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Disciplina: Teoria do texto em prosa Autores: M.e Marta Ouchar de Brito Revisão de Conteúdos: Esp. Marcelo Alvino da Silva Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2017 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. FICHA CATALOGRÁFICA BRITO, Marta Ouchar de. Teoria do texto em prosa / Marta Ouchar de Brito. – Curitiba, 2017. 32 p. Revisão de Conteúdos: Marcelo Alvino da Silva. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. Material didático da disciplina de Teoria do texto em prosa – Faculdade São Braz (FSB), 2017. Teoria do texto em prosa ANO 2017 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comuni- dade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendi- zagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, aten- dimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz Apresentação da disciplina Nesta disciplina serão abordados os contextos históricos da origem da Literatura, evidenciando os gêneros literários e as suas particularidades. Também serão abordados os fundamentos históricos e conceituais dos gêneros literários em prosa (romance, conto, novela e crônica), suas estruturas e elementos. Aula 1- Gêneros Literários Apresentação da aula 1 Nesta aula a abordagem será nos contextos históricos e na organização clássica e moderna dos gêneros literários, enfatizando algumas das grandes obras representativas do gênero narrativo 1. Gêneros Literários 1.1 O nascimento da Literatura e a divisão clássica dos gêneros literários A literatura de todos os povos tem origem oral, pois as lendas, os mitos, enfim, as histórias eram contadas oralmente. Com o tempo e o surgimento da escrita, essas histórias começaram a ser registradas nas paredes, em papiros, pergaminhos, entre outras formas de registros criadas ao longo do tempo. Entre as culturas da antiguidade clássica que produziram registros literários, temos a Babilônia, a Assíria, a Grega, a Romana e a Palestina. Porém, foi a tradição literária greco-romana que influenciou profundamente a literatura ocidental; e é exatamente essa tradição que nos deixou a divisão clássica dos gêneros literários. Essa divisão apresenta uma classificação que facilita a identificação das obras a partir das características temáticas e estruturais. Dessa forma, criou-se os gêneros Lírico, Dramático e Épico, desse último se depreendeu o gênero Narrativo. 1.2 Gênero Lírico Segundo Vilarinho (S/d.), “a palavra ‘lírico’ vem do latim lyricu e significa lira (um instrumento musical grego).” Fonte: http://cmapspublic3.ihmc.us/rid=1L5WVGBNW-2975H95-102C/lira.jpg O lirismo contempla a emoção, os sentimentos, os estados da alma do eu-lírico, ser que expressa toda a subjetividade no poema. O gênero lírico é geralmente expresso pela poesia, mas existem textos líricos em prosa. A Cultura clássica greco-romana teve forte influência na Literatura Ocidental. Exemplo contemporâneo de antiga escritura grega Fonte: http://www.rodiaki.gr/articlesgallery/273029/18486.jpg Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Amplie os seus conhecimentos literários lendo as obras indicadas abaixo: - Eneida, de Virgílio (Enéias e o Império Romano) Disponível no acesso: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/eneida.pdf - Ilíada, de Homero (Aquiles na Guerra de Troia, desencadeada pelo sequestro de Helena, esposa do Rei Menelau). Disponível no acesso: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/iliadap.pdf - Odisseia, de Homero (história de Ulisses – Odisseu – voltando da Guerra de Tróia para Ítaca, sua cidade Natal). Disponível no acesso: http://web.archive.org/web/20161202124858/http://www.projetol ivrolivre.com/Odisseia%20-%20Homero%20- %20Iba%20Mendes.pdf Durante a Idade Média, os poemas eram cantados pelos trovadores e se chamavam cantigas. Entre as formas poéticas que venceram o tempo e ainda continuam entre nós, a mais conhecida é o soneto, uma composição fixa de dois quartetos e dois tercetos. Luís Vaz de Camões (1524-1580), o poeta português renascentista de maior expoente. Sua poesia evidencia as temáticas do amor, do encantamento da mulher, do desconcerto do mundo, além da poesia épica em que destaca-se Os Lusíadas. Camões, traz em seus sonetos a concepção do amor em forma