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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA Departamento de Políticas e Ciências Sociais Curso de Serviço Social Tainá Santos GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: SUAS PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES NA VIDA DE ADOLESCENTES DA CIDADE DE NOVORIZONTE/MG Montes Claros – MG Novembro/2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA Departamento de Políticas e Ciências Sociais Curso de Serviço Social Tainá Santos GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: SUAS PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES NA VIDA DE ADOLESCENTES DA CIDADE DE NOVORIZONTE/MG Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros, como exigência para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª: Mestre Geusiani Pereira da Silva e Nascimento Montes Claros – MG Novembro/2018 UNIMONTES CURSO DE SERVIÇO SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso – monografia – intitulada Gravidez na Adolescência: suas particularidades e implicações na vida de adolescentes da cidade de Novorizonte/MG, de autoria da bacharelanda em Serviço Social Tainá Santos, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: ______________________________________________________________ Orientadora: Profª. Mestre Geusiani Pereira da Silva e Nascimento ______________________________________________________________ Professora Mestre Viviane Bernadeth Gandra Brandão Membro avaliador ______________________________________________________________ Professora Mestre Ilenice de Freitas Membro avaliador Montes Claros – MG Novembro/2018 AGRADECIMENTOS Esta fase da minha vida é muito especial e não posso deixar de agradecer a Deus por toda força, ânimo e coragem que me ofereceu para ter alcançado minha meta. Eu tinha muitos planos e sonhos, e aos poucos você os tornou realidade. Eu sabia que era preciso caminhar por um longo percurso e só com tua proteção chegaria ao fim desta caminhada vitoriosa. Em memória do meu pai Lionaldo, e minha mãe Marislane, estavam sempre presente nos pequenos detalhes do cotidiano. Vocês foram mais que pais, amigos e conselheiros. Confiaram na minha capacidade e me deram o maior apoio, fizeram um esforço enorme para que eu chegasse até aqui. Minha mãe, principalmente, sempre cuidando da minha filha com muito amor juntamente com meu irmão Paulo Rinck. Hoje, trago um sorriso do trabalho, da luta, do carinho, da satisfação por ter conseguido. Amo vocês! Anne Caroline minha filha, que é para mim um presente de Deus, que desde o meu ventre sempre foi minha fonte de energia, garra e incentivadora das batalhas e lutas. Você filha fez muita falta neste longo período, mas, ao mesmo tempo, quando pensava em você meu amor, o coração enchia de alegria. Cada vez que escutava sua voz doce, me chamado de mãe, minhas energias revitalizavam. Cada conversa ao telefone e a cada chegada em casa era recebida com um caloroso abraço e com muita alegria cantando “mamãe chegou”. Filha Mamãe te ama e está voltando para casa. Minha amiga Chirleide que nas horas mais difíceis estava ao meu lado, de coração, nesta longa caminhada. A minha querida e amada Vó Nairque me acalmava com um abraço carinhoso quando chorava por medo de partir. A minha querida Tia Jasmina que cuidou de mim e da minha filha, meu maior tesouro, com muita paciência, com amor e muito carinho. Meus padrinhos (as) Vilson e Gilmarta, Cristiane, Rose, Wesley e Jamileamo vocês. Obrigada a todos pelas palavras de conforto, orientações e incentivos para erguer a minha cabeça e seguir em enfrente para conseguir vencer os obstáculos nos dias de luta, pois os dias de gloria chegaram. Obrigada por tudo de coração, gratidão. Edison, obrigada por tudo, pela sua paciência, amor, carinho, apoio, pelas noites em que em prantos busquei um abraço de conforto e você estava presente. Agradeço pela compreensão da minha luta pelos meus sonhos. E não poderia esquecer das lindas pessoas que foram, e são, especiais na minha vida, e que conheci durante esta jornada: Talita, Izabel, Alessandra, Philipe, Daniel, Matheus Schneider, Fátima, Anne Luise, Wallace, Waldiney, Adriano, Cireno,MH, são amigos e amigas que sempre estiveram do meu lado me apoiando nos momentos alegres e tristes. À universidade quero deixar uma palavra de gratidão por ter me recebido de braços abertos e com todas as condições que me proporcionaram dias de aprendizagem. Aos meus professores que reconheço que se empenharam e esforçaram com muita paciência e sabedoria. Foram eles que me deram recursos e ferramentas para evoluir e aprender, cotidianamente. Obrigada a todos meus professores (as), mas, de forma especial, agradeço a Geusiani e Wesley que sempre estavam ao meu lado, amo vocês de coração. Danilo, Nilton Cesar, Adilson e Arley pessoas maravilhosas que me apoiaram de formas direta e indiretamente nesta longa jornada na minha vida. A todas as pessoas que de uma alguma forma me ajudaram e acreditaram em mim, quero deixar meu sincero e humilde agradecimento. GRATIDÃO a Todos!!! Tainá Santos LISTA DE SIGLAS ACS – AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE BPC – BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA CRAS – CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ECA – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ESF – ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PAIF – PROTEÇÃO E ATENÇÃO INTEGRAL À FAMÍLIA PAISM – PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER PBF – PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA PNAS – POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PROSAD – PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE SCFV – SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS SUAS – SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE UBS – UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE LISTA DE FIGURAS Quadro 1 – Descrição das pessoas entrevistadas.....................................................................46 RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo investigar as particularidades e implicações da gravidez na adolescência situando as distintas situações, contextos de risco e vulnerabilidades sociais vivenciadas pelas adolescentes do município de Novorizonte, norte de Minas Gerais. Trata-se de um estudo qualitativo com enfoque na expressão da questão social que incita estudos para sua compreensão e, também de maior atenção no que se refere às questões relacionadas a tal problemática, haja vista que a adolescência se apresenta como uma fase complexa e indissociável ao desenvolvimento humano. Para melhor embasamento, realizaram-se as discussões teóricas à luz de autores que discutem a respeito do tema em questão. Consequentemente buscou-se conhecer as realidades vivenciadas por essas adolescentes grávidas no município, trazendo ainda as contribuiçõesde pessoas por elas responsáveis e de profissionais atuantes nas unidades de atenção básica da saúde. Como procedimento metodológico, utilizou-se da pesquisa bibliográfica para melhor fundamentação dessa pesquisa que se ancora nas abordagens de quanti-qualitativas. A coleta de dados e informações se realizaram por meio de entrevistas semiestruturadas e, a perspectiva teórica que direcionou as análises se sustenta na teoria social crítica a partir dos estudos outrora realizados. Tais procedimentos possibilitaram concluir que a gravidez na adolescência e todo um contexto sócio familiar demanda por proteção pessoal e social, pois se configuram numa situação de fragilidades e necessita, portanto, de maior atenção do poder público e demais segmentos da sociedade para a promoção da cidadania dessas adolescentes. Palavras-chave: Gravidez na adolescência. (Des) proteção social. Fatores de risco / vulnerabilidade social. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10 CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES SOBRE ADOLESCÊNCIAS: CONCEITOS, ABORDAGENS E ALGUMAS POSSIBILIDADES DE ANÁLISE.................................13 1.1 – Entendimentos sobre a(s) adolescência(s) e algumas questões correlacionadas.............13 1.2 – Adolescências, fatores de risco e algumas possibilidades de análise a partir das questões de gênero...................................................................................................................................19 CAPÍTULO II – GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E CONTEXTOS DE (DES)PROTEÇÃO SOCIAL E FAMILIAR.......................................................................25 2.1 – Gravidez na adolescência e os contextos de risco e vulnerabilidade social.....................25 2.2 – (Des)proteção social e gravidez na adolescência: apontamentos e possibilidades..........31 2.3 – Considerações sobre o direito à saúde: elementos para se pensar na integralidade da proteção social de adolescentes grávidas..................................................................................39 CAPÍTULO III – MÃES ADOLESCENTES E CONTEXTOS DE (DES) PROTEÇÃO SOCIAL: ALGUMAS ANÁLISES A PARTIR DA REALIDADE DE NOVORIZONTE/MG............................................................................................................43 3.1 – Considerações teórico-metodológicas sobre o estudo realizado......................................43 3.2 – Análises de dados e informações sobre a gravidez na adolescência em Novorizonte/MG.......................................................................................................................47 3.2.1 – Mães adolescentes Novorizonte/MG: aproximações de sua realidade, alguns dilemas e suas condições de vida..............................................................................................................48 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................58 REFERÊNCIAS......................................................................................................................60 ANEXOS..................................................................................................................................64 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso teve como principal objetivo discutir a gravidez na adolescência apreendendo conhecimentos que versam sobre sua ocorrência, particularidades e as principais mudanças que provoca na vida (pessoal e social) das meninas e suas respectivas famílias. Sabe-se que a adolescência é uma fase do desenvolvimento humano. Várias dimensões históricas, biológicas, psicológicas e sociais procuram compreender melhor essa fase da vida repleta de transformações e possibilidades num denso e tenso processo de transição para a fase adulta. Trata-se de uma fase que, segundo especialistas, é permeada de transformações e expectativas que também são referências para outras fases da vida, tais como a juventude e a fase adulta. De acordo com Brasil (1990), são considerados/as adolescentes as pessoas entre 12 anos completos até os seus 18 anos incompletos. Tais sujeitos demandam prioridade absoluta para o acesso a direitos importantes que garantirão o seu desenvolvimento e proteção integral. Particularmente, sabe-se que a gravidez na adolescência não é fenômeno social novo e envolve um conjunto de fatores, tanto socioeconômicos como biopsicossociais. O aumento ou expressivas oscilações do número de adolescentes grávidas tem motivado a implementação de estratégias políticas para mudança desses indicativos adversos que comprometem o pretenso desenvolvimento dessas adolescentes. Esse fenômeno pode indicar a congruência de vários fatores como motivação pessoal, a falta de orientação quanto ao uso adequado dos métodos contraceptivos, o desconhecimento do próprio corpo, entre outros fatores. Nesta fase, a gravidez precoce 1 , enquanto expressão da Questão Social provoca diferentes mudanças nos modos de vida dos adolescentes, que vai desde a evasão escolar, a mudança de comportamentos, até a dificuldade ou precoce inserção no mercado de trabalho. Não obstante, de acordo com as referências estudadas, a gravidez na adolescência é mais incidente com meninas de famílias de baixa renda que, com filhos para criar, se inserem no mercado de trabalho de modo informal, precoce e precária, são exploradas como mão de obra barata e aceitam o trabalho para incrementar o orçamento familiar. 1 Segundo a Organização Mundial da Saúde, a gravidez é considerada precoce quando a menina ou a adolescente engravida entre os 10 e os 19 anos. 11 A família é aqui considerada como uma referência institucional importante para a formação, socialização e desenvolvimento das adolescentes. Segundo as legislações protetivas vigentes, a família é a base fundamental para que a proteção integral da criança e do adolescente seja legitimada. É nela que a criança cria e fortalece seus vínculos, desenvolve sua afetividade que deverá ser mais bem trabalhada na adolescência. Os pais ou responsáveis têm funções fundamentais de romper os tabus, de orientar e esclarecer as dúvidas de seus filhos, principalmente nesta fase de descobrimentos e sentimentos. Todavia, na maioria das vezes tem-se a dificuldade de se estabelecer diálogos com os progenitores provocando o afastamento dos filhos que tendem a buscar informações com amigos, professores ou, infelizmente, com pessoas mal intencionadas e outros meios de informação e comunicação, inclusive através de recursos tecnológicos. Nesse sentido, a ocorrência da gravidez na adolescência poderá refletir na permanência ou saída da escola e na inserção precarizada ou prematura no mercado de trabalho, demandando por estratégias de proteção social que asseguram o seu desenvolvimento integral tendo em vista que os arranjos familiares que as referenciam, entre outros assuntos, são analisados como possíveis fatores de risco que inferem no agravamento de inúmeras situações de vulnerabilidades sociais. E, frente a tais questões que se pretende analisar os indicativos de adolescentes grávidas em Novorizonte/MG, conhecendo sua incidência, percebendo as motivações e percepções dessas adolescentes. Para tanto, tem-se como hipóteses que: gravidez na adolescência provem da falta de diálogo e dos tabus que cercam a questão da sexualidade presentes na sociedade e nas famílias de Novorizonte-MG; a faltade informação sobre os contraceptivos favorece a ocorrência da gravidez precoce nas adolescentes de Novorizonte-MG; a gravidez na adolescência gera consequências psicossociais que alcançam toda a família e se reflete na sociedade e, a evasão escolar e a inserção precoce e/ou precária no mercado de trabalho podem ser vistas como consequências da gravidez na adolescência. Nesse sentido, realizou-se estudo bibliográfico e de campo realizado no Município de Novorizonte, localizado no norte de Minas Gerais, enquanto uma pequena cidade com média de 5.200 habitantes segundo os dados do IBGE. O presente trabalho está amparado na utilização dos métodos quanti-qualitativos, pois se trata de um estudo feito de modo específico/delimitado com adolescentes que engravidaram, seus responsáveis legais e profissionais do Centro de Saúde Valdivino de Oliveira do município de Novorizonte/MG. 12 Em termos organizacionais, esse trabalho de conclusão de curso estrutura-se em três capítulos. No primeiro capítulo será discutido o tema adolescência, abordando alguns conceitos, dimensões e legislações concernentes ao assunto. A partir dessas análises situa-se o debate sobre “as adolescências”, destacando suas características e as implicações dessa etapa. Dentre os principais autores e legislações utilizadas citam-se: Farrington (2002); Outeiral (2005); Ariés (1986); Butler (2010); Constituição Federal de 1988 e Brasil (1990). No segundo capítulo discorre-se sobre a gravidez como uma expressão da questão social situando os fatores de riscos correlacionados a sua ocorrência. O debate da proteção integral é situado nesse capítulo como um direito assegurado por vários dispositivos legais. Dentre os principais autores e legislações utilizadas citam-se: Pantoja (2003); Bronzo (2010); Freire (1990); Fanelli (2003); Política Nacional de Assistência Social (2014); Brasil (2004) e, Promundo (2015). No terceiro capítulo apresentam-se os resultados e os indicativos de adolescentes grávidas em Novorizonte/MG, conhecendo sua incidência e percebendo as motivações e percepções das adolescentes sobre esse assunto. Nesse momento, analisam-se as dificuldades vivenciadas por essas adolescentes durante e depois da gravidez. Com isso, compreende-se como se dá o uso dos métodos contraceptivos e a existência de tabus em relação à sexualidade e gravidez precoce. Aproxima-se do conhecimento sobre o perfil dessas adolescentes, ao passo que também se identificam as estratégias políticas para proteção social das adolescentes. Dentre os principais autores e legislações utilizadas citam-se: Martins (2008); Minayo (2001); Lakatos e Marcone (2003); IBGE (2015). Por fim, ao concluir esse trabalho percebe-se que a gravidez na adolescência ocorre por desacreditar que o não uso ou uso inadequado dos métodos contraceptivos irá ocasionar numa gravidez e, possui maior incidência em adolescentes de famílias de menor poder aquisitivo, agravando-se em decorrência do fator desproteção social, sendo, portanto, uma situação de fragilidade e por isso demanda ações efetivas de promoção, proteção e garantia de direitos. 13 CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES SOBRE ADOLESCÊNCIAS: CONCEITOS, ABORDAGENS E ALGUMAS POSSIBILIDADES DE ANÁLISE Este capítulo apresenta algumas análises sobre a gravidez na adolescência, recorrendo a vários estudos que apontam fatores diferenciados para a sua identificação como uma expressão contemporânea da Questão Social. O que se pretende é entender conceitos, ter uma visão geral do que sejam “as adolescências”, percebendo suas características e as implicações dessa etapa do ciclo vital humano no relacionamento de adolescentes consigo mesmas e com seu entorno. O texto começa por abordar a adolescência, tal como se conhece no ocidente, neste início de século XXI, como um conceito histórico e um fenômeno recente. A partir daí, serão apresentados os conceitos de puberdade, demonstrando que enquanto o termo adolescência se refere a processos sociais, a puberdade remete a fatores orgânicos e biológicos. Serão apresentadas as principais características do período da adolescência, buscando estabelecer uma conexão entre os pressupostos teóricos abordados com os comportamentos observados no dia a dia dos adolescentes que se manifestam tanto no espaço privado quanto no espaço público. A temática é analisada a partir de fatores sociais, por identificar a existência de situações de risco e vulnerabilidades, apresentadas por diferentes autores como Farrington (2002). 