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i KATRIN RAPPL Políticas Públicas e Habitação de Interesse Social: similaridades e diferenças entre o caso Brasileiro e o Espanhol CAMPINAS 2015 ii iii UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo KATRIN RAPPL Políticas Públicas e Habitação de Interesse Social: similaridades e diferenças entre o caso Brasileiro e o Espanhol Orientador: Prof. Dr. Leandro Silva Medrano Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, para obtenção do título de Mestra em Arquitetura, Tecnologia e Cidade, na área de Arquitetura, Tecnologia e Cidade. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA KATRIN RAPPL E ORIENTADA PELO PROF. DR. LEANDRO SILVA MEDRANO. CAMPINAS 2015 iv v vi vii RESUMO A atual política nacional brasileira incentiva grandes investimentos públicos na área da construção, apoiados principalmente pelos programas "Plano de Aceleração do Crescimento” (PAC) e "Programa Minha Casa Minha Vida” (PMCMV) e que por sua vez possibilitam amplas mudanças no espaço urbano. A construção de habitações com o objetivo de diminuir o déficit habitacional no país é uma das prioridades destes programas, o qual é estimado em 5,9 milhões de domicílios (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2012). Entretanto, nota-se que a qualidade dos projetos e sua relação com a cidade são deixadas a um plano secundário. Desse modo, a perspectiva de crescimento urbano acelerado no Brasil intensifica a necessidade de discussão sobre este tema e também a aplicação de parâmetros arquitetônicos, econômicos e urbanos capazes de assegurar a qualidade do projeto na quantidade desejada. Essa pesquisa teve como objetivo identificar as atuais diretrizes arquitetônicas e urbanas do PMCMV e analisar similaridades e diferenças com programas praticados na Espanha, país que construiu mais de 5 milhões de habitações entre 2000 e 2008 (MINISTERIO DE FOMENTO, 2012), em especial o Plan de Vivienda vinculado à Consejería de Medio Ambiente, Vivienda y Ordenación del Territorio (Madri) e o Programa de Actuación Urbanística na escala do Município de Madri, que configuram a formação de território. Desde a “bolha imobiliária” à diversidade de experiências bem sucedidas no campo das HIS (Habitação de Interesse Social), são muitos os exemplos de grande relevância acadêmica, produzidos e premiados na Espanha e que podem indicar alternativas aos modelos tipológicos e urbanos utilizados no Brasil. Desse modo, a pesquisa justifica-se pela necessidade premente, em cenário nacional, de novas formulações na relação entre arquitetura e cidade, fundamentais para que o desejado avanço no campo habitacional seja igualmente percebido na qualidade de nossas cidades. Palavras-chave: Políticas Públicas, Habitação Social, Brasil, Espanha, Métodos de análise, Método de avaliação. viii ix ABSTRACT Currently in Brazil, it is possible to identify initiatives that are supported by large public investments, administered primarily by programs such as: Plano de Aceleração do Crescimento (Acceleration Growth Program - PAC) and Programa Minha Casa Minha Vida (My Home, My Life Program – PMCMV). These programs are responsible for managing great investments in the construction area which enable major changes in urban space. One of their priorities is to stimulate housing construction in order to reduce the housing deficit in the country, which is estimated at 5.9 million households (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2012). However, it is noticeable that the quality of the projects and their connection with the city are left aside. Thereby, the prospect of accelerated urban development in Brazil intensifies the need for discussion on this topic and also for the application of architectural, economic, and urban parameters to ensure project quality in the desired quantity. This research aimed to identify the current architectural and urban guidelines of the PMCMV and analyze similarities and differences with programs performed in Spain, a country that has built more than 5 million homes between 2000 and 2008 (MINISTERIO DE FOMENTO, 2012), especially the Plan de Vivienda (Housing Plan) linked to Consejería de Medio Ambiente, Vivienda y Ordenación del Territorio and also the Programa de Actuación Urbanística (Urban Action Programs) on the level of the city of Madrid, which can shape territory formation. From the "housing bubble" economic