poética. Tanto no lirismo como no épico Camões requer um estado de percepção de seu leitor. VIII Amor, que o gesto humano na alma escreve, Vivas faíscas me mostrou um dia, Donde um puro cristal se derretia Por entre vivas rosas a alva neve. A vista, que em si mesma não se atreve, Por se certificar do que ali via, Foi convertida em fonte, que fazia A dor ao sofrimento doce e leve. Jura Amor, que brandura de vontade Causa o primeiro efeito; o pensamento Endoidece, se cuida que é verdade. Olhai como Amor gera, em um momento, De lágrimas de honesta piedade Lágrimas de imortal contentamento. (CAMÕES, 1598) Fonte: http://www.portalraizes.com/content/uploads/2016/02/camoes-696x365.jpg Assim como Camões, Vinícius de Moraes (1913-1980), também cultivou o soneto, criando poemas, onde o eu lírico, profundamente subjetivo, expressa seus sentimentos. Soneto da separação De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. (MORAES, 1946, p.51) Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Amplie os seus conhecimentos literários lendo os sonetos de Vinícius de Moraes, em sua obra Poemas, Sonetos e Baladas. 1.3 Gênero DramáticoO gênero dramático está ligado à representação de um acontecimento. A palavra “drama” vem do grego e significa “ação”, portanto, é um acontecimento que carrega intensa carga emocional, que pode ser representada por atores. Literariamente o drama está ligado ao teatro, pois esse gênero nasceu com a encenação realizada nos cultos a divindades gregas. Com o surgimento do gênero dramático surgem inicialmente dois tipos de peças teatrais a tragédia e a comédia. Entre as peças que marcaram aquele período e ainda estão entre os grandes textos teatrais estão: Prometeu acorrentado, de Ésquilo; Édipo-rei e Electra, de Sófocles; Medeia, de Eurípedes; Menandro, de Antífanes. Com a utilização do gênero criou-se outros tipos de peças, tais como a Tragicomédia, a Farsa e o Auto. Gil Vicente (1465-1536), dramaturgo e poeta português, é considerado o maior representante do teatro português. Criador de vários autos, dos quais destacam-se: Auto da Barca do Inferno (1516); Auto da Barca do Purgatório (1518); Auto da Barca da Glória (1519); Auto da História de Deus (1527); O Velho da Horta (1512); Farsa de Inês Pereira (1523); Tragicomédia Pastoril da Serra da Estrela (1527); Auto do Triunfo do Inverno (1529); Comédia do Viúvo (1514); Comédia sobre a Divisa da Cidade de Coimbra (1527); Floresta de Enganos (1536). Auto da barca do inferno (Ilustração da edição original) – Gil Vicente (1516) Fonte: http://i.imgur.com/AbuDzIb.jpg Auto da barca do inferno [...] Vem o Fidalgo e, chegando ao batel infernal, diz: FIDALGO Esta barca onde vai ora, que assi está apercebida? DIABO Vai pera a ilha perdida, e há-de partir logo ess'ora. FIDALGO Pera lá vai a senhora? DIABO Senhor, a vosso serviço. FIDALGO Parece-me isso cortiço... DIABO Porque a vedes lá de fora... [...] (VICENTE, 1516) Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Amplie os seus conhecimentos lendo o Auto da Compadecida, de autoria de Ariano Suassuna. Esse auto foi escrito em 1955 e teve a sua primeira apresentação em 1956, em Recife. A obra traz em seu gênero dramático o drama do Nordeste brasileiro, inserindo elementos da tradição literária de cordel, misturando cultura popular e tradição religiosa. 1.4 Gênero Épico O gênero épico, presta-se à narrativas de grandes feitos históricos, que enaltecem a história dos povos. Dentre seus precursores o mais conhecido é Camões, com a obra Os Lusíadas. Fonte: http://portugues2013.weebly.com/uploads/8/8/6/0/8860561/__6489519_orig.jpg Os Lusíadas Canto I As armas e os Barões assinalados Que da Ocidental praia Lusitana Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. (CAMÕES, 1572) Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Amplie os seus conhecimentos lendo os poemas épicos abaixo: - Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. A obra está dividida em 10 cantos, e o tema do poema é a história de Portugal desde os primórdios até o tempo de Camões, com uma narrativa idealizada e alusões frequentes à mitologia e cultura clássica. Disponível no acesso: http://www.dominiopublico.gov.br/download/text o/bv000162.pdf - A Divina Comédia, de Dante Alighieri. A obra trata-se de um poema, no