1.1 – Entendimentos sobre a(s) adolescência(s) e algumas questões correlacionadas O conceito de adolescência é abrangente. Pode ser abordado e discutido de diversas maneiras e dimensões, sendo que nenhuma delas pode ser delimitada, pois existem várias maneiras de se compreender esse fenômeno. Deste modo, estudaremos suas definições a partir de algumas legislações, estatutos e estudos que apresentam entendimentos diferenciados e também, conceitos sobre a adolescência que na realidade se concretizam nas adolescências, no plural, considerando os diferentes modos de vivência e as distintas condições de vida humana. Inicia-se o estudo com a definição de adolescência dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) onde a adolescência é reconhecida como um período de desenvolvimento humano compreendido de 10 a 19 anos de idade. Noutros entendimentos, 14 utilizados para fins estatísticos e políticos, essa etapa é compreendida pelo período de 15 a 24 anos, como publicizam documentos da Organização das Nações Unidas – ONU. (EISENSTEIN 2005 p.25) Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tendo principalmente o artigo 227º como referência, tem-se um elemento jurídico norteador para a criação e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no dia 13 de julho de 1990. Nestes documentos, a criança é referenciada como a pessoa de 0 a 12 anos incompletos e o adolescente como aquele entre 12 a 18 anos incompletos. Concomitantemente as legislações anteriores sinalizavam que esses sujeitos estão em condição peculiar de desenvolvimento, o que incita a (...) família, a sociedade e o Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988). Se a infância diz sobre a fase da vida vivenciada pelas crianças, a adolescência diz respeito à fase vivida por pessoas que se encontram, no caso do Brasil, na faixa etária de 12 a 18 anos incompletos. Mas, mesmo tendo esses termos e categorias como parâmetro de análise, não se pode perder de vista que crianças e adolescentes vivenciam de forma diferentes essas mesmas fases da vida, considerando os seus modos e contextos de vida bem peculiares (menino x menina; urbano x rural; entre outros fatores e realidades). Etimologicamente, pode-se afirmar que o significado da palavra “adolescência” está relacionado à fase do desenvolvimento humano marcada por ser uma fase de transformações física, psicológica, social, entre outras. Segundo Outeiral (2003, p. 04), o termo “adolescência”, vem do latim ad (a, para) e crescer, significando a condição ou processo de crescimento, em resumo o indivíduo apto acrescer. Adolescência também deriva de adolescer, origem da palavra adoecer. Temos, assim, nesta dupla origem etimológica, um elemento para pensar esta etapa davida: aptidão para crescer (não apenas no sentido físico, mas também psíquico) e para adoecer (em termos de sofrimento emocional, com as transformações biológicas e mentais que operam nesta faixa da vida). 15 Deste modo, entende-se que se trata de uma fase importante da vida humana que engloba um conjunto de transformações biológicas, emocionais, mentais e psicológicas na qual o corpo infantil passa-se por transformações até chegar ao corpo adulto. Para Carvalho, Salles e Guimarães (2003), a adolescência não seria somente a transição da fase infantil para a fase adulta. Pode ser vista como uma etapa do desenvolvimento corporal que acontece com grande impacto na formação e no processo de aceitação da autoimagem corporal dos que vivenciam essa fase da vida humana – os (as) adolescentes. Noutros contextos e referências sócios espaciais, como as trazidas por autores franceses como o Philippe Ariès (1986), a demarcação das fases da vida humana como a adolescência, relaciona-se com o processo de escolarização que separou a criança e o adolescente do seu núcleo familiar burguês, preparando os futuros jovens para as pretensões da aristocracia e/ou para futura inserção no mercado de trabalho. Este processo iniciou-se com a separação de classes pelo capitalismo vigente, para a desejada organização burguesa da sociedade. Aos poucos, o lugar da criança remetia à inocência e à necessidade de certos cuidados. Já os adolescentes, o desejável era a disciplina. Conforme sinaliza Ariès (1986), é por volta de 1890 que a utilização do termo adolescência começou a adentrar nos vocabulários e na literatura da época. Outros autores como Fanelli (2003), defendem que as primeiras tentativas para definir claramente o que é a adolescência apareceram no século XVIII. Entretanto, reitera que somente no século XX é que surgiu o conceito do adolescente moderno, dotado de uma pureza provisória, força física e alegria de viver. A partir do exposto, entendemos que a adolescência está ligada às concepções e ideários socialmente criados e à relação do indivíduo com o meio social, por isso que em nossa sociedade a adolescência não é igual para todas as pessoas, pois cada um vive em uma condição social diferente, uns com várias oportunidades e outros não (SILVA e SILVA, 2012). Mesmo considerando os diferentes entendimentos, as distintas definições conceituais e demarcações de faixas etárias correspondentes a essa fase da vida humana, o termo adolescência, principalmente adolescências, no plural, passou a significar um emaranhado de fatores de ordens individual e social, com complexas inferências históricas, culturais e biológicas. Não obstante, vários fatores correlacionados a essa fase da vida humana, principalmente ligados às situações de risco e vulnerabilidades, também são apontados em 16 estudos que analisam os processos de agravamento e complexificação das expressões da Questão Social. De acordo Iamamoto (1998, p.27): a Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. Por meio da análise das expressões da questão social analisam-se as situações, as determinações e diferentes contextos do cotidiano da sociedade. Por meio dessas análises, é possível entender melhor a conjuntura sócio-histórica, a precarização dos contextos de vida, as inferências do sistema de produção capitalista, bem como os principais fatores de risco, vulnerabilidade, pauperização e a falta de proteção social que perpassam a vida das mães adolescentes. Nessa direção, analisa-se a questão social, [...] nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social. (IAMAMOTO, 1997, p.14) Nessa direção é que se pensa a gravidez na adolescência como uma das expressões da questão social, principalmente por todas as situações que se correlacionam com essa problemática que estão para além das dimensões individuais ou biológicas. Com base nesse entendimento é que todas as possíveis dimensões dessa expressão da questão social contemporânea deverão ser analisadas. Ao considerar as análises biológicas sobre a(s) adolescência(s), destacam-se as contribuições de autores que enfatizam que essa fase da vida relaciona-se às mudanças e ao desenvolvimento do corpo humano, como Erikson (1972) que expressa que a adolescência é identificada pelo aspecto biológico e a evolução do indivíduo. Considera-se o início da transformação fisiológica para somente depois analisar as outras dimensões, tais como as psicológicas e sociais, sinalizadas ao longo da vida do sujeito. Em publicações diversas, Tiba (1985), define a adolescência como uma fase de desenvolvimento instável, mas com um 17 tempo demarcado. Tem início na puberdade e indica a fase biológica inicial de transformação do corpo como dos órgãos genitais. Na adolescência tem-se a puberdade considerada como uma fase geradora de mudanças no corpo do(a) adolescente e isso relaciona-se com as mudanças psicossociais e à aquisição de maturidade, inclusive da vida sexual. O corpo dos adolescentes passa por transformações biológicas naturais e isso é assimilado de diferentes maneiras por quem as vivenciam. Neste sentido, os autores citados anteriormente expõem que adolescência é uma fase do desenvolvimento do corpo direcionada por um conjunto de fatores, inclusive psicossociais, que provocam inúmeras mudanças e transformações na vida dos/das adolescentes em seu processo de desenvolvimento para a fase adulta. Os argumentos de Outeiral (1994) complementam essa análise e percepção por considerar que a adolescência é uma fase que compõe o ciclo biológico do desenvolvimento humano, em que se dá o início da transformação corporal que se amplia até a fase adulta. Para esse autor, a adolescência está dividida em três fases: na primeira fase, o(a) adolescente(a) vivencia uma passividade em relação as suas transformações corporais, criando sentimento de impotência em função da realidade. Na segunda, tem-se a crise de gerações, onde o arranjo