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Sumario A conquista e a exploração da América Espanhola ................................................................... 7 1.Os fundamentos da colonização: Mercantilismo e Absolutismo ........................................ 7 A Era da colonização ........................................................................................................................ 7 2.A conquista espanhola da América ............................................................................................8 1.A conquista espanhola da América .......................................................................................... 12 Sumário do Volume Sociologia 5. Cultura ou cultura? ........................................................................................................5 5.1 Cultura como resultado da produção humana .....................................................................5 5.2 Classifi cação de cultura(s) ........................................................................................................ 8 6. Movimentos e manifestações culturais .....................................................................15 6.1 Cultura de massa .......................................................................................................................15 6.2 Contracultura (http://cnec.lk/05wp) .....................................................................................18 7. Ciência dos homens e ciência da diferença .............................................................. 24 7.1 A noção de cultura e a ciência antropológica .................................................................... 24 7.2 Desenvolvimentos da Antropologia ...................................................................................... 34 8. Diferenças culturais.................................................................................................... 39 8.1 Diferença e desigualdade ........................................................................................................ 39 Sumário Completo Volume 1 1. Sociologia: o estudo da sociedade? 2. Contexto histórico de surgimento da Sociologia 3. O processo de socialização 4. Relação indivíduo/sociedade Volume 2 5. Cultura ou culturas 6. Movimentos e manifestações culturais 7. Ciência dos homens e ciência da diferença 8. Diferenças culturais Volume 3 9. Trabalho como categoria sociológica propriamente humana 10. Trabalho e relações de produção ao longo da história 11. Trabalho nas sociedades modernas (Taylorismo, Fordismo e Toyotismo) 12. O mundo do trabalho nos dias atuais 51ª Série do Ensino Médio - Vol. 2 5. Cultura ou cultura? Fig.5.1 Fig.5.8 Fig.5.2 Fig.5.3 Fig.5.4 Fig.5.5 Fig.5.6 Fig.5.7 Fig.5.9 Fig.5.10 Fig.5.11 Fig.5.12 5.1 Cultura como resultado da produção humana Problemática do capítulo: Discutir a ideia de cultura como produção humana ao longo da história e como resultante da necessidade A montagem das fotos – abertura do capítulo – mostra a diversidade alimentar, hegemônica em cada continente ou país, retratando como diferentes agrupamentos humanos, por distintos motivos – sociais, geográficos, históricos, entre outros –, foram, ao longo de milênios, construindo padrões; nesse caso, alimentares, a fim de garantir a satisfação de necessidades – Sociologia Sociologia 6 1ª série do Ensino Médio obter nutrientes. Evidentemente, esses padrões compuseram-se de forma lenta, passando por contínuas modifi cações. Podemos notar que as mudanças “mais rápidas” se deram instrumental e tecnicamente. Quer dizer, os seres humanos tendem a aperfeiçoar as técnicas para obterem comida. Há ainda outras técnicas, como, por exemplo, de produção de conhecimento, instituições da sociedade (justiça) e organização social, que também vão sendo aprimoradas. Há as tecnologias e todo o aparato industrial e mecânico que se desenvolvem cada dia mais rapidamente, e há costumes que demoram muito mais para mudar. Sob esse primeiro aspecto, há uma produção técnica e tecnológica que distingue os seres humanos dos outros animais. Os homens inventam mecanismos para melhor viverem no mundo e desfrutarem dele, satisfazendo suas necessidades biológicas e sociais. Estes são os únicos mecanismos passíveis de serem determinados como melhores, uns em relação aos outros, ou em termos de custo, benefício e efi ciência. A cultura material, como se vê, é mais tecnológica. E as instituições sociais? De modo simples, elas para regular e melhorar o convívio em sociedade. Desde Aristóteles1, sabe-se que o “homem é um animal político”, no sentido de que vive na pólis, isto é, na cidade, em grupo. O problema de viver em sociedade é a difi culdade de se respeitar o espaço alheio – sujeitar-se a regras comuns. Algumas dessas regras são explícitas – por exemplo, as leis – ao passo que outras são tácitas, implícitas – como os costumes, os hábitos, as crenças, as ideias, os valores que, como as leis, servem para organizar a vida social, embora muitas vezes as pessoas não “parem para pensar” a respeito do porquê fazem algo de um jeito e não de outro. Veja: não basta se alimentar, é preciso comer arroz, feijão e mais uma mistura. E não basta esses alimentos estarem reunidos, cada um deles é preparado de modo específi co e existe mais de uma maneira de prepará-los; inclusive, em ocasiões especiais são preferidos alimentos mais sofi sticados, evitando-se aqueles mais corriqueiros. De acordo com esse segundo ponto de vista, as técnicas são apropriadas pelas pessoas no seu dia a dia para satisfazerem suas necessidades orgânicas e sociais. É possível afi rmar, ainda, que as necessidades sociais englobam as biológicas, transformando-as, humanizando-as – os animais comem carne crua, já os humanos, cozida. Sobre esses mecanismos tácitos, as regras de convivência e o sentido, que faz executar uma ação de uma maneira e não de outra, não é possível dizer qual é melhor ou se há certo e errado. Quer dizer, para uma sociedade, existe o certo e o errado, para outra há outros valores. Por motivos sócio-históricos, as sociedades são diferentes, sem serem menos humanas por isso. Há exemplos concretos disso, como o fato de umas sociedades serem nômades e outras, sedentárias, devido a fatores de ordem geográfi ca e não a um “atraso” no desenvolvimento social. O fato de uns povos cultivarem rebanhos bovinos e alimentarem-se da carne deles e outros não, por julgarem que o bovino é sagrado, deve-se a razões de ordem sociológica e histórica, e não a crendices “pré-científi cas” ou “pré-racionais”. Aliás, a teoria cultural mais recente e mais importante para a Antropologia está sendo desenvolvida na Índia, ex-colônia da Inglaterra, e afi rma, entre outras coisas, que a cultura europeia/ocidental não é “moderna” porque é só mais uma cultura dentre milhares de outras, no sentido de que a Europa é apenas mais um bairro de uma cidade (e não o centro do mundo). O mesmo vale para a ciência desenvolvida na Europa/ Ocidente, que é encarada como apenas mais uma forma de conhecimento frente a outras – inclusive, a despeito dos notáveis avanços da ciência ocidental, os povos ocidentais costumam buscar nas culturas orientais milenares (chinesa e hindu) técnicas e conhecimentos alternativos (tratamentos naturopáticos, por exemplo). Já estudamos que uma pessoa se humaniza por intermédio do processo de socialização. Há numerosos “mecanismos” que tornam o ser humano apto para viver como tal. Em Ciências Sociais, mais particularmente na Antropologia, esses mecanismos de controle são defi nidos conceitualmente como cultura, que, no fundo, nada mais é do que o processo de socialização e seu resultado, desde a produção material até o mais imperceptível e refi nado comportamento. Esta é uma defi nição generalista, pode ser inferida a qualquer conceito de cultura. Contudo cada correnteantropológica cria uma defi nição especializada. 1 - http://cnec.Ik/05vn Cultura ou cultura? 7Volume 2 Claro, pode-se falar em cultura de massa ou cultura erudita, e ainda em cultura política, sociologia da cultura e, até mesmo, “cultura empresarial”. Ou seja, em nosso linguajar, a palavra pode ser usada de diversas maneiras. Para o Ministério da Cultura, uma boa defi nição é: “manifestações artísticas”. Para as Ciências Sociais, tais manifestações são sim culturais. Porém cultura não é apenas isto, ela envolve muito mais. Em Antropologia, o conceito de cultura veio suprir a necessidade de explicar e compreender a diferença entre os seres humanos. De fato, esse conceito gozou, por mais de um século (do XVIII ao XX), de exclusividade nesta função. Recentemente, alguns antropólogos vêm questionando o conceito de cultura, alegando que ele seria, antes de tudo, mais um mecanismo de dominação e colonização do que de compreensão (veremos isso adiante). Atualmente, é consenso entre antropólogos que cultura seja a carga distintiva da humanidade, aquilo tipicamente humano, que diferencia o homem dos outros animais. Quando se fala em cultura, portanto, pressupõe-se toda a produção social, material e simbólica que as sociedades humanas construíram ao longo de sua existência. Existem, então, diferenças entre povos, inclusive a cultura (sentido antropológico) contemporânea de um povo é diferente do que foi no passado, e é também diferente entre indivíduos desse mesmo povo. Há uma multiplicidade de diferenças. O conceito cultura levou cinco séculos para ser gerado. É importante conhecer esse processo, ainda que sucintamente. Adiante (seção 7) veremos como a ideia de cultura surgiu em resposta à necessidade de entendimento das diferenças. Essa ciência da humanidade (Antropologia) busca estudar quais os signifi cados e valores que os seres humanos atribuem a si próprios, a seus bens e a suas atividades. É por isso que muitos antropólogos estudam cultura a partir da língua e das linguagens – ambas seriam uma rede de signifi cados, valores que as pessoas criam e mudam conforme suas necessidades. Uma defi nição clássica de cultura que, de certa forma, resume os aspectos materiais e simbólicos é a do antropólogo estadunidense Cliff ord Geertz2: O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado à teia de signifi cados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do signifi cado. GEERTZ, Cli� ord. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 15 Explicando: para Geertz suprir, as ações dos humanos só têm sentido (valor, signifi cado) entre eles mesmos, de um para outro. Esse sentido foi construído ao longo da história de cada sociedade. Ocorre que os materiais, as técnicas, as formas de produção também passam por um processo de receber um valor determinado pela sociedade. Assim, cada ato humano só é possível a partir da teia de signifi cados que os seres humanos teceram entre si e que envolve as coisas. Por essa razão, não é possível formular leis gerais e universais sobre cultura, valores, signifi cados – porque eles são únicos em cada sociedade. A antropologia, enquanto ciência da humanidade, busca esses signifi cados e explica as atividades humanas a partir deles – as pessoas fazem a si mesmas e atribuem a si mesmas seu signifi cado a partir do contexto cultural. Em suma, cultura é o que norteia a ação dos humanos no mundo. Exercícios de sala 1 Compare as defi nições de “cultura” que usamos diariamente, no senso comum, ao conceito estabelecido pela antropologia e indique as diferenças observadas. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ 2 - http://cnec.Ik/05vx Sociologia 8 1ª série do Ensino Médio Defi nição conceitual: Capacidade de se colocar no lugar do outro. 5.2 Classifi cação de cultura(s) A) Cultura erudita e cultura popular Fig.5.13 Notamos que cultura refere-se ao que distingue os seres humanos dos outros animais (ver seção 7). Lembrando da imagem de abertura do capítulo, é possível perceber que todos os seres vivos alimentam-se, mas os homens preparam a comida de infi nitas maneiras. Essas maneiras foram estabelecidas ao longo de milênios. No exato dia de hoje, coexistem diversas maneiras de cozinhar, de se vestir, de falar, de morar etc. Os seres humanos, ao depararem-se com a diversidade inerente à própria humanidade, buscaram maneiras de compreendê-la. O conceito de cultura tem o objetivo de englobar a distinção entre humanos e animais (antropocentrismo) e, ao mesmo tempo, as diferenças entre humanos – em grupo ou individualmente (alteridade, diversidade, diferença). Em resumo, o conceito de cultura seria uma explicação científi ca para as diferenças sociais baseadas na própria sociologia. Não é possível descrever uma suposta origem da cultura porque cada cultura é única e, digamos, 90% da população humana não registrou sua história em livros. Mesmo os europeus e demais ocidentais, e, antes deles, chineses, indianos e outros povos do oriente médio e da Ásia só passaram a escrever sua história nos últimos cinco mil anos (é muito pouco quando consideramos a idade estimada da Terra – 4,54 bilhões de anos – e que o Homo sapiens sapiens apareceu há cerca de 180 mil de anos). O que podemos afi rmar, por outro lado, é que tudo o que os seres humanos produzem é fruto de sua cultura. Mesmo o conceito de cultura é um produto cultural, que foi constituído em um contexto singular. Houve sim estudos sociológicos sobre a história dos povos europeus com base na cultura. Ferdinad Tönnies3 e seu livro Sociedade e Comunidade (1887) são ícones célebres. Contudo, tais estudos ainda buscam uma sequência lógica para os estágios de desenvolvimento, supostamente universal – e a história é particular, e não linear. Cinquenta anos mais tarde, em 1939, Norbert Elias4, sociólogo judeu da Alemanha, realizou um dos primeiros estudos históricos baseados na noção de cultura (em 3 - http://cnec.lk/060q 4 - http:cnec.lk/05vp Fig.5.14 Cultura ou cultura? 