disaster to the diversity of successful experiences in the Social Housing field, there have been many examples of great academic importance produced and awarded in Spain which may indicate alternatives to urban and typological models used in Brazil. Thus, this research is justified by the pressing need, in the national scenario, of new formulations on the relationship between architecture and city, essential to the advancement in the housing field as well as in the quality of our cities. Keywords: Public Policy, Social Housing, Urban Planning, Brazil, Spain, Method of analysis, Evaluation method. x xi SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 1 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ENTRE BRASIL E ESPANHA 9 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS, HABITAÇÃO E CIDADE 17 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 21 2.1 CONTEXTO HABITACIONAL NO BRASIL 21 2.1.1 O Programa Minha Casa, Minha Vida 26 2.1.2 Políticas Públicas | Legislação Habitacional e Urbana 34 2.1.3 Discussão 38 2.2 CONTEXTO ESPANHOL 47 2.2.1 Introdução 47 2.2.2 Programa de Ação Urbanística (Programa de Actuación Urbanística)| PAU 55 2.2.3 Políticas Públicas | Legislação Habitacional e Urbana 58 2.2.4 Discussão 62 3. PARÂMETROS DE QUALIDADE: RELAÇÃO ENTRE HABITAÇÃO COLETIVA E CIDADE 67 3.1 MÉTODOS DE ANÁLISE E AVALIAÇÃO 77 3.2 APRESENTAÇÃO DO MÉTODO I+D+VS 87 4. APRESENTAÇÃO DOS ESTUDOS DE CASO 95 4.1 ESPANHA 95 4.1.1 Distrito de Carabanchel 96 4.1.2 PAU de Carabanchel 100 4.1.3 Discussão 106 4.1.4 Projetos de Estudo em Madri 108 4.1.5 Entrevistas119 4.2 BRASIL 121 xii 4.2.1 São Paulo 122 4.2.2 Cidade Líder | Itaquera 129 4.2.3 Sapopemba | Sapopemba (Vila Prudente) 132 4.2.4 Jardim Vicentina | Osasco 133 4.2.5 Discussão 135 4.2.6 Projetos de Estudo em São Paulo e Região Metropolitana 139 5. ANÁLISE DOS PROJETOS DE ESTUDO 151 5.1 RESULTADOS 165 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 175 REFERÊNCIAS 181 APÊNDICE A | PROGRAMAS HABITACIONAIS NO BRASIL NOS 3 NÍVEIS 195 APÊNDICE B | ENTREVISTAS REALIZADAS 197 ANEXO A | EMPREENDIMENTOS DO PMCMV NA CIDADE DE SÃO PAULO 207 ANEXO B | PLANTA DOS EMPREENDIMENTOS ESTUDADOS 209 xiii DEDICATÓRIA Aos meus pais, Paulo e Rosa Rappl pelo constante incentivo e apoio incondicional. xiv xv AGRADECIMENTOS Agradecimentos são expressos ao professor Leandro Medrano, pela rica orientação, dedicação e constante apoio no desenvolvimento deste trabalho. À FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo apoio e auxílio financeiro prestado à pesquisa, tanto no Brasil quanto na Espanha (processos n˚2012/12146-7 e n˚2013/09199-4). À professora Doris Catharine Cornelie Knatz Kowaltowski e ao professor João Sette Whitaker Ferreira pelas valiosas e imprescindíveis contribuições na banca de qualificação e de defesa. À professora Carmen Espegel e aos pesquisadores do GIVCO (Grupo de Investigación en Vivienda Colectiva) pela oportunidade de intercâmbio na UPM (Universidad Politécnica de Madrid) e pela troca de informação e contatos. Ao professor Sergio Martín Blas e à professora Isabel Rodriguez do grupo NuTAC - UPM (Nuevas Técnicas, Arquitectura y Ciudad), que atenciosamente sanaram minhas dúvidas e disponibilizaram materiais sobre o método de análise I+D+VS (Investigación, Desarrollo y Vivienda Social). Ao professor Miguel Ángel Prieto Miñano, funcionário da EMVS (Empresa Municipal de la Vivienda y Suelo) de Madri, pela rica troca de informação sobre o trabalho da empresa municipal, assim como sobre a legislação habitacional do país. Aos arquitetos Nicolás Maruri, Ignácio Borrego e Jacobo García-Germán Vázquez que gentilmente cederam as informações técnicas sobre os projetos de estudo em Madri e sobretudo, aos dois primeiros que atenciosamente responderam às entrevistas. Também agradeço aos funcionários do Ministerio de Fomento (Espanha) que gentilmente cederam os materiais solicitados para a pesquisa. Às colegas do grupo de pesquisa LEAC (Laboratório de Estudos em Arquitetura Contemporânea), pela constante troca de experiências e informações. Aos funcionários da SEHAB-SP (Secretaria de Habitação de São Paulo), escritório Pentarco e Vigliecca & Associados que auxiliaram na fase de coleta de dados e disponibilizaram os materiais referentes aos projetos de estudo no Brasil. xvi Aos meus pais, Paulo e Rosa Rappl pelo incentivo constante e apoio incondicional em todos os momentos. Ao Luiz Erasmo pela paciência e apoio nos momentos difíceis. A minha irmã, Aldrin e aos amigos pela torcida e apoio. xvii LISTA DE FIGURAS Figura 01: Comparação entre o mapa do Brasil com o Estado de São Paulo e o mapa da Espanha com a Comunidad de Madrid, assim como entre as respectivas áreas e os dados populacionais....9 Figura 02: Comparação de dados entre os países de estudo…………….