familiar é visto de forma diferente da geração de seus pais. O autor argumenta que os adolescentes tendem a questionar a liberdade, as possibilidades, a sua independência ao mesmo tempo em que a sua dimensão sexual se define. A terceira e última fase, segundo Outeiral (1994), refere-se às dimensões sociais, à busca da identidade profissional e inserção profissional no mercado de trabalho, sinalizando o desejo de independência socioeconômica. Para outros autores, essas características estão mais relacionadas à juventude do que a adolescência propriamente dita, principalmente porque revelam uma transição para a idade adulta (CAMARANO et al, 2006). Santos, Neto e Kollera (2005) defendem a ideia que o desenvolvimento humano emerge a partir da interação entre fatoresbiológicos. Expressam e concordam com Outeiral (1994) nos argumentos que analisam que os fatores biológicos são compostos por quatro fases e, nestas, existem três momentos: 1) a infância (período gestacional, primeira infância, segunda infância); 2) adolescência (puberdade, adolescência média e final); 3) adultez (jovem, maduro e final) e 4) velhice. A adolescência então, sob o crivo biológico, seria uma fase de transformação do corpo humano, de reconstrução do eu, que correlaciona com outros distintos fatores como os corporais, familiares e comunitários que, nesse processo, também sofrem mudanças nem 18 sempre pacíficas. Existem fragilidades e sensibilidades que surgem nesse período, como explicam alguns autores a seguir, em que os adolescentes propendem-se a buscar a independência, liberdade, prazeres, se auto afirmando, muitas vezes de forma reativa, quando não conflitiva frente às coerções presentes nas relações que estabelecem. Por isso é que as análises das dimensões emocionais são muito importantes em estudos que versam sobre a adolescência. A literatura aponta que essa fase da vida humana é, muitas vezes, avaliada como ambígua: não se é criança e nem uma pessoa adulta. Nesse contexto, mesclam-se sentimentos, percepções, abordagens diferenciadas, conforme os processos de formação humana e de socialização dos indivíduos. Segundo Levinsky (1995), a adolescência pode ser também, compreendida a partir de análises que consideram as dimensões psicossociais vivenciadas e que fazem parte da vida dos sujeitos. A puberdade e o desenvolvimento cognitivo demarcam, segundo o autor, o limiar desse ciclo vital. Cada sociedade regulamenta as delimitações etárias, mas, é preciso considerar as particularidades do desenvolvimento que também é individual, relacionando-se com outras variáveis humanas e sociais. Frota (2007) expõe que a adolescência, para muitos, é caracterizada como um período natural em que o indivíduo torna-se um sujeito chato, com a personalidade difícil de se lidar, de muitas crises emocionais. A autora expõem que no saber popular costumam caracterizar a fase da infância como o melhor momento do desenvolvimento do corpo humano e a adolescência como fase de difícil compreensão, complexa para quem passa a conviver com os/as adolescentes devido às transformações psicossociais intensas desse período. Reforça que geralmente a maior dificuldade está na necessidade de compreendê-los e/ou da falta de informações sobre essa fase da vida. No Brasil, publicações de órgãos oficiais como o Manual de Atenção à Saúde do Adolescente (2006, p 17) sinalizam a importância de entender certos conceitos como de puberdade quando o tema da adolescência é analisado. Nesse documento, a puberdade é percebida como: (...) conjunto de modificações biológicas que transformam o corpo infantil em adultos, constituindo-se em um dos elementos da adolescência. A puberdade é constituída pelos seguintes componentes: crescimento físico: aceleração, desaceleração, até a parada do crescimento (2º estirão); maturação sexual; desenvolvimento dos órgãos reprodutores e aparecimento dos caracteres sexuais secundários; mudanças na composição corporal; desenvolvimento dos aparelhos respiratório, cardiovascular e outros. A puberdade é um parâmetro universal e ocorre de maneira semelhante em todos os indivíduos. A adolescência abrange, além da 19 puberdade, os componentes psicológicos e sociais característicos dessa fase da vida. Está sujeita, portanto, a influências sociais e culturais (CODEPPS, 2006, p. 17). Apesar dessas indicações mais genéricas, cada pessoa tem uma vivência bem particular dessa fase. Os fatores genéticos, hereditários, seus modos e condição de vida, as inferências das instituições primárias e secundárias influem e muito no seu desenvolvimento. Mesmo sinalizando a existência de mudanças e transformações na puberdade, cada adolescente pode, ou não, vivenciar esses mesmos conflitos psicossociais. Com base na literatura estudada anteriormente é possível entender que a temática da(s) adolescência(s) se relaciona com temas importantes tais como as situações de risco e vulnerabilidade social, muito próximas das discussões feitas por diferentes áreas e profissões como o Serviço Social. Isso porque essa fase da vida humana permeia (ou se relaciona) com as ditas transformações históricas, biológicas, psicológicas, culturais, políticas e sociais. 1.2 – Adolescências, fatores de risco e algumas possibilidades de análise a partir das questões de gênero. Apesar de esses autores contextualizarem os fatores de risco e os contextos de violências ligados as adolescentes, há que se analisar também as particularidades da adolescência tendo o sexo feminino como referência. Ao se consider a existência de adolescências, no plural, indicando que cada pessoa pode vivenciá-la de forma diferente, deve-se entender como é a vivência binária dessa fase da vida humana. Por conta disso, apesar de a maioria dos estudos terem o adolescente, do sexo masculino como referência, é preciso discorrer sobre a adolescência, seus aspectos e previsões legais tendo as particularidades do gênero feminino como ponto de discussão. Desde a fecundação, o feto tem seu destino praticamente “traçado” em uma dialética dicotômica que é biológica, mas também social: pênis ou vagina, carrinho ou boneca, azul ou rosa. Desde cedo é orientado a internalizar e reproduzir os comportamentos sociais e culturais do sexo logo identificado. Esses, tendencialmente, moldam nossos corpos e intelectos privando-nos de outras possibilidades em razão das orientações culturais e religiosas de um povo ou sociedade. Essas são relações permeadas por fatores socioeconômicos, sociais e políticos que tanto inferem na cultura, nas formas de sociabilidade e socialização dos indivíduos. 20 É uma forma do biopoder em prol das verdades absolutas do gênero. A vivência, portanto, da adolescência tende a ser diferente para o adolescente e a adolescente. Meninas, mesmo vivenciando mudanças biológicas, emocionais e sociais, tendem a ser envolvidas em outras práticas e formas de sociabilidade. Meninas, desde a infância, brincam e ganham presentes ligados às tarefas domésticas ou que estimulam o cuidado com a aparência, até considerando os padrões socialmente vigentes. São caracterizadas como de comportamento frágil, sensível, dócil, fiel, apta para a maternidade, uma mãe por natureza divina, ao contrário dos meninos, dos quais se esperam comportamentos que remontam à reprodução e ao provimento familiar. Socialmente, rotula-se que “homem não chora” disseminando que a sociedade exige habilidades muito ligadas, culturalmente, às lógicas do patriarcado. De acordo Saffioti (2004, p.44), a cultura do patriarcado incide e influencia as relações de gênero que legitimam históricas desigualdades além das relações de poder e subordinação. Para Butler (2003, p.24), o chamado gênero é algo Culturalmente construído [...] não é nem o resultado causal do sexo, nem tampouco tão aparentemente fixo quanto o sexo. A unidade do sujeito já é potencialmente contestada pela distinção que abre espaço ao gênero como interpretação múltipla do sexo. O gênero resulta de representações culturais declaradas pelos corpos. Por conta disso, não se pode afirmar que o sexo é definitivo e apenas o biológico. Deve se distinguir as diferenças dos corpos e dos gêneros, tirando, então, culturalmente a estabilidade do sexo binário e as diferenças entre os corpos do homem e da mulher ou masculino e feminino. De outro modo, o gênero não é o que somos, mas sim as nossas atitudes e as consequênciasdos nossos atos (BUTLER, 2003, p.25). Sabe-se que o sistema patriarcal legitima a dominação e exploração das mulheres pelos homens e isso contribui para que determinadas regras sociais ou comportamentos sejam socialmente aceitáveis e/ou justificáveis. Nesse sentido, Butler (2003), em seus estudos sobre o gênero analisa a relação entre sexo/gênero/desejo e discute com grande relevância a essência da mulher, a importância do movimento feminino que, inclusive, influencia os sistemas jurídicos de poder que regulam a vida política e a elaboração/aprovação de regras sociais. 