qual narra-se simetricamente e de maneira planejada uma viagem pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, descrevendo ricamente as etapas dessa viagem. Disponível no acesso: http://www.dominiopublico.gov.br/download/text o/eb00002a.pdf 1.5 Gênero Narrativo No gênero narrativo, o principal foco, constrói-se a partir da narração de um fato que pode ser real ou ficcional. A palavra “narrar” vem do latim narratio e refere-se exatamente ao “ato de narrar acontecimentos reais ou fictícios”. Na Antiguidade Clássica, os gêneros literários reconhecidos eram o épico, o lírico e o dramático, mas com o tempo o gênero narrativo surgiu como uma variante do gênero épico e dentro dessa nova categoria surgiram outros gêneros, tais como o romance, a novela, o conto, a crônica e a fábula. A narrativa se estrutura ao redor de um enredo, ou seja, uma sequência de fatos que produzirão a história. Os elementos básicos constitutivos desse gênero são: o foco narrativo, o tempo, o espaço, o enredo e as personagens. Ao longo do tempo, grandes escritores produziram verdadeiras obras-primas em prosa, narrando histórias reais ou imaginárias. Resumo da aula 1 Nesta aula abordaram-se os contextos históricos da “origem literatura”, a qual supostamente originou-se na tradição oral (lendas, mitos, histórias contadas oralmente), através da contação. Também evidenciaram-se as divisões clássicas dos gêneros literários e suas principais características. Atividade de Aprendizagem Escolha um dos gêneros clássicos literários e discorra sobre as suas características. Aula 2 – Fundamentos Históricos e Conceituais Apresentação da aula 2 Nesta aula serão evidenciados os fundamentos históricos e conceituais dos gêneros literários em prosa (romance, conto, novela e crônica). 2. Fundamentos Históricos e Conceituais 2.1 Romance O gênero Romance é um derivativo da Epopeia burguesa (durante a sua ascensão dessa classe social). A hipótese mais aceita a respeito da origem do termo romance afirma que essa palavra se originou do vocábulo romanice, que se referia à língua falada nas regiões ocupadas pelos romanos. O termo romanço, palavra que designa o conjunto das línguas românicas, correspondendo, numa fase de transição entre o latim e as línguas vulgares, (derivado de romanice) inicialmente servia para designar narrativas fantasiosas e imaginativas, daí seu aspecto ficcional. Essas narrativas, todavia, não eram apresentadas apenas no formato de texto em prosa, pois havia também a narrativa em verso. Em meados do século XVIII, com o surgimento do Romantismo, conheceremos o romance com o formato que tem hoje. Servindo a burguesia em ascensão, o romance tornou-se porta-voz de suas ambições, desejos, vaidades, e, ao mesmo tempo e, sobretudo, ópio sedativo ou fuga da materialidade diária, [...], oferecendo-lhes a própria existência artificial e vazia como espetáculo [...]. Portanto, sem saber, gozam o espetáculo da própria vida como se fora alheia, estimulando desse modo uma forma literária que funcionava como espelho em que se miravam, [...]. Na verdade, oferecia-se aos burgueses a imagem do que pretendiam ser, do que sonhavam ser e não do que, efetivamente, eram. (MOISÉS, 1973, p. 188) Segundo Lukács (2000), o romance é uma epopeia burguesa, pois é ele que destaca, valoriza e solidifica os mais caros costumes e valores da então classe em ascensão. Quanto à forma, o romance “possui vários nós conflituais, mas um deles, o principal, serve de centro dramático em volta do qual orbitam os demais. Em um romance os conflitos estão intimamente ligados, bem como as personagens que vivenciam esses conflitos”. [...] o romance, “epopéia da era burguesa”, estariadesde o seu advento sob o signo do paradoxo: condenado à fragmentariedade e à insuficiência por um substrato histórico-filosófico em que a “totalidade extensiva da vida” não mais está dada de forma palpável e a “imanência do sentido à vida” tornou-se problemática, ele não pode, por outro lado, renunciar à disposição para a totalidade. (LUKÁCS, 2000). Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Leia o livro Teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica, de autoria de Georg Lukács. Na obra o autor traz considerações aprofundadas à respeito da teoria do Romance. Disponível no acesso: http://letrasorientais.fflch.usp.br/sites/letrasorien tais.fflch.usp.br/files/LUK%C3%81CS,%20Geor g%20- %20A%20Teoria%20do%20Romance.pdf Alguns dos mais importantes romances brasileiros em ordem cronológica são: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Machado de Assis; O Ateneu (1888), Raul Pompeia; Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis; Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), Lima Barreto; Macunaíma (1928), Mário de Andrade; São Bernardo (1936), de Graciliano Ramos; Vidas Secas (1938), Graciliano Ramos; Fogo Morto (1943), José Lins do Rego; Grande Sertão: Veredas (1956), Guimarães Rosa; A Paixão Segundo GH (1964), Clarice Lispector; A Pedra do Reino (1971), Ariano Suassuna. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Amplie os seus estudos lendo os Romances: - Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe (1774) - Os Miseráveis, de Victor Hugo (1862) - O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde (1890) - A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (1977) 2.2 Conto A origem do conto remonta aos tempos antigos, pois ele já existia nas práticas de narrativas orais realizadas ao redor das fogueiras. Esse gênero literário também fez parte da cultura grega e romana, passando pela Idade Média e chegando até nossos dias. Desse modelo formal, depreendeu-se variantes que se referem à temática, ou seja, contos fantasiosos, contos de amor, de terror, ficção científica, entre outros. O conto possui apenas um núcleo dramático, ou seja, apenas um conflito, e toda a narrativa gira em torno desse conflito. Além de utilizar uma linguagem simples, direta, acessível e dinâmica o conto é a narração de um fato inusitado, mas possível, que pode ocorrer na vida das pessoas embora não seja tão comum. (ARAUJO, S/d.) A Literatura Brasileira é muito fértil no que se refere a grandes contistas e entre eles (contistas e contos) podemos citar: Machado de Assis: Uns Braços; Histórias da Meia-Noite; Contos Fluminenses; Papéis Avulsos; Histórias Sem Data; Várias Histórias; Páginas Recolhidas; Relíquias da Casa Velha; A missa do galo. Clarice Lispector: Laços de Família; Alguns Contos; A Legião Estrangeira; Felicidade Clandestina; A Imitação da Rosa; A Via Crucis do Corpo; Onde Estivestes de Noite. João Guimarães Rosa: Sagarana; Primeiras Estórias; Tutaméia; Estas Estórias; Ave, Palavra. Lygia Fagundes Telles: Porão e Sobrado; Antes do Baile Verde; Seminário dos Ratos; A Disciplina do Amor; Mistérios; Oito Contos de Amor; Invenção e Memória; Biruta; Conspiração de Nuvens. Monteiro Lobato: Urupês; Cidades Mortas; Negrinha; Contos Escolhidos; Contos Leves; Contos Pesados; Urupês, Outros Contos e Coisas. Dalton Trevisan: Cemitério de Elefantes; O Vampiro de Curitiba; Primeiro Livro de Contos; Vinte Contos Menores; Contos Eróticos. Aluísio Azevedo: Demônios. Mia Couto: Vozes Anoitecidas; Cada Homem é uma Raça; Estórias Abensonhadas; Contos do Nascer da Terra; O Fio das Missangas; Na Berma de Nenhuma Estrada. Luciano de Samosata: O Cínico; O Asno; Uma História Verdadeira; O Amigo da Mentira; Diálogo dos Mortos; Leilão de Vidas; O Burro Lúcio; A Passagem de Peregrino. Rubem Fonseca: Os Prisioneiros; A Coleira do Cão; Lúcia McCartney; Feliz Ano Novo; O Cobrador; 64 Contos de Rubem Fonseca; O Buraco na Parede; Histórias de Amor. 2.3 Novela As novelas de cavalaria surgiram na França ou na Inglaterra derivadas das canções de gesta, poemas que foram transformados em prosa. Essas narrativas de feitos heroicos já eram contadas em capítulos. Houve certamente uma transformação nesse modelo narrativo, mas algumas características ainda persistem, tais como a organização em capítulos. A novela apresenta vários nós conflituais, de certa forma ligados, mas não dependentes uns dos outros. Segundo Gancho (2006), novela é: [...] é um romance mais curto, isto é, tem um número menor de personagens, conflitos e espaços, ou os tem em igual número ao romance, com a diferença de que a ação no tempo é mais veloz na novela. (GANCHO, 2006. p.7-8). 