9Volume 2 alemão, Kultur) sobre a sociedade europeia, a fi m de demonstrar que as ideias, crenças, costumes, hábitos e tecnologias mudam ao longo do tempo. É o que ele chamou de processo civilizador, que dá título a seu livro. Esse livro é um marco no pensamento social porque rompe com a ideia de continuidade entre estágios de desenvolvimento, inclusive jogando a Europa para fora do padrão de referência. Outro ponto importante sobre a tese de Elias, é que ela demonstra como o contexto social infl uencia na mudança cultural. Já sabemos que as culturas mudam, é realmente difícil perceber uma mudança cultural. Dependendo do que se entende por cultura e por mudança, uma mínima mudança de atitude de um indivíduo pode ser considerada mudança cultural ou pode-se ainda falar em revolução cultural, quando de veem drásticas mudanças que englobam o todo social. Entretanto, é inegável que o mecanismo básico de formação e mudança cultural se dá por meio das trocas entre as pessoas. Os seres humanos não trocam apenas objetos físicos, também trocam signifi cados, símbolos, afetos, sentidos, alianças, em suma, relações sociais. No processo civilizador, Elias descreve exaustivamente o intercâmbio cultural entre França, Inglaterra e Alemanha. Esse intercâmbio se deu de várias formas. Porém, o que chamou a atenção do autor foram os modos à mesa. Ele buscou relatos históricos das maneiras de se portar na hora das refeições. A comparação entre as maneiras francesa e alemã mostrouque os franceses chamavam-se a si mesmos de civilizados por portarem hábitos considerados refi nados à mesa. Os alemães habituaram-se a copiar esses hábitos, chegando a contratar instrutores franceses para ensinarem boas maneiras a eles. O Brasil por vezes encomendou “missões francesas” de intelectuais e artistas para “civilizar” mais o povo brasileiro, mas no que se referia a produções artísticas (pintura) e não aos modos de se portar à mesa. A proximidade e as trocas entre as pessoas ocasionam mudanças. As pessoas compartilham entre si seus costumes, que são maneiras de se relacionarem uns com os outros. Evidentemente, essas trocas não são mecânicas, passam por seleção e mediação. Isto é, uns costumes podem ser incorporados e outros, rejeitados. E, ainda, para cada costume interiorizado, realizam-se adaptações. Por exemplo, o que os franceses chamam civilisation inclui, em grande parte, uma conduta social refi nada, delicada, discreta, contida; ao passo que, para os alemães, o termo é traduzido por Kultur e sinaliza antes para a intelectualidade e o cultivo do espírito. O exemplo está vastamente explorado no livro de Norbert Elias. Ainda, para os ingleses, culture é o termo que sintetiza as noções franca e germânica. Bem, mas um povo não é homogêneo. Sabemos que as pessoas de um mesmo povo tendem a ter hábitos iguais (língua, por exemplo). Mas cada indivíduo apropria-se destes hábitos de uma maneira, que é determinada pela sua condição social (no caso da língua, os dialetos e sotaques). O exemplo de Elias continua: para a elite alemã, os príncipes feudais, a intelectualidade era apreciada, era conveniente refi nar os hábitos seguindo a moda francesa. Os servos julgavam isso grande frivolidade e perda de tempo. Na França, a elite, nobre derredor da realeza, chamava a si própria de civilizada por seus requintes aristocráticos. Já a classe burguesa e servil entendia todo esse comedimento como fi ngimento e falsidade nas relações sociais. Entre uma classe social e outra, há diferenças entre os signifi cados atribuídos aos mesmos costumes. A razão dessa diferença pode ser um ódio de classe; ou pode estar baseada no entorno das pessoas, os símbolos de distinção social mudam de um grupo para outro. Vejamos: para a elite brasileira, música clássica europeia pode ser considerada de grande refi namento cultural (culture, civilisation, Kultur), e, para os subalternos que moram em bairros afastados e vivem de vender a força de trabalho, aquele tipo de música pode não passar de frivolidade, enquanto o rap, o funk e outros gêneros podem ganhar grande valorização. A diferença de pontos de vista e de valores não é dada pela natureza, é construída socialmente. Ao longo da história, um hábito é valorizado e outro, deixado ao desuso. Esta seleção e desvalorização ocorrem a partir das fontes de cultura a que um grupo tem acesso. É comum ouvir-se a afi rmação de que brasileiro não gosta de ler. Pode não gostar realmente. Mas tem livros em casa? Tem acesso fácil e farto a bibliotecas? Tem biblioteca na escola? Tem aulas de leitura? Livros são baratos e até as pessoas com baixa renda podem adquiri-los? Sociologia 10 1ª série do Ensino Médio Esse sistema de distinção social é chamado de capital cultural. Tal conceito foi cunhado por Pierre Bourdieu5 para explicar por que os pobres tendem a não ir bem na escola. A explicação é a seguinte: a escola exige acesso a diversos capitais culturais (livros, fi lmes, museus etc.) aos quais nem todas as pessoas têm acesso. E, mesmo quando o acesso é fácil ou gratuito, a carência de instrução diminui seu aproveitamento. Portanto, o que leva uma pessoa a apreciar música “clássica” ou rap são suas condições sociais, porque ela terá acesso aos capitais disponíveis em seu meio e não a outros. Ela será apresentada e socializada a determinados códigos de valores pertinentes ao seu meio social. Isto não signifi ca que alguém que cresceu ouvindo rap não possa vir a apreciar MPB, signifi ca que o rap faz sentido para ela porque foi com esse estilo musical que essa pessoa foi socializada e cujo acesso foi facilitado por sua socialização. Assim, pode-se dizer que elementos classifi cados como cultura erudita diz respeito a elementos culturais apropriados pelas classes dominantes, e cultura popular normalmente é associada a elementos apropriados pelas classes subalternas, de cada momento histórico. Essa classifi cação não possui como critério a complexidade do elemento cultural em jogo e sim o grupo social que está se apropriando, ou alguém acreditaria que tocar acordeon (elemento típico da cultura popular brasileira) é mais simples que tocar violino (elemento tido como da cultura erudita)? Exercícios de sala 2 A partir de quais elementos podemos distinguir a cultura brasileira como única? _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ B) Aculturação Acabamos de ver que é possível haver trocas culturais entre pessoas e povos. Uma pessoa ou um povo pode perder sua cultura? Em meados das décadas de 1950 e 1960, no Brasil, estavam em voga as teorias de aculturação. A partir da leitura da obra de Durkheim6, os antropólogos e sociólogos brasileiros iniciaram uma discussão a respeito de como se transmite a cultura. Nessa mesma época, uma questão preocupava o governo: a extinção dos ameríndios. Essa preocupação não era exclusividade do Brasil, era um debate de pauta internacional, inclusive na ONU e na UNESCO. Como todos os continentes haviam sido conquistados e colonizados pelos europeus, os povos nativos que ainda subsistiam estavam ameaçados de extinção física e cultural. Eles foram dizimados pelos colonizadores, e os sobreviventes estavam aderindo à cultura do colonizador. Ocorreu uma crise na Antropologia, também ameaçada de extinção: seu objeto de estudo desapareceria em dez anos, segundo as previsões mais catastrófi cas. Foi quando ganharam força os estudos e as teorias de aculturação ou assimilacionismo. 5 - http://cnec.lk/05vt 6 - http://cnec.lk/05vf Fig.5.15 Cultura ou cultura? 11Volume 2 Defi nição conceitual: Intensidade de conformidade dos membros de uma coletividade aos padrões culturais do seu grupo. Recordando: etnocentrismo é o ato de utilizar sua própria visão de mundo para medir o valor e o progresso das demais sociedades; afi rmar que um grupo humano deveria dedicar-se à sua cultura particular sem misturar-se, é etnocentrismo ao avesso. Esse conceito será trabalhado adiante (seção 7 B). No Brasil, o processo de demarcação de terras indígenas e remanescentes quilombolas demandou que o governo contratasse antropólogos para estudarem e defi nirem quem era e quem não era nativo ou descendente de escravos. A questão parece banal, pode- se imaginar que um indígena é alguém que vive no mato e usa penas como vestimenta. E quanto aos indígenas que ainda hoje vivem nas extremidades de São Paulo Capital (7a maior cidade do mundo, maior, inclusive que Nova Iorque), no pico do Jaraguá e em Guaianases? Bem, quando subimos o pico, vemos os índios vestidos com roupas, morando em casas e utilizando aparelhos eletrônicos (celular e relógio, TV e computador). No programa Aw’e, da TV Cultura, pode-se visualizar nativos da longínqua Amazônia com energia elétrica nas casas e possuindo aparelhos tecnológicos. Até um episódio de Fudêncio e seus amigos, desenho animado na antiga MTV, retrata a apropriação da cultura urbana pelos nativos e a queixa de que eles perderiamsua cultura. Mas cultura é algo que se pode perder? Ou trata-se, antes, de mudanças? Ao descobrir uma tecnologia que me proporcione conforto ou outras facilidades, não posso aderir a ela, pois deixarei de ser quem eu sou? Ao considerar que qualquer alteração introduzida é uma perda, então deveríamos parar de ouvir músicas em inglês e de comprar roupas da última moda. O fato, como demonstrou Elias para a Europa, como retratam os desenhos e documentários citados, é que as pessoas realizam trocas e apropriam-se de bens segundo seu interesse e benefício. Aquela questão da aculturação dos nativos brasileiros foi abordada pelo antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira7. Ele trabalhou nas equipes de “identifi cação” de nativos. Como o conceito de cultura era por demais abstrato para gerar uma evidência empírica da etnicidade, o pesquisador criou o conceito de fricção interétnica. Etnicidade vem de grupo étnico, é uma alternativa ao conceito de cultura que sinaliza para os caracteres particulares que, justamente por serem particulares, confeririam a um grupo o estatuto de étnico (o termo raça foi substituído por etnia). Assim, o conflito entre nativos e brancos no Brasil foi explicado pela fricção interétnica: o conflito de interesses entre os grupos de etnia nativa americana e etnia branca levava à revitalização de costumes (língua e crenças, por exemplo) e permitia aceitar que os grupo étnicos, os ameríndios, apropriassem-se dos bens culturais dos brancos, sem deixarem de ser étnicos. (Sobre a noção de etnia, ver, a seguir, seção 7 B.) É uma polêmica até hoje. Sabe-se que existiram costumes inventados para “provar” a etnicidade. O antropólogo João Pacheco de Oliveira8 trabalha a questão da ressurgência étnica no Brasil em um livro intitulado A viagem da volta. De fato, a luta por direitos leva os grupos étnicos a “voltarem” a seus costumes, para provarem que não sofreram “aculturação”. Claro que ninguém volta a ser o que era antes das trocas culturais, mas a luta por direitos é legítima e necessita deste conceito para facilitar o reconhecimento da diferença. Atualmente, a identidade (étnica ou qualquer outra) é reconhecida pelo estabelecimento de fronteiras entre grupos. A distinção entre nós/eles é feita pelo próprio grupo e atesta sua particularidade cultural. 7 - http://cnec.lk/061g 8 -http://cnec.lk/0612 Fig.5.16 Sociologia 12 1ª série do Ensino Médio Exercícios de sala 3 A cultura brasileira é homogênea? Justifi que sua resposta a partir de exemplos do dia a dia, utilizando- se teoria antropológica. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ C) Anticolonialismo Atualmente, é consenso em Antropologia que um grupo étnico defi ne-se pelas fronteiras que estabelece às trocas com os demais grupos. Alguns grupos étnicos, no entanto, tomam para si a bandeira da identidade para diferenciarem-se dos demais. Segundo Stuart Hall9, este processo é a resposta pós-colonial à globalização. Nesse sentido, alguns grupos “minoritários” que sofreram décadas de repressão de sua cultura ressurgiram e afi rmaram-se étnicos em oposição à “cultura” comercializada pelas potências mundiais. Thomas Hylland Eriksen10 é um antropólogo norueguês que discute o mesmo problema de aculturação naquele país. Seu conterrâneo Fredrik Barth11 também discute a mesma questão identitária. Na verdade, o tema ganhou destaque em outros países, surgindo, inclusive, o termo “políticas de reconhecimento (de identidades)” que é análogo às questões étnicas do Brasil. No caso da Noruega, os noruegueses descendentes de povos germânicos são dominantes e confl itam com lapões (nativos) e patãs (imigrantes do oriente médio). A resolução encontrada é similar à dos antropólogos brasileiros. Além da questão da identidade étnica (etnicidade), defi nida com base nas fronteiras entre os grupos culturais, esses antropólogos discutem a questão da globalização a partir de sua absorção ou não pela “cultura local”. No fundo, todos os povos selecionam o que vai adentrar suas fronteiras culturais e incorporar-se à sua identidade. Contudo, a rejeição sistemática dos produtos “globalizados” ou sua ressignifi cação pelos valores da cultura local sobrepõe-se à chamada globalização. Os grupos fazem isto para se preservar em vários sentidos. Há um termo especial: glocal (fusão de global com local) que demarca esta valorização da cultura local em detrimento da “global” – que no fundo exclui os povos subdesenvolvidos. As ações afi rmativas vieram deste movimento de subversão dos valores hegemônicos. As culturas nativas, outrora reprimidas e condenadas, passaram a se valorizar. O valor negativo foi atribuído pelo colonizador que não reconhecia a diferença cultural e alegava que era atraso de progresso (sempre em referência ao padrão europeu). Antropólogos desses países ex-colônias entendem que é preciso descolonizar-se, inclusive nos valores e no pensamento, que a dominação se dá antes pela interiorização dos valores do colonizador. Por isso o movimento de subverter 9 - http://cnec.lk/061j 10 - http://cnec.lk/061l 11 - http://cnec.lk/060t Fig.5.17 Cultura ou cultura? 13Volume 2 o valor negativo é tido como revitalizar a cultura local (em oposição à global). Dentre esses antropólogos, há alguns radicais, chamados pós-coloniais, que propõem inclusive descartar o conceito de cultura, porque, segundo eles, esse conceito explica a diversidade humana, porém apenas para justifi car o extermínio ou um mecanismo traiçoeiro de manutenção da desigualdade entre os povos. Esse mecanismo funciona pelo incentivo ao retorno e à manutenção da cultura local, preponderantemente agrária, a fi m de que os países permaneçam subdesenvolvidos em relação aos países centrais. Um aspecto central desta crítica à antropologia é a noção de progresso, que é considerado o padrão europeu ou estadunidense. O antropólogo dos EUA, Marshall Sahlins12, chama as sociedades “primitivas” de “sociedades da abundância” porque elas não seriam capitalistas (forma da economia “mais desenvolvida”) e, nessas sociedades, as pessoas trabalham em média quatro horas por semana e ninguém passa fome. Com o capitalismo, trabalha-se em torno de quarenta horas por semana, e muita gente passa fome. A crítica à noção de progresso, à crença de que só existiria um progresso está baseada no etnocentrismo. Os autores do pós-colonialismo são, maioria, das ex-colônias britânicas, notadamente a Índia, onde se desenvolve esta teoria cultural, considerada a mais importante da atualidade. Tal corrente teórica é também chamada, especialmente na Inglaterra, de “estudos culturais”, porque pratica multidisciplinaridade, especialmente relações entre literatura e antropologia, mas também psicologia, ecologia, fi losofi a e sociologia. Alguns desses autores são: Edward Said, Stuart Hall, Franz Fanon, Lila Abu-Lughod, Vandana Shiva, Akhil Gupta, Homi K. Bhabha, Gayatri C. Spivak, Paul Gilroy, Gananath Obeyesekere, Arjun Appadurai, entre outros/as. Exercícios de sala 4 De que maneira o ser humano ressignifi ca coisas, ideias e valores de outros povos no dia a dia? Busque exemplos. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Exercícios propostos 5 12 - http://cnec.lk/0626 A charge anterior retrata a) a ingenuidade dos nativos. b) a chegada dos europeus à América. c) o processo de colonização como negociação e troca entre povos. d) os benefícios da colonização, pois os ameríndios eram atrasados. e) os argumentos utilizados para justifi car a colonização e, com ironia, apresenta a relação entre imposição e benefício. Sociologia 14 1ª série do Ensino Médio 6 A expressão “cultura popular” pode ser entendida no sentido de “consumida pelo povo, amplamente divulgada e acessível às classes mais humildes”. A oposição entre cultura popular e cultura erudita pode ser explicada como a a) democratização do acesso à cultura. b) luta cultural de grupos distintos dentro da sociedade. c) hierarquia de valores entre classes sociais de uma sociedade. d) imoralidade de grupos sociais que se apropriam de elementos culturais. e) falta de propaganda dos grupos que produzem essas culturas. 7 Para a Sociologia, cultura é algo característico do ser humano e pode ser defi nida como: a) bens artísticos exclusivamente. b) conjunto de conhecimentos que alguém pode acumular. c) características sociais universais das sociedades humanas, iguais em todos os tempos e lugares. d) características sociais particulares de uma sociedade que são aprendidas de uma outra sociedade. e) características sociais particulares de uma sociedade, construídas pelos seus membros, ao longo da história, inclusive tecnologias. 