21 Já autoras como Beauvoir (1980), em seu livro Segundo Sexo, “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” pontua que as mulheres culturalmente são orientadas a seguir padrões culturais da sociedade com uma identidade e sexualidade definida baseada no gênero binário da heterossexualidade. Argumenta que estas definições e explicações não garantem que a mulher se torne necessariamente uma mulher. As dinâmicas da sociedade, as transformações e as mudanças culturais, por exemplo, fornecem possibilidades de entendimento muito particulares desses processos: se em tempos remotos as mulheres casavam-se muito novas, eram criadas e educadas para aprender a se tornar mulher, mãe, esposa dedicada aos afazeres domésticos, sendo submissa ao seu pai e marido de forma calma, dócil, frágil, que obedece às normas e deveres estabelecidos e criados pela família, gera-se com isso, uma tradição familiar que tende a ser transmitida de geração em geração, sendo enraizada culturalmente pela sociedade a partir dos debates sobre as questões de gênero. Assim, A ideia de que gênero é construído sugere um certo determinismo de significados do gênero, inscritos em corpos anatomicamente diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos de uma lei cultural inexorável. Quando a “cultura” relevante que “constrói” o gênero é compreendida nos termos dessa lei ou conjunto de leis, tem-se a impressão de que o gênero é tão determinado e tão fixo quanto na formulação de que a biologia é o destino. (BUTLER, 2003, p.26) Butler (2003) aponta que o gênero é uma construção cultural que determina uma maneira de comportar-se a partir do seu biológico. Ao mesmo tempo, pontua que de certa forma, pode ser alterada para uma nova determinação social e cultural que excluída, também pode criar outras possibilidades. Por meio desse trabalho indica-se que os estudos de gênero estão presentes na sociedade e ainda requerem a constante revisão sobre a divisão igualitária entre os sexos, com as diversas atividades e responsabilidades do cotidiano relacionadas à família, comunidade, trabalho, moral, sexual, comportamento, meio político e etc. O estudo sobre a adolescência no campo das análises sobre gênero, também abre as possibilidades para que se identifique e compreenda o “ser adolescente”, do sexo feminino, em contraposição a toda uma cultura sócio-histórica e contextos vigentes. É nesse âmbito que se situam as abordagens sobre adolescência, gênero e fatores de risco. Para muitos autores como Farrington (2002), ser adolescente já é por si só, um fator preocupante para questões complexas e muito atuais. A análise da realidade, dos modos e condição de vida, muitas vezes permeadas por situações de risco e vulnerabilidades sociais 22 também influenciam o desenvolvimento de muitos adolescentes. Quando se analisa algumas situações que o referido autor chama de risco 2 , alguns fatores são preponderantes: o fato de ser adolescente; ser do sexo masculino; questões psicossociais e genéticas correlacionadas à impulsividade; ao baixo desempenho escolar; à baixa renda familiar e com supervisão parental deficiente; o envolvimento com certos grupos; o uso de substâncias psicoativas; a vivência em ambientes conflituosos, entre outros. A partir de tais inferências sugere que a violência juvenil é apreendida e pode ser definida através de atos que provocam danos e geram agressões físicas ou psicológicas, até mesmo em pessoas situadas numa faixa etária mais extensiva de 10 a 21 anos de idade. Contudo, não quer dizer que uma pessoa que seja influenciada por tais fatores de risco se tornaram, de forma determinada, violenta. Especificamente a literatura mostra a existência de teorias para analisar e buscar respostas para os comportamentos caracterizados como delituosos e agressivos que acontecem na adolescência. Acredita-se que os comportamentos violentos estão associados às mudanças biológicas dos adolescentes, pelo aumento dos níveis de testosterona nos adolescentes (sexo masculino), que aumentam durante a adolescência gerada pelas transformações do corpo (FARRINGTON, 2002). Para Sapienza e Pedromônic (2005), as variáveis apresentadas acima são associadas a fatores de risco bem particulares, existentes na fase da infância e na adolescência, tais como: depressão, ansiedade, estresse, distúrbios de conduta, evasão escolar, problemas de aprendizagem, uso de entorpecentes, principalmente se ocorrem em contextos de violências familiares e psicossociais, abandono, maus-tratos, situação de extrema pobreza, e/ou desemprego. Todos esses fatores de risco também são percebidos na vivência da adolescente (gênero feminino), muito agravados pelos contextos de violências sexuais, discriminação e preconceitos (principalmente quando vivencia a gravidez precoce e/ou a prática de abortos). Não menos raras são as ocorrências de casos de exploração sexual, de suicídio, assédio sexual, evasão escolar, entre outras como a ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis, complicações obstétricas, homicídio/suicídio, entre outros. Somam-se a esse contexto, as precárias condições de vida e a fragilidade das políticas de proteção social familiar que 2 De acordo a Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) em seu contexto existe expressão de situação de risco e vulnerabilidade sem distinção, que se direcionar aos usuários desta política. 23 poderiam contribuir para que o desenvolvimento desses sujeitos fosse de fato saudável. (HOGH, WOLF 3 , 1983 apud FARRINGTON,2002). Comumente, essas famílias moram em lugares bem afastados, empobrecidos, pelas péssimas condições sanitárias e de distribuição de renda. Nessas famílias, principalmente os filhos(a) não estudam, saem da escola para trabalhar tornando-se uma mão de obra barata e pauperizada. Tal situação e contextos nem sempre são identificados como violador de direitos, uma vez que é reforçado socialmente que a submissão a essas precárias condições de vida e sobrevivência são estratégias de sobrevivência para aumentar a renda para o sustento familiar. Neste mesmo sentido é que se verifica que todos os adolescentes, na sociedade brasileira, sofrem com vários tipos de vulnerabilidades também relacionadas aos impactos do gênero. Os adolescentes estão sujeitos ao afastamento do sistema escolar devido entrarem precocemente no trabalho informal para o sustento da família e sempre exposto a violência e abuso sexual, já as adolescentes são vulneráveis a exploração e ao abuso sexual, ao trabalho doméstico em outras famílias em busca de uma renda ou dentro de suas próprias família, abandono dos estudos em decorrência do trabalho, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, entre outros. (UNICEF, 2011) Quando são analisadas a realidade e as condições de vida de adolescentes grávidas, que dependem de outras pessoas e instituições para sobreviverem, essa situação se torna ainda mais complexa, principalmente quando se considera, segundo publicação do UNICEF (2011), que 11%de todo o contingente populacional brasileiro é composto por adolescentes. Ou seja, 21 milhões de pessoas estão entre a faixa etária de 12 aos 18 anos de idade e 8 milhões destes adolescentes pertencem a família de baixa renda e nível de escolaridade em defasagem na faixa etária correspondente. Atualmente, os espaços de democratização são vistos por muitos gestores como essenciais para crianças e adolescentes como forma de contribuir com a reflexão de temas correlacionados a importância e modos de ser mulher, que percebe seu lugar na sociedade, inclusive nas áreas das políticas públicas que propicia o reconhecimento do ser político que luta e reivindica seus direitos e deveres, afirmando a importância desse conhecimento teórico e prático desde a fase infantil. 3 HOGH, E.; WOLF, P. Crime violento em uma coorte de nascimento: Copenhague, 1953-1977. In: VAN DUSEN, K. T.; MEDNICK, S. A.(Ed.) Estudos prospectivos de crime e delinquência. Boston: Kluwer-Nijhoff, 1983. p. 249-67. 24 Com base nos argumentos e análises apresentadas nesse primeiro capítulo, verifica-se a importância de se conhecer e compreender melhor as particularidades e fatores correlacionados às adolescentes grávidas (considerando que esta problemática na adolescência não é um fenômeno recente), como estratégia para se perceber os dilemas e fatores correlacionados como expressões contemporâneas da questão social. 25 CAPÍTULO II - GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E CONTEXTOS DE (DES) PROTEÇÃO SOCIAL E FAMILIAR No primeiro capítulo foram analisadas algumas questões correlacionadas às adolescências, trazendo à baila diferentes possibilidades de entendimentos sobre os processos históricos, definições e conceitos que se relacionam com as discussões sobre as situações de vulnerabilidade e fatores de risco que fazem parte da vida de muitos/as adolescentes, especialmente daquelas do sexo feminino. Por sua vez, este segundo capítulo traz o tema da gravidez na adolescência como uma possibilidade de conhecer e melhor compreender essa expressão da questão social que há tempos foi naturalizada e que, nos dias atuais, é considerada uma situação de fragilidade para as adolescentes quando se pensa na proteção integral como um direito assegurado por vários dispositivos legais. Nesse sentido é que a própria ocorrência da gravidez; a permanência ou saída da escola; a inserção ou saída do mercado de trabalho; as estratégias de proteção social que asseguram o seu desenvolvimento integral; os arranjos familiares que as referenciam, entre outros assuntos, são analisados como possíveis fatores de risco que inferem no agravamento de inúmeras situações de vulnerabilidades sociais. 