógicas, existente de forma sistemática desde o fim do século XIX, momento em que a escola como conhecemos hoje passou a se construir no Brasil. Essa opção metodológica já pode ser entrevista na estrutura e na sucessão das cinco unidades que formam este livro. A Unidade I intitula-se O valor das teorias pedagógicas. Nela, nós pensaremos de modo mais detalhado a relação das teorias pedagógicas com outras formas de reflexão sobre a educação. apresentação do material Na Unidade II, cujo título é As práticas corporais a caminho das teorias pedagó- gicas da educação física, abordaremos o modo como a educação física das crianças e dos jovens fez as pessoas pensarem sobre ela, construindo caminhos que levaram a teorias sistematizadas sobre o assunto. Com a unidade III, iniciamos a abordagem específica da questão no contexto brasileiro, estudando A educação física na construção brasileira, título da unida- de. Estudaremos as teorias pedagógicas sobre a educação física desenvolvidas no processo de construção das estruturas educacionais de nosso país. Na quarta unidade, Dilemas da educação física escolar a partir de 1980, serão investigadas problemáticas e desafios pedagógicos processados no final do século XX. Esse processamento construiu muito das teorias pedagógicas que hoje mo- dulam (ou que ambicionam guiar) a ação docente dos professores nas escolas. Por fim, a Unidade V estudará as Teorias pedagógicas da educação física na atualidade. Com o entendimento construído pela trajetória percorrida nas unida- des anteriores, serão evidenciadas as diferentes maneiras como as possibilidades pedagógicas da educação física escolar são apresentadas, justificadas e criticadas. No início desta apresentação, ao ter observado nossa ousadia de pensarmos os assuntos educacionais “desde sempre”, reitero que pretendo estimular essa importante postura intelectual. Peço-lhe que, durante a leitura, não se exima de duvidar das teorias que está aprendendo. A diferença entre o que ocorre todo dia e aquilo que pensamos “teoricamente” é que, nesse segundo caso, devemos duvidar e criticar depois de conhecer todas as “razões” e meandros daquilo que é criticado. É esta a utilidade que ambiciono para este livro. Boa leitura! apresentação do material sumário UNIDADE I O VALOR DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS 16 A Tensão Entre Teoria e Prática como Característica da Problemática Educacional 20 Nem Sempre Existiram Teorias Pedagógicas 24 Pensando o Mundo e as Teorias Pedagógicas 28 O Alcance das Teorias Pedagógicas 32 Os Limites das Teorias Pedagógicas 36 Considerações Finais 41 Referências 42 Gabarito UNIDADE II AS PRÁTICAS CORPORAIS A CAMINHO DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA 48 A Impossibilidade de Pensar a Educação sem Pensar a Educação do Corpo 52 A Escola Para Todos e a Urgência de Pensar Sobre a Educação Física 56 Teorias Pedagógicas e o “Dever Ser” dos “Outros” Professores 62 As Teorias Sobre o “Dever Ser” dos Professores de Educação Física 66 O Desajeito da Educação Física em Relação ao Ambiente Escolar 71 Considerações Finais 76 Referências 77 Gabarito UNIDADE III A EDUCAÇÃO FÍSICA E A CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 82 A Educação, a Educação Física e a Atuação de Rui Barbosa 86 A Ginástica Escolar e a Educação em Fernando de Azevedo 90 Educação Física e Pedagogia:um Olhar Sobre Alguns Poucos Livros 94 Um Método Brasileiro de Educação Física: Inezil Penna Marinho 98 A Didática da Educação Física de acordo com Alfredo Faria Junior 102 Considerações Finais 106 Referências 107 Gabarito UNIDADE IV DILEMAS SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR A PAR- TIR DE 1980 112 A Importância de uma Crise 116 A Busca por “Legitimidade Pedagógica” e “Autonomia Pedagógica” 120 Críticas à Formação de Professores de Educação Física e os novos Horizontes 124 As Novas Abordagens à Educação Física Escolar 128 As Teorias Pedagógicas da Educação Física e a Estrutura Legal da Educação no Brasil na Década de 90 132 Considerações Finais 137 Referências 139 Gabarito sumário UNIDADE V TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ATUALIDADE 144 Fomentar qual Desenvolvimento? Abordagem Desenvolvimentista, Abordagem Construtivista 148 Questionando o “Esporte na Escola”: Abordagem das Aulas Abertas de Educação Física e a Abordagem Crítico-Emancipatória 152 O que Ensinar na Educação Física? Abordagem Crítico- Superadora 156 Teorias Pedagógicas da Educação Física e uma Prática que Perdura 160 Da Crise da Educação Física, Passando Pela Crise da Escola e Chegando aos Corpos Sem Crise 164 Considerações Finais 169 Referências 170 Gabarito 171 Conclusão Geral Professor Dr. Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • A tensão entre teoria e prática como característica da problemática educacional • Nem sempre existiram teorias pedagógicas • Pensando o mundo e as teorias pedagógicas • O alcance das teorias pedagógicas • Os limites das teorias pedagógicas Objetivos de Aprendizagem • Entender a importância da relação entre teoria e prática no campo educacional. • Evidenciar que a refl exão pedagógica sistemática é uma construção histórica. • Destacar as diferentes maneiras de pensar os assuntos humanos, tais como a ciência, religião, fi losofi a e arte, e seus impactos educacionais. • Abordar as possibilidades da refl exão educacional na detecção e na solução de problemas. • Estudar os limites das teorias educacionais na abordagem aos desafi os pedagógicos. O VALOR DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS unidade I INTRODUÇÃO C om os tópicos que serão estudados nesta unidade, objetivo en- tender como o modo de “teorizar” assuntos que nos interes- sam se tornou um ato tão caro para a educação. Apesar disso, também intenciono contornar posicionamentos pedagógicos que atribuem às teorias um lugar de proeminência em relação à prática pedagógica. Do mesmo modo, quero criticar ideias que apenas apontam limites e até a inutilidade das teorias. Igualmente limitada é a postura que advoga um “equilíbrio”, ou um “meio termo”, ainda. Também não avan- çamos muito com a afirmação tão frequente de que “teoria e prática são igualmente importantes”. No estudo das Teorias Pedagógicas da Educação Física no Brasil, você abordará tensões fundamentais ao campo educacio- nal de uma forma mais ampla. Um pouco dessa amplitude será discutida nesta unidade. Pretendo mostrar que essas tensões são traços constitutivos da for- ma como pensamos e conhecemos aquilo que nos interessa, marcando de maneira inquestionável as problemáticas do campo pedagógico. Um campo que se caracteriza pela ponderação entre conhecer, agir e avaliar a ação feita, produzir novos conhecimentos e pensar sobre o conjunto desses pensamentos todos. Isto é, parto do pressuposto que essa suces- são de “eventos” nunca se encerra, demandando o ímpeto de reconhecer a necessidade de sempre melhor conhecermos o que nos inquieta e os limites e as dificuldades que se interpõem para que isso ocorra. É com esse pressuposto que as Teorias Pedagógicas da Educação Física no Brasil serão estudadas nas unidades subsequentes. Explorar esse pressuposto de forma mais detida é o que faremos nesta unidade. Isso será feito abordando a educação de uma forma mais geral. Em- bora a educação física não seja diretamente mencionada nas análises que seguem, tente não esquecê-la conforme avança na leitura. 