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Câncer de colo uterino

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Ginecologia
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O colo uterino é órgão de destaque em ginecologia e obstetrícia: para o ginecologista oncológico, representa frequentemente um foco de desenvolvimento de malignidade, e para o obstetra, tem papel importante no processo de parturição. O câncer de colo uterino (CCU) é o único câncer genital feminino que pode ser realmente prevenido por uma técnica de rastreamento efetiva e de baixo custo que permite detecção e tratamento na fase pré-maligna, ainda na forma de neoplasia intraepitelial cervical (NIC).CÂNCER DE COLO UTERINO
O CCU é o segundo câncer mais comum em mulheres no mundo, com 500 mil novos casos por ano. Essa neoplasia é mais comumente diagnosticada em torno da quinta década de vida, ou seja, vários anos mais precocemente que a média de idade para cânceres de mama, pulmão e ovário.
Avanços importantes ocorreram no diagnóstico e no tratamento desse câncer nos últimos anos. Cirurgia ou radioquimioterapia (RQ) podem curar 80 a 95% das mulheres em estádio inicial (I e II) e 60% das mulheres com doença em estádio III.
Fatores de risco
A infecção pelo papilomavírus humano (HPV), especialmente o de alto risco (16, 18, 31, 33, 35), é a principal causa do CCU. Desse modo, os fatores de risco para a doença são aqueles relacionados à infecção pelo vírus, considerada uma doença sexualmente transmissível (DST): baixo nível socioeconômico e comportamentos relacionados a início precoce da atividade sexual e grande número de parceiros sexuais, incluindo gravidez precoce, multiparidade, prostituição, além do número total de parceiros da paciente e de parceiras do cônjuge.
Fatores relacionados à imunidade também se destacam devido ao HPV como fator causal da doença. Infecção pelo HIV associa-se ao CCU devido à imunodepressão. O tabagismo também se relaciona por diminuição da resposta imunológica local na mucosa do colo uterino; entretanto, essa associação acontece somente com as lesões do tipo carcinoma epidermoide.
As proteínas virais E6 e E7, produzidas pelos HPVs de alto risco, são o ponto crítico para a transformação maligna do epitélio, por sua habilidade em ligar-se e inativar as proteínas p53 e pRb do hospedeiro, respectivamente (genes supressores tumorais). 
Esses achados têm implicações óbvias na prevenção primária (vacinação) e na prevenção secundária (rastreamento) dessa doença.
Patologia
A evolução da infecção pelo HPV para o CCU envolve quatro passos:
Infecção do epitélio metaplásico da zona de transformação cervical;
Persistência da infecção viral;
Progressão do epitélio persistentemente infectado a pré-câncer cervical;
Invasão através da membrana basal do epitélio.
Origina-se normalmente na junção escamocolunar (JEC) do colo uterino. Se a lesão pré-invasora não for tratada, evolui para carcinoma invasor em 10 a 30% dos casos. 
Quando visíveis, as lesões podem ser endofíticas ou exofíticas. Disseminam-se por extensão direta ao tecido paracervical, à vagina e ao endométrio; com a progressão, envolvem as paredes pélvicas lateralmente, a bexiga anteriormente e o reto. Metástases ocorrem, principalmente, por via linfática, mas também há disseminação hematogênica.
O CCU tem histologia epidermoide em 70 a 90% dos casos, enquanto os adenocarcinomas, originados das células colunares endocervicais, ocorrem em cerca de 25% dos casos. À medida que se tornam menos diferenciados, podem perder sua aparência glandular e tornar-se mais sólidos. O adenocarcinoma também tem sido associado à maior recorrência, ao maior número de linfonodos comprometidos e à diminuição da sobrevida, ou seja, ao pior prognóstico. Outro tipo histológico é o carcinoma adenoescamoso, que exibe diferenciação tanto glandular quanto escamosa, e alguns autores relacionam-no a um pior prognóstico, enquanto outros descrevem um comportamento semelhante. Outros tipos tumorais mais raros também podem ocorrer, como carcinoma de células claras, carcinoma neuroendócrino, sarcomas, linfomas, melanomas e tumores metastáticos.