8 Sobre o processo de aculturação, afi rma-se 1) É comum a todos os povos, pois há trocas entre pessoas a todo tempo. 3) Uma sociedade que adquire a cultura de outra deixa de ser ela mesma. 5) Embora valores ou tecnologias possam ser incorporados, eles são ressignifi cados e integrados de maneira específi ca. 7) A troca de tecnologias entre grupos humanos leva à homogeneização das culturas. 9) Uma cultura preserva-se antes pelas trocas do que pelo isolamento, pois as trocas não destroem necessariamente uma cultura, mas levam-na a se desenvolver. A soma das afi rmações corretas é: a) 10 b) 13 c) 11 d) 15 e) 16 Saiba mais http://cnec.lk/05wu Movimentos e manifestações culturais 15Volume 2 6. Movimentos e manifestações culturais Fig.6.5 Fig.6.4Fig.6.1 Fi g .6 .2 Fi g .6 .3 6.1 Cultura de massa As expressões cultura de massa ou meios de comunicação de massa são comuns. Para os canais que veiculam estas expressões, o signifi cado delas pode ser de “popularidade”. As Ciências Sociais encaram estes “meios” de produção e difusão como “massifi cação” cultural em sentido especial. Para bem compreender o que é massifi cação, é necessário conhecer o contexto histórico em que o termo surgiu. Após a II Guerra Mundial, sociólogos da chamada Teoria Crítica ou escola de Frankfurt, que fugiram do extermínio nazista na Alemanha e foram para os EUA, dedicaram-se a pensar sobre as razões do sucesso do nazismo e do fascismo. Dentre os motivos apontados, descobriu-se que a propaganda foi fundamental. O Estado nazista monopolizou os meios de comunicação, enchendo-os de propaganda a favor do regime – um dos motivos que conquistou apoio da quase totalidade da sociedade. O principal formulador do conceito e teoria da comunicação de massa foi Theodor W. Adorno13 (1903-1969). Em Adorno, indústria cultural distingue-se de cultura de massa. Esta é oriunda do povo, de suas regionalizações, de seus costumes e sem a pretensão de ser comercializada, enquanto indústria cultural possui padrões que se repetem com a fi nalidade de formar uma estética ou percepção comum voltada ao consumismo. E embora a arte clássica, erudita, também pudesse ser distinta da popular e da comercial, sua origem não tem a intenção de ser comercializada nem surge espontaneamente, mas é trabalhada tecnicamente e possui uma originalidade incomum – depois pode ser estandardizada, reproduzida e comercializada segundo os interesses da indústria cultural. Tal teoria está baseada em pressupostos marxistas e psicanalistas. Do marxismo, estes autores trouxeram a noção de alienação, no sentido de que as pessoas eram levadas pela propaganda a se sentirem estranhas a si mesmas e ao que importava ao nazismo; a propaganda inculcava-lhes uma ideologia, isto é, ideias e valores que não lhes pertenciam, mas eles tomavam para si porque estavam alienados de seus valores pessoais. Da psicanálise, os autores importaram a noção de inconsciente coletivo. Freud14, certa vez, tentou explicar por que o comportamento das pessoas é similar (por que milhares de pessoas têm comportamento igual ou semelhante? É a pergunta fundamental da sociologia de Durkheim). Sua explicação foi que, em grupo, a razão e a individualidade tenderiam a desaparecer, e as pulsões de vida e morte, os medos coletivos e os desejos tomariam as pessoas e elas agiriam por impulso, por fatos que estariam esquecidos, mas arquivados no inconsciente de cada uma. Nesse sentido, a propaganda produziu um inconsciente coletivo que legitimava o sistema. 13 - http://cnec.lk/061k 14 - http://cnec.lk/061i Sociologia 16 1ª série do Ensino Médio O sociólogo estadunidense Charles Wright-Mills15 (1916-1962) também estudou a comunicação de massa, mas no contexto dos EUA pós-guerra. Ele percebeu que o monopólio (ou antes oligopólio) dos meios de comunicação nos EUA era de uma pequena elite que os utilizava para veicular propagandas de seu interesse. E, dessa maneira, mantinha poder ou dominação sobre os demais. Aqui não no sentido de legitimar um governo (embora pudesse manchar sua imagem e arruinar uma campanha eleitoral), mas no sentido de auferir privilégios e riquezas. Esta elite conseguia efetivamente infl uenciar o comportamento e decisões das pessoas. Para Wright-Mills, a dominação (defi nição de Weber16: probabilidade de obter obediência de outro) era exercida por intermédio da mídia, apenas com uma diferença: a redução das pessoas a uma massa amorfa. Ignorar as diferenças sociais e culturais, propagar uma igualdade de oportunidades é tratar as pessoas como uma massa homogênea sem forma e que pode ser moldada como se desejar. O autor também trabalha com os conceitos de Marx17 de alienação e ideologia, porém para demonstrar como uma elite se serve de meios de comunicação para manter seus privilégios de poder e infl uência política. Vale a pena considerar o contexto geral no mundo do pós-guerra. As potências econômicas (Europa e EUA) passaram por uma crise econômica grave de excesso de produção e recessão. Para tentar minimizar os abalos periódicos que os ciclos de produção do capitalismo causam, autoridades reunidas em Bretton Woods, em julho de 1944, lideradas pelo economista inglês John M. Keynes18, pensaram um sistema mundial interligado de meios de equilíbrio da economia mundial capitalista. Estes mecanismos fi caram conhecidos como acordos de Bretton Woods19 e atualmente não estão mais em vigor. Paralelamente, a URSS e o socialismo existente (cabe notar que nas discussões sobre Estado, esse sistema deve ser entendido como Capitalismo de Estado) ganhavam mais adeptos – as coisas iam bem no socialismo enquanto, no capitalismo, as crises perduravam. Para fazer frente ao Socialismo e garantir sua hegemonia mundial, os EUA investiram na criação da “cortina de ferro”, uma linha armada para impedir o seu avanço para o Ocidente (que estava devastado pela guerra recém-terminada). A URSS instalou mísseis em Cuba (150 km dos EUA) para responder à ofensiva. Era a guerra fria que se instaurava. Os EUA e países hegemônicos perceberam que precisavam mais do que nunca convencer as pessoas de que o capitalismo era viável e que todos poderiam ter acesso aosbens de consumo. É aí que os meios de comunicação ganharam o papel de transformar o povo em massa e de dar-lhe a forma que convinha. Surgiu, então, o Welfare State (Estado de bem-estar social), também baseado em nos acordos de Bretton Woods. E nasceram, ainda, a doutrina Truman e o Plano Marshall20. Truman foi presidente dos EUA entre 1945-53, e sua doutrina pregava o fortalecimento do capitalismo para evitar a expansão do socialismo – guerra ao Socialismo/Comunismo. Marshall foi um assessor do governo na época em que se planejaram os altos investimentos na recuperação da Europa com o objetivo de afastar o Socialismo. 15 - http://cnec.lk/060j 16 -http://cnec.lk/05vc 17 - http://cnec.lk/05w5 18 - http://cnec.lk/0613 19 - http://cnec.lk/05wf 20 - http://cnec.lk/05wg Fig.6.6 Fig.6.7 Movimentos e manifestações culturais 17Volume 2 Cabe perguntar como isso afeta nossa sociedade atualmente, em termos de cultura. Como vimos, cultura é muito mais do que manifestações artísticas. Não é o que a grande mídia mostra. A seção “Cultura” no jornal Folha de São Paulo traz, em geral, programações de eventos – não traz artigos de antropólogos discutindo problemas culturais. O conceito antropológico de cultura já foi analisado, mas o que está por trás da noção de cultura da mídia? Uma análise, a partir dos conceitos de massifi cação, permite inferir que a “cultura” veiculada pela mídia representa os interesses dos donos dos meios de comunicação e de quem lhes paga para divulgar tal ou qual tema sob tal ou qual ponto de vista. Essa elite do poder tem muito claro para si que é preciso construir uma opinião que lhe seja favorável para se preservar no poder. Alguns fi lósofos brasileiros (Marilena Chauí21 e Viviane Mosé22, por exemplo) apontam que a seleção de pontos de vista e assuntos, bem como a maneira de abordá-los, feita pela mídia brasileira é um trabalho de desinformação porque não dá nenhum contexto para que o leitor/ espectador/ouvinte forme sua própria opinião. Nesse sentido, a “informação” é massifi cada, sem qualquer tratamento, sem contexto e sem conteúdo para uma massa indistinta de pessoas. Deleuze23 e Guattari24, em um momento em que discutem linguística e semiótica, afi rmam que a comunicação não tem por objetivo informar coisa alguma. O que se transmite é, antes de mais nada, o mínimo necessário para que uma opinião seja reproduzida, isto é, apropriada pela pessoa, acatada como correta sem avaliação – o que automaticamente legitima a opinião da mídia – e difundida. O conceito que esses fi lósofos utilizam é o de palavra de ordem. Signifi ca que a informação é apenas a necessária para transmitir ordens e garantir seu cumprimento, sem deixar saber de quem veio a ordem e qual é a sua fi nalidade. Chamamos palavras de ordem não uma categoria particular de enunciados explícitos (por exemplo, no imperativo), mas a relação de qualquer enunciado com pressupostos implícitos [...]. As palavras de ordem não remetem, então, somente aos comandos, mas a todos os atos que estão ligados aos enunciados por uma “obrigação social”. Não existe enunciado que não apresente esse vínculo, direta ou indiretamente. Uma pergunta, uma promessa, são palavras de ordem. [...] DELEUZE; GUATTARI, 1996, pp.:95-6, grifo do original. Quer dizer, não é porque a “informação” não aparece na forma de uma ordem que ela não seja uma ordem indireta. Aliás, a maneira mais efi ciente de se obter domínio (obediência) é aquela pela qual as pessoas não percebem que estão sendo manipuladas. A ausência de contexto das informações midiáticas cumpre este papel. O pressuposto implícito é que a ordem não será questionada. Costuma-se dizer que o jornalista responde às perguntas: O quê? Quem? Como? Quando? Onde? Por quê? Ora, estas questões nada mais são do que o contexto, o local do discurso, a historicidade dos fatos. Quando tomamos uma reportagem mais vulgar, as respostas a estas perguntas básicas estão ausentes. O fato de isso passar despercebido pelas pessoas é sinal de que se mordeu a isca, aceitou-se o que está escrito/dito como chegou até nós. Um fato social expressivo desta descontextualização é que as notícias são cada vez menores. Linhas. Etiquetas (“tags”). Apenas rotulamos, não analisamos. Os comentários na internet são, em sua maioria, fora do contexto e sem fundamento por essa mesma razão. Não signifi ca que sejamos bobos. O fato acontece porque, às vezes, faz-se uma leitura inadvertida, crendo na imparcialidade de quem reporta a “informação”. Nem os positivistas, que acreditavam que os dados empíricos eram incontestáveis, deixavam isso passar sem questionamento. Quando tomamos dados, prega o positivismo, devemos verifi car a qualidade da fonte, como construíram-se os dados. Além do mais, como veremos (seção 7) no caso da história do conceito de cultura, os valores sociais mudam com o tempo e, por isso mesmo, a fonte de informação deve ser situada no tempo, para ser corretamente interpretada. Há um dizer popular que afi rma: papel e internet aceitam qualquer coisa. Certamente, no papel e na internet é possível escrever qualquer coisa sem que a veracidade do que foi escrito 21 - http://cnec.lk/0619 22 - http://cnec.lk/061d 23 - http://cnec.lk/060x 24 - http://cnec.lk/060p Sociologia 18 1ª série do Ensino Médio seja contestada. O que se chama de entrelinha é esta parte do discurso que não é dita, que está implícita, subjacente, e que se tenta evidenciar para tomar uma posição adequada frente à informação. Pode-se dizer, ainda, que a defi nição do que é e do que não é “cultura” passa pelo arbítrio de quem veicula a informação. Por que determinados eventos aparecem e outros nem sequer são mencionados? Em certo sentido, esta pregação ideológica visa a legitimar uma ordem social. Divulga ideias e valores que, se não forem contextualizados, levam a pessoa a pensar e a agir como alguém deseja. É por isso que a leitura é difícil e desencorajada. É por isso que este texto não vai ao ponto sem atualizar o contexto histórico, o lugar do discurso. É por isso que o professor tem de mediar a história. Exercícios de sala 1 Analise a charge com os conceitos de cultura de massa _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ 6.2 Contracultura (http://cnec.lk/05wp) A contestação desses aparelhos ideológicos de Estado – conforme uma expressão de Louis Althusser25 – não é exclusividade dos dias atuais. Em todas as civilizações do mundo houve contestadores. A reforma protestante na Idade Média foi uma contestação da ideologia católica. O socialismo contestou fortemente o capitalismo. Estudaremos, nesta seção, alguns movimentos de contracultura, que se referem a diversos eventos e movimentos sociais, principalmente as manifestações de estudantes parisienses de maio de 1968. Os movimentos de maio de 1968 são apenas os mais conhecidos. Eles têm antecedentes e sucessores. O contexto geral da Europa, 20 anos após a II Guerra Mundial, era de conformismo. Uma “paz” muito tensa, com o “inimigo vermelho” a menos de 500 km. De fato, o Estado de bem-estar social apenas oferecia bens de massa (em grande quantidade e acessíveis à massa amorfa de trabalhadores) e incentivava o consumismo como a perfeição do capitalismo. Nos EUA, essa “realização” era representada pelo slogan: american dream (sonho americano) ou american way of life (jeito americano de vida). Recentemente diz-se smile (sorria) – claramente uma palavra de ordem – que ainda preserva subentendido “sorria, porque você está no melhor dos mundos”, como se nãohouvesse outro possível. 