16 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL A presença da educação na vida de todos nós, em to- dos os momentos de nossa vida, certamente dá-nos condição de ter nossas opiniões sobre ela, nossas críticas sobre procedimentos adotados, bem como a possibilidade de esboçar soluções ou até “teorias” que expliquem seus problemas. Isso ocorre tanto na educação do âmbito doméstico ou privado quanto na educação que tem lugar nas diferentes institui- ções de educação formal. Para citar um exemplo do primeiro caso, quem nunca testemunhou pais ou mães sendo criticados por serem excessivamente rígidos ou permissivos; desatentos ou controlado- res; informados ou ignorantes no trato com seus próprios fi lhos? E mais: essas críticas não vêm tanto daqueles que já foram pais há muito tempo quanto daqueles que nem sequer pensam na possibilidade de terem fi lhos? Verifi que que, nesses casos, o conta- to com a “prática” não é um fato determinante, algo a intimidar alguém a descrer da correção de suas próprias “teorias”. Tanto aqueles que já “praticaram” esse ato de educar há muito tempo quanto aqueles que nunca o fi zeram, sentem-se na condição de pro- duzir respostas para os problemas de outras pessoas. No mundo escolar, não são frequentes críticas às escolas, aos procedimentos adotados por professo- res, à pretendida irrelevância de alguns componen- A Tensão Entre Teoria e Prática comoA Tensão Entre Teoria e Prática como Característica da Problemática Educacional EDUCAÇÃO FÍSICA 17 tes curriculares? Essas críticas não são proferidas por políticos, pais ou mesmo alunos que mal acabaram de iniciar sua vida escolar? Ao apresentarmos esses questionamentos, não se trata de eximir as práticas educacionais, as escolas e os professores de serem criticados; muito ao contrário: uma das característi- cas mais marcantes da educação, em todos seus âm- bitos e instituições, é a lida com essas críticas feitas por todos e sobre tudo o que diz respeito à educação, sinalizando que ela é muito importante para todos. Acreditando que já tenhamos testemunhado ou mesmo feito alguma das observações críticas, quero que você verifique, ao dar mais um passo em sua formação em licenciatura de educação física, que está se aparelhando com um conjunto de conhe- cimentos sobre os conteúdos da educação física e da docência deste componente curricular. Contu- do, mesmo que esse conhecimento a ser recebido seja um “distintivo”, que lhe dê a “licença” (ou seja, aquilo que se atribui em uma licenciatura) para en- sinar determinados assuntos nas escolas, essa for- mação não será suficiente para impedir que você tenha suas ações profissionais questionadas, a todo momento, por pessoas que jamais pensaram em co- nhecer a educação para além daquilo que viveram na escola ou em casa. Aliás, você deverá argumen- tar com muitos que não percebem como necessária nem mesmo uma formação específica para dar vida às rotinas pedagógicas da escolas. Para essas pes- soas, ensinar na educação formal é tido como sim- plório: falar ou mostrar para alguém algo que este não conhecia, ensinando-o. Situações como essa evidenciam que, de um lado, muitas pessoas julgam que o conhecimento empírico que possuem sobre a educação é algo dotado de grandes possibilidades explicativas e normativas. De outro, elas desquali- ficam o conhecimento “meramente teórico” possu- ído pelos professores, caso assumam que estes real- mente saibam algo que elas não saibam. Para essas pessoas, o conhecimento vem de sua “prática”: elas frequentaram escolas como alunos e alunas, ou pais de alunos e alunas. Isto é, ser um bom professor é apenas uma questão de “bom senso”.Essa disputa entre saberes e ações corretas no dia a dia educacional não acontece apenas entre leigos, pais, alunos e professores de formação. No campo educacional visto de uma forma, ao mesmo tempo, mais ampla (englobando tanto a educação básica quanto a educação superior), e mais específica (no interior das instituições escolares, deixando de lado a educação que acontece fora delas) ao lado das críti- cas dirigidas a todos aqueles que se ocupam da edu- cação, há um grande conjunto de desentendimentos que opõe os profissionais da educação entre si. Nele, esses profissionais são divididos entre duas “catego- rias”, posicionadas a partir daquilo que, concreta- mente, fazem no mundo educacional. Refiro-me à divisão que opõe teóricos de um lado e os práticos de outro. É essa oposição que faz com que a relação entre teoria e prática se torne uma das principais características da problemática educacional. Vou 18 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL explicar algumas maneiras como essa “vivência do desajuste” (SACRISTÁN, 1999, p. 23) se manifesta no cotidiano de variadas instituições educacionais, englobando o “chão da escola”, passando pelas uni- versidades que formam os professores e chegando aos gabinetes de secretarias e ministério da educa- ção, sem esquecer os desdobramentos legislativos que discutem e aprovam as leis educacionais em âm- bitos municipais, estaduais e nacionais. Esse “desajuste” é muito importante de ser enten- dido, pois, em um livro sobre “teorias pedagógicas”, você se defrontará com um conjunto de propostas que indicarão um “dever ser” de suas ações enquanto professor. A depender dos pressupostos sobre o que é e o que pode proporcionar o conhecimento dessas propostas, esse “dever ser” poderá ajudar, mas poderá também atrapalhar o que devemos fazer para resolver os problemas que surgem, todo os dias, na sucessão de aulas das escolas. É nesse ponto que o confronto entre teóricos e práticos se realiza: é muito corriquei- ra a percepção de que aquilo que se propõe no cam- po teórico não dá conta de atender às exigências da prática profissional. Por outro lado, do ponto de vista teórico, argumenta-se que esse “não atendimento” se- ria, simplesmente, a falta de um conhecimento mais aprofundado por parte dos práticos. Nesse olhar, os práticos seriam os que insistem em fazer as coisas como sempre fizeram, mecanicamente, negando-se ou ignorando a necessidade de agir diferente (leia-se corretamente, aos olhos dos teóricos). Sacristán (1999, p. 27) nos ajuda a pensar a “re- lação teoria e prática”, verificando sua presença no contexto educacional. O pedagogo espanhol chama a percepção dessa tensão de “slogan”, ou seja, algo repetido e utilizado por grupos muitos diferentes entre si para endossar sua própria visão das ques- tões educacionais. Algo que, apesar de repetido e tomado como uma verdade inquestionável, acaba por não proporcionar condições mais interessantes, nesse caso, nem para entendermos melhor os nos- sos problemas, nem para tomarmos atitudes para resolvê-los. Isto é, entender e agir sobre os assuntos educacionais por meio de mútuas condenações en- tre práticos e teóricos não nos daria nem a condição de agir melhor, muito menos de pensar os assuntos educacionais de maneira mais rigorosa. Na visão típica que se tem a partir desse “slo- gan”, o teórico é avaliado como “desligado das condições em que a prática se desenvolve”. Ele ofe- receria uma “promessa não cumprida”. Em alguns momentos, as críticas ficam tão agudas que a se- paração entre teóricos e práticos assume caracte- rísticas que extrapolam a especificidade do campo educacional, tocando questões sociais: nessa mira- da, os teóricos seriam aqueles que “não trabalham” (SACRISTÁN, 1999, p. 23). No interior das instituições educacionais, essa atribuída falta de conexão com a realidade seria um defeito típico de duas figuras bastante pródigas na hora de elaborar teorias e obrigações a serem atendi- das pelos práticos: a figura do político e a figura do cientista (nesta figura, vamos alocar os pedagogos, professores universitários, filósofos, enfim, todos aqueles que possuem um solução para os problemas educacionais… alheios). Sobre o primeiro, reconhe- ce Sacristán (1999, p. 23) alguns limites que levam muitos a um “reflexo antiteórico”: O poder político tem legitimidade para dizer o que é útil para suas prioridades, mas não de- tém o monopólio para definir a utilidade para a prática, nem sequer para suas prioridades, por que não deve deter todo o poder para decidir qual será a prática educativa mais conveniente (SACRISTÁN, 1999, p. 22). EDUCAÇÃO FÍSICA 19 O cientista também deve ser criticado no exagero de suas pretensões, conforme nos explica Sacristán (1999, p. 23): Do mesmo modo, deverá evitar-se que o teórico, como se fosse um ilustre possuidor de razão ina- pelável imponha, partindo do seu trabalho, o que é prática adequada e teoria útil. Nem no seu trabalho, nem seus instrumentos toleram tamanha pretensão. Essas ponderações, por outro lado, não devem levar você a considerar a questão resolvida, dando ao práti- co sua concordância relativa às constantes reclamações que fazem sobre o teórico. Sacristán (1999) observa o seguinte limite quando relativiza o posicionamento que defende a supremacia da prática perante a reflexão te- órica: “O que chamamos prática de um professor pode mudar como tempo; e o professores variam, por vezes, bastante entre si” (SACRISTÁN, 1999, p. 22). Por essa razão, Sacristán (1999, p. 22) observa que [...] é fácil aceitar que as potencialidades da teo- ria não são esgotadas nas necessidades do prático para sua prática, e que o significado da sua utili- dade para a prática não pode ser limitado ao que a avaliação dos práticos determine. Repare, ao encaminharmos para o final deste tópi- co: estamos bem longe de uma solução efetiva para o problema. Quando Sacristán (1999) afirma que as tensões entre “teoria e prática” são um slogan, cuja aproximação entre seus elementos é algo defendido por todos, trata-se de verificar a possibilidade o pos- sível questionamento da possibilidade dessa apro- ximação, em primeiro lugar. Em segundo, seria a possibilidade de considerarmos esse “slogan” de um outro modo, mais efetivamente produtivo para todos. Sacristán (1999), reconhecendo a presença desse slo- gan no campo educacional, propõe que o reconside- remos, assumindo uma “abordagem mais complexa” (SACRISTÁN, 1999, p. 29). Nela, no lugar da simples oposição entre teoria educacional e prática educa- cional, tomaríamos como baliza o entendimento de que a educação pauta-se na “relação entre consciên- cia, significado, conhecimento e mentalidade com a ação e com a tradição acumulada de saber fazer na educação” (SACRISTÁN, 1999, p. 29). Para explicar de outro modo essa visão “mais complexa”, vamos ler outra passagem de Sacristán (1999), onde podemos verificar a necessidade de bem ponderarmos o que podem e o que não podem as teorias educacionais: [...] o que até agora conhecemos como realidade é um resultado da interação de múltiplas forças e condicionamentos, mas não é o efeito da aplica- ção de teorias científicas concretas ou, ao menos, não é apenas, nem fundamentalmente, o resul- tado dessa aplicação. A prática tem a ver com a projeção de elementos teóricos nela, mas não se poderia compreendê-la se só apelamos para estes. Se, às ideias, pelo contrário, não lhes fosse reserva- do papel algum, a prática ficaria à mercê da deter- minação de forças sociais, econômicas e culturais alheias aos sujeitos (SACRISTÁN, 1999, p. 29). Pelas análises de Sacristán (1999), a importância das teorias pedagógicas reside na precisa consideração de seus limites. Limites esses que não são apenas toma- dos comoepistemológicos, ou intelectuais, de quem elabora essas teorias. São limites incontornáveis pelo fato da educação (assim como todas as esferas da vida social) ser o resultado da ação de muitos agentes, de muitos valores e posições políticas diferenciadas, que se relacionam em instituições possuidoras de tradi- ções construídas em sua história. Saber o momento de questionar e propor “novas tradições” sem negli- genciar os limites nesse embate entre o real e o neces- sário é o grande desafio das teorias pedagógicas. 20 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL Nem Sempre Existiram Teorias Pedagógicas Se Sacristán (1999) fala de um “reflexo antiteórico”, com isso, querendo afirmar a resistência de muitos educadores em assumir seu trabalho como determi- nado por ideias e leis produzidos em outro lugar que não seja no momento imediato de sua ação peda- gógica, o tal “reflexo” já indica a existência de uma “contemplação” dos assuntos educacionais. Isto é, o “reflexo antiteórico” denota e sustenta-se em um “reflexo teórico”. Dito de outro modo, mesmo criti- car a importância das teorias pedagógicas, no final das contas, tornar-se-ia uma “teoria pedagógica”, uma forma de ver a educação e a melhor maneira de realizar seus procedimentos. Para nós, isso é muito importante, pois demons- tra que, no interior de um grande número de deba- tes entre os variados agentes educacionais (alunos, pais, professores, cientistas, filósofos e políticos), há uma reflexão educacional existente em diferen- tes âmbitos socioculturais: em casa, nas escolas, nas universidades, no Estado e em diversas organizações não governamentais. Para pensarmos e entendermos a importância desses “reflexos”, convido-lhe a acompanhar-me em uma análise por momentos diferentes da história educacional. Em cada um deles, verificaremos como esse “ato impensado” de pensar a educação vai se co- EDUCAÇÃO FÍSICA 21 locando com a sucessão de diferentes épocas históri- cas. Ao mesmo tempo em que isso permitirá a você compreender formas diferentes de fazer a mesma reflexão educacional, vai proporcionar condições para enxergarmos a relevância da educação para a construção da vida social, o que já vem ocorrendo há muito tempo. Nesse voo panorâmico sobre di- ferentes momentos da história, mesmo que rápido, iremos longe para verificarmos como a importância da educação se realizou sobre diferentes maneiras de pensarmos sobre ela. Embora existam muitas controvérsias sobre a te- oria da evolução das espécies de Darwin, foi a partir dela que entendemos as continuidades e as rupturas que marcam a relação entre as diferentes formas de vida existente no planeta em sua longa história geo- lógica. Mesmo que os indícios para afirmações mais precisas sejam escassos, é largamente reconhecido que o homo sapiens se especifica de seus ancestrais em algum momento em torno de 35.000 anos atrás. Possuidor de uma “natureza” peculiar, marcada pela bipedia, pelo cérebro aumentado, ausência de pelos pelo corpo e com um aparelho fonador com mui- tas possibilidades inexistentes para outros animais, enxerga-se, nessa “natureza”, um traço inegavelmen- te facilitador para o estabelecimento de relações sociais. Deve ser mencionada como característica fundamental para esse “ímpeto” social o fato da re- produção humana gerar uma descendência bastante frágil, que nasce imatura em muitos sentidos, mes- mo nos mais básicos quesitos para a manutenção da sobrevivência. Para nós, não é sempre impressio- nante vermos a velocidade com que os filhotes de muitas espécies, logo depois de nascer, já consegui- rem andar, procurar comida etc.? O fato de sermos naturalmente donos de uma “infância” bastante alongada se comparada a outras espécies, coloca no cuidado com os nascituros uma necessidade incontornável. Sem essa “relação so- cial”, sem essa postura “educacional” por excelência, a nossa natureza não teria florescido e conhecido o grande sucesso que, inclusive, possibilita-nos colo- car a própria natureza em risco. Nesses primeiros momentos de vida humana, a sociabilidade se co- locou como uma característica fundamental para a manutenção da vida. Para a reprodução dessa socia- bilidade, a educação foi importantíssima. Dizendo de uma outra maneira: a reprodução da vida, o man- ter-se vivo só se dava pela participação nas primei- ras relações sociais que se estabeleciam. Ora, para realizar essa participação, pela qual se aprendia o necessário para a vida, a educação já acontecia e pode ser tomada como um dos princi- pais pilares da vida social. Trata-se, aqui, do que Petitat (2011) chamou de “educação difusa”. Nos milhares de anos que se sucederam ao surgimento do homo sapiens, não havia, obviamente, nem ins- tituições educacionais nem uma reflexão sobre essa “educação”: ela acontecia “irrefletidamente”, pauta- da pela relação de “ensino e aprendizagem” exis- tente entre os mais velhos e os mais novos. O cará- ter “difuso” dessa educação realizava-se por meio da “inculcação, a aprendizagem e a socialização” que existem por meio de “mecanismos simultane- amente conscientes e inconscientes” (PETITAT, 2011, p. 367). Essa educação é “difusa”, justamente por ser dificilmente delimitável, impossibilitando afirmar quando ela estava acontecendo ou quan- do ela não estava. Para você perceber a concretude disso que estou tentando narrar que aconteceu e 22 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL vem acontecendo há milhares de anos, é importan- te ter claro que “Toda relação social – constituída ou em via de constituição, fixa ou em movimen- to – comporta