2.4 Crônica A crônica nasceu como recurso para registrar (em ordem cronológica) fatos corriqueiros, mas relevantes da vida de reis e pessoas importantes. Isso aconteceu, de maneira marcante, na História Portuguesa, quando Fernão Lopes e outros cronistas registraram os acontecimentos cotidianos da vida dos reis de Portugal e sua expansão marítima (a crônica em sua primeira acepção era um relato de fatos históricos). Do grego chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim chronica, o vocábulo “crônica” designava, no início da era cristã, uma lista ou relação de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto é, em sequência cronológica. Situada entre os anais e a história, limitava-se a registrar os eventos sem aprofundar-lhes as causas ou tentar interpretá-los. Em tal acepção, a crônica atingiu o ápice depois do século XII, graças a Froissart, na França, Geoffrey of Monmouth, na Inglaterra, Fernão Lopes, em Portugal, Alfinso X, na Espanha, quando se aproximou estreitamente da historiografia, não sem ostentar traços de ficção literária. A partir da Renascença, o termo ‘crônica’ cedeu vez a ‘história’, finalizando, por conseguinte, o seu milenar sincretismo. (MASSAUD, 2003, p. 101). Modernamente, a crônica pode se apresenta como uma avaliação crítica, como a narração de fatos reais ou imaginários ou mesmo como um comentário pessoal diante do que é narrado, o que implica certa subjetividade sobre a possível realidade retratada. Quanto à forma, a crônica contemporânea é uma narração curta que aborda fatos cotidianos e por isso mesmo não conta com heróis ou grandes vilões e sim com personagens comuns. Essa abordagem pode ser humorística, irônica, satírica ou crítica. Costuma seguir o tempo cronológico e utilizar uma linguagem simples, recheada dos coloquialismos próprios da vida cotidiana. Resumo da aula 2 Nesta aula o foco foi nos conceitos dos gêneros literários em prosa (romance, conto, novela e crônica), nos quais evidenciaram-se autores e importantes obras brasileiras. Atividade de Aprendizagem Evidencie as diferenças entre romance, conto e novela. Aula 3 – Análise Literária Apresentação da aula 3 Nesta aula o foco será na estrutura e nos elementos constitutivos do texto narrativo. 3. Análise Literária 3.1 Conceitos fundamentais Para que se possa efetuar uma análise literária detalhada de uma obra, faz-se necessário o entendimento de alguns conceitos, os quais evidenciam-se na sequência. Diegese é um conceito de narratologia, estudos literários, dramatúrgicos e de cinema que diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa. A diegese é a realidade própria da narrativa ("mundo ficcional", "vida fictícia"), à parte da realidade externa de quem lê (o chamado "mundo real" ou "vida real"). O tempo diegético e o espaço diegético são, assim,o tempo e o espaço que decorrem ou existem dentro da trama, com suas particularidades, limites e coerências determinadas pelo autor. Araujo (2011), define que discurso narrativo: [...] a história narrada pelo narrador, apresentada em um discurso organizado. “Abrange um conjunto de acontecimentos que estão ligados entre si por relações de causa e consequência. (ARAUJO, 2011). A narrativa literária é uma narrativa ficcional, que não aconteceu realmente, foi criada pela imaginação do escritor. Já a narrativa não literária é a narrativa de fatos reais, acontecidos no mundo sensível. O referente é uma unidade de pensamento, uma construção mental. A epifania é derivado do grego epiphanéia significa aparição, manifestação. Na literatura, epifania define-se como uma forma de mostrar um conceito, algo que o escritor quer que o leitor veja e compreenda exatamente com o que ele quer dizer, que o leitor tenha um entendimento completo do que está lendo. É tornar legível aquilo que só o autor compreende, e quer que todos vejamos do mesmo jeito. A estrutura narrativa é de grande importância na construção textual. A narrativa se desenvolve em torno de um enredo, nome que se dá a sequência dos fatos. A partir do enredo chega-se ao tema, que é o motivo central do texto. O enredo apresenta situações de conflitos ou ações, que são divididos em quatro partes: Exposição: apresentação do fato que será narrado, momento no qual o leitor recebe as primeiras informações para acompanhar o desenvolvimento da narrativa; Conflito: perturbação provocada por embates entre personagens e/ou situações problemas que impulsionam a narrativa; Complicação: aprofundamento da situação problema, do conflito; Clímax: ápice da narrativa. Trata-se de um momento de intensa emoção e dramaticidade que encaminha a narrativa para um final feliz ou para um desfecho trágico; Epílogo: desfecho da narrativa, acompanhado da resolução do conflito. 