2.1 – Gravidez na adolescência e os contextos de risco e vulnerabilidade social Através do estudo da Política Nacional de Assistência social – PNAS (2004) é possível visualizar as vulnerabilidades por um emaranhado de fatores que inclui as fragilidades das adolescentes, as suas carências familiares e a ausência de suportes de proteção social como alternativa a esses contextos adversos. Por sua vez, o conceito de risco utilizado aproxima-se do entendimento sobre as situações de violação de direitos e da fragilização ou rompimentos de vínculos familiares ou comunitários. No âmbito das discussões sobre proteção social (que partem das previsões da Política Nacional de Assistência Social – PNAS), busca-se entender a importância da família enquanto primeira instituição social responsável pela garantia do bem estar dessas adolescentes. Não obstante, não se menospreza a responsabilidade do Estado no que tange à garantia de “seguranças” e nas superações dessas agravadas situações. Nessa direção, sinaliza- 26 se para a necessidade de compreensão do papel e da importância do Estado na garantia dessa proteção social individual e familiar, especialmente, às adolescentes grávidas. Com isso, espera-se identificar quais são hoje as políticas públicas e sociais que atendem essas meninas e analisa-se porque, em muitos territórios o setor saúde é referenciado como um dos possíveis contatos do Estado com esse público e suas famílias. Sem sombra de dúvidas, parte-se de algumas previsões de Brasil (1990) para se entender que o direito à saúde deve ser assegurado à criança desde o ventre materno. Nessa direção é que se aproximou da área da saúde para entender como essa política de proteção, que se relaciona com a Política de Assistência Social, cria e implementa estratégias efetivas para superação das situações de risco e vulnerabilidades apontadas. As dimensões sócio-históricas da gravidez na adolescência fazem-nos entender que não se trata de um fenômeno novo. Envolto a tradições e aos movimentos culturais que foram construídos e legitimados socialmente, a maternidade em fases ainda precoces da vida humana esteve muito atrelada à permissividade do casamento em idades que hoje não mais são consideradas como “recomendadas”. Para Dias e Teixeira (2010, p.124), a gravidez na adolescência é: [...] antes de tudo, um fenômeno social, um nome que se dá a um período do desenvolvimento no qual certas expectativas sociais recaem sobre os indivíduos e configuram um modo de ser adolescente, fruto da conjugação de transformações biológicas, cognitivas, emocionais e sociais pelas quais passam as pessoas. Sendo a gravidez um fenômeno social, os contornos da adolescência não podem ser definidos em termos absolutos, uma vez que tal definição depende do lugar que a sociedade atribui ao adolescente em um dado momento histórico. Para Ariès (1986), a gravidez na adolescência tem um marco histórico que advém desde outras gerações. No século XVIII, as adolescentes se casavam entre 12 a 14 anos. Eram preparadas emocionalmente para constituir sua família obtendo, com isso, várias responsabilidades e funções direcionadas às “senhoras do lar”. Comumente, os casamentos eram arranjados pelos seus pais e as mulheres eram vistas como submissas à figura do homem seja ele pai ou o marido o que legitimava os ideários de uma sociedade sustentada pelo regime patriarcal. Assim como na França, essa prática era comum em várias partes do mundo, tanto que somente no ano de 1962, dadas às questões emergentes foi discutida a idade mínima para o casamento com direito do registro civil, na Convenção Internacional realizada pela 27 Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU e definida a idade mínima de 16 anos para o casamento através da aprovação da Lei nº 659, de 30 de junho de 1969. No Brasil, a ratificação desse dispositivo deu-se por meio do Decreto executivo de nº 66.605, promulgado no dia 20 de maio de 1970, sendo, portanto, alei que resguardava o direito desse público antes da Constituição Federal de 1988. Autores como Pantoja (2003) reafirmam que a gravidez na adolescência não é novidade no Brasil, mas somente há poucas décadas é que foi identificada como um “problema social” pelas ocorrências que inferiam na saúde desse público, agravando as situações de risco que demanda atenção das políticas públicas. Noutros tempos, o casamento e a maternidade na adolescência foram naturalizados, considerando que havia uma demasiada valorização dessa fase da vida como um período propício para ter filhos, considerando que estas “não estavam inseridas no mercado de trabalho e eram apenas dona do lar” (SILVA e SILVA, 2012). Sob as bases da Doutrina da Proteção Integral aprovada internacionalmentee ratificada tanto no Texto Constitucional de 1988 como no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), tem-se uma maior atenção e preocupação coletiva sobre as questões que se relacionam com tal problemática, tais como os contextos de desproteção social, as possibilidades de aborto, a evasão escolar, a inserção precoce no mercado de trabalho, dentre outros fatores que podem ser identificados como de risco social. A Organização Não Governamental Promundo 4 , com vistas a promover ações que enfrentem a violência e promovam a igualdade de gênero, na pesquisa intitulada “Ela vai no meu barco: casamento na infância e adolescência no Brasil”, realizada entre 2013 a 2015, objetivou conhecer a realidade e as dimensões do casamento nesta fase da vida e sinaliza que vários assuntos aparecem quando essa temática é discutida, tais como a própria “gravidez na adolescência, a evasão e o abandono escolar, a exploração sexual na infância e adolescência, o trabalho infantil e a violência contra mulheres e crianças”. Entretanto, afirma que nenhum estudo aprofundou na discussão sobre os agravamentos e consequência de tais práticas. Neste estudo, o Brasil ocupa o 4º lugar do ranking mundial em casamento de meninas com até 15 anos: o Brasil “também é o quarto país em números absolutos de meninas casadas com idade inferior a 18: cerca de 3 milhões de mulheres com idades entre 20 e 24 anos casaram antes de 18 anos (36% do total de mulheres casadas nessa mesma faixa 4 Para mais informações consultar o site <https://promundo.org.br/2015/08/19/promundo-lanca-pesquisa-inedita- sobre-a-pratica-do-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil-em-brasilia/>. 28 etária)”5. Em cenários latino-americanos e do Caribe, essa realidade só é maior na República Dominicana e Nicarágua. O relatório do Unicef (2013) também publiciza informações a esse respeito: Das 1.1 bilhões de meninas no mundo, 22 milhões já estão casadas. Se as tendências atuais continuarem, o número de meninas menores de 18 anos casadas a cada ano crescerá de 15 milhões hoje para mais de 18 milhões em 2050 (UNICEF, 2013). A prática está associada a morbidades e mortalidades materna e infantil e frequentemente ocorre em áreas com menor acesso à educação e oportunidades de emprego para mulheres e meninas, e com altas taxas de violência de gênero. (JAIN & KURTZ, 2007; UNICEF, 2007; RAJ et al., 2010 6 , Apud PROMUNDO, 2015) Nessa pesquisa realizada pela Promundo (2015) citam-se alguns fatores que influenciam o casamento precoce de adolescentes. Dentre eles destacam-se: (1) o desejo, muitas vezes, de um membro da família, em função de uma gravidez indesejada e para proteger a reputação da menina ou da família e para segurar a responsabilidade do homem de “assumir” ou cuidar da menina e do(a) bebê potencial; (2) o desejo de controlar a sexualidade das meninas e limitar comportamentos percebidos como „de risco‟ associados à vida de solteira, tais como relações sexuais sem parceiros fixos e exposição à rua; (3) o desejo das meninas e/ou membros da família de ter segurança financeira; (4) uma expressão da agência das meninas e um desejo de saírem da casa de seus pais, pautado em uma expectativa de liberdade, ainda que dentro de um contexto limitado de oportunidades educacionais e laborais, além de experiências de abuso ou controle sobre a mobilidade das meninas em suas famílias de origem; (5) o desejo dos futuros maridos de se casarem com meninas mais jovens (consideradas mais atraentes e de mais fácil controle do que as mulheres adultas) e o seu poder decisório desproporcional em decisões maritais. Se por ora alguns fatores são apresentados como influenciadores do casamento precoce, outros fatores também são apresentados como consequências dessa mesma relação conjugal estabelecida. Dentre eles se destacam: (1) gravidez (por vezes é a própria causa do casamento) e subsequentes problemas de saúde maternal, neonatal e infantil que ocasionam um aumento de risco no corpo de uma criança ou adolescente; (2) atrasos e desafios educacionais; (3) limitações à mobilidade e às redes sociais das meninas (principalmente porque as expectativas de independência são frustradas por maiores restrições à mobilidade do que antes do casamento); (4) exposição à violência do parceiro íntimo, incluindo uma gama de 5 Informações disponíveis no site <https://promundo.org.br/2015/08/19/promundo-lanca-pesquisa-inedita-sobre- a-pratica-do-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil-em-brasilia/> 6 RAJ, A., SAGGURTI, N., LAWRENCE, D., BALAIAH, D. e SILVERMAN, J.G. (2010). “Association between Adolescent Marriage and Martial Violence among Young Adult Women in India.” [Associação entre casamento na adolescência e violência marital entre mulheres jovens na Índia]. International Journal of Gynaecology and Obstetrics: The official organ of the International Federation of Gynaecology and Obstetrics(100)1: 35-39. 