dimensões educativas” (PETITAT, 2011, p. 367). Isto é, uma educação pela qual se ensina e se aprende, ao mesmo tempo, sem clareza de como e quando isso acontece, mas que acontece pelo fato de se estar vivo e essa vida depender das relações estabelecidas com os outros. De alguma maneira, a sabedoria popular expressa a existência dessa educação quando afirma que “é vivendo que se aprende”, que “a vida é uma grande mestra”, ou que a “vida é um eterno aprendizado”. Reitero que essa “educação difusa”, que fez da educação uma prática necessária desde os primeiros momentos de vida em sociedade, é algo que ainda ocorre em nossos dias e vem acontecendo pela su- cessão de diferentes sociedades na história. Uma característica importante dessa “educação di- fusa” é o fato de ela acontecer com todos, do mes- mo modo que são todos os membros de uma co- munidade que “educam” seus pares. Uma criança aprende determinados jeitos de ser e fazer algumas coisas simplesmente imitando ou obedecendo pri- meiramente às instruções de seus pais e, depois, na relação com outras crianças; os pais também apren- dem a serem pais pela reações e exigências coloca- das por sua criança. Em uma amizade, as pessoas se ensinam, mutuamente, jeitos de falar, de trabalhar, de encarar alguns problemas. Todas essas pessoas aprendem determinados valores ou aprendem a eles se opor, por viverem em uma mesma época, habita- rem determinados espaços, assistirem determinados programas de televisão etc, ou seja, é quase impos- sível vivenciarmos um momento em que não apren- demos ou ensinamos alguma coisa a alguém. Algo diferente ocorre com a educação sistemati- zada ou institucionalizada. Com a divisão social do trabalho e divisão da sociedade em classes sociais, surgiu um conjunto de práticas e espaços específicos que agregou à “educação difusa”, o que poderíamos chamar de “educação formal”. Intimamente relacio- nada à transmissão de conhecimentos para o regis- tro burocrático relativo às posses de determinada classe social, tratou-se de uma primeira maneira de manifestação educacional resultante de uma refle- xão prévia sobre o quê ensinar para a manutenção da situação social,caracterizada pela divisão social, apoiada no fato de um grupo conceber o trabalho e outro grupo executá-lo. Essa educação se institucionaliza; afinal, come- çam a surgir espaços e tempos específicos para a sua realização. Além disso, não são todos que a eles têm acesso. Verifique que essa “educação formal”, muito EDUCAÇÃO FÍSICA 23 diferentemente da educação difusa, sustenta-se na colocação de limites que explicitam momentos, lu- gares e pessoas nos quais e com as quais ela se reali- za: a aula tem um início e um fim, o professor chega para ensinar algo, eu vou “lá” ou mando meus filhos para lá para aprenderem algo. É fácil perceber que para realizar esse descolamento da vida cotidiana em que a educação é difusa, a educação formal já demanda uma reflexão prévia, uma organização que determine o que ensinar, onde ensinar e como fazê- -lo. Essa nova prática educacional passou a existir nas primeiras civilizações que foram formando-se a partir de 5000 anos a.C., aproximadamente. Esse processo de formalização das práticas edu- cacionais vai conhecer um grande impulso no con- texto da Grécia Clássica, nos séculos V e IV a.C. Esse impulso existiu devido a transformações histó- ricas que levaram ao surgimento de uma nova forma de organização social: a pólis. Nessa organização, os rumos da vida comunitária passaram a ser alvo de deliberação e discussão entre todos os cidadãos, ge- rando um grande número de problemas e possibili- dades para manter viável a vida em conjunto. Nessa nova forma de organização social, que marcou a primeira experiência democrática, nasce a vida política, pautada na ideia de discussão, elabo- ração e obediência às leis, construídas coletivamen- te. Nessa dinâmica, a palavra, o discurso, a retórica e o convencimento tornaram-se fundamentais: era pelo debate que se determinava os rumos da pólis, era pelo debate que as melhores opções entre as existentes poderiam ser livremente escolhidas pelos cidadãos, gerando a necessidade de que todos con- tribuíssem para o bem de todos. Além da política, esse processo deliberativo para a definição dos rumos políticos e econômicos levou à necessidade de uma reflexão sistemática sobre a re- alidade e sobre as relações que os homens estabele- ciam entre si. Além disso, a importância e a maleabi- lidade da linguagem estimularam a reflexão sobre as possibilidades da linguagem utilizada por homens e mulheres levar a todos ao conhecimento da verdade. Enfim, a filosofia floresceu na Grécia justamente por essa necessidade prática de resolver problemas bas- tante concretos. Nessa análise, a formação da “aretê política”, ou das virtudes necessárias à vida política, da con- dição de vivenciar uma organização social baseada no respeito às leis criadas pelos próprios homens que discutiam com a finalidade de fazer a “verda- de” ser conhecida e escolhida, e educação se tornou uma problemática central. De que modo deveriam ser formados os cidadãos? Como fazer com que eles utilizassem sua inteligência para tornar a vida co- munitária melhor? Como estimular melhor o uso do diálogo de um modo que ele construísse boas ideias e convencimento em torno delas? Como ponderar aquilo que seria bom e vantajoso para si e aquilo que seria para os demais? Como manter um pensamen- to rigoroso, mesmo que o resultado dele levasse a conclusões desagradáveis para aquele que o elabora? São questões fundamentais à vida societária e que foram levantadas pelas necessidades de uma vida de- mocrática. Nesse entendimento, política, filosofia e “pedagogia” nascem juntas. Cada uma delas propor- cionou problemas que levaram ao nascimento das outras. Não é despropositado o fato de autores como Cambi (1999) e Manacorda (2006) enxergarem na antiguidade clássica da Grécia o primeiro momento de manifestação clara de uma “pedagogia”, de uma reflexão sobre o que deveria ser a educação e os im- pactos que ela deveria proporcionar à sociedade. 24 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL Chama-nos a atenção o fato de as primeiras “teoriza- ções” sobre a educação estarem tão relacionadas com problemas práticos, concretos e imediatos. Repare que esses “problemas práticos, concretos e imediatos” devem ser entendidos como problemas cruciais, cuja solução era necessária e inadiável: no caso das primei- ras civilizações que se formavam, “formalizar a edu- cação” tinha a ver com o registro e controle da produ- ção, concepção e do trabalho feito por outras classes sociais. No caso grego, a educação e a “pedagogia” colocaram como necessário entender de um modo mais detalhado os impactos e os limites da educação na formação demandada para o cidadão da pólis. Nos dois casos, é importante colocar em des- taque que um determinado conhecimento sobre a educação foi se produzindo. Podemos afi rmar que os dois períodos estudados no item anterior explici- tam a existência dos primeiros “planejamentos edu- cacionais”, reconhecendo que, ao lado da educação cotidiana e “difusa”, haveria, ou deveria haver, outra educação, caracterizada por seguir determinadas “diretrizes” previamente elaboradas. Tenho me esforçado, também, em sublinhar que essa nascente refl exão pedagógica nascia no mesmo processo de amadurecimento de outras formas de co- nhecimento e do modo como as sociedades fi cavam Pensando o Mundo e as Teorias Pedagógicas EDUCAÇÃO FÍSICA 25 mais complexas. Nesse ponto de vista, o exemplo gre- go é bastante explícito: ele deixou claro que política, filosofia e pedagogia ofereceram, mutuamente, estí- mulos, questões e respostas. Isto é, desse ponto de vis- ta, pensar a educação é pensar e agir no mundo/sobre o mundo, e vice-versa. Com o passar dos séculos, a quantidade e os modos de manifestação desse esforço de melhor co- nhecer as coisas foi se ampliando, modificando-se. Independentemente da imensa variedade e das par- ticularidades de cada um desse modos, eles realizam o ímpeto socialmente necessário de enxergar pro- blemas, buscar soluções