25 - http://cnec.lk/0616 Fig.6.9 Fig.6.8 Movimentos e manifestações culturais 19Volume 2 Tal era a pregação ideológica no mundo capitalista, enquanto o mundo socialista era acusado de pregação ideológica – como se apenas lá houvesse ideologia. Uma coisa é a ideologia enquanto ideias e valores que se servem para organizar as relações sociais (cultura). Outra é a ideologia que aliena as pessoas, que frustra suas possibilidades de realização enquanto seres humanos. Por numerosas razões, os jovens daquela época (1968) deram-se conta das manipulações ideológicas do Estado e rebelaram-se. É nesta época que as Ciências Sociais entram em crise (os chamados pós-) e são obrigadas a repensar seus paradigmas. a) Hippies (http://cnec.lk/05wq ) Os hippies podem ser entendidos como um dos primeiros movimentos a rejeitar a cultura ocidental hegemônica; dizer não ao consumismo; evitar as marcas e modas; preferir ou criar os estilos “alternativos” de vida; abrir mão de todos os valores tradicionais; reinventar as formas de sociabilidade. A opção era a experimentação. Provar tudo que era proibido: sexo, drogas, rock n roll. Roupas diferentes. Cortes e penteados diferentes. Os mais radicais deixariam de cortar os cabelos e de tomar banho – Seriam um germe dos movimentos ambientalistas de hoje? Um ponto que este movimento questionou foi a guerra como indústria. Isto é, os EUA perceberam que guerras eram um negócio lucrativo: o país lucrou milhões vendendo armas e, depois, fi nanciando a reconstrução da Europa. Tomando consciência dessa lucratividade, passaram a fazer guerra sob qualquer pretexto (comunismo, petróleo etc.). A guerra do Vietnã é apenas um dos episódios mais dramáticos. O negócio da guerra perdura até nossos dias (Iraque, Síria, Afeganistão entre outros). Em 1960, os chamados hippies perceberam esta indústria e passaram a dizer não à guerra (paz e amor; faça amor, não faça guerra). b) Panteras negras (black panthers party) (http://cnec.lk/05wr) Dado o racismo aberto e segregacionismo da sociedade estadunidense, os negros criaram um partido extraparlamentar (os EUA têm um regime político de parlamento que possui apenas dois partidos) para defesa de seus direitos. Enquanto no Brasil a política social da mesma época pregava um suposto assimilacionismo – ver a seção sobre aculturação – os EUA e outros países de língua anglo-saxã pregavam a separação entre negros e brancos. O regime apartheid (afastamento) da África do Sul é apenas o caso mais divulgado de respaldo legal ao racismo. Um movimento gêmeo do Panteras negras, foi o Black power (= poder negro). Esses negros passaram a lutar por igualdade de direitos. Em termos culturais, houve um processo de valorização das particularidades dos negros – não alisar, raspar ou prender os cabelos por exemplo – contra a cultura hegemônica (branca), e desenvolvimento e divulgação de gêneros musicais particulares aos grupos de negros (jazz, soul entre outros). E houve, ao mesmo tempo, e talvez ambiguamente, um processo de rejeição do confi namento dos negros à sua cultura particular. Sobre este segundo processo, é preciso explicar que os negros perceberam que quando se afi rmava que eles deveriam “valorizar sua cultura” Fig.6.10 Fig.6.11 Fig.6.12 Sociologia 20 1ª série do Ensino Médio tratava-se tão somente de um racismo às avessas, uma estratégia velada de segregacionismo, de mantê-los no subdesenvolvimento e na pobreza, em suma, de preservar a desigualdade social e de direito. Neste sentido, o movimento político reivindica equiparação de direitos. Mais tarde, surgiram as ações afi rmativas. Estas ações visavam a afi rmar – no duplo sentido de valorizar e retirar a carga negativa – as particularidades dos negros. Por causa do segregacionismo, os negros tentavam parecer menos negros por imitação de hábitos dos brancos. O movimento político percebeu que esta atitude era de submissão. Notaram que era o mesmo que aceitar o caráter negativo ou inferior atribuído pelos brancos à cultura (sentido da antropologia) dos negros. Por isso afi rmar-se negro seria subverter a carga negativa e ir contra a cultura dominante. Na seção anticolonialismo, viu-se que o subalterno entendeu que o primeiro passo para descolonizar-se era eliminar de sua mente os valores do colonizador. c) Tropicalismo (http://cnec.lk/05ws) Este termo congrega movimentos artísticos do Brasil dos fi nais dos anos 1960 e da década de 1970. Obviamente, tratam-se de refl exos dos movimento de contracultura do exterior. Mas o movimento ganhou características particulares no Brasil por conta, em grande parte, do contexto da ditadura militar. Nesse sentido, dizer “não” à cultura hegemônica (a dos EUA) era afi rmar-se habitante dos trópicos. Grossa parcela do movimento expressou-se na MPB, além de outras artes. É conhecida a crítica ferrenha à ditadura presente nas letras de músicas. O que os agentes perceberam, como nos outros movimentos citados, foi que o Brasil “prostituía-se” aos EUA, quer dizer, celebravam-se grandes pactos com este país e, dessa forma, permitia-se a penetração da cultura massifi cada produzida nos EUA em nosso país. Podemos dizer que as tendências musicais internacionais, o rock, por exemplo, estavam sendo ressignifi cadas. Isto é, os artistas brasileiros apropriavam-se dos produtos musicais internacionais e retrabalhavam-nos. Agregava-se uma “brasilidade” a tais produtos. Foi nesta época que o francês foi substituído pelo inglês nas escolas – foi substituído por conta da hegemonia dos EUA. O evento Rock in Rio é fruto deste movimento. Houve, é claro, movimentos negros e hippies no Brasil. Eles também tiveram adequações ao contexto social brasileiro. Isso não signifi ca que foram cópias dos movimentos do exterior. Inspiraram-se neles, mas havia problemas sociais brasileiros específi cos que demandavam respostas específi cas. Em certa medida, alguns movimentos sociais brasileiros são anteriores a movimentos similares em outros países. d) Tribos urbanas de jovens (http://cnec.lk/05wt) A Antropologia generalizou o termo “tribo” como grupos mais ou menos homogêneos, isto é, que compartilham alguns valores e, geralmente, vivem em um mesmo lugar. A antropologia social clássica chamava de “tribo” qualquer agrupamento de pessoas que compartilhava língua e costumes e vivia no mesmo lugar. Desta forma, Evans-Pritchard chamava os Nuer de tribo africana nilota – grupo de pessoas com costumes similares, que habitavam a região do rio Nilo. Fig.6.13 Fig.6.14 Movimentos e manifestações culturais 21Volume 2 O termo foi substituído nos anos 1950 por etnia. Supostamente, o termo “etnia” seria mais neutro do que “tribo” além de ser um termo importado do grego clássico. Mas, no fundo, ele preserva as mesmas conotações: grupo de pessoas vivendo em um mesmo lugar e compartilhando a mesma cultura. Quando os antropólogos passaram a se debruçarem sobre os problemas das grandes metrópoles (notadamente em Chicago, a partir de 1930), eles perceberam que as pessoas moradoras de bairros mais afastados dos centros (comumente, o centro das metrópoles é comercial e fi nanceiro) tinham hábitos particulares. Por razões históricas e sociais óbvias, grupos de imigrantes costumavam morar nos mesmos bairros, em que hábitos e dialetos eram preservados. Pessoas pobres acabam indo para bairros em que seu poder aquisitivo permite viver e ali desenvolvem atividades peculiares, tanto pela questão aquisitiva como pelo fator geográfi co – a distância do centro não permite acesso fácil aos bens culturais da classe dominante, por isso desenvolvem-se, no bairro, atividades culturais e de lazer características. Alguns termos especiais foram cunhados para estes bairros, seus hábitos e suaspopulações. Gueto, por exemplo, o mais divulgado. O termo é um empréstimo do italiano ghetto, que preservou a grafi a em inglês, e que signifi ca bairro, grupo, reduto. De fato, a palavra está bastante arraigada e divulgada na linguagem do dia a dia. No Brasil, estes estudos da cidade e dos bairros tiveram como objeto escolas de samba, movimentos políticos, religiosos, artísticos e musicais, relações de violência, dentre outros. Curiosamente, o termo tribo possui ainda hoje larga divulgação e emprego. Quando as Ciências Sociais detiveram-se em estudos sobre a juventude, o termo “tribo de jovens” apareceu referindo-se a grupos de jovens que compartilham hábitos e valores, que residem, geralmente, no mesmo bairro e se encontram em uma mesma faixa etária (entre 15 e 18, 19 e 24, dependendo do que o observador busca). O conceito pode abrir mão de limites etários e de locais para valorizar o movimento das pessoas em torno das mesmas atividades. Pode-se assim caracterizar os jovens por frequentarem as mesmas instituições (a escola é a mais evidente). Um problema recorrente à juventude é a busca por seu lugar na sociedade. Alguns antropólogos relatam ritos de passagem: quando se chega a uma determinada idade, a passagem da “infância” à vida “adulta” se dá por provas de coragem, rituais normalmente em grupos de jovens – nossos ritos de passagem similares são as formaturas e os casamentos. Em nossa sociedade, a transição pela adolescência é lenta e conturbada por causa das contradições com que o jovem se depara: não é adulto nem criança; tem e não tem responsabilidades; pode e não pode vivenciar coisas; ser estudante e começar a trabalhar etc. Talvez a maneira mais acessível de o jovem participar das instituições sociais seja pelos movimentos sociais, políticos e culturais. Não precisa ser um movimento nacional ou partido político – toda cultura é política. Manifestações artísticas de bairro, opções de lazer de bairro constroem uma rede de participação que produz o sentimento de pertencer à sociedade e/ou a uma tribo. Além de participar da vida coletiva, o jovem ganha papel de produtor dos valores e das relações sociais. Fig.6.15 Sociologia 22 1ª série do Ensino Médio Exercícios de sala 2 Estabeleça relações entre contracultura, aculturação e anticolonialismo. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ Exercícios propostos 3 Este trecho foi extraído do site Carta Capital: SUA PUBLICIDADE FINANCIA O QUÊ MESMO? A propaganda é o principal elemento de fi nanciamento à informação, mas o limite entre publicidade e jornalismo deve ser muito bem delimitado. O cenário da comunicação de massa mudou radicalmente nos últimos 20 anos. De grandes veículos e corporações de mídia passamos a milhões de atores e produtores de conteúdos dos mais diversos. A publicidade, o principal combustível do mundo da comunicação está se adaptando muito mais rapidamente a essa transformações do que outros setores da mídia, principalmente o jornalismo. No entanto, mesmo monstros sagrados da comunicação, como a televisão, viram seu reinado ser abalado por canais a cabo, internet e sistemas de TV on demand, como o Netfl ix, por exemplo. Este admirável mundo novo, que abriu verdadeiras caixas de pandora informativas, que criou bases de dados globais acessíveis a um click, também criou desafi os civilizatórios. Edgar Morin, sociólogo e fi lósofo, explica que informações são apenas dados, conhecimento é como organizamos esses dados de forma a criar um novo saber. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/sua-publicidade- fi nancia-o-que-mesmo-7352.html acesso em 29-11-2015 A problemática abordada no texto enfatiza que a) a mídia deveria ser informativa e comunicativa em relação a todas as pessoas da sociedade. b) as mudanças recentes, como os canais a cabo, são expressão da democratização dos meios de comunicação. c) a publicidade por trás do fi nanciamento dos meios de comunicação é um elemento que infl uencia fortemente o que é divulgado e como é divulgado. d) a fronteira entre publicidade e propaganda, as informações veiculadas nos meios de comunicação podem ser consideradas isentas de interesses. e) a grande quantidade de atores e produtores de conteúdos, demonstra que a mídia está mais democrática. 4 Luta contra o imperialismo cultural, valorização da cultura produzida localmente, engajamento político das artes são características de: a) ex-colônias da África e Ásia, pois preservar sua cultura é preservar sua existência. b) movimentos de contracultura, pois reivindicam reconhecimento de sua alteridade. c) modernismo dos países subdesenvolvidos, que culminaram na eclosão desses movimentos. d) movimentos contemporâneos, pois os movimentos anteriores separavam arte de política. e) movimentos de contracultura, pois reconhecem que a ideologia conformista e o incentivo ao consumismo é uma maneira de dominação. Movimentos e manifestações culturais 23Volume 2 5 “[...] transformação de uma comunidade de públicos em uma sociedade de massas é uma das chaves do signifi cado da vida moderna.” WRIGHT-MILLS, C. A sociedade de massa. In: Sociologia. São Paulo: Ática, 1985. p: 134). A partir dessa citação, assinale a alternativa incorreta: a) (Im)possibilidade de resposta, infl uência nas opiniões são caracteres da sociedade massifi cada. b) O processo de massifi cação pode ser identifi cado pela menor quantidade de emissores do que de receptores. c) A comunicação de massa é essencial para fazer circular a quantidade de informações que nossa sociedade produz. d) O termo sociedade de massa faz referência ao amontoado amorfo que trata tudo como não político, não partidário, não identifi cado. e) Massifi cação não está associado a controle social. 6 Considerando a noção de cultura de massa, é correto afi rmar que: 2) a proporção entre emissores de opinião e receptores é muito desigual. 4) a possibilidade de réplica a alguma informação ou opinião comunicada por alguém ou alguma instituição é restringida. 6) os efeitos que as opiniões emitidas podem ter – isto é, a ação resultante da opinião – é o que se chama de infl uência. 8) a vigilância de autoridades governamentais sobre as pessoas é exercida indiretamente. 10) a cultura de massa é apenas mais divulgada e desvinculada da política. A soma das afi rmações corretas é a) 20. b) 18. c) 24. d) 30. e) 12. Saiba mais http://cnec.lk/05wv Sociologia 24 1ª série do Ensino Médio 7. Ciência dos homens e ciência da diferença Fig.7.1 Fig.7.2 Fig.7.3 Fig.7.4 Fig.7.5 7.1 A noção de cultura e a ciência antropológica A) Contexto histórico do conceito de cultura Ser um humano é uma questão de não ter rabo, como os macacos? Hoje, a pergunta parece banal, mas, há 500 anos, era a maior questão daquele momento. Os europeus estavam estupefatos pela constatação de que havia outras terras e outros seres parecidos com os humanos – humanoides. É importante perceber que, após um milênio da Idade das Trevas, em que a Europa fi cou reclusa sobre si mesma e predominava o misticismo, a descoberta de que o mundo era redondo e de que havia outros povos em terras além-mar surpreendeu a todos. E quanto aos humanoides? São humanos? Ou macacos? O ser humano pode ser reconhecido por não possuir cauda? Nesse caso, o modelo de explicação está baseado na Biologia. Ou o ser humano pode ser reconhecido a partir de sua humanidade? Nesse caso, o modelo de explicação é a Sociologia. E, ainda, nesse segundo caso, uma segunda questãose coloca: como defi nir o que é humanidade? Ciência dos homens e ciência da diferença 25Volume 2 Para o antropólogo Tim Ingold26, a Antropologia é a ciência cujo tema peculiar é a humanidade. Estudar a humanidade [...] não é apenas esmiuçar as idiossincrasias de uma espécie particular, de um diminuto segmento do mundo da natureza. Trata-se antes de abrir à pesquisa um mundo que se multiplica interminavelmente na exuberante criatividade do pensamento e das ações das pessoas em todos os lugares. A tarefa parece impossível porque o tema está sempre extrapolando os estreitos limites de nosso entendimento. Como somos, nós mesmos, humanos, o problema não está em não termos logrado reduzir a humanidade a proporções analisáveis, mas em jamais sermos capazes de acompanhar o passo de suas transformações. INGOLD, Tim. Humanidade e animalidade. In: Revista brasileira de ciências sociais, 28, 1995, p.: 39. Quer dizer, como o ser humano é um ser que se constrói diariamente nas relações sociais, ele está em perpétuo movimento de vir a ser humano, de socializar-se e humanizar-se. Por ser um processo infi ndável, torna-se difícil defi nir o que é um ser humano. Em termos dos fundamentos fi losófi cos da Antropologia, diz-se que o ser humano é uma abertura. Esse conceito sinaliza para a questão: O que é o homem? E a resposta está em aberto e não pode ser respondida de maneira defi nitiva. Isto é, podemos reconhecer de longe o que é um ser humano, mas é muito mais complexo compreender e reconhecer o que signifi ca ser humano – posto que o signifi cado varia no tempo e no espaço. De modo geral, os fi lósofos têm tentado descobrir a essência da humanidade na cabeça dos homens, em vez de procurá-la em suas caudas (ou na ausência delas). Mas, na busca dessa essência, eles não se perguntaram sobre “o que faz dos seres humanos animais de determinada espécie?” Ao contrário, eles inverteram a pergunta, indagando: “O que torna os seres humanos diferentes dos animais, como espécie?” Essa inversão altera completamente os termos da questão. Isto porque, formulando a pergunta da segunda maneira, o gênero humano já não aparece como uma espécie da animalidade, ou como uma pequena província do reino animal. A pergunta faz alusão a um princípio que, infundido na constituição do animal, eleva seus possuidores a um nível mais alto de existência do que o do “mero animal”. A palavra humanidade, em suma, deixa de signifi car o somatório dos seres humanos, membros da espécie animal Homo sapiens, e torna-se o estado ou a condição humana do ser, radicalmente oposta à condição da animalidade. Ingold, 1988, p. 4, apud Ingold, 1995). A relação entre o humano e o animal deixa de ser inclusiva (uma província dentro de um reino) e passa a ser exclusiva (um estado alternativo do ser). (idem, ibidem p.: 46. A Ciência Moderna nasce no século XV. É também, nesse século, que a América é “descoberta” pelos europeus em 1492, a partir desse momento eles se dão conta, então, de que há mais pessoas no mundo e que elas são diferentes em vários aspectos, como língua, vestimentas, hábitos, crenças e valores: A questão do outro está posta. Em Antropologia, a questão do outro faz referência ao processo de navegação e colonização do mundo pelos europeus; e, dentro desse processo, o outro, o diferente, o estranho e o nativo foram tratados. O que hoje chamamos de Antropologia nasceu dos relatos de exploradores, conquistadores, expedicionários, militares e padres que escreviam suas aventuras e cujos relatos circulavam em alguns meios europeus, levando ao conhecimento daquele povo a descrição – muitas vezes exagerada e falsa – dos exotismos dos outros. 