29 comportamentos controladores e não equitativos por parte dos maridos mais velhos. O estudo também constatou oferta inadequada e muitas vezes discriminatória de serviços e de proteção dos direitos de meninas casadas. (PROMUNDO, 2015, p.13) As análises desses fatores permitem verificar como as questões culturais que legitimam os ideários do patriarcado e as práticas de dominação e “coisificação” estiveram e ainda estão presentes em distintas sociedades. Sabe-se que muitas são as questões que contribuem para a ocorrência da gravidez na adolescência. Oliveira (1998) sinaliza, dentre elas, a falta de informações, o uso inadequado dos métodos contraceptivos e as influências culturais que incidem sob o tabu da sexualidade. Também cita a existência de um suposto “pensamento mágico” onde as adolescentes subestimam a possibilidade da ocorrência e não cogitam que a falta de prevenção resultará numa gravidez não planejada. Na contramão do que sinaliza Oliveira, Pantoja (2003), expõem que a maternidade na adolescência também pode ser considerada, pela adolescente, como uma possibilidade de “ascensão social” por entender que nessa condição será reconhecida como pessoa adulta. Essa situação pode ocorrer quando as adolescentes desejam conquistar a confiança de outras pessoas e conseguir melhores condições socioeconômicas (se considerarmos as condições socioeconômicas do pretenso pai). Nesse âmbito de possibilidades, não se pode desconsiderar as motivações particulares das adolescentes que muitas vezes desejam ter filhos para alcançar objetivos nem sempre tão claros, como manter vínculos com uma pessoa, entre outras motivações. Vista por muitos como “opção”, a pílula do “dia seguinte”, erroneamente, tende a ser muito utilizada como estratégia de prevenção a esse tipo de gravidez nem sempre desejada (NASCIMENTO; SOARES, 2015). Esses autores apontam que os adolescentes geralmente iniciam sua vida sexual em meados de seus 13 a 15 anos o que sinaliza um percentual de 28,7% do total dos adolescentes brasileiros, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012, divulgada pelo IBGE. A consideração sobre essa fase da vida, sobre suas particularidades e as questões correlacionadas, precisa ser mais bem analisada, principalmente considerando que fatores como a sexualidade pode inferir em comportamentos, modos de vida e na própria reprodução humana que, nesse caso, pode acontecer de forma precoce. Nessa direção é que se reconhece que é preciso discutir mais sobre o tema sexualidade, principalmente porque ela é: 30 Um dos elementos fundamentaisda estrutura da pessoa humana e a sua abordagem exige uma atenção integral na sociedade em que vivemos. A exposição constante a que os jovens atualmente estão sujeitos, através dos meios de comunicação, com símbolos sexuais e a estimulação erótica, associada à sua vulnerabilidade, podem contribuir para uma maior suscetibilidade às influências e, consequentemente, à adoção de comportamentos de risco. Embora muitos adolescentes tenham recebido educação sexual em idades precedentes, tanto no seio da família como na escola, nem sempre estão devidamente preparados para o impacto da puberdade (NASCIMENTO; SOARES, 2015, s.p). De acordo com esses autores, pode-se entender que a fase da adolescência é por demais complexa e indissociável do processo de desenvolvimento da espécie humana no entremeio aos mais variados sentimentos que se conectam. Para a adolescente, a gravidez pode gerar um aumento significativo das necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais, comprometendo o seu desenvolvimento e criando algumas limitações, tais como as do campo educacional, no campo do trabalho, nos modos de vida, entre outros. Dias e Teixeira (2010, p.124) explicitam que nessa fase da vida acontecem várias transformações biopsicossociais e cada sociedade com sua cultura, vivenciou e considerou de forma muito particular a gravidez precoce. Na ausência de parâmetros internacionais e nacionais, a moral legitimou muitas práticas que contribuíram e muito para que contextos de riscos e vulnerabilidades perdurassem. Fato interessante é a identificação de que muitas mulheres, que foram mães adolescentes, tornaram-se avós das filhas de suas filhas, mães adolescentes. Mesmo sendo uma possibilidade que pode acontecer em distintas classes sociais, os autores citados argumentam que a gravidez precoce comumente acontece com maior frequência em famílias com situação de risco, violências, vulnerabilidades e contextos de negligências e desproteção social mais fragilizados/agravados. Na maioria das vezes, as adolescentes deixam a escola e passam a depender duplamente dos pais, responsáveis e dos pais dos filhos gerados (considerando que muitas acionam a justiça para obter o direito à pensão alimentícia). Por isso é que, mais uma vez, reforça-se que de acordo com os autores estudados, como Silva & Salomão (2003), a gravidez precoce está geralmente relacionada aos contextos de vulnerabilidade, pauperização, desigualdades sociais e à pobreza. Quando se considera que esse fenômeno sócio-histórico infere na condição de vida de muitas meninas e suas famílias, emerge a sua caracterização como expressão da questão social. Não se trata de somente um problema sócio-histórico, ele se agrava na conjuntura atual, dada à precariedade das condições de vida das pessoas. 31 Nesse sentido, adentrando na agenda pública, a demanda por proteção social individual e familiar passa a ser entendida como de responsabilidade da família, da sociedade e do Estado devendo ser assegurada condições para que todos/as os/as adolescentes, entre 12 a 18 anos incompletos, tenham condições de se desenvolverem integralmente. A ausência, senão fragilidade, das políticas públicas e sociais, que porventura poderiam assegurar a proteção social para esse segmento populacional é uma questão que merece destaque, considerando que muitas famílias não têm condições de assegurar que as necessidades vitais e básicas desse segmento populacional sejam atendidas. Não se consegue, pelas presentes condições socioeconômicas de sobrevivência, proteger e garantir as condições para que essas meninas se desenvolvam integralmente, respeitando a sua condição peculiar de desenvolvimento. Fanelli (2003) colabora ao afirmar que a gestação precoce pode comprometer o futuro profissional e dificultar o retorno a escola, diminuindo as oportunidades de obtenção de um emprego mais qualificado. As complicações decorrentes da gravidez na adolescência, também se associam às condições sociais de existência, relacionadas com o nível de escolaridade, estado civil e apoio familiar. Além da antecipação na formação dos papéis sociais, as questões socioeconômicas como o trabalho de menor prestígio e baixa remuneração, a dependência financeira da família e do companheiro poderão repercutir de forma negativa tanto para a baixa autoestima, quanto para a consolidação dos projetos de vida da jovem. Desta forma, a gravidez na adolescência é identificada com umas das expressões da questão social que atualmente vem trazendo um emaranhado de consequências que, direta e/ou indiretamente, afetam as adolescentes e suas famílias. Santos e Silva (2000) expõem que a gravidez na adolescência, vista como uma das expressões da questão social não se dissocia da histórica relação capital e trabalho vivenciadas de forma coletiva na sociedade por precarizar as condições de vida dos indivíduos. 