e convencer aos demais que as soluções encontradas são melhores que outras soluções encontradas por outros ou outras épocas. Contudo, é um fato o reconhecimento de que nem sempre esse esforço intelectual é assumido como importante. Há algumas páginas, já constatamos o que Sacristán (1999) chama de “reflexo antiteó- rico”. O que quero fazer nos próximos parágrafos é mostrar como esse “reflexo” teve suas primeiras condições de se manifestar justamente em um mo- mento da história intelectual, que foi marcado pelo surgimento de modo de pensar o mundo possuidor de grande potência: a ciência moderna. O proces- so de construção da forma de conhecer as coisas iniciou-se nos séculos XV e XVI, existindo ainda hoje e ampliando nossa compreensão sobre muitas coisas. Não deve ser esquecido que isso ocorre, em- bora o conhecimento produzido pela ciência carre- gue consigo uma grande desconfiança em relação às suas ambições. Apesar de já termos considerado que pen- sar sobre o mundo em que vivemos é um dos tra- ços bastante característicos da vida social que tem acompanhado o homo sapiens desde seus “primeiros passos”, é inegável que o desenvolvimento do “mé- todo científico” nos século XVI impactou nossas possibilidades de conhecer o mundo. Já discutimos algumas das características da ciência moderna no livro História da Educação Física. Vamos retomar algumas questões para pensarmos as possibilidades das teorias pedagógicas. 26 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL Tanto a defesa de um conhecimento “metódico”, feita por Descartes (1979), quanto a de conhecimen- to pautado na “experimentação” feita por Bacon (1984) redundaram em um conhecimento “certo e claro” e que não fosse vítima dos “ídolos”. Para Ba- con (1984), esses ídolos eramdiferentes dificuldades e características humanas que inviabilizavam um conhecimento “exato” da realidade. Eram essas di- ficuldades que levavam à imensa dificuldade de se construir um acordo sobre o que era e o que deveria ser o mundo. A ciência proporcionaria esse conhe- cimento livre de contingências e preferências indivi- duais, com grande objetividade. Um conhecimento que seria aceito independentemente dos valores de quem o produziu e de quem fosse utilizá-lo. A importância dessa luta pela objetividade é que o caracterizou a ciência e o conhecimento por ela produzidos. Parte dessa luta deu-se pelas ten- tativas de separar conhecimento e sabedoria, para seguirmos as análises de Villoro (1996). Para o fi- lósofo, ciência: [...] consiste em um conjunto de saberes com- partilháveis por uma comunidade epistêmica determinada: teorias, enunciados que as colo- cam em relação com um domínio de objetos, enunciados de observação comprováveis in- tersubjetivamente; esse conjunto constitui um corpo de proposições fundadas em razões ob- jetivas objetivamente suficientes (VILLORO, 1996, p. 222). É fácil notar, nessa definição, que um dos pontos mais preciosos para termos ciência é fazer esse co- nhecimento ser “compartilhável” de modo mais objetivo possível. Nesta “comunicação”, uma lingua- gem que, ao mesmo tempo, seja compreendida por todos e não gere “ruídos” é algo necessário: por essa razão, Galileu Galilei afirmou que o mundo era um livro escrito com caracteres matemáticos, alusão ao fato de serem o números essa linguagem a ser deci- frada e divulgada pelos cientistas. Algo diferente ocorre com o que Villoro (1996) chama de “sabedoria”. Em oposição ao “conheci- mento científico”, a sabedoria não se apoia em “sa- beres gerais sobre as coisas” (VILLORO, 1996, p. 226). Por isso, a sabedoria não se caracteriza pela condição de “compartilhar suas verdades”, mas sim pelo fato de apoiar-se em uma “experiência pesso- al” (VILLORO, 1996, p. 227). Nesse sentido, Villo- ro (1996) nos ajuda a entender o que é ciência ao demarcar conhecimento e sabedoria: A diferença radical entre a objetividade do sa- ber científico e o caráter exclusivo de distintas formas de conhecimento pessoal não consiste em que o primeiro seja justificável e as segun- das não, tão pouco que somente o primeiro possa apelar a uma intersubjetividade para de- monstrar seu fundamento; consiste, sim, que a intersubjetividade à qual apela o primeiro está aberta, em princípio, a qualquer ente racional, ao passo que as comunidades às quais reme- tem as segundas estão restritas por condições pessoais que apenas alguns podem atender (VILLORO, 1996, p. 249). Esses esclarecimentos são importantes, pois os pri- meiros passos dados pela “reflexão pedagógica” de- ram-se por base de uma “sabedoria” bastante dife- rente da lógica e das possibilidades do conhecimento científico. E se a ciência moderna teve seu processo de construção iniciado apenas no século XVI, foi apenas na virada do século XX que surgiu um mo- EDUCAÇÃO FÍSICA 27 vimento que tentou fazer com que a educação fosse alvo de uma reflexão científica. Pensar os problemas educacionais cientificamente foi posto como condi- ção para se contornar problemas educacionais que, sobretudo, avolumavam-se com a escolarização da sociedade. Também já abordamos esse processo no livro de História da Educação Física: conforme a “educação formal” passou a ser um direito de to- dos os cidadãos, o mundo escolar ganhou tamanho, complexidade e passou a atender desafios sociocul- turais mais difíceis. Para fazer frente a essas dificul- dades, a “sabedoria” educacional deixou de ser su- ficiente. Desenvolvem-se as “ciências da educação,” buscando analisar “metodicamente” os variados problemas educacionais, entre eles, a formação de seus docentes. É o que afirma Cambi (1999, p. 498): A segunda metade do século XIX assiste ao nascimento da pedagogia científica e da peda- gogia experimental que tendem a separar-se da filosofia e a tornar-se independentes da política para reconstruir o saber pedagógico em con- tato com as ciências positivas, que tratam do homem [...] e da sociedade [...], renovando seu método e seu conteúdo pela adoção do para- digma científico, indutivo e experimental, arti- culado em conhecimentos baseados em “fatos”. A menção à separação da filosofia deve ser con- siderada como marcante para nosso assunto, se mantivermos à frente que, desde a Grécia clássica, a “pedagogia” mantinha uma relação de proximi- dade não só à reflexão filosófica, mas à política. Contudo, no século XIX, a força das ideias posi- tivistas buscavam pensar os assuntos humanos “científicos” a partir de uma “física social”, o que influenciou, assim, a reflexão pedagógica. Não deve ser inferido dessas análises que estou apenas criticando esse desdobramento. Devemos reconhecer a importância dessas primeiras ten- tativas de pensar a educação a partir dos moldes epistemológicos científicos. Do mesmo modo, foi importante verificar que muitos problemas educa- cionais não possuíam soluções a serem extraídas de uma “sabedoria”. A dimensão dos nascentes siste- mas nacionais de educação, o aumento do número de escolas, professores e a coordenação de diferen- tes níveis, tudo isso, somado ao fato de que a frequ- ência ao mundo escolar se dava por classes sociais muito diferentes entre si, demandou uma reflexão que ultrapassasse o nível empírico e não comunicá- vel da “sabedoria”. As “teorias pedagógicas” se fize- ram necessárias, de fato. O que não deve ser esquecido, porém, é que nessa “opção” de pensar a educação cientificamen- te, abrimos mão de um elemento muito importante para o cotidiano das escolas. Com essa opção, se- cundariza-se o elemento que caracteriza a “sabedo- ria” como forma importante de conhecermos as coi- sas do mundo: a pessoalidade de quem se defronta com uma situação e busca soluções para os proble- mas que nela existem. Além disso, trata-se de um elemento importante para qualquer prática educa- cional. Com essa opção, criam-se as condições para que a relação teoria (o conhecimento científico) e a prática (que demanda e produz sabedoria) torne-se, definitivamente, um “slogan” (SACRISTÁN, 1999). Reside nesse ponto a necessidade de ponderarmos, frequentemente, o que podem e o que não podem as teorias pedagógicas. 