26 - http://cnec.lk/061n Fig.7.6 Sociologia 26 1ª série do Ensino Médio Os homens comuns nunca se preocuparam com a diversidade: o início da Era Moderna enfatiza a busca por acumulação de riqueza. Se o nativo for um fornecedor ou comprador, ótimo, do contrário, seria morto para que seu território fosse ocupado. O cristianismo acreditava, em um primeiro momento, que os nativos não possuíam alma, e os fi lósofos e cientistas pregavam que eles não eram humanos. Há inclusive relatos de que os ameríndios foram capturados e levados à Europa para serem dissecados ou expostos como animais de zoológico ou de estimação. Mais tarde, o cristianismo mudou de posição. A refl exão sobre a pergunta “Por que há humanos distintos de nós, europeus?” recebera da Igreja Católica a resposta “Ide e pregai o evangelho por todo o mundo”. Nesse sentido, os evangelizadores do século XVI entenderam que Deus havia criado os humanos e que era dever dos europeus, presunçosamente superiores, levarem-lhes a palavra de Deus, para salvar suas almas. Por um lado, foi um avanço, no sentido de passar a considerar o outro como ser humano e portador de alma. Ocorre que essa mudança de atitude respondia ao questionamento feito ao descaso da Igreja e às crueldades dos conquistadores. Portanto, o novo posicionamento do cristianismo pode ser entendido também como um aparato ideológico para justifi car a colonização do Novo Mundo. Nenhum dos fi lósofos e cientistas europeus deu atenção, nos séculos XV e XVI, à questão do outro, exceto Michel de Montaigne27 e Étienne de la Boétie28, que foram contra a corrente de pensamento da época. Esses dois franceses produziram um entendimento acerca da diversidade humana. Algo particular ao gênero humano existiria que os distinguiria dos demais animais. Estes vivem na natureza, os seres humanos, em sociedade (Aristóteles29). A partir dessa diferença, deduziu-se que haveria uma natureza humana comum a todos os seres humanos. Um outro fi lósofo, o inglês Francis Bacon30, contemporâneo aos dois franceses, afi rmou que o homem deve subjugar a natureza – essa tese sustentou a existência de uma natureza humana. É importante ressaltar que o modelo teocêntrico de explicação do mundo levou os fi lósofos a afi rmarem que Deus criou o homem de maneiras distintas, em locais também distintos. As ideias da Ética de Benedictus de Espinoza31, fi lósofo luso-batavo e judeu excomungado, criaram um aparato fortíssimo de sustentação para essa afi rmação: em linhas gerais, Deus possui infi nitos atributos, e cada coisa que existe é a manifestação material de seus atributos, portanto os outros homens também seriam fi lhos de Deus. Espinoza não trata do assunto, porém foi um autor muito estudado pelos renascentistas e primeiros iluministas. Nesse sentido, afi rmou-se que Deus criou os homens na natureza e que a interação com a diversidade da natureza levou os seres humanos a criarem para si uma nova natureza, como uma natureza humana recobrindo a natureza divina. Portanto vê-se que, com o “descobrimento” da América, colocou-se a questão do outro. A Igreja Católica cunhou uma ideologia para sustentar a conquista do novo continente. Finalmente, os humanistas engendraram a noção de humanidade para incluir o outro na espécie humana. Esse conceito incipiente de humanidade considerava que, apesar de diferentes, os nativos também eram humanos. Mas explicava essa diferença pela vontade e manifestação de Deus – por razões de perseguição ideológica e limites cognitivos. Assim foi dado mais um passo: ser humano não é uma questão de ter ou não uma cauda, mas sim humanidade, dom de Deus. Dom de Deus? Como identifi car e analisar isso? Afi nal, o que é humanidade? E por que os seres humanos são diferentes? Entre 1600 e 1700 (séculos XVII e XVIII), surgiu um novo eixo de explicação da humanidade, baseado nas ciências da natureza. Os homens fazem parte da natureza, então deve existir uma natureza humana, uma particularidade. A ideia de natureza humana concedeu a todos, inclusive aos nativos, o estatuto de humanos. Essa questão era colocada há pelo menos 200 anos antes (Montaigne e la Boétie), em termos similares, porém não explicavao motivo de haver diferenças entre os humanos. 27 - http://cnec.lk/061b 28 - http://cnec.lk/060o 29 -http://cnec.lk/05vn 30 -http://cnec.lk/05w0 31 -http://cnec.lk/060h Fig.7.7 Ciência dos homens e ciência da diferença 27Volume 2 Ao longo do século das Luzes ou Esclarecimento (séculos XVII e XVIII), os fi lósofos e cientistas abandonaram, em muitos casos, o modelo de conhecimento teocêntrico. Era a Idade da Razão que nascia. A questão do outro foi deixada para segundo plano pelos iluministas, por conta das revoluções políticas e tecnológicas da Europa. Nesses séculos, apenas Rousseau32 e, mais tardiamente, Kant33 construíram alguma refl exão sobre o que seria a humanidade. Rousseau, no fundo baseado em Étienne de la Boétie e Montaigne34, afi rmou que o homem nascia bom e a sociedade o corrompia. O conceito de “bom selvagem” agregava ideias de que o homem era bom por natureza (natureza humana e não mais divina) e que os humanos nasciam livres, sendo os nativos o exemplo puro e a prova dessa tese. Os nativos passaram a ser chamados “primitivos”, porque representariam a forma primordial de todos os homens. E qual seria a forma superior ou avançada? Segundo os europeus de então, a fase avançada seria o europeu. Por sua vez, Kant, baseado em Rousseau, construiu a tese de que a natureza humana é tipicamente racional. O humano pode ser reconhecido pelo uso de um atributo cognitivo – a razão. Ainda assim, as diferenças persistem. Segundo Kant, alguns homens (os europeus) desenvolveram-nas mais em relação aos demais. No século XIX, a ideia de natureza humana foi abandonada em decorrência dos avanços da Biologia e da mudança dos padrões científi cos. Já vimos que uma ciência só pode ser considerada como tal se puder apresentar provas concretas e palpáveis de suas teses. A explicação pela vontade de Deus ou por uma natureza humana, que não passa de fruto da abstração de fi lósofos e não pode ser encontrada no mundo material, perdeu a validade no campo científi co. Como visto anteriormente, os fundadores da sociologia, Marx35, Durkheim36 e Weber37, institucionalizaram e respaldaram – Durkheim mais que os outros – a Sociologia como uma ciência positiva. No século XIX, não se questiona mais se os primitivos são ou não humanos nem o que diferencia os humanos dos outros animais; e surgem respostas à segunda questão: “Por que os humanos são diferentes?”, em duas vertentes: a da Biologia e a da Antropologia. Para a Biologia, os seres humanos são diferentes porque cada espécie animal desenvolveu-se ao longo de milênios e, nesse sentido, alguns grupos estariam atrasados em relação a outros. O nome desse paradigma de explicação é evolucionismo social. Ele está baseado na teoria da Origem das espécies, de Charles Darwin38. É importante ressaltar que Darwin produziu uma teoria sobre a vida em geral e sua variedade. Sociólogos (Herbert Spencer39), economistas (Thomas Malthus40), fi lósofos e naturalistas (Arthur de Gobineau41) tentaram transportar a explicação darwiniana (também conhecida como darwinismo social) para a sociedade. O resultado dessa experiência foi a fundamentação científi ca do racismo e da colonização (agora, para levar os povos atrasados ao “desenvolvimento”, cujo modelo era a Europa). Em outras palavras, gerou-se uma justifi cativa “científi ca” para a invasão dos demais continentes, para a expansão do mercado e para o extermínio das raças atrasadas que não se adaptassem. Para a Antropologia, a explicação da diferença entre os homens também será evolucionista, no sentido de que existiria estágio de desenvolvimento pelos quais todas as sociedades devem passar, sem saltar de um estágio para outro. Contudo o conceito-chave da explicação é a cultura. Para a Biologia e o evolucionismo social, o modelo de explicação são as ciências da natureza e a própria Biologia, sem distinção entre os humanos e os demais animais. Para a Antropologia, que, agora, adquiriu o estatuto de ciência, o modelo de explicação é a Sociologia (principalmente, naquele momento sócio-histórico, de Durkheim). Finalmente, chega-se ao conceito de cultura. Foram apresentados problemas: 1) Como reconhecer um ser vivo como humano? 2) Por que os humanos são diferentes? e 3) Qual é a característica particular que separa humanos de animais e, ao mesmo tempo, unifi ca-os como humanos? O conceito de cultura tem a pretensão de responder às três questões. 1) Um humano pode ser reconhecido por ser “portador” de cultura. 2) Os humanos são diferentes porque detêm culturas diferentes (explicação pela sociedade e não pela natureza). 3) A diferença entre humanos e animais é que os primeiros possuem, herdam e criam cultura. 32 - http://cnec.lk/0611 33 - http://cnec.lk/060z 34 - http://cnec.lk/061b 35 - http://cnec.lk/05w5 36 - http://cnec.lk/05vf 37 - http://cnec.lk/05vc 38 - http://cnec.lk/060i 39 - http://cnec.lk/060y 40 - http://cnec.lk/061m 41 - http://cnec.lk/060g Sociologia 28 1ª série do Ensino Médio Toda essa luta no campo das ideias para abandonar as questões antigas por uma nova: O que é cultura? [...] tomado em seu amplo sentido etnográfi co, é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. TYLOR, Edward Burnett. A cultura primitiva, 1871, volume I, p. 1. Tylor42 costuma ser considerado como um dos fundadores da Antropologia enquanto ciência acadêmica – de um certo ponto, é possível dizer que é anterior à Sociologia, posto que Durkheim só publicaria As regras do método sociológico em 1895. O termo etnográfi co empregado por Tylor faz menção aos relatos descritivos de viagens dos exploradores, caçadores e coletores britânicos da época do Império Britânico. No fundo, o que Tylor fez foi sintetizar a refl exão sobre a diferença e a humanidade, que se viu, grosso modo anteriormente, no conceito cultura. Do ponto de vista da história da Antropologia, esse conceito, embora a defi nição dada anteriormente esteja em desuso, é primordial e foi fundamental para afastar das Ciências Sociais o paradigma de explicação com base em biologia orgânica. O conceito é evolucionista, na medida em que considera que há estágios de desenvolvimento desiguais entre os povos, mas como a diferença foi explicada pela sociedade e não por predisposições biológicas (hoje, chamamos isso de gene), foi um avanço formidável para a época. Esse conceito de cultura apresentado anteriormente ganhou tal popularidade e, praticamente, cada antropólogo cunhou um para si. De fato, nos anos 1940-50, as pesquisas de Alfred Kroeber43, antropólogo estadunidense, culminaram em uma coleção de algo em torno de 200 (duzentas) defi nições de cultura. O problema é que, por se tratar do conceito central que fundamenta a teoria antropológica, ele não poderia ser pulverizado. O próprio Kroeber percebeu que na busca de um substrato comum a todas as defi nições estava a separação básica e fundamental entre o biológico e o sociológico no ser humano, e que algo comum a toda a humanidade e cultura variava. Uma defi nição muito apreciada de cultura foi oferecida por Cliff ord Geertz44 também dos EUA, e considerado fundador da Antropologia Interpretativa, quase um século depois daquela primeira conceituação: cultura são os mecanismos de controle simbólicos que servem para orientar a ação dos seres humanos no mundo (a defi nição, nas palavras do autor, está na seção 5.1). Esse conceito é assaz poderoso porque impacta diretamente a noção de humano. Isto é, se por humano entendemos alguém que não tem cauda (paradigma biológico), a cultura pode ser desconsiderada. Por outro lado, se por humano entendemos um ser que se produz a si mesmo em um contexto específi co (paradigma sociológico), a cultura determina o que pode vir a ser um humano, preservando inclusivesuas variações, sem estabelecer hierarquia entre elas. Para saber mais sobre o conceito de cultura na mediação entre humanidade e animalidade, acesse o verbete do antropólogo Tim Ingold45. 42 http://cnec.lk/060m 43 - http://cnec.lk/0627 44 - http://cnec.lk/05vx 45 - http://cnec.lk/061n Fig.7.8 Ciência dos homens e ciência da diferença 29Volume 2 Exercícios de sala 1 Descreva, com base no ponto de vista antropológico, como o ser humano é singular dentre os demais animais. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ B) Crítica ao evolucionismo Como a Biologia e a Medicina foram as primeiras ciências a adquirirem esse status, as demais ciências tenderam a copiar seus padrões técnicos e metodológicos. Honrosas exceções foram Marx46, Durkheim47 e Weber48 que explicaram o social pelo social (e não pelo biológico). Entretanto a Antropologia nasceu do evolucionismo e esse modelo de pensamento levou décadas para ser superado – e, ainda hoje, há antropólogos e cientistas (sociais e naturais) evolucionistas. Conceituar cultura foi realmente um grande avanço porque permitiu explicar as diferenças entre os grupos humanos sem excluir os diferentes da humanidade. Porém, juntamente a esse conceito, o de raça foi importado da Biologia para as Ciências Sociais. É importante ressaltar que evolucionismo é a leitura que biólogos fi zeram da teoria da origem das espécies de Darwin. Para esse autor, a origem das espécies é um processo histórico, demora milênios, e é infl uenciado por fatores geográfi cos (clima e presença ou ausência de determinados alimentos). A origem das espécies tem a ver com a adaptação dos seres vivos às condições da natureza – nesse sentido, o ser humano é o ser vivo mais bem adaptado porque é o único capaz de transformar a natureza a seu favor. Portanto a teoria de Darwin fala de produção de diferenças por variações nos meios e ambientes. Os fatores históricos e geográfi cos são determinantes sobre a Biologia. É por isso que não vemos um macaco transformar-se em humano. Darwin diz que, há milhares de anos, é provável que existia um ser vivo humanoide, cuja propagação por espaços geográfi cos diversos levou a adaptações diversas e, por sua vez, a espécies diferentes (homem e macaco). Bem, o raciocínio feito pelos antropólogos foi mais próximo ao de Darwin – e é mais razoável a leitura feita por biólogos. Assim compreendia-se que humano era todo aquele que “portasse” cultura apesar das diferenças. Mas a maneira de encarar essa diversidade intrínseca às sociedades humanas conduziu à crença de que existia hierarquia entre as sociedades. A diversidade é intrínseca porque é necessário ao ser humano se adaptar, diferenciando-se. Da mesma forma que se pode dizer que o ser humano é o animal mais bem adaptado, pois suas técnicas possibilitam transformar a natureza, acreditou-se que haveria uma linha de desenvolvimento com um único fi m e que as sociedades passariam de um estágio a outro até o atingirem. 