2.2 – (Des) proteção social e gravidez na adolescência: apontamentos e possibilidades De acordo com a Constituição Federal de 1988 e Brasil (1990), a criança tem o direito à saúde e à promoção do seu bem-estar desde o ventre materno. Isso indica que à mãe também se assegura essas mesmas condições, considerando a sua importância e o contexto em que vive. Entretanto, várias situações de risco e vulnerabilidades sociais, como as elencadas anteriormente, são cotidianamente apresentadas a esse público e nesse sentido, cabe às 32 famílias, à sociedade e ao Estado garantir que a proteção integral desse público em condição peculiar de desenvolvimento seja assegurada. A partir da leitura de Brasil (1990) entende-se que a proteção integral não é a permissividade para que qualquer ato praticado por esse público aconteça. Trata-se da previsibilidade indispensável para que as necessidades vitais e sociais de todas as crianças e adolescentes sejam atendidas, considerando a prevalência dos direitos desse segmento. O artigo 6º desse dispositivo legal demarca que sempre é preciso atentar-se para os fins sociais e os efeitos que se esperam dessa lei. Quando as situações de risco e vulnerabilidades sociais são consideradas e a corresponsabilidade das famílias, sociedade e Estado é demarcada, reforça-se o conteúdo de outras legislações como a Política Nacional de Assistência Social – PNAS (BRASIL, 2004, p.33), ao trazer a proteção social como uma necessidade de vários indivíduos e segmentos sociais. Nesse sentido, A Assistência Social como política de proteção social configura-se como uma nova situação para o Brasil. Ela significa garantir a todos, que dela necessitam, e sem contribuição prévia a provisão dessa proteção. Esta perspectiva significaria aportar quem, quantos, quais e onde estão os brasileiros demandatários de serviços e atenções de assistência social (BRASIL, 2004, p.14) A referida Política aponta três vertentes como sendo as direcionadoras das ações de proteção social que são: as pessoas, as suas circunstâncias e suas famílias. Acredita-se que é nessa correlação e contexto que os riscos e vulnerabilidades acontecem e podem ser identificados quando não superados. A família, particularmente, é a instituição social responsável tanto por “gerar” e proteger esses indivíduos, como também de socializá-los. Entretanto, ela precisa de condições para que essa segurança e proteção social se efetivem, para assim viabilizá-las para seus membros. Sobre isso, têm-se as previsões da PNAS que trata a proteção social a partir das complexidades das situações sociais (básica, de média e alta complexidade). Nesse ínterim, conceitua a referida PNAS tais proteções da seguinte maneira: Proteção social básica: tem como objetivo prevenirsituações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrentes da pobreza, privação [...] e, ou fragilização de vínculos afetivos” (PNAS 2004, p. 33). 33 Média complexidade: são aqueles serviços que oferecem atendimento às famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos (p. 38). Alta complexidade: serviços que garantem proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e, ou em situação de ameaça, necessitando ser retirada de seu núcleo familiar e, ou, comunitário (p. 38). Em termos gerais, as ações que efetivam esses tipos de Proteção Social objetivam prevenir e intervir em situações de riscos e vulnerabilidades através do desenvolvimentos de potencialidades, fortalecimento de vínculos fragilizados ou rompidos, além de estimular aquisições, juntamente com o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Com isso, legitima-se o objetivo dessa Política de ofertar serviços à população que vive em situação de risco e vulnerabilidade social por situação da pobreza, privações de recursos, falta de renda, falta de acesso as políticas públicas e vários outras expressões da questão social. Desta forma, no momento em que são identificadas tais situações, todo um esforço político institucional deve ser empreendido para sua superação e enfrentamento que por sua vez, provoque a mudança desses contextos adversos. O Estado, por sua vez, tem papel muito importante para a prevenção e intervenção nessas situações, considerando a sua responsabilidade em garantir proteção social para que as famílias tenham condições de proteger seus membros. As demandas devem ser identificadas, analisadas e atendidas a partir das referências que se tem dos territórios enquanto “lugar” onde essas acontecem, principalmente porque esses “territórios são marcados pela quase total ausência ou precária presença do Estado” (BRASIL, 2004, p.18). É nesse sentido que a PNAS, articulada com outras políticas públicas, como a da saúde, são indispensáveis para o atendimento legítimo das demandas dessa população. Até porque, o que se demarca legalmente é que por meio da referida proteção social, o Estado deve assegurar aos indivíduos e suas famílias (enquanto núcleo protetivo), “as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar” (BRASIL, 2004, p. 32). Muitas famílias e pessoas que moram nestas áreas segregadas tem um maior grau de dificuldade de conquistar um emprego, conseguem serviços precarizados, os locais onde moram são vulneráveis, quando não localizados em áreas degradadas. Em suma, tem dificuldade na superação da pobreza e da miserabilidade que vivem cotidianamente. Autoras como Bronzo (2009) enfatizam que a pobreza pode ser compreendida como carência e pauperização, sendo pobres aqueles sujeitos privados da satisfação de suas 34 necessidades vitais e básicas, que vivem nesses contextos que ferem a dignidade humana. A superação dessas situações de risco e vulnerabilidades sociais, deste modo, dependem de um conjunto de esforços individuais, institucionais e sociais. Nessa direção é que algumas estratégias de ação são pensadas, quando se intenta legitimar a proteção social para esses indivíduos e suas famílias em situações de fragilidades e inseguranças sociais. Com isso, entende-se que: Os enfoques das necessidades básicas, capacidades, exclusão e vulnerabilidade reconhecem que processos de inclusão e redução da vulnerabilidade social envolvem, além da renda, o acesso a serviços públicos e sociais de qualidade; relações sociais, familiares e comunitárias de caráter mais positivo; acesso a trabalhos qualificados, que confiram aos indivíduos não apenas renda, mas também uma identidade e um “lugar social”. Além disso, a perspectiva de superação da vulnerabilidade envolve viver em territórios dotados de adequada infraestrutura, tanto urbana quanto social, pois é bem reconhecido que a pobreza é espacialmente localizada e que o território é uma categoria central para caracterizar a pobreza quanto à sua reprodução. A partir dos elementos extraídos dos diferentes enfoques tem-se que, para uma adequada compreensão do problema e para o desenho das estratégias de superação da pobreza, é necessário considerar não apenas a dimensão mais tangível de bens e serviços oferecidos pelo Estado. É preciso levar em conta a dimensão relacional e o foco no território, porque a pobreza é também fruto de relações sociais e de processos de segregação e marginalização socioespacial. Reconhecida a multidimensionalidade e heterogeneidade das formas de privação e a centralidade do caráter relacional da pobreza (BRONZO, 2010, p.126) A autora quer dizer que as melhores estratégias de intervenção de proteção para os indivíduos e suas famílias estão sustentadas em um adensado conhecimento do território, que viabilizaria uma efetiva política de proteção social como as legitimadas pelos centros de Referência da Assistência Social – CRAS (por ofertar o Serviço de proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, assim como os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV) e outros estabelecimentos públicos responsáveis pela viabilização de direitos sociais fundamentais, como o da saúde. Essas complexas situações de riscos e vulnerabilidades sociais demandam intervenções especificas e cada vez mais ampliadas, considerando as suas mais diferentes formas e manifestações. Desta maneira, o PAIF e os SCFV são estratégias de atenção sócio familiar que visam fortalecer a capacidade protetiva das famílias, ao ponto que essas consigam garantir proteção aos seus membros. De acordo PNAS (2004), a família pode ser entendida como um conjunto de pessoas, que tem algum tipo de laço afetivo ou consanguíneo ou grupos de solidariedade. Essa instituição social sofreu modificações que superou a sua referência no tempo, no espaço e para análises que objetivam compreender o seu papel e função social. 35 Historicamente, tem-se que a família é uma instituição socialmente criada para atender fins distintos. A partir dos estudos bibliográficos percebe-se que os modelos e arranjos familiares mudaram ao longo dos tempos, de acordo com as sociedades e épocas. Entretanto, a sua importância nos processos de reprodução, de socialização e seu papel social se mantiveram ao longo da história. No livro “Ordem médica e norma familiar”, Freire (1990) indica o sentimento de família e o sentimento materno como construção social. Descreve a vida das famílias das elites agrárias, na era colonial, como viviam, vestiam, mostrando sua rotina familiar e costumes. Neste livro, aponta como a saúde influenciava comportamentos e na moralidade desses núcleos familiares que, de forma geral, também reproduziam ideias e outros comportamentos na sociedade como um todo. Enfatizou que, noutros tempos, não se evidenciavam profundos laços afetivos entre as mães e seus filhos, como geralmente acontece nos dias atuais. Isso tem muito a ver com o que outros autores como Ariès (1986) trata como a “descoberta dos sentimentos de infância e família”, como decorrente de um processo sócio-histórico e de intensas transformações societárias. Nas análises trazidas por Freire (1990), foram os médicos que incitaram um maior envolvimento materno, inclusive ensinando as sinhás a cuidarem de seus filhos. Sinaliza que
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