…..….………………..10 Figura 03: Comparação entre o mapa da cidade de São Paulo e Madri, assim como entre as respectivas áreas e os dados populacionais…………………..……………………………...…..…11 Figura 04: Comparação entre amostras dos tecidos urbanos nas cidades de São Paulo e Madri..12 Figura 05: Dados entre as cidades estudadas………………………….…….………..…………14 Figura 06: Comparação de dados sobre domicílios em São Paulo e Madri………….….………15 Figura 07: Esquema de contratação do PMCMV para a faixa 1……………….……..…………30 Figura 08: Esquema dos avanços legislativos no Brasil na área habitacional e urbana...……….35 Figura 09: Poblado Dirigido Fuencarral, exemplo de experiência habitacional realizada no período de 1958 a 1960 em Madri……………………………………………………….……….51 Figura 10: Pozo del Tío Raimundo, exemplo de intervenção do Estado em Madri, imagem retrata o início da construção dos primeiros edifícios de habitação social na área....................................52 Figura 11: Representação da malha urbana de Valdebernardo (Madri) e seção das vias adjacentes…………………………………………………………………………………………54 Figura 12: Localização dos seis novos PAUs em Madri……………………..………………….56 Figura 13: Exemplo de “Figura e Fundo”- cidade de Parma..…………………………………..68 Figura 14: Exemplo gráfico do método I+D+VS...………………..………………………….....89 Figura 15: Distritos de Madri………………………………………………….…………..…….96 Figura 16: Bairros de Carabanchel……………………………………………………………...96 Figura 17: Mapa de Carabanchel em 1944……………………………………………………...98 Figura 18: Imagem área do PAU de Carabanchel em Madri….………………………………100 Figura 19: Mapa do PAU de Carabanchel com os equipamentos públicos do bairro…………101 Figura 20: Centro Comercial Islazul no PAU de Carabanchel…...…………………….……..102 xviii Figura 21: Metrô La Peseta (linha 11) no PAU de Carabanchel………………………...……102 Figura 22: Posto de Saúde no PAU de Carabanchel…………………………………………..102 Figura 23: Escola Infantil Maestro Padilla no PAU de Carabanchel…………………………102 Figura 24: Mapa de Uso e Ocupação do Solo do PAU de Carabanchel em Madri...….………103 Figura 25: Dimensão das vias do PAU de Carabanchel…………………….…………………104 Figura 26: Avenida principal La Peseta no PAU de Carabanchel…………………...………..104 Figura 27: Boulevard da Avenida principal no PAU de Carabanchel.……….………...……..104 Figura 28: Representação do traçado urbano das superquadras no PAU de Carabanchel, Madri……………………………………………………………………………………………105 Figura 29: Mapa com a localização dos projetos estudados no PAU de Carabanchel em Madri e sua conexão com a malha urbana já existente…………………………………………..………108 Figura 30: Imagem do edifício Carabanchel 17……………………………………………….109 Figura 31: Desenho da fachada do edifício Carabanchel 17, unidades são escalonadas de um andar para o outro……..………………….……………………………………………....….….110 Figura 32: Pátio comum aos moradores do edifício Carabanchel 17….………….……….…..111 Figura 33: Entrada do edifício Carabanchel 17…………………………………………….….111 Figura 34: Terraço privativo de cada unidade habitacional no edifício Carabanchel 17….…..111 Figura 35: Imagem do edifício Carabanchel 20……………………………………………….112 Figura 36: Esquema conceitual da anexação dos volumes anexos à fachada do edifício Carabanchel 20…………………………………………………………………………...…….113 Figura 37: Esquema de projeto – edifício Carabanchel 20………………...………………….113 Figura 38: Tipos habitacionais do edifício Carabanchel 20………………………………...…114 Figura 39: Pátio comum aos moradores do edifício Carabanchel 20…………………….……115 Figura 40: Abertura de ventilação e Iluminação da garagem do edifício Carabanchel 20…….115 Figura 41: Imagem do edifício Carabanchel 20………………………….……………………115 xix Figura 42: Imagem do edifícioCarabanchel 12……………………………………………….116 Figura 43: Estudos para a implantação do edifício Carabanchel 12…….…………………….116 Figura 44: Infográficos do edifício Carabanchel 12…………..……………….………………117 Figura 45: Crianças na “montanha" no edifício Carabanchel 12…….………………………..117 Figura 46: Térreo do edifício Carabanchel 12…………..……………………………………..118 Figura 47: Passagem de pedestre no térreo do edifício Carabanchel 12………………………118 Figura 48: Gabarito do edifício Carabanchel 12……………...