46 - http://cnec.lk/05w5 47 - http://cnec.lk/05vf 48 - http://cnec.lk/05vc Fig.7.9 Alguns com dedos, os demais com unhas Segundo dedo com garras, os demais com unhas. Segundo e Terceiro dedos com garras, os demais com unhas. Com cauda Sem cauda Com cauda Preênsil Sem cauda Preênsil Postura Ereta Eventual Postura Ereta Todos os dedos com unhas Primatas Lêmur Társio Macaco do Novo Mundo Macaco do Velho Mundo Antropóides Homem Sociologia 30 1ª série do Ensino Médio A imagem ao lado representa a evolução humana segundo a Biologia. Observe que é uma linha reta e que possui apenas um sentido (todos caminham para a mesma direção). O evolucionismo social acreditou nessa ideia linear de progresso. Sabemos que o último elo da cadeia de desenvolvimento do ser humano é o mais desenvolvido (o mais adaptado). Os antropólogos e sociólogos do fi nal do século XIX transportaram essa ideia para as Ciências Sociais. Eles e toda Europa, acreditavam que o auge da humanidade era o que se chamava civilização e que sua forma mais perfeita e completa era a Europa. Por isso acreditou-se que o padrão europeu de civilização era o último estágio de desenvolvimento humano e o fi m da linha do progresso, ao qual todos os grupos humanos deveriam chegar. Foi quando o conceito de raça, que explica a diferença entre os seres vivos pela Biologia, ganhou espaço nas ciências humanas. Acreditava-se que existiam diversas raças humanas, umas mais desenvolvidas, outras menos. Nesse sentido, o evolucionismo (Biologia e Antropologia) é fi lho legítimo do Positivismo (fi losofi a), já estudado anteriormente. L. H. Morgan49 estabeleceu uma linha de desenvolvimento em três estágios: selvageria, barbárie e civilização. Selvagens eram os mais primitivos, de hábitos rudimentares, nômades em sua maioria ou silvícolas (habitantes das selvas). Barbárie: estágio de povos mais desenvolvidos tecnologicamente, possuidores de armas e sedentários, no entanto, sua inteligência e organização política e social ainda era muito defasada, de modo que viviam brigando entre si. Civilização: povos com posse plena das tecnologias e desenvolvimento intelectual que possibilitaria conviver em paz – esse padrão apenas teria sido atingido pelo Ocidente, isto é pelos EUA, pela França e Inglaterra. Essa linha de progresso de Morgan foi amplamente difundida e copiada. Embora sofi sticada, a tentativa de Morgan de defi nir o caminho da evolução não tem fundamento concreto. O que ele fez para defi nir selvageria, barbárie ou civilização foi agrupar técnicas e ferramentas. Mas esse “critério” é arbitrário, as ferramentas são aperfeiçoadas ou abandonadas com o tempo e, por isso mesmo, qualquer outro arranjo poderia ser inventado. Outro autor contemporâneo a Moragan e que escreve de forma parecida é Auguste Comte50. Segundo esse autor, o espírito humano se desenvolveria em três estágios: teológico, metafísico e positivo. Assim: No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e fi nais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo. No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modifi cação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personifi cadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente. Enfi m, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas 49 - http://cnec.lk/0615 50 - http://cnec.lk/05vw Fig.7.10 Ciência dos homens e ciência da diferença 31Volume 2 íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciênciatende cada vez mais a diminuir. COMTE, A. Curso de Filosofi a Positiva. In: COMTE, A. Comte: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 2005, p. 22 e 23. Assim, como para Morgan, Comte também era evolucionista e acreditava que o estágio mais desenvolvido da humanidade seria o estado positivo, em que os brancos europeus eram o estágio máximo a ser alcançado. Ainda no século XIX e princípio do século XX, o conceito de homem estava fortemente assentado em uma base biológica. Isso signifi ca que o maior ou menor desenvolvimento era atribuído à biologia, e não à cultura, o homem seria feito pela natureza, e não por si mesmo, no processo de autoconstrução. O problema da ideia de evolução – tanto em Morgan como em Comte – é postular que cada grupo estaria em um estágio de desenvolvimento e que deveria necessariamente progredir para os outros, sem pular etapas. Como os cientistas que inventaram essa tese eram europeus, eles presumiram que a referência, o ápice do progresso era a cultura europeia (hoje, a dos EUA?). Por que a Europa? Qual a evidência empírica de que as sociedades se desenvolvem em um único sentido e que o fi m, o objetivo de todo desenvolvimento, é igualar-se à Europa? Da mesma forma que o cristianismo no século XVI justifi cou a diferença e o extermínio dos nativos porque esses não tinham alma – nas entrelinhas, isto equivale a afi rmar que o diferente é inferior –, a Biologia, a ciência, nos séculos XIX e XX, justifi caram a diferença (a cultura) pela raça. A cultura muda, mas a raça não, porque é determinada pela natureza. Ora, se existe uma linha de evolução, se progresso só tem um caminho válido e se os diferentes são inferiores porque sua raça é “primitiva” e se a raça não pode evoluir, o genocídio está justifi cado. O racismo não atingiu apenas os povos nativos da África e da América. Durante o nazifascismo, os judeus e ciganos foram perseguidos e exterminados por toda a Europa com base nessa teoria da evolução da raças humanas. Holocausto com comprovação científi ca. Houve várias teorias para explicar, quantifi car e descrever raças humanas, variando entre três e mais de uma centena de raças. A mais famosa foi a de Joseph Arthur de Gobineau51, (1816-1882), que afi rmava que o gênero humano seria composto de três raças básicas, identifi cáveis pela cor da pele (amarela, branca ou preta) e que as variantes seriam fruto de miscigenação. Gobineau afi rmava que a raça branca (europeus) seria a mais desenvolvida e que, pela miscigenação, as demais raças branquear-se-iam. As outras raças tornar-se-iam brancas porque os genes brancos seriam superiores, e os demais, recessivos, tenderiam a desaparecer naturalmente. Em nossos dias, há provas da genética de que essa teoria é falsa. A raça humana é uma só, e a cor da pele varia por razões geoclimáticas (variando a quantidade de melanina na pele, quanto mais melanina, mais escura é a pele – adaptação a climas quentes – e quando menos melanina, mais branca ela é – melhor adaptação a climas com pouco Sol) e não por genes recessivos. Essa teoria raciológica era tão forte que a Antropologia foi praticamente absorvida pela Medicina/ Biologia. Era chamada Antropologia Física porque deveria dedicar-se a descrever as diferenças entre os grupos humanos pelos caracteres físicos – é daqui que nasce a noção de estereótipo – e não históricos, sociais e culturais. No fundo, essa teoria refl etiu problemas sociais da Europa e serviu de fundamentação científi ca para os nazismos e fascismos, entre muitos outros preconceitos raciais. Outro problema – que só pode ser visto hoje – é que esse conceito e essa tese fundamentaram a desigualdade entre os povos e serviram de justifi cativa para a invasão e para o extermínio do outro. Posteriormente, a noção de progresso balizou o incentivo à permanência dos nativos em seu estado in natura, não para evitar sua extinção, mas para que não se desenvolvessem 51 - http://cnec.lk/060g Sociologia 32 1ª série do Ensino Médio economicamente. Claude Lévi-Strauss52, no célebre texto Raça e história, mostra que o desenvolvimento cultural é social pode seguir qualquer rumo, não havendo evidências biológicas para justifi car atrasos. Dizer que uma civilização é “atrasada” pressupõe que nela há um atraso em relação a um padrão, o europeu, no caso. Essa comparação entre povos é chamada etnocentrismo, que é o ato de colocar os padrões culturais de seu próprio grupo (ethnos, em grego έθνος, signifi ca grupo) como modelo para comparar os demais. Seria um neoevolucionismo. É um procedimento arbitrário, não existe fundamento concreto para isso. Poderia ser qualquer padrão. O conceito de raça, que foi importado da Biologia, enquanto diferença biológica inalterável entre os seres humanos, fundamenta a desigualdade e o genocídio. Isso é o racismo. Lévi-Strauss avança ainda mais. Todos os povos seriam etnocêntricos. Isto é, os valores culturais próprios dos indivíduos de cada sociedade seriam, para eles mesmos, os melhores ou os únicos e verdadeiros. A diferença é que os europeus tentaram impor seus valores ao mundo todo, ao passo que os demais povos teriam, no limite, uma postura de afastamento, de cortar relações. Ainda segundo Lévi-Strauss, em seu livro O pensamento selvagem, o que se chama conhecimento científi co no Ocidente não passa de mais uma forma de conhecimento entre outras tantas, como vimos no primeiro volume. Considerar seu próprio padrão de conhecimento como o único verdadeiramente científi co não passa de etnocentrismo. Aqueles fundadores da Antropologia, em especial Frazer53, chamaram os mitos de “animismo” que seria uma religião primitiva que atribuiria alma (em latim, anima = alma) a tudo (pedras, água, plantas, bichos). Lévi-Strauss demonstra que o pensamento selvagem é, antes de tudo, baseado em observação concreta. Os nativos não atribuem um valor ou função a uma planta, por exemplo, para curar uma doença por mera crendice. Eles o fazem por terem efetivamente estudado, observado e testado a efi cácia das plantas. Pode ser que eles não descrevam esse mecanismo de cura através da química, como nós, mas, certamente, por terem visto animais escolherem uns alimentos e não outros, aprenderam suas qualidades – não adotando, portanto, crenças sem fundamento. De fato, numerosos países cobiçam o conhecimento dos nativos da Amazônia e tentam contato com eles para furtar plantas, extrair seus princípios químicos para produzir remédios e vendê-los. Manuela Carneiro da Cunha54 é internacionalmente reconhecida por lutar pela preservação do conhecimento nativo e contra o furto de patentes. Uma última nota sobre o pensamento selvagem é o fato de Lévi-Strauss ter alterado o conceito de mito. Na linguagem corrente, fala-se de mito como lenda, história falsa ou personalidade, celebridade. Em termos de história, o mito é um conto transmitido de geração em geração. Essa oralidade teria a função de transmitir e ensinar valores. Em Antropologia, o mito é uma forma de conhecimento. Pode ser que não tenha a fundamentação empírica da ciência, mas tem a função de explicar o mundo e servir de norteador para os seres humanos. 52 - http://cnec.lk/05vs 53 - http://cnec.lk/0610 54 - http://cnec.lk/0617 QUE POVO ESTRANHO ESSES INDIANOS, NÃO COMEM CARNE BOVINA. QUE POVO ESTANHO ESSES BRASILEIROS, COMENDO CARNE BOVINA. Fig.7.11 Ciência dos homens e ciência da diferença 33Volume 2 Exercícios de sala 2 Por que o desenvolvimento das sociedades não pode ser considerado linear? _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ C) Evolucionismo no Brasil Estas teorias racistas europeias foram largamente difundidas e popularizadas entre cientistas brasileiros, inclusive entre os cientistas sociais. Os dois nomes mais famosos são Raymundo Nina Rodrigues55 (1862-1906) e Francisco José de Oliveira Vianna56 (1883-1951). E um refl exo das teorias raciológicas fascistas no Brasil pode ser encontrado em Plínio Salgado57 (1895-1975) e no movimento político chamado, intelectual orgânico, Integralismo. O segundo, Oliveira Vianna, chegou mesmo a apresentar um artigo científi co em um congresso na França, em 1912, alegando que a miscigenação no Brasil para clarear (teoria do branqueamento) e purifi car a raça teria tido um tal sucesso que, dali a cem anos (2012), não existiriam mais negros no Brasil. Evidentemente, isso jamais ocorreu. Contra as teorias de branqueamento, uma sucessão de cientistas brasileiros produziu refl exões para desmascará-las. Até mesmo autores conservadores, como Gilberto Freyre58 que pregou que a qualidade do Brasil, sua particularidade e aquilo que explicaria sua organização social e cultural seria a mistura entre povos – não por causa da raça, mas por causa das trocas, compartilhamentos e empréstimos de costumes entre europeus, ameríndios e africanos. Exercícios de sala 3 A ideia de evolução é exclusiva da ciência? _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ 55 - http://cnec.lk/061f 56 - http://cnec.lk/060r 57 - http://cnec.lk/061e 58 - http://cnec.lk/05vh Fig.7.12 - Pintura a óleo sobre tela realizada pelo pintor espanhol Modesto Brocos em 1895. A obra encontra-se conservada no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Sociologia 34 1ª série do Ensino Médio 7.2 Desenvolvimentos da Antropologia A) Mundo afora Assim como na Sociologia, é possível afi rmar que a Antropologia também tem três fundadores: Lewis Henry Morgan59 (1818-1881), autor da obra A sociedade arcaica (1887), em que descreve a evolução em etapas da sociedade humana, sendo a primeira contribuição para explicar o sistema de parentesco por clãs e totens; Edward Burnett Tylor60 (1832-1917), autor de A cultura primitiva (1871), em que descreve, em dois tomos, os sistemas de crenças e sistematiza temas, escopo e método do que veio a ser chamado de antropologia; e Sir James Geogre Frazer61(1854-1941), autor de O ramo de ouro (1890, conclusa em 1935), coletânea em doze volumes de mitos, crenças, costumes, hábitos, religiões, etc. Consultar quadro 1. Os pesquisadores começaram a tentar determinar a origem de cada costume, fazer comparações e catalogar tudo. Assim como o evolucionismo, o determinismo geográfi co, desenvolvido por geógrafos alemães (Alexander von Humboldt62 e Karl Ritter63), postulou que as sociedades eram diferentes em decorrência de particularidades geográfi cas. Os antropólogos, então, passaram a tentar descrever e determinar os estágios de desenvolvimento social. As particularidades eram explicadas pelas características geográfi cas. As semelhanças eram explicadas pela difusão de traços culturais ou empréstimos decorrentes das trocas entre povos. Daí o nome difusionismo, dado a esse primeiro desenvolvimento da antropologia para além do evolucionismo. Consultar quadro 1. Assim, o que se convencionou chamar de Antropologia foi, a princípio, um conjunto de estudos descritivos e comparativos. Esses dois tipos de estudos são uma subárea chamada de Etnologia (lógica das sociedades outras). A técnica ou método de descrição chama-se Etnografi a (descrever o grupo). O estudos das sociedades extintas chama-se Arqueologia e, atualmente, é uma ciência autônoma e praticamente desvinculada da Antropologia, embora outrora fosse parte integrante dela. Consultar quadro 1. Em relação às técnicas de descrição, a maior parte das contribuições vem dos antropólogos britânicos, em especial Bronislaw Malinowski64 e Edward Evan Evans-Pritchard65. Cabe mencionar que os antropólogos britânicos eram contratados pelo governo imperial a fi m de estudarem os povos das colônias para sua preservação in natura – isto é, conforme eram encontrados na natureza, intactos e sem infl uências nocivas – e sua dominação pela coroa inglesa. Esse protecionismo pode parecer muito nobre, mas hoje sabemos que não passa de uma estratégia de justifi cação ideológica da colonização e do subdesenvolvimento, além de, em tempos de guerra, a Antropologia é ciência estratégica como a História e a Geografi a. Consultar quadro 1. A infl uência de Durkheim e seu sobrinho e discípulo Marcel Mauss66, na Antropologia, foi tão grande que, com o tempo, o paradigma biológico