3.2 Análise Literária Texto: Missa do Galo, de Machado de Assis (1899). EXPOSIÇÃO Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite. A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranquilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito. Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar. CONFLITO Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa. - Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição. - Leio, D. Inácia. Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição. COMPLICAÇÃO - Ainda não foi? Perguntou ela. - Não fui; parece que ainda não é meia-noite. - Que paciência! Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da a1cova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada como o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza: - Não! qual! Acordei por acordar. Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa. - Mas a hora já há de estar próxima, disse eu. - Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu. - Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo. - Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros. - Justamente: é muito bonito. - Gosta de romances? - Gosto. - Já leu a Moreninha? - Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba. - Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido? Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê- los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos. - Talvez esteja aborrecida, pensei eu. E logo alto: - D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu... - Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia? - Já tenho feito isso. - Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha. - Que velha o quê, D. Conceição? Talfoi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranquilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas ideias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la. - É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem. - Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio... CLÍMAX Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me: - Mais baixo! Mamãe pode acordar. E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho: - Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono. - Eu também sou assim. - O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor. Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu- se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves. - Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada. - Foi o que lhe aconteceu hoje. - Não, não, atalhou ela. Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou- se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me: - Mais baixo, mais baixo... Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. FIM DO CLÍMAX Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede. - Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros. Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios. - São bonitos, disse eu. - Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro. - De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro. - Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório. A ideia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos. Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes. - Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo. Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a ideia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo. Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. EPÍLOGO Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! Missa do galo!" - Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus. - Já serão horas? perguntei. - Naturalmente. - Missado galo! Repetiram de fora, batendo. -Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã. E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido. Fonte: (ASSIS, 1994). No conto A missa do galo, Machado de Assis utiliza-se do foco narrativo em primeira pessoa (o narrador também é personagem). No decorrer da trama Machado de Assis utiliza algumas construções sintáticas que às vezes parecem antigas, mas para a época que foi escrita era a pura modernidade estilística. Escrita em primeira pessoa e as conversas inesperadas, misturando-se a sensualidade é uma das características dos contos machadianos. Resumo da aula 3 Nesta aula evidenciaram-se elementos constitutivos do texto narrativo. Finalizando efetuou-se a análise literária do conto A missa do Galo, de Machado de Assis (1899). Atividade de Aprendizagem Escolha um conto de sua preferência e efetue análise literária do mesmo. Aula 4 - Elementos da Narrativa Apresentação da aula 4 Nesta aula serão apresentado os elementos constitutivos dos textos narrativos em prosa. 4. Elementos da narrativa 4.1 Narrativa Segundo Vilarinho (S/d.): A Narração é um tipo de texto que relata uma história real, fictícia ou mescla dados reais e imaginários. O texto narrativo apresenta personagens que atuam em um tempo e em um espaço, organizados por uma narração feita por um narrador. Tudo na narrativa depende do narrador, da voz que conta a história. (VILARINHO, S/d.) A narrativa subdivide-se nos seguintes elementos: Foco narrativo; Personagem; Tempo; Espaço; Enredo; Clímax; Desfecho. 4.1.1 Foco Narrativo O foco narrativo é o ponto de vista sob o qual o fato é narrado. Através da perspectiva assumida pelo narrador, pode-se classificar o foco narrativo, ou seja, o narrador, em narrador-observador ou narrador personagem. O narrador-observador, ao narrar os fatos, assume uma perspectiva de fora da história, como se estivesse em um lugar estratégico e acompanhasse o desenrolar dos fatos sem assumir papel de personagem ou interferir como tal. Nesse caso, dizemos que a narração acontece em terceira pessoa. Uma segunda classificação divide em essa categoria em narrador-observador e narrador-observador onisciente. Esse último, além de observar e narrar os fatos em terceira pessoa (ele/ela/eles/elas) também tem ciência dos pensamentos das personagens, por isso seu alcance é mais amplo. O narrador-personagem participa mais estreitamente da história, pois assume papel de uma das personagens. Nesse caso, dizemos que a história é contada em primeira pessoa (eu ou nós). Segundo Vilariho (S/d.): - Narrador-personagem: é aquele que conta a história na qual é participante. Nesse caso ele é narrador e personagem ao mesmo tempo, a história é contada em 1ª pessoa. - Narrador-observador: é aquele que conta a história como alguém que observa tudo que acontece e transmite ao leitor, a história é contada em 3 pessoa. - Narrador-onisciente: é o que sabe tudo sobre o enredo e as personagens, revelando seus pensamentos e sentimentos íntimos. Narra em 3ª pessoa e sua voz, muitas vezes, aparece misturada com pensamentos dos personagens (discurso indireto livre). [grifos nossos] (VILARINHO, S/d.). 4.1.2 Personagem Personagem é qualquer elemento que ocupa um espaço ou pratica uma ação intencional ou involuntária dentro da narrativa, pode ser considerado uma personagem. As personagens podem ser divididas em categorias, quais sejam: protagonistas, personagens secundárias e figurantes. O protagonista desempenha papel central na trama e sua atuação é fundamental para a evolução da narrativa. Esse personagem é também chamado de personagem principal ou herói. As personagens secundárias desempenham um papel menor na narrativa, mas nem por isso menos importante para o desenvolvimento da ação. Os figurantes têm papel irrelevante no desenvolvimento da ação, pois a eles cabe a ilustração do ambiente ou do espaço social que circunda a narrativa. Os personagens têm muita importância na construção de um texto narrativo, são elementos vitais, podendo ser personagens são principais ou secundárias, conforme o papel que desempenham no enredo, podem ser apresentadas direta ou indiretamente. A apresentação direta é quando o personagem aparece de forma clara no texto, retratando suas características físicas e/ou psicológicas, já a apresentação indireta se dá quando os personagens aparecem aos poucos e o leitor vai construindo a sua imagem com o desenrolar do enredo, ou seja, a partir de suas ações, do que ela vai fazendo e do modo como vai fazendo. 