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UFSC – CFH – FIL5785 - Filosofia da Psicologia – Profª Carolina D. S. Noto Estudante: Igor S.Thiago de Souza (17101264) Prova 2 - Merleau Ponty Pouco importa o trecho escolhido para que se comente o texto. Cada um deles detém a potência, enquanto dado, de resgatar uma totalidade de significação do texto. Cada um deles oferta possibilidades próprias de abertura do meu ser no mundo, que se move a expressar aquilo que apreendi da leitura de Merleau-ponty e que se ressignifica no ato de escrita deste trabalho. No entanto, dos três trechos dispostos, o terceiro me toca em diversos pontos do horizonte vivido, evocando-me reflexões mais amplas sobre o ser no mundo: “O reflexo, enquanto se abre ao sentido de uma situação, e a percepção, enquanto não põe primeiramente um objeto de conhecimento e enquanto é uma intenção de nosso ser total, são modalidades de uma visão pré-objetiva que é aquilo que chamamos de ser no mundo.” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.119) Em “Fenomenologia da percepção”, Merleau-Ponty utiliza-se de uma base filosófica fenomenológica para dar luz a um modo outro de se pensar a percepção, o qual distingue-se do positivismo hegemônico presente nos laboratórios de psicologia desde Wundt (GOODWIN, 2005). A escolha da percepção como temática de discussão incide diretamente no cerne da psicologia na medida em que representa a singularidade dos sujeitos e dos acontecimentos. Os sujeitos, pois nunca percebem o mundo de modo plenamente similar uns aos outros; os acontecimentos, pois conduzem a percepções distintas de um mesmo objeto. Isto que denomino “o cerne da psicologia” e descrevo, em comunhão com Merleau-ponty, como singularidade, está presente na obra de Figueiredo e Santi (1997) quando se referem à experiência da subjetividade privatizada como pré-condição para a criação de uma ciência psicológica. Ao mesmo tempo, a crise da subjetividade privatizada, apresentada pelos mesmos autores, se apresenta como segunda pré-condição da psicologia. O que se quer dizer em Figueiredo e Santi (1997) é que, para haver psicologia, fez-se necessário conceber a singularidade dos sujeitos (a experiência da subjetividade privatizada ensejada pelo modo de vida capitalista), mas também reconhecer algo de comum a todos, que descrevesse a condição humana (a crise da subjetividade). Em contraponto ao modo mecanicista/explicativo de tentar abarcar esse “algo de comum a todos”, Merleau-ponty reserva longa discussão ontológica, a qual será explorada mais adiante. Para a desgraça de Titchener, que buscara conhecer os elementos básicos da consciência através do relato de observadores treinados, peritos em introspecção (Goodwin, 2005); o ato perceptivo se dá previamente impregnado de sentido, como detalha Merleau-ponty (1999) munido da fenomenologia. É, também, diante do valor do sentido que Politzer (1975) produz reflexões sobre a importância da psicanálise no processo de desenvolvimento da psicologia, pois neste contexto, a divergência entre observadores deixa se ser interpretada como falha metodológica, sendo promovida a objeto de estudo. Tanto Politzer como Freud são também retomados por Merleau-Ponty (1999) no capítulo V, o qual se debruça sobre a sexualidade. Neste capítulo, diz-se que “seria um erro acreditar que a psicanálise exclui a descrição dos motivos psicológicos e se opõe ao método fenomenológico: ao contrário, ela (sem o saber) contribuiu para desenvolvê-lo ao afirmar, segundo a expressão de Freud, que todo ato humano “tem um sentido”, e ao procurar em todas as partes compreender o acontecimento, em lugar de relacioná-los a condições mecânicas.” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.219) Sob este prisma, Freud, Politzer e Merleau-Ponty concordam em dar status de centralidade ao sentido na reflexão acerca do que seria o fato psicológico. No entanto, ao passo que Politzer se vale da chamada psicologia concreta para criticar a incongruência entre o avanço da prática psicanalítica e o mecanicismo, ainda presente no postulado metapsicológico do inconsciente, Merleau-Ponty encontra, na fenomenologia, uma questão chave: em vez de supor algo além da consciência, opta por rever a maneira como descrevemos a consciência. Dessa forma, a psicologia poderia romper de vez com a tradição filosófica cartesiana, cuja infertilidade pôde ser contraposta pela fenomenologia no terreno das ciências humanas. Mas o que seria então a consciência descrita em “Fenomenologia da percepção”? Seria a função de um corpo vivo que se levanta em direção ao mundo através de todas suas potências. Seria um ser no mundo, que não é sem mundo. A consciência seria aquilo que produz sentido, que se situa. Que se situando, abre horizontes e transforma o corpo num emaranhado de significações. Que se caracteriza por uma visão pré-objetiva sendo um “para si”, dotado de intencionalidade, dotado de melodia. Que é anterior e é além da sequência dos sons e das cores em si. É o que faz sentido. Tal compreensão de consciência remete em muito à ética de Espinosa em que se questiona o que pode um corpo. Projetando uma ciência e profissão ética, parafraseio: “o que pode uma psicologia fenomenológica?”. Que implicações teria essa visão para a compreensão dos fenômenos? o que é compreender o fato psicológico como fenômeno? Desse fundo filosófico, emerge uma psicologia que busca compreender um sujeito que se expressa no mundo. Que tem um corpo e descobre suas potências experienciando o mundo. Um sujeito que se apresenta num vir-a-ser. Que não é estático, mas se move e se transforma na experimentação do mundo, e que, pelo mesmo motivo, não pode ser tomado como objeto – em si –, mas deve ser reconhecido por sua expressão. Eclode uma ética pautada no respeito à singularidade. Esta nova psicologia conduziria à compreensão dos sintomas como uma possibilidade de expressão de uma forma do ser no mundo. Neste viés, o sentido fenomenológico do sintoma expressa “uma maneira de ser a respeito do mundo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.219), tendo como fundo a totalidade de uma existência. A título de exemplo dessa forma de compreensão, Merleau-Ponty (1999) descreve o caso de Schneider. Um sujeito incapaz de realizar movimentos que não estejam orientados a uma situação efetiva. Mesmo de olhos fechados, Schneider mostra-se plenamente capaz de pegar um lenço no bolso e assoar o nariz, ou tirar um mosquito da testa. No entanto, quando lhe pedem para apontar o nariz ou a testa, ele não consegue, ou cumpre a tarefa mediante grande esforço. A aparente contradição de pegar espontaneamente, mas não conseguir apontar não seria facilmente explicada pela psicologia clássica. Esta situação, portanto, permite que Merleau-Ponty elucide o alargamento da compreensão possibilitado pela fenomenologia. O que ocorre é que, na leitura da psicologia clássica,a consciência de lugar é sempre consciência posicional, determinação do mundo objetivo. Portanto é ou não é, não apresentando ambiguidade. Mas tendo em vista a percepção enquanto ato dotado de sentido, como um movimento em direção a algo, denota-se que “o saber de um lugar se entende em vários sentidos”. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 151) Neste caso, “o doente tem consciência de espaço corporal como local de sua ação habitual, mas não como ambiente objetivo, seu corpo está à sua disposição como meio de inserção em uma circunvizinhança familiar, mas não como meio de expressão de um pensamento espacial gratuito e livre”. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 151) Pode-se compreender que pensar o sujeito como um ser no mundo reverbera em uma psicologia a qual não se reduz num saber relacionado a um conjunto de dados visuais, mas se amplia por saber que a consciência faz dos estímulos visuais uma visão de mundo, e mais do que isso, visa um mundo. Um mundo que não é apenas um lugar, mas se faz situação, se faz presença e se soma à totalidade dos sentidos, na ampla ambiguidade da palavra sentido. REFERÊNCIAS MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. GOODWIN, Charles James. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 2005. FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Psicologia, uma nova introdução: Uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: Educ, 1997 POLITZER, Georges. Crítica dos fundamentos da psicologia. Editorial Presença / Martins Fontes: Lisboa, 1975.
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