foi varrido dessa ciência, dando primazia à explicação da sociedade pela própria organização social em termos históricos. Dá-se o nome de antropologia social ou funcionalista àquela oriunda da França. O adjetivo social acrescentado ao nome da disciplina demarca a cisão com o paradigma naturalista. Consultar quadro 1. Na Inglaterra, essa infl uência também foi sentida. Porém o mentor dessa ciência naquele país foi Alfred Reginald Radcliff e-Brown67 (1881-1955) – que inclusive ministrou um curso na Universidade de São Paulo, na década de 1930-40, cuja infl uência foi ínfi ma frente à língua e à tradição francesa de longa data no Brasil. O conceito fundamental da Antropologia de Radcliff e-Brown é o de estrutura social, defi nido como feixe de relações sociais. Segundo seu arranjo, trata-se de uma premissa de tratar as funções sociais como específi cas em cada sociedade. Por essa razão, naquele país, a Antropologia chama-se estrutural-funcionalista. Consultar quadro 1. Do outro lado do Atlântico, Franz Boas68 (1858-1942), alemão radicado nos EUA, empreendeu estudos antropológicos naquele país, no Canadá e no Alaska. A potência de seu pensamento é de tal monta que ele operacionalizou a superação do evolucionismo, do difusionismo e do racismo 59 - http://cnec.lk/0615 60 - http://cnec.lk/060m 61 - http://cnec.lk/0610 62 - http://cnec.lk/060u 63 - http://cnec.lk/0614 64 - http://cnec.lk/0628 65 - http://cnec.lk/060n 66 - http://cnec.lk/05vv 67 - http://cnec.lk/060f 68 - http://cnec.lk/060s Ciência dos homens e ciência da diferença 35Volume 2 na disciplina antropológica acadêmica dos EUA. Sua proposta alternativa foi original ao procurar por particularidades e especifi cidades dos povos a partir da cultura, concedendo autonomia ao seu desenvolvimento por fatores geográfi cos e históricos. Essa vertente é chamada de Antropologia Cultural. Duas de suas discípulas merecem ser mencionadas: Margaret Mead69 (1901-1978), que pesquisou as variações de uma cultura individual, tendo escrito o livro: Sexo e temperamento; e Ruth Benedict70 (1887-1948), por seus trabalhos sobre o Japão que auxiliaram a vitória, na Segunda Guerra Mundial, dos EUA sobre esse país. Foi autora de O crisântemo e a espada. Ambas são consideradas componentes da “Escola personalidade e cultura”. Consultar quadro 1. Terminada a Segunda Guerra, as autoridades governamentais e internacionais perceberam que os povos das colônias estavam passando por rápidas mudanças. Eles abandonavam seus hábitos primevos e geravam novos a partir da mistura com os hábitos dos colonizadores. Estavam abandonando a vida nômade ou rural para uma vida urbana. Acreditava-se, na época, que os povos primitivos deixariam de existir porque sua cultura estaria desaparecendo. Decretou-se a falência da Antropologia, o que jamais ocorreu, pois ela continua seus trabalhos, inclusivesobre populações urbanas (antropologia urbana ou da/na cidade), e os “primitivos” operacionalizaram uma seleção daquilo que lhes convinha, feitas as devidas “adaptações” e ainda existem e passam bem. Sobre a antropologia urbana, importa citar a Escola de Chicago, de 1930. Foi um grupo multidisciplinar de pesquisadores (sociólogos, economistas, demógrafos, geógrafos, historiadores, antropólogos, cientistas políticos, estatísticos, psicólogos, arquitetos) que compõe os primeiros estudos sociais e culturais em metrópoles, cujos temas são: migrações, gangues, guetos, máfi as, trânsito, homossexualidade, prostituição, ecologia humana, criminologia. A partir de 1968, ondas de mudança nas Ciências Sociais ocasionaram grandes movimentos intelectuais: o giro linguístico e os pós-modernismos. Claude Lévi-Strauss71 (1908-2009) introduziu, entre 1940 e 1950, inovações na teoria antropológica ao apresentar as teorias da linguística e da psicanálise. Essas inovações são chamadas de Antropologia Estrutural. Após 1968, as críticas ao modelo da linguística e da psicanálise as Ciências Sociais entraram em crise. Todos os paradigmas sociais são questionados e temas antes renegados, como, gênero, feminismo, homossexualidade, movimentos sociais, ecologia, exigem espaço na academia. Houve mesmo quem propusesse descartar o conceito de cultura. Esse primeiro choque chamou-se, na época, de pós-modernidade e daí adveio todos os pós-: pós-estruturalismo, pós-marxismo, pós-feminismo, pós-colonialismo, pós-humano. E também os neo-: neopositivismo, neoliberalismo, neoconservadorismo. De fato, essa discussão não tem consenso ainda hoje. A maioria das Ciências Sociais respondeu à crise dos paradigmas pela incorporação das mais variadas temáticas. É assim que se fala hoje em antropologia da política, da economia, da fi losofi a, do adestramento, do consumo, da homossexualidade, da etnometodologia, da etnomusicologia, da antropologia simétrica, da antropologia interpretativa, da antropologia do ciborgue, etc. Infelizmente, o assunto é muito extenso e complexo, além de fugir ao tema. Depois das críticas dos pós-modernistas, a antropologia passou a revisar e a rediscutir seu métodos de trabalho de campo, sua especifi cidade frente às ciências sociais e a avaliar e a incorporar as críticas. Exercícios de sala 4 A “questão do outro” sempre foi a pergunta motivadora da Antropologia? _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ 69 - http://cnec.lk/0629 70 - http://cnec.lk/062e 71 - http://cnec.lk/05vs Sociologia 36 1ª série do Ensino Médio B) Antropologia brasileira No Brasil, os primeiros cursos de antropologia foram ministrados na USP. A universidade contou com uma missão francesa, da qual fazia parte o jovem Claude Lévi-Strauss e, posteriormente, Roger Bastide72. Muitos e importantes cientistas sociais brasileiros iniciaram suas carreiras como antropólogos. Florestan Fernandes73 (1920-1995) foi orientado por Bastide. De Recife, frutifi cou Gilberto Freyre74 (1900-1987), que estudou diretamente com Boas, cuja obra repercutiu mundo afora. Anteriormente, comentou-se que as teorias raciológicas foram desmanteladas no Brasil por antropólogos e sociólogos. Além de G. Freyre, que produziu a primeira teoria propriamente cultural sobre as relações raciais, devemos citar Darcy Ribeiro75 (1922-1997), que foi “herdeiro” das teorias de Oliveira Vianna e pioneiro em romper com elas. Ver o documentário O povo brasileiro. Da virada do século XIX para o século XX, da virada do século XIX, para o século XX, alhuns personagens eruditos estudaram e exerceram em algum momento um tipo de refl exão sobre a sociedade brasileira, pautada no conceito de cultura. Dentre eles, podemos citar Ruy Barbosa, Euclides da Cunha, Francisco José de Oliveira Vianna, Raymundo Nina Rodrigues. Há numerosos intelectuais brasileiros reconhecidos internacionalmente que atuaram como antropólogos: Manuela Carneiro da Cunha76 – direitos indígenas; Gilberto Velho77 (1945-2012) – antropologia urbana; Roberto Cardoso de Oliveira78 (1928-2006) – confl itos interétnicos; Eduardo Viveiros de Castro79 – indigenismo. Vale ressaltar, fi nalmente, que a Antropologia brasileira sempre esteve muito associada aos estudos das sociedades ameríndias (etnologia). Inclusive o governo brasileiro eventualmente empregou antropólogos para estudos estratégicos dessas populações. Ao redor da fi gura de Eduardo Viveiros de Castro, reúne-se uma vertente antropológica contemporânea genuinamente brasileira e reconhecida no exterior, chamada perspectivismo. A Antropologia no Brasil reúne miríades de adeptos e os mais variados temas e problemas. Nasceu, como vimos, do racismo científi co. Abordou, em seguida, as populações nativas. Uma outra ramifi cação provém dos estudos das comunidades, campesinas ou urbanas, vilarejos e costumes regionais. Durante a ditadura, a Antropologia agregou temas de estudos urbanos, política, trabalho, classes sociais, bairros populares, religiões (com ênfase no sincretismo do cristianismo com as religiões de matriz africana), mulheres e feminismos, relações raciais (racismo e antirracismo), movimentos sociais, homossexualidade. Em nossos dias, seguindo as tendências científi cas internacionais – temas da “moda” –, a Antropologia trata as modernas técnicas de coleta de dados, críticas pós-modernas, temas específi cos, história da Antropologia e epistemologia. Diversas vezes, antropólogos de outros países radicaram-se no Brasil para estudar, majoritariamente, os nativos. Curt Nimuendaju80 (inglês) e Roger Bastide (francês) são os mais conhecidos. Lévi-Strauss também estudou os Bororo, na década de 1930, no estado de São Paulo. Pierre Clastres81 pesquisou sobre os Guayaki no Mato Grosso, em 1950/60. Ingleses e estadunidenses estudaram vilas e comunidades ribeirinhas entre 1930/50. Durante as ditaduras na América Latina, diversos cientistas sociais estrangeiros exilaram-se no Brasil, e cientistas sociais brasileiros, nos demais países. Atualmente, há intenso intercâmbio de cientistas sociais entre diversos países, e inclusive há vários cientistas sociais estrangeiros radicados no Brasil. 72 - http://cnec.lk/061h 73 - http://cnec.lk/05vd 74 - http://cnec.lk/05vh 75 - http://cnec.lk/05v9 76 - http://cnec.lk/0617 77 - http://cnec.lk/060w 78 - http://cnec.lk/061g 79 - http://cnec.lk/060l 80 - http://cnec.lk/060k 81 - http://cnec.lk/061c Ciência dos homens e ciência da diferença 37Volume 2 Exercícios de sala 5 A Antropologia no Brasil copiou apenas os temas e os problemas da Antropologia europeia? _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ Exercícios propostos 6 A postura comum a todos os grupos humanos de considerar seus valores como os melhores em relação aos demais e de utilizá-los para fazer comparações com os outros pode ser defi nida como uma atitude de utilizar seus próprios padrões culturais como referência. Isso equivale ao conceito de a) racismo. b) antropocentrismo. c) preconceito. d) etnocentrismo. e) ideologia. 7 Os Bambara (grupo que vive no Mali) consideram a velhice uma conquista. Para eles, o envelhecimento é concebido como um processo decrescimento que ensina, enriquece e enobrece o ser humano. (....) Para os Bambara, a idade é um elemento determinante da posição de cada indivíduo na sociedade. Toda a vida social é organizada segundo o princípio da senioridade. Considera-se que os mais velhos estão mais próximos dos ancestrais e, por esta razão, detêm a autoridade. Respeito e submissão marcam o conjunto de atitudes e comportamentos dos mais jovens para com os mais velhos. UCHÔA, Elizabeth. Contribuições da antropologia para uma abordagem das questões relativas à saúde do idoso. In: Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19 (3): 849-853, mai-jun, 2003. A partir desse trecho, pode-se dizer que a) a velhice refere-se apenas a algo social. b) o fato de abordarmos a velhice pela sua fraqueza é natural. c) o valor negativo atribuído ao fato de envelhecer é fruto da cultura. d) o envelhecer é um fenômeno que não ultrapassa o aspecto biológico. e) a nossa sociedade tende a reduzir o envelhecimento a seu aspecto biológico. 8 “[...] a unidade e a diversidade da vida e da ___I___ humanas e os vários tipos de ___ II___ em que os homens vivem. O conceito de ___I___ está entre as noções mais usadas na sociologia. Quando pensamos na palavra ‘___I___’, em conversas comuns do cotidiano, frequentemente a vemos como equivalente a ‘coisas mais elevadas da mente’ – à arte, à literatura, à música e à pintura. Da maneira como os sociólogos usam o termo, ele inclui tais atividades e ainda mais. A ___I___ refere- se às formas de vida dos membros de uma ___II___ ou de grupos dentro da ___II___. Inclui como eles se vestem, seus costumes matrimoniais e vida familiar, seus padrões de trabalho, suas cerimônias religiosas e ocupações de lazer. “A ‘___I___’ pode ser conceitualmente diferenciada de ‘___ II___’, mas há conexões muito próximas entre essas noções. Uma ___II___ é um sistema de inter-relações que conecta os indivíduos uns com os outros. A Grã- Bretanha, a França e os Estados Unidos são ___II___ nesse sentido. Incluem Sociologia 38 1ª série do Ensino Médio milhões de pessoas. Outras, como as primeiras ___II___ de caçadores e coletores, podem ser tão pequenas quanto 30 ou 40 pessoas. Todas as ___ II___ são unidas pelo fato de que seus membros são organizados em relações sociais estruturadas, de acordo com uma ___I___ única. Nenhuma ___I___ poderia existir sem ___II___. Mas, igualmente, nenhuma ___II___ poderia existir sem ___I___. Sem ___I___ não seríamos sequer ‘humanos’, no sentido em que comumente entendemos este termo. Não teríamos línguas em que nos expressar, nenhuma noção de autoconsciência e nossa habilidade de pensar ou raciocinar seria severamente limitada.” GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. P.: 38. As palavras que preenchem adequadamente os espaços em branco I e II acima são: a) I – Sociedade; II – Norma. b) I – Sociedade; II – Ciência. c) I – Ciência; II – Filosofi a. d) I – Cultura; II – Sociedade. e) I – Cultura; II – Norma. 9 Sabe-se que, em Antropologia, há um conceito central para explicar e compreender a humanidade. Dessa forma, é correto afi rmar que 4) o conceito de que se trata é o de cultura. 6) os seres humanos são desigualmente desenvolvidos. 8) ideias e valores servem para organizar as relações sociais. 10) as diferenças são explicadas a partir de pressupostos biogenéticos. 12) as pessoas são socializadas em sociedades diferentes e, por isso, não são iguais. A soma das assertivas corretas é: a) 24 b) 18 c) 14 d) 28 e) 30 Saiba mais http://cnec.lk/05ww Diferenças culturais 39Volume 2 8. Diferenças culturais Fig.8.1 8.1 Diferença e desigualdade A) Por que existem diferenças? Qual a distinção entre os conceitos de diferença e desigualdade? Por um lado, vimos que todos os grupos humanos são diferentes uns dos outros, inclusive diferentes de si mesmos, e que isso se dá através das mudanças ao longo da história. Também vimos que os indivíduos são diferentes uns dos outros, apesar de pertencerem a uma mesma cultura. Segundo Durkheim82, os indivíduos precisam ser mais ou menos parecidos, seguir as mesmas regras sociais (cultura, embora o autor não utilize o termo), a fi m de que a sociedade funcione adequadamente. Durkheim entende que os indivíduos necessitam de alguma margem de variação e afi rma que essa margem, concedida pela sociedade, é mesmo benéfi ca para a adequação dos indivíduos às normas. O primeiro tipo de enquadramento é chamado pelo autor de solidariedade mecânica, pois os indivíduos são solidários às normas sociais de modo mecânico – encaixam-se como engrenagens. O segundo tipo é chamado de solidariedade orgânica, pois, analogicamente ao organismo biológico, cada um cumpre uma função, por isso é preciso que as pessoas sejam um pouco diferentes umas das outras. O autor afi rma ainda que essas solidariedades são complementares, é preciso que ambas coexistam em uma sociedade para que o trabalho social, as funções das instituições cumpram seu papel, embora a orgânica tende a substituir a mecânica. Outro sociólogo, contemporâneo de Durkheim, alemão e judeu, Georg Simmel83 (1858-1918) explica que, com o crescimento das cidades, a vida social deveria ceder ainda mais espaço para as variações e liberdades individuais. Seu raciocínio é muito próximo ao do sociólogo francês. Simmel cunha um conceito 82 - http://cnec.lk/05vf 83 - http://cnec.lk/060v Sociologia 40 1ª série do Ensino Médio de indivíduo que aponta para dois sentidos complementares, como fi zera Durkheim. A vida psíquica, afi rma Simmel, na metrópole, necessita que cada pessoa operacionalize a individuação, que seria tornar-se parte anônima da multidão (só mais um número) e, ao mesmo tempo, tornar-se único, indivíduo singular. O primeiro aspecto