28 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL O já mencionado “refl exo antiteórico” (SACRIS- TÁN, 1999) tem gerado um conjunto de posiciona- mentos que buscam evidenciar a importância das teorias, de um modo geral, e das teorias pedagógi- cas, especifi camente. Essa importância tem sido en- fatizada em três âmbitos da realidade educacional: no campo da pesquisa educacional, na formação de professores e na avaliação da escola como espaço di- vulgador de conhecimentos ou de teorias. No que diz respeito à pesquisa educacional, verifi ca-se que a relação entre teoria e prática também impactou as justifi cativas e os procedi- mentos para a produção de conhecimentos. Mo- raes (2001) cunhou um termo que tem sido im- portante na luta contra o “refl exo antiteórico”: o “recuo da teoria”. A autora empenha-se na denún- cia desse “recuo”, enxergando nele, em primeiro lugar, não apenas a manifestação de problemáticas O Alcance das Teorias Pedagógicas EDUCAÇÃO FÍSICA 29 educacionais, mas também que o “recuo da teoria” seria o indício de contradições sociais do mundo contemporâneo que teria levados os intelectuais a abrirem mão do potencial explicativo de suas pes- quisas, resultando na sua incapacidade de propor alternativas sociais, culturais, políticas e econômi- cas para a “prática” existente. Para Moraes (2001), essa postura é muito problemática, pois, além de subestimar a capacidade de um tempoler seus próprios problemas, sinaliza o desapego desses in- telectuais com questões éticas e políticas: Inaugurou-se a época cética e pragmática, dos textos e das interpretações que não podem mais expressar ou, até mesmo, se aproximar da realidade, mas se constituem em simples relatos ou narrativas que, presas das injun- ções de uma cultura, acabam por arrimar-se no contingente e na prática imediata [...] O ceticismo, todavia, não é apenas epistemoló- gico, mas também ético e político. E importa para nós tanto em sua versão conservadora, enquanto peça retórica, consciente ou não, de veneração ao mercado, como igualmente em sua versão “crítica” e “radical”. Na verdade, esses momentos, conservador e crítico, com freqüência se superpõem de tal modo que, muitas vezes, fica difícil identificá-los em sua confluência (MORAES, 2001, p. 13). Na leitura da citação, podemos ver que a autora constata que as críticas feitas ao potencial explica- tivo das teorias não se apresenta apenas com uma coloração política por ela chamada de conserva- dora. Em torno do “ceticismo” por ela denuncia- do, haveria um conjunto de posturas políticas que se assumem como “progressistas”, como “críticas”, justamente por se colocarem contra a “racionalida- de moderna e iluminista” (MORAES, 2001, p. 12). Essa análise é importante, justamente para que você perceba como os problemas que envolvem a “rela- ção teoria e prática” não se reduzem apenas a uma questão de procedimentos na hora produzir e apli- car conhecimentos: ela explicita que problemáticas concernentes ao conhecimento, a crença que temos de suas possibilidades e as dúvidas delas são ques- tões políticas. Se você se lembrar das análises que fizemos sobre a construção da ciência desde o sécu- lo XVI, verificará que o empenho de figuras, como Descartes e Bacon (dois dos muitos que poderiam ser citados), era justamente tirar o conhecimento do campo nebuloso e não sujeito a concordâncias fá- ceis, tal qual o mundo da política. Desse ponto de vista, tanto o “reflexo antiteórico” quanto as críticas ao “recuo da teoria” evidenciam que a relação en- tre conhecimento, sabedoria e política, percebida e estudada desde o nascimento da política, filosofia e pedagogia, ainda é algo muito presente. 30 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL O desafio que isso coloca tanto àqueles simpáti- cos ao “reflexo antiteórico” quanto àqueles que buscam fazer frente ao “recuo da teoria”, é produ- zir conhecimentos e/ou teorias que contornam a ingênua crença da possibilidade de uma ciência neutra, sem abrir mão da necessidade de “abordar a realidade” de um modo a ambicionar a supera- ção de problemas. No conjunto desses posicionamentos que pro- curam avaliar o que podemos e o que devemos co- nhecer, a escola e a discussão sobre seus papéis no mundo atual tornaram-se assuntos bastante discu- tidos. Afinal, se há incertezas sobre as possibilida- des intelectuais, políticas e éticas do conhecimento científico e de nossa capacidade de teorizar a prática (social, cultural, política e educacional), qual seria o papel na escola na difusão e no cultivo desse conhe- cimento? Essas perguntas levam Moraes (2001, p. 8) a fazer a seguinte constatação: A escola tradicional, a educação formal, as an- tigas referências educacionais tornam-se obso- letas. É preciso, agora, elaborar uma nova peda- gogia, um projeto educativo de outra natureza. A autora faz essa observação criticando a postura de enxergar a obsolência da escola a partir da defesa do “recuo da teoria”, algo que ela avalia como uma das posturas teóricas e pedagógicas que “infestam a inte- lectualidade de nossos dias” (MORAES, 2001, p. 12). Ferreira e Duarte (2012) apresentam críticas semelhantes. Para os autores, a constante interpe- lação para que a escola “se modernize”, incorpo- rando as tecnologias digitais em suas rotinas, gera posicionamentos que criticam o saber escolar, le- vam à apologia do “aprender a aprender” e colo- cam o ensino e a aprendizagem como fenômenos antípodas e concorrentes. Essas ideias sustentam que “os conhecimentos adquiridos espontane- amente pelo aluno são mais importantes do que EDUCAÇÃO FÍSICA 31 aqueles que lhe são transmitidos” (FERREIRA; DUARTE, 2012, p. 1032). Ainda de com acordo com as análises de Fer- reira e Duarte (2012), é comum a crítica à esco- la, tomada como incapaz de fazer frente às novas demandas culturais e sociais trazidas pela tecnolo- gia. Nessa consideração, a escola e sua ambição de transmitir conhecimento deveriam ser criticadas como limitadas e sinalizadoras da “escola tradicio- nal”. Para eles, é “bastante simplista a identificação direta e mecânica entre a escola tradicional e os males da educação brasileira” (FERREIRA; DU- ARTE, 2012, p. 1031); os autores evidenciam que, nesses posicionamentos que reverberam o “reflexo antiteórico” e o “recuo da teoria”, sem esquecer os problemas, há positividades das quais não discor- dam, conforme lemos a seguir: É legítima a crítica feita pelas pedagogias do aprender a aprender à memorização mecânica de conteúdos estáticos, que acaba por obscu- recer o necessário desvelamento da realidade e valorizar um “conhecimento ornamental” e um verbalismo que pouco contribuem para a emancipação do aluno (FERREIRA; DUARTE, 2012, p. 1033). Por outro lado, a crítica à “memorização mecânica” e aos “conhecimentos estáticos” que, no final das contas, são críticas sobre a validade e a importân- cia dos conhecimentos no seu sentido mais amplo, não devem levar a uma “regressão”, caracterizada nas “teorias pedagógicas” que acabam “desvalo- rizando a transmissão de conhecimento, ou até mesmo negando sua possibilidade” (FERREIRA; DUARTE, 2012, p. 1033). Se para Moraes (2001) as críticas à “racionalidade iluminista” não devem significar a desvalorização da ciência, para Fer- reira e Duarte (2012) o mesmo ocorre com os co- nhecimentos a serem transmitidos na escola. Para os autores, abordar esse problema está na depen- dência de um “conhecimento mais desenvolvido”, cuja definição nos faz pensar em possibilidades de abreviar distanciamentos entre teoria e prática não apenas no momento em que os alunos aprendem seus assuntos nas escolas, mas também quando formamos professores e produzimos conhecimen- tos no ensino superior: [...] a superação da transmissão de conheci- mentos estáticos se alcança pela transmissão de conhecimentos nas suas formas mais de- senvolvidas, que não envolvem apenas fatos ou informações, mas também processos, conceitos e suas interrelações. A noção de conhecimento em suas formas mais desenvolvidas (mais ricas, mais elaboradas) decorre da concepção dialé- tica da produção do conhecimento, segundo a qual novos conhecimentos se afirmam não por pura e simples negação do conhecimento an- teriormente vigente, mas em um processo de superação por incorporação. Assim, essa no- ção exige que se busque identificar a riqueza de atividades humanas presentes em determinado conteúdo cultural, incluindo-se aí as diversida- des de concepções que podem ser consideradas legítimas na apreciação de certo objeto (FER- REIRA; DUARTE, 2012, p. 1033). Desse ponto de vista, ensino, aprendizagem, produ- ção e difusão de conhecimentos estariam colocados em uma condição de dar ao conhecimento um al- cance maior por, conscientemente, sinalizar a “ri- queza das atividades humanas”. 