4.1.3 Tempo O tempo em uma narrativa pode ser cronológico, psicológico, histórico ou ainda o tempo do discurso. Tempo cronológico: determinado pela sucessão cronológica dos acontecimentos narrados. Tempo psicológico: é um tempo subjetivo, vivido ou sentido pela personagem, que flui em consonância com o seu estado de espírito. Tempo histórico: refere-se à época ou momento histórico em que a ação se desenrola. Tempo do discurso: resulta do tratamento ou elaboração do tempo da história pelo narrador. Esse pode escolher narrar os acontecimentos em ordem linear ou não linear, alterando a ordem temporal. 4.1.4 Espaço O espaço em uma narrativa pode ser: Físico: é o espaço real, que serve de cenário à ação, onde as personagens se movem. Social: é constituído pelo ambiente social, representando, essencialmente, pelas personagens figurantes. Psicológico: espaço interior da personagem, contemplando suas vivências, seus pensamentos e sentimentos. 4.1.5 Enredo O enredo, também chamado de trama ou intriga, é a estrutura básica da história, a sequência de acontecimentos que serão narrados é a parte do texto em que se inicia propriamente a ação. Encadeados, os episódios se sucedem, conduzindo ao clímax. 4.1.6 Clímax O clímax é o momento de maior dramaticidade da narrativa. Trata-se de um momento intenso, emocionante, dinâmico, onde os fatos começam a se encaixarem, levando a trama para o desfecho; é o ponto da narrativa em que a ação atinge seu momento crítico, tornando o desfecho inevitável. 4.1.7 Desfecho O desfecho é a conclusão da narrativa. É o momento onde os “nós” e os mistérios da trama são explicados. É a solução do conflito produzido pelas ações dos personagens. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Amplie seus estudos lendo o livro Teoria da Literatura: uma introdução, de Terry Eagleton. A obra traz considerações importantes à respeito da Teoria Literária. Resumo da aula 4 Nesta aula foram abordados os elementos da narrativa evidenciando as suas características e como os mesmos enquadram-se na narrativa. Atividade de Aprendizagem Discorra a respeito dos elementos da narrativa, evidenciandoa sua importância dentro da construção textual. Resumo da disciplina Nesta disciplina foram abordados os contextos históricos da origem da Literatura, evidenciando os gêneros literários e as suas particularidades. Também serão abordados os fundamentos históricos e conceituais dos gêneros literários em prosa (romance, conto, novela e crônica), conceitos fundamentais para a elaboração de uma análise literária, evidenciando também os elementos da narrativa e suas estruturas. Referências ARAUJO, A. P. Conto. InfoEscola, S/d. Disponível em: http://www.infoescola.com/redacao/conto/ Acessado em: Mar/2017. ARAÚJO, W. Teoria da Narrativa: algumas considerações. 2011. ASSIS, M. Contos consagrados. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. ASSIS, M. Páginas Recolhidas. Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 [publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899]. CAMÕES, L. V. de. Amor, que o gesto humano na alma escreve. 1598. CAMPANELLA, F. Breve histórico da crônica. 2009. Disponível em: http://fernandocampanella.blogspot.com.br/2009/04/breve-historico-da-cronica.html Acessado em: Mar/2017. GANCHO, C. Como analisar narrativas. São Paulo: Editora Ática, 2006. Disponível em: https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2015/07/gancho-c-como-analisar- narrativas.pdf Acesso em: Mar/2017. LUKÁCS, G. Teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades: Editora 34, 2000. MARTINS, J. S. O poder do atraso. Ensaios de sociologia da justiça lenta. São Paulo: Hulctec, 1994. MOISÉS, M. A criação Literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix, 2003. MOISÉS, M. A Criação Literária. São Paulo: Cultrix, 1973, p.188. MORAES, V. Poemas, Sonetos e Baladas. São Paulo, Edições Gavetas, 1946. PROENÇA, I. C. Estudo Introdutivo. In: ASSIS, M. Contos consagrados. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. VILARINHO, S. Gênero Lírico. S/d. Brasil Escola. Disponível em http://brasilescola.uol.com.br/literatura/genero-lirico.htm Acesso em: Mar/2017. VILARINHO, S. Narração. S/d. Mundo Educação. Disponível em: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/redacao/narracao.htm Acessado em: Mar/2017. Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais.
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