do indivíduo salvaguarda sua liberdade ao mesmo tempo que o integra ao grupo. O segundo aspecto permite-lhe integrar-se à vida social sendo quem ele é e, ao mesmo tempo, cumprir as funções sociais. Nenhum dos dois sociólogos utiliza o conceito de cultura para explicar por que as pessoas compõem um grupo que compartilha ideias e valores mais ou menos idênticos. Poder-se-ia simplesmente dizer que, em uma grande cidade ou em um país, as pessoas compartilham ideias e valores similares (língua e costumes são os mais visíveis). Sabe-se que as pessoas compartilham porque foram socializadas naquele grupo (socialização). Também sabe-se que, em um mesmo país, pode haver hábitos diferentes de alimentação, por exemplo, dadas as condições geográfi cas (ver a foto da abertura do capítulo). Ou mesmo que, em uma metrópole, cada bairro possui suas particularidades. Entretanto sabe-se que há preconceito e discriminação. Às vezes, ouvimos alguém debochar de nosso sotaque ou alegar que falamos errado. Esse tipo de afi rmação iguala a diferença ao erro, engano, equívoco. Quando os europeus conquistaram a América, uma das justifi cativas da Igreja, para explicar a diferença entre os nativos e os europeus, era que os primeiros não possuiriam alma, sendo, portanto, inferiores (na verdade, não eram considerados humanos). Ou seja, a diferença pode ser utilizada para justifi car desigualdade de tratamento ou mesmo extermínio, como foi o caso da África e América. No caso da cultura, vê-se que ela é um construto social que varia por razões históricas e geográfi cas. A cultura não varia porque haveria genes diferentes. Quando estuda-se a história do conceito de cultura e da Antropologia, vê-se que, como era de praxe no século XIX, a cultura era analisada do ponto de vista da biologia, e não da sociologia. Já sabe-se que a noção de cultura veio explicar por que os humanos são diferentes. No caso da biologia, a diferença entre os seres é explicadacom base na própria biologia: a raça e, hoje, os genes. A ideia de raça também foi equiparada à cultura para explicar a diferença entre povos. Dizia-se que as culturas (lembrando-se do conceito dos evolucionistas sociais) eram distintas porque as raças humanas eram distintas. Como se a sociedade brotasse da natureza. Exercícios de sala 1 Faça a distinção entre os conceitos de diferença e desigualdade explicitando qual o fundamento sociológico de cada um. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ B) Por que existe ódio contra a diferença? A antropóloga britânica Mary Douglas84 (1921-2007) estudou, especialmente, os motivos particulares e os mecanismos de diferenciação e valorização das culturas. Um dos problemas sobre os quais se debruçou foi “por que se abomina a diferença?”. Em termos antropológicos, a questão implica pesquisar qual o processo social que leva as pessoas a valorizarem um bem ou hábito e/ ou desprezarem outro. 84 - http://cnec.lk/061a Diferenças culturais 41Volume 2 Sabe-se que cada grupo tem uma alimentação particular por razões geográfi cas e culturais. Geográfi cas porque os animais e plantas não habitam todos os lugares (a exceção é o ser humano). Culturais porque os humanos criam hábitos. A partir dos alimentos à disposição, inventam e aperfeiçoam técnicas de preparo. Essas técnicas são adotadas ou abandonadas por motivos nutricionais ou simbólicos – nutricionais porque são efetivamente melhores para a nutrição; simbólicos porque a aparência ou o sabor é melhor, ou por fundamentos religiosos, enfi m, por razões sociológicas que os humanos construíram, e não por razões dadas pela natureza. Mary Douglas, em Pureza e perigo, escreveu um capítulo em que analisa o processo histórico e sociológico de atribuição e mudança de valores alimentares. Ela inicia o livro explicando que o valor cultural de “pureza” opõe-se ao de “poluição”. Certo, ninguém, em sã consciência, beberia água poluída. Mas por que as pessoas não comem porco (por exemplo os hebreus, dado pela autora)? A carne desse animal é nutritiva e, devidamente asseada, pode ser consumida sem receio de contaminação. Não há razões naturais para não se consumir carne suína. O motivo só pode ser sócio-histórico. Para que as pessoas evitem determinado alimento, elas precisam acreditar que ele representa-lhes “perigo” – essa crença ou valor corresponde ao conceito durkheimiano de representações coletivas. Como isso acontece? No capítulo As abominações do Levítico, do mesmo livro, a autora recupera na bíblia a proibição religiosa de consumo de carne de porco. Relendo As formas elementares da vida religiosa, de Durkheim, ela explana que a proibição tem base religiosa e, por isso, de acordo com Durkheim85, está pautada na oposição entre “sagrado” e “profano”. Pode-se deduzir que a declaração de que um alimento é “profano” e, portanto, “sujo/poluído” e, logo, “perigoso” está baseada na autoridade religiosa. Ora, se o povo acredita no que o líder espiritual diz, deve-se perguntar o que o levou a declarar a carne daquele animal como “proibida”. Mary Douglas encontra essa razão no atrito entre os hebreus e os povos circunvizinhos da Cananeia. As desavenças entre hebreus e cananeus levou à proibição do consumo e, consequentemente, da compra da carne suína desses outros povos. O fundilho último da proibição do consumo de carne suína era inibir o contato social, as trocas. Como não existia ciência nos moldes de hoje para declarar que o porco é sujo e inapropriado ao consumo, a inculcação da crença foi realizada por via religiosa. O processo é complexo. Trata-se da inversão ou mutação dos valores sociais. Os valores das coisas e pessoas são atribuídos pelas próprias pessoas e são elas que criam e modifi cam esses valores. As razões podem ser as mais diversas. A análise de Douglas propõe uma generalização para qualquer tipo de transvaloração. Para qualquer processo de atribuição de valor a objetos, pessoas ou hábitos, podem-se encontrar traços históricos concretos. Odiar uma diferença (atribuir um valor negativo) tem fundamentos na história de uma sociedade, e não na natureza. Exemplo de exercício de análise a partir da explicação de Douglas: a crença de que os indígenas seriam subdesenvolvidos, primitivos, mais próximos da natureza, avessos à tecnologia e “indefesos” é uma representação coletiva. A sociedade brasileira não nativa construiu essa representação. Como? Através dos livros didáticos. Everardo Rocha produziu um trabalho intitulado Um índio didático: notas para o estudo das representações. Nesse trabalho, ele demonstra como um livro com mais de cem anos de tradição sedimentou, na crença coletiva, essa noção do indígena, como esquisito, exótico, menos civilizado, mais natural e mais primitivo. As imagens e descrições do ameríndio seminu, com penachos e vivendo em cabanas assentou, na crença coletiva, uma representação do nativo (que, obviamente, não é a ideia que ele faz de si mesmo). Essa representação respaldou a política de “tutela” dos povos nativos, que nada mais é do que os desconsiderar humanos, não reconhecer sua alteridade – quando, na questão do outro, negar a humanidade ou cultura de alguém é negar a alteridade (em latim, alter = outro) –, acreditar que estão mais próximos da natureza e mais distantes da cultura (humanidade). 85 - http://cnec.lk/05vf Sociologia 42 1ª série do Ensino Médio Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se explicar o porquê de as minorias serem odiadas. Antes de mais nada, minoria, em Ciências Sociais, não tem a ver com um número reduzido; diz respeito àqueles que são sistematicamente excluídos do horizonte de visão de mundo do grupo dominante: mulheres, pobres, negros, homossexuais e ameríndios. As minorias passam a ser odiadas pelo mesmo mecanismo de construção de uma representação coletiva que leva o grupo hegemônico a crer que os grupos de minorias representam-lhe perigo, são “sujos/ poluídos”, profanos, execráveis, abomináveis, estão fora da cultura (humanidade) e deveriam ser eliminados. Exercícios de sala 2 Analise, do ponto de vista antropológico, a frase a seguir: “17.2 O Mestre disse: ‘A natureza humana nos aproxima, os hábitos nos distanciam’.” Confúcio. Os analectos. São Paulo: Editora da Unesp, 2012. p. 524. _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ Exercícios propostos 3 “A coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence”. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Baseando-se no texto, pode-se dizer que a) analisar a cultura do outro é necessário para nos entendermos. b) depois que um povo se desenvolve, abandona hábitos de superstição. c) no mundo globalizado, todos os hábitos são igualmente compartilhados. d) analisar um hábito do ponto de vista de sua própria sociedade é etnocentrismo. e) todas as pessoas são potencialmente etnocêntricas porque podem não saber como compreender a diversidade humana. 4 Analise a imagem abaixo: A cenarepresenta a) a preparação da casa para receber visitas. b) o ocultamento dos bens para que os antropólogos não os furtem. Diferenças culturais 43Volume 2 c) a preparação de uma festa, porque os antropólogos são muito queridos. d) o ocultamento dos bens para pedir e receber doações dos antropólogos. e) o ocultamento dos bens para representar mais etnicidade aos antropólogos. 5 Analise a imagem a seguir: Essa imagem é de um bairro de São Paulo capital chamado Morumbi. A partir dela, podemos inferir que a) algumas pessoas não se esforçam o sufi ciente e contentam-se com pouco. b) as diferenças entre hábitos explica as diferenças de moradia e habitação. c) a baixa renda explica a opção por locais menos asseados. d) a desigualdade social produz o tipo de contraste exposto na fi gura. e) a lotação das cidades gera desigualdades. 6 Sobre diferenças e desigualdades, considere as afi rmações a seguir: 1) As desigualdades sociais são resultado do pouco empenho das pessoas em melhorar de vida. 3) As desigualdades sociais excluem sistematicamente os menos favorecidos. 5) As diferenças sociais geram as desigualdades, como o esforço leva ao progresso. 7) Diferenças são resultado de adaptações ao meio social e material. 9) Desigualdades são resultado de atribuição de valores para as diferenças e exclusão das menos valorizadas. A soma das alternativas corretas é: a) 19. b) 6. c) 9. d) 16. e) 18. Saiba mais http://cnec.lk/05wx 1) O riso dos outros. Documentário. Duração 51 min. Direção: Pedro Arantes. Lançamento TV Câmara, 01-12-2012. Esse documentário entrevista diversos humoristas e personagens da cena pública a respeito da seguinte pergunta: há limites para o humor? É importante ressaltar que foi produzido na época em que a revista Charlie Hebdo, de Paris, foi atacada por radicais islâmicos por causa das charges de “humor” sobre os muçulmanos. (http://cnec.lk/05wy) 2) A hora da estrela. Drama. Duração: 90 min. Clarice Lispector. Direção: Suzana Amaral. 1985. O fi lme retrata o enredo do livro homônimo de Lispector. Mostras a inocência pisada e a pobreza anônima (termos da própria Clarice Lispector) de uma migrante nordestina no Rio de Janeiro, “tão pobre que só comia cachorro quente” (Lispector). Vale como discussão social da desigualdade e diferenças culturais. (http://cnec.lk/05wz) Sociologia 44 1ª série do Ensino Médio 3) Domésticas – o fi lme. Comédia. Duração 90 min. Direção: Fernando Meirelles, Nando Olival. Essa comédia mostra o dia a dia de empregadas domésticas pobres na cidade de São Paulo. (http://cnec.lk/05x0) 4) Muito além do cidadão Kane. Duração 90 min. Direção: Simon Hartog. BBC Londres, 1993. O fi lme documenta a produção ideológica massifi cada da televisão brasileira. O título faz alusão ao drama Cidadão Kane (Orson Welles,1941), que retrata a ascensão de um monopolista da imprensa dos EUA. (http://cnec.lk/05x1). 5) Pajé Sapaim, o mensageiro do tempo. Documentário. Duração: 50 min. TV Cultura, 07-02-2010. O documentário aborda as crenças e curas em uma aldeia. Pode-se depreender do vídeo que os índios não ignoram a medicina ocidental, que os brancos adotam práticas de cura indígenas e que não é por ser índio que as pessoas não se interessam pela cidade e pela sua cultura. (http://cnec.lk/05x2, http://cnec. lk/05x3, http://cnec.lk/05x5, http://cnec.lk/05x6, http://cnec.lk/05x4, 6) Ngune elü – o dia em que a lua menstruou. Documentário. Duração 50 min.. Direção: Tekumã Kuikuru e Coletivo Kuikuru de Cinema. Vídeo nas Aldeias, 2006. O vídeo mostra a cosmologia indígena dando signifi cados diferentes ao mundo e às relações sociais. Novamente é discutida a questão de que não se deixa de ser índio por se usarem bens oriundos dos branco. Pode-se problematizar ainda a ressignifi cação dos objetos ao serem inseridos em uma cultura outra. Quadro 1. Síntese dos/as principais autores/as Correntes Autor/a expoente Problemáticas abordadas Temporalidade Conceitos Relações com outras ciências Evolucionismo Edward Burnett Taylor Henry Lewis Morgan, Sir James George Frazer Explicar a diversidade ao longo do tempo Justifi cação da “colonização”: o mais desenvolvido teria o dever moral de levar o progresso aos menos desenvolvidos Raça, evolução Arqueologia, Biologia, Teoria de Darwin Difusionismo Humboldt, Herder, Ritter Explicar a diversidade ao mesmo tempo em espaços distintos Crença no progresso científi co racional, Belle Époche Cultura, traços culturais, comparação Determinismo geográfi co, Arquiologia Evolucionismo Antropologia social (França) Émile Durkheim Marcel Mauss Explicar diversidade social pela própia sociedade Imperialismo: invasão da Africa, Ásia e Oceania Representações coletivas e dádiva Sociologia e etnologia Diferenças culturais 45Volume 2 Estrutural- funcionalismo (Reino Unido) Alfred Radcliff e- Brown Bronislaw, Malinowski Edward Evans- Pritchard Desenvolvimento de técnicas de trabalho de campo I Guerra Mundial Estrutura social, função social Sociologia e etnografi a Antropologia Cultura (EUA) Fraz Boas, Ruth Benedict, Margaret Mead Explicar a cultura pela cultura, inclusive a nível individual II Guerra Mundial Arco cultural, personalidade Antropologia social Antropologia Claude Explicar o Etnocídio Estrutura, Linguística e Estrutural Lévi- Strauss, Marshall Sahlins pensamento selvagem etnocentrismo, mitos psicanálise Antropologia urbana Escola de Chicago Migrações Problemas características das metrópoles Gueto, máfi a Ciências Sociais e C.S “aplicadas” Antropologia interpretativa Cliff ord Geertz Interpretar e compreender as culturas Mudança de paradigmas, Maio de 1968 Cultura, mente, visão de mundo Antropologia estrutural Antropologia simétrica Bruno Latour Crítica à ciência Crise da “modernidade” Simetria, ciência Filosofi a Antropologia pos-colonial Franz Fanon Homi k. Bhabha, Gayatri Ch. Spivak, Lila Abu- Lughod James Cliff ord Racismo e antirracismo, descolonização, “modernidade” Independência das (ex- colônias) europeias ( Índia e África) Racismo, cultura como ideologia, subalternos, autoridade etnográfi ca Pos- modernismo Referências ABU-LUGHOD, Lila. Writing against culture. In: FOX, Richard. Recapturing Anthropology. Santa Fe: Scholl of American Research, 1991. Pp.: 137-162. APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da globalização. Lisboa: editorial Teorema, 1996. BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Phillip; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. São Paulo: Edunesp, 1997. BASTIDE, Roger. Antropologia aplicada. São Paulo: Perspectiva, 2009. BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 2009. _______. Padrões de cultura. Lisboa: Edição Livros do Brasil, s/d. Sociologia 46 1ª série do Ensino Médio BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013. 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