32 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL Se esses debates relativos ao alcance da teoria, tanto na pesquisa educacional quanto nas avaliações sobre os papéis da escola no mundo atual, são relevantes, é inegável que o balanço entre possibilidades e limi- tes das teorias pedagógicas impactou diretamente os modos como se concebe e realiza a formação de professores no Brasil.Deixando de lado as questões diretamente episte- mológicas e políticas, como as abordadas por Moraes (2001), neste item, vamos verifi car alguns desdobra- mentos das diferentes visões de conhecimento, escola e conhecimento escolar, como os discutidos por Fer- reira e Duarte (2012), sobre as discussões que busca- ram abordar a formação dos professores. À incerteza sobre o valor das teorias, do conhecimento e da esco- la somaram-se dúvidas relativas à capacidade das ins- tâncias formativas de professores em bem formá-los. Foram feitas breves considerações, no livro His- tória da educação física, sobre a necessidade histó- rica de “formar professores”. Essa necessidade foi pensada no interior da expansão da escola como instância formativa principal das sociedades nos sé- culos XIX e XX. Paralelamente à criação das ciências da educação, foram pensadas estruturas que divul- gassem essas ciências aos futuros professores, que, então, aplicariam esse conhecimento no momento de planejar, preparar e executar suas aulas no con- texto escolar. Assim, foram construindo-se ideias, práticas e instituições que possibilitassem a forma- ção profi ssional dos professores em nível superior. Os Limites das Teorias Pedagógicas EDUCAÇÃO FÍSICA 33 Gatti (2014), quando avalia o resultado desse pro- cesso para a educação brasileira, faz uma avaliação que é importante para nossas considerações sobre os limites das teorias pedagógicas: Com a grande expansão das redes de ensino em curto espaço de tempo e a ampliação conse- quente da necessidade de docentes, a formação destes não logrou, pelos estudos e avaliações disponíveis, prover o ensino com profissionais com qualificação adequada. Pesam nessa con- dição não só a urgência formativa, mas tam- bém nossa tradição bacharelesca, que leva a não considerar com o devido valor os aspectos didático-pedagógicos necessários ao desempe- nho do trabalho docente com crianças e jovens (GATTI, 2014, p. 35). A expressão “tradição bacharelesca” pode ser toma- da como mais um índice do caminho analítico de Gatti (2014), que se soma àqueles que enxergam, no atual modelo formativo de professores, “uma tradi- ção e uma visão [...] que se petrificou no início do século XX, com inspiração na concepção de ciências do século XIX, e que mostra dificuldades de inovar- -se” (GATTI, 2014, p. 39). Tradição essa pautada na ideia de que, para ser professor, basta aplicar co- nhecimentos produzidos. Nesse ínterim, tratam-se de observações que buscam ponderar a formação de professores vendo limites em um percurso for- mativo em que os futuros professores são instruídos nos conhecimentos “bacharelescos” de suas discipli- nas, em um processo “impermeável à construção de concepções específicas para a formação de professo- res tendo a educação e seus aspectos fundamentais como eixo curricular básico” (GATTI, 2014, p. 39). A discussão sobre os melhores encaminha- mentos para a formação de professores, ao ter a tensão entre teoria e prática estudada nesta unidade, redundou na elaboração de programas federais para colaborar no en- sino de futuros professores nos cursos de licenciatura. Um exemplo importante dessa tentativa é o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Embora ain- da circunscrito às instituições públicas e de ensino presencial, conhecer as diretrizes do programa é aprofundar-se nas problemáticas abordadas nesta unidade. Para mais informações, acesse: <http://www.capes. gov.br/educacao-basica/capespibid/pibid>. Fonte: o autor. SAIBA MAIS 34 TEORIAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL O principal teor dessas críticas e que nos interes- sa particularmente antes de estudarmos as teorias pedagógicas da educação física no Brasil é a defe- sa de que, para ser um bom professor, não basta possuir conhecimentos. E nesse ponto, deve ser sublinhado que esses conhecimentos não são ape- nas os “bacharelescos”, mas também os conheci- mentos provindos de diferentes áreas pedagógicas, como psicologia da educação, didática, políticas educacionais, filosofia da educação etc. As críticas feitas por Gatti (2014) às licenciaturas remetem à crescente presença de uma literatura que buscou abordar a problemática da formação de professores em outros países. Tardif (2000), pesquisador cana- dense cujas ideias foram e são muito influentes no campo da pesquisa educacional brasileira, sumari- za o cerne da questão sobre a relação entre teorias pedagógicas e formação de professores com dois questionamentos, que transcrevo a seguir: Quais são os saberes profissionais dos professo- res, isto é, quais são os saberes (conhecimentos, competências, habilidades etc.) que eles utili- zam efetivamente em seu trabalho diário para desempenhar suas tarefas e atingir seus objeti- vos? (TARDIF, 2000, p. 5). Segue-se outra questão fundamental para que você reflita sobre as dificuldades educacionais atinentes ao que deve ser exigido dos futuros professores no momento de sua formação: Em que e como esses saberes profissionais se distinguem dos conhecimentos universitários elaborados pelos pesquisadores da área de ci- ências da educação, bem como dos conheci- mentos incorporados nos cursos de formação universitária dos futuros professores? (TAR- DIF, 2000, p .5). Correndo o risco de ser excessivo na preocupação com o completo entendimento da importância des- sas questões, chamo sua atenção para o seguinte fato: esses dois questionamentos estão resumidos à quase totalidade disso que Sacristán (1999) chamou de “reflexo antiteórico” e à expressão “recuo da teo- ria”, utilizada por Moraes (2001). Repare, também, que na citação anterior, a expressão “saberes pro- fissionais” opõe-se à “conhecimentos universitários elaborados por professores da área de ciências da educação”, transmitidos nos “cursos de formação universitária”. O que está em jogo é a relação entre sabedoria (e seu caráter pessoal, dificilmente comu- nicável) e ciência (seu caráter formalizado, pautado na linguagem universal do método científico). A questão vai se tornando mais complicada, pois, se há defesa de “saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”, deve-se en- contrar uma forma de viabilizar processos formati- vos que possibilitem a transmissão dos mesmos aos futuros professores. Por essa razão, Tardif (2000) esmera-se na formulação de uma “epistemologia da prática”, que seria a reflexão, o estudo e a definição dos modos de se transmitir esses saberes. Ao adotar “epistemologia” como parte relevante de sua reflexão, o pesquisador canadense coloca que seu objetivo é [...] revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, pro- duzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho. Ela também visa a compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no pro- cesso de trabalho docente quanto em relação à identidade profissional dos professores (TAR- DIF, 2000, p. 11). EDUCAÇÃO FÍSICA 35 Para Tardif (2000), a “epistemologia da prática” bus- ca contornar um dos principais problemas das teo- rias pedagógicas, a saber, seu caráter normativo, em que “os pesquisadores se interessam muito mais pelo que os professores deveriam ser, fazer