O grau de diferenciação tumoral (bem, moderadamente ou pouco diferenciado), a profundidade e a extensão da invasão e a presença ou não de invasão dos espaços linfovasculares têm impacto tanto prognóstico quanto na definição terapêutica, devendo ser adequadamente definidos.
Achados clínicos
O CCU apresenta-se na sua fase inicial de forma assintomática ou pouco sintomática, fazendo muitas pacientes não procurarem ajuda no início da doença. O CCU cresce localmente, atingindo vagina, tecidos paracervicais e paramétrios, podendo comprometer bexiga, ureteres e reto. A disseminação à distância ocorre principalmente por via linfática, envolvendo inicialmente os linfonodos pélvicos e, após, os para-aórticos. 
A apresentação clínica depende principalmente da localização e da extensão da doença. A paciente pode referir secreção vaginal amarelada, fétida e até sanguinolenta, ciclos menstruais irregulares, spotting intermenstrual, sangramento pós-coital e dor no baixo ventre.
Nos estádios mais avançados, a paciente pode referir dor no baixo ventre mais importante; anemia, em virtude do sangramento; dor lombar, em função do comprometimento ureteral; hematúria e alterações miccionais, causadas pela invasão da bexiga; e alterações do hábito intestinal, em função da invasão do reto. As pacientes também podem sentir dores na coluna lombar e na bacia pélvica, devido ao comprometimento, às vezes, da parede pélvica.
Diagnóstico O diagnóstico baseia-se na tríade citologia, colposcopia e histologia.
A citologia tem papel mais relevante no rastreamento das lesões iniciais, ainda não identificáveis a olho nu. Apesar do resultado poder ser negativo, os casos positivos devem ser valorizados.
A colposcopia é um método auxiliar no diagnóstico, especialmente na identificação de lesões ainda microscópicas, por meio da visualização de imagens sugestivas de invasão tumoral (vasos atípicos, necrose, erosões, aspecto vegetante e circunvoluções na lesão).
O padrão-ouro de diagnóstico é dado pela histologia, que pode ser obtida por biópsia direta da lesão, geralmente realizada sob visão colposcópica, curetagem de canal endocervical. 
Em casos nos quais não foi possível descartar ou confirmar a presença de invasão por meio da associação de colposcopia e biópsia dirigida e há suspeição, estará indicada a conização para esclarecimento diagnóstico, podendo, em alguns casos, já ter caráter terapêutico. Em casos avançados, em que a lesão é visível a olho nu e claramente tem caráter invasor, não está indicada a conização, bastando biópsia da lesão para o diagnóstico.
O toque vaginal auxilia na avaliação inicial ao demonstrar um colo uterino irregular, endurecido, tumoral e vegetante. Ao toque retal, pode-se avaliar o estadiamento clínico, diagnosticando-se a presença ou não de invasão parametrial, além de avaliar um possível comprometimento da mucosa retal, menos frequente.
Estadiamento
O estadiamento mais utilizado atualmente é o da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). Esse sistema preconiza um estadiamento clínico e baseia-se nos resultados de exame físico, incluindo toque retovaginal, colposcopia, biópsia, exames radiográficos (radiografia de tórax e urografia excretora), uretrocistoscopia e retossigmoidoscopia. 
A realização de exame de imagem do abdome pode ser dispensada em lesões com estádio clínico menor que IB1. Atualmente, está indicada a realização de uretroscopia e retossigmoidoscopia somente se há suspeita de invasão desses órgãos, devendo-se, nesses casos, confirmar a invasão com biópsia. 
Exames de imagem
TC ou RM são frequentemente utilizadas para definir presença ou ausência de metástases linfonodais e avaliar a extensão da doença. Devido ao fato de esses exames avaliarem apenas os aspectos morfológicos e a dimensão dos linfonodos, é difícil identificar envolvimento tumoral desses nódulos quando seu tamanho é normal. Em geral, linfonodos de até 1 cm, no seu menor diâmetro, são considerados normais.
A tomografia por emissão de pósitrons está se destacando no estadiamento do câncercervical, principalmente no quesito da avaliação linfonodal pré-tratamento, mas também na detecção de metástases à distância. 
Valor do estadiamento cirúrgico
Apesar de não estarem incluídas no estadiamento da FIGO, as linfadenectomias pélvica e para-aórtica são necessárias em algumas situações. O estudo linfonodal sempre fará parte do tratamento cirúrgico quando indicado, porém, em algumas situações de dúvida no estadiamento radiológico, poderá ser necessário para definição de tratamento. Isso ocorre porque, especialmente no caso de metástases para linfonodos para-aórticos, sua presença tem importante impacto na sobrevida.
Tratamento
O tratamento do CCU com objetivo curativo pode envolver tanto cirurgia quanto radioterapia, sendo que esta última pode ser associada à quimioterapia radiossensibilizante. A definição do tratamento depende do estádio clínico, sendo que mais de uma modalidade pode ser aceita para o mesmo estádio. Contudo, o máximo de esforço deve ser feito com o objetivo de evitar a necessidade de sobrepor tratamentos, como a necessidade de radioterapia adjuvante após tratamento cirúrgico, já que ambos apresentam efeitos adversos que, se sobrepostos, irão trazer muito prejuízo à qualidade de vida da paciente.
A cirurgia pode variar desde uma conização a frio, que tem caráter diagnóstico e curativo em situações de doença microinvasora em pacientes com desejo de preservação da fertilidade, à histerectomia radical. A clássica cirurgia de Wertheim-Meigs (histerectomia total ampliada ou Piver III) envolve a retirada do útero, do terço superior da vagina, dos ligamentos uterossacros e vesicouterinos e de todo o paramétrio, bilateralmente, até a parede pélvica. 
Não há necessidade de ooforectomia, a qual é realizada somente nas pacientes pós-menopáusicas; nas pré-menopáusicas.
A radioterapia apresenta sobrevida semelhante à cirurgia radical na doença em estádios iniciais, situando-se em torno de 85 a 90%. Entretanto, como a cirurgia preserva a função sexual e hormonal da paciente, é preferida nas pacientes mais jovens e com melhor condição clínica. A radioterapia, além de esterilizar os ovários, afeta a função sexual devido a sequelas vaginais como encurtamento e fibrose. 
Tratamento adjuvante
Apesar de ser evitada ao máximo, nos casos em que é necessária a radioterapia adjuvante, ela é indicada principalmente devido a linfonodos positivos, margens exíguas ou comprometidas e invasão parametrial, sendo estes considerados critérios maiores (critérios de Peters). Essas pacientes devem receber RQ pós-operatória.
O principal fator prognóstico nessas pacientes é o envolvimento linfonodal.
Seguimento
O objetivo do seguimento das pacientes é detectar o mais precocemente possível a recorrência, em um estágio em que ainda se possa oferecer tratamento de resgate, e monitorar a toxicidade relacionada ao tratamento. A maioria das recorrências ocorre nos primeiros 2 anos após o tratamento primário.
O exame físico deverá incluir avaliação dos linfonodos supraclaviculares, palpação abdominal, exame especular do fundo de saco vaginal e paredes vaginais, coleta de citopatológico e toque retovaginal.
 As pacientes devem ser avaliadas a cada 3 meses no primeiro ano, a cada 4 meses no segundo ano, a cada 6 meses até o quinto ano e, após, anualmente. Sempre que a paciente apresentar dor, sangramento vaginal e alterações do trato urogenital e gastrintestinal, esses sintomas deverão ser investigados. 
*A recorrência do CCU é quase sempre incurável, e menos de 50% das pacientes estarão vivas em 5 anos. Pacientes que apresentarem recorrência pélvica após histerectomia radical podem ser tratadas com RQ se não tiverem recebido radioterapia anteriormente. Recorrências pélvicas centrais após radioterapia ou RQ podem ser tratadas com cirurgia curativa de exenteração pélvica na ausência de metástases à distância ou doença fixa em paredes pélvicas. Na recorrência pélvica em pacientes que não tenham recebido tratamento radioterápico prévio, pode ser oferecido tratamento de resgate com RQ.

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