e saber do que pelo que eles são, fazem e sabem realmente” (TAR- DIF, 2000, p. 13). Para ele, esse caráter normativo é uma das grandes razões e/ou manifestações da falên- cia do professor de formação de professores no mun- do contemporâneo. Oferecendo um apoio analítico aproveitado por Gatti (2014, p. 13), ele esclarece que esses “conhecimentos universitários”tomam os pro- fessores nas escolas como “idiotas cognitivos”, deven- do ser entendido, por isso, a criticável incapacidade desses conhecimentos em reconhecer uma “atividade epistemológica” desses professores. Eles, ao realiza- rem sua prática, produziriam seus saberes. Sem reco- nhecer essa “epistemologia da prática” entre os atuais processos formativos de professores e as demandas colocadas pela dinâmica escolar, erguer-se-ia um muro contra o qual se vêm jogar e morrer conhecimentos universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do traba- lho docente diário nem com os contextos con- cretos de exercício da função docente (TAR- DIF, 2000, p. 12). Para fi nalizar, retomo uma advertência que tenho feito no decorrer desta unidade: a tensão entre li- mites e possibilidades das teorias pedagógicas, das ciências da educação, dos “conhecimentos universi- tários” estão longe de uma atenuação. Aliás, não se sabe se há uma atenuação possível. Trabalho com a possibilidade de construir um convívio salutar com ela: é ela que me leva a produzir conhecimentos, divulgá-los, reconhecer seus problemas e limites, avaliá-los na sua efetividade, para que essa ação me ajude a produzí-los com mais propriedade. A par- tir das considerações de Moraes (2001), Ferreira e Duarte (2012), Tardif (2000) e Gatti (2014), pen- so que podemos abordar as teorias pedagógicas da educação física no Brasil sem arrogância de nelas depositar esperanças demasiadas; mas sem o medo de buscar nessas ideias possibilidades de entender e mudar contextos pedagógicos da educação física que devem ser melhorados. Certo, um educador pode bem ser um fi lósofo e deve ter a sua fi losofi a de educação; mas, trabalhando cientifi camente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determi- nação dos fi ns de educação, quanto também dos meios de realizá-los. (Azevedo) REFLITA 36 considerações finais N esta unidade, embora não tenhamos abordado diretamente a educa- ção física, ao falarmos sobre “teorias pedagógicas”, estudamos ques- tões relevantes às teorias pedagógicas da educação física no Brasil. Você verá isso mais claramente no desenvolvimento das próximas unidades. De imediato, espero que você não se esqueça: “Reflexo antiteórico”, “recuo da teoria”, “epistemologia da prática” - assumindo os limites e a condição de cada uma dessas ideias em tornar mais proveitosos os estudos que faremos daqui para frente sobre as teorias pedagógicas da educação física no Brasil, que você tenha percebido que formar professores não é algo simples. Ter condições de analisar e agir de forma competente, ética de modo que considere tradições pedagógicas sem a elas ficar limitado, ambicionando a construção de outras re- alidades, são desafios que não se resolvem apenas “aplicando conhecimentos”, muito menos apenas imitando aquilo que os outros já fazem. Não há dúvidas de que buscar teorias e imitar boas práticas são coisas importantes em qualquer pro- fissão. No campo educacional, contudo, trata-se de atos que ganham mais sentido se feitos em relação um com o outro. Alguns dos autores nesta unidade estudados manifestam sua preferência ou pela teoria ou pela prática. Você tem o direito de manifestar as suas também, caso já não o tenha feito na sucessão de disciplinas que vem estudando. Nesta unidade, tentei deixar claro que, menos que uma preferência ou opção, lidamos com uma tensão. É contando com esse tensionamento entre teoria e prá- tica que partimos para a construção de caminho analítico que nos leve ao estudo das teorias pedagógicas da educação física no Brasil. Daremos mais um passo na próxima unidade, focalizando o modo como às práticas corporais agregaram-se discursos formativos que demandaram pessoas qualificadas para realizá-los. 37 atividades de estudo 1. O que leva Sacristán (1999) a afirmar que a relação entre teoria e prática se transformou em “slogan” no campo educacional? 2. Relacione a tensão entre “práticos” e “teóricos” com o tema deste livro: teoria pedagógicas da educação física no Brasil. 3. O que caracteriza o caráter difuso da educação, a partir do que pondera Petitat (2011)? 4. A partir da ótica de Tardif (2000), quais críticas poderíamos fazer às teorias pedagógicas? 5. De que maneira o “recuo da teoria” (MORAES, 2001) tem impactado as ques- tões educacionais? 38 LEITURA COMPLEMENTAR Como sugestão de leitura, seguem excertos de um artigo que toca, diretamente, nas problemáticas abordadas nesta unidade. A leitura complementar ajudará você a per- ceber que as tensões entre teoria e prática existem não apenas entre pessoas, mas também entre diferentes instituições que se relacionam à educação. No lado da formação dos professores, persistem os problemas há muito registra- dos e sentidos pela comunidade educacional, como pano de fundo. Nos cursos de licenciatura, a marcante separação entre as disciplinas de conteúdos específi cos e as voltadas para a preparação chamada pedagógica. Também a distância entre a for- mação de cunho teórico e a de cunho prático, concentrada em estágios e práticas de ensino de duração muito reduzida e, de modo geral, situados em fase posterior e com status inferior ao da formação teórica. O curso de pedagogia sofre também com problemas semelhantes a esses, acrescidos hoje com o de uma certa crise de identi- dade, ocasionada pela indefi nição da atual legislação a seu respeito e pela criação de novas instituições para a formação de professores, como o curso normal superior e os institutos superiores de educação. Continua-se a constatar uma clara associação entre a preparação para o trabalho em pesquisa e a formação do futuro pesquisador por meio dos cursos de bacharelado, nas diferentes áreas do conhecimento, em de- trimento dos cursos de licenciatura. A preparação do investigador e o exercício da pesquisa continuam privilégios da uni- versidade. A pesquisa continua a ser a moeda mais valiosa na contabilidade da car- reira do professor universitário. Como aproximar a pesquisa em educação das duas realidades que lhe dizem respeito: a da universidade, onde ela é habitualmente feita, e a da escola de educação básica, onde ela é requisitada para atender os problemas mais vitais? Eis aí o desafi o hoje enfrentado por inúmeros colegas, pesquisadores que, 39 LEITURA COMPLEMENTAR como nós, procuram descobrir os caminhos para superar os obstáculos e construir as pontes entre essas duas realidades. A pesquisa efetuada na universidade benefi cia-se dos recursos e da preparação dos pesquisadores, que exercem essa atividade como própria de seu status e de suas atribuições. Entretanto, temos que reconhecer a falta de produtividade, ou mesmo de alcance da pesquisa universitária junto à escola básica e a evidência de que os professores dessa escola estão mais habilitados para perceber melhor os problemas cruciais que afl igem esse nível de ensino. Ao mesmo tempo, es- ses professores, que foram formados pela universidade, deveriam ter recebido ali sua devida iniciação à pesquisa, para poderem se desenvolver plenamente como profi ssio- nais autônomos, na melhor acepção do termo “profi ssional”, por mais discutível que reconheçamos que ele seja. Uma possível pista de aproximação começa a ser vislumbrada na terceira etapa de nossa pesquisa: a opção por trabalhos “híbridos”, isto é, elaborados em conjunto por docentes da escola básica e seus professores nos cursos de mestrado. Quem sabe não descobriremos aí os alicerces de uma ponte, cuja construção deveria ter sido lançada há muito tempo, ou talvez até já tenha sido, sem que tenhamos, entretanto, tido o cuidado de explorar devidamente toda a riqueza dessa possibilidade em favor de um desenvolvimento mútuo. De um lado, crescem a escola
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