……………………………….118 Figura 49: Mapa das regiões da cidade de São Paulo…………...……………………………..122 Figura 50: Mapa com as subprefeituras da cidade de São Paulo …..………………………….122 Figura 51: Mapas de crescimento da área urbanizada de São Paulo no período de 1872 a 2002…………………………………………………………………………………….……….124 Figura 52: Mapa de São Paulo com a renda média familiar | 2000…………………………….126 Figura 53: Mapa de São Paulo com a densidade de área construída segundo o tipo de uso no município | 2004………………………………………………………………………………...127 Figura 54: Mapa de São Paulo com a localização das Unidades Habitacionais de Interesse Social em conjuntos da COHAB e CDHU | 2006…………………………………………………..….127 Figura 55: Mapa com a localização das unidades do PMCMV (faixa 1) em São Paulo | 2012..128 Figura 56: Mapa com a localização das ZEIS em São Paulo | 2012………………...…………128 Figura 57: Localização da subprefeitura de Itaquera no mapa de São Paulo.………….…....…129 Figura 58: Foto aérea da região de Itaquera com a forte presença de conjuntos habitacionais na área …………………………………………………………………………………………...…129 Figura 59: Imagem aérea da construção do Complexo Itaquerense em São Paulo……….……131 Figura 60: Localização da subprefeitura de Sapopemba no mapa de São Paulo..……………..132 Figura 61: Foto aérea da região de Sapopemba..………………………………………………132 Figura 62: Localização do município de Osasco no mapa da Região Metropolitana de São Paulo e o período de expansão urbana………………………….………………………………......….134 xx Figura 63: Mapa de Osasco com a localização do Jardim Vicentina.………………………….135 Figura 64: Tipologias predominantes em conjuntos habitacionais nas áreas estudadas……….136 Figura 65: Diversidade na dimensão das vias nas áreas estudadas…………………………….136 Figura 66: Exemplo de rua “murada” em Cidade Líder, São Paulo………...………………….137 Figura 67: Exemplo de rua “murada” em Cidade Líder, São Paulo……………………...…….137 Figura 68: Exemplo de Favela em Osasco na área do Jardim Vicentina………………..……..137 Figura 69: Exemplo de via estreita em Sapopemba, São Paulo….…………………….………137 Figura 70: Representação do traçado urbano em Cidade Líder, mescla de quadra residencial com área verde…………………………………………………………………………………..……138 Figura 71: Imagem do edifício residencial Iguape A em São Paulo.….……………………….139 Figura 72: Planta tipo do empreendimento Iguape A…………………………………..……...140 Figura 73: Interior da unidade tipo do empreendimento Iguape A em São Paulo..……………141 Figura 74: Entrada do empreendimento Iguape A em São Paulo…………………...…………141 Figura 75: Área de playground do empreendimento Iguape A em São Paulo…………...…….141 Figura 76: Imagem do edifício residencial São Roque em São Paulo……………………...….143 Figura 77: Entrada secundária (patamar menor) do edifício São Roque………………………144 Figura 78: Estacionamento e edifícios do Residencial São Roque...………………………….145 Figura 79: Área de playground do Residencial São Roque..………………………………….145 Figura 80: Entrada principal do empreendimento (patamar maior) São Roque……….……….145 Figura 81: Imagem do empreendimento Jardim Vicentina em Osasco..……………………….147 Figura 82: Esquema de implantação do conjunto Jardim Vicentina em Osasco……………….148 Figura 83: Área de convívio do Jardim Vicentina em Osasco...……………………………….149 Figura 84: Quadra esportiva do Jardim Vicentina em Osasco…………………………………149 Figura 85: Conexão entre blocos por passarelas no Jardim Vicentina em Osasco…...………..149 xxi Figura 86: Exemplos de tipologias em “bloco”, “quadra fechada” e tipo “casa” encontrados nas amostras dos entornos dos projetos estudados (1000x1000m)………………...………………..165 Figura 87: Comparação entre os tecidos urbanos dos recortes (1000x1000m) de cada projeto…………………………………………………………………………………………...171 Figura 88: Comparação entre os tecidos urbanos dos recortes (250x250m) de cada projeto….172 Figura 89: Esquema de transformação do solo na Espanha…………………………………....176 Figura 90: Esquema de transformação do solo no Brasil……………………………………....176 Figura 91: Implantação | Carabanchel 17……………………………………………….……..209 Figura 92: Planta Tipo | Carabanchel 17……………………………………………………....210 Figura 93: Implantação | Carabanchel 20…………………………………………………...…211 Figura 94: Planta Tipo | Carabanchel 20………………………………………………………212 Figura 95: Implantação | Carabanchel 12……………………………………………………...213 Figura 96: Planta Tipo | Carabanchel 12……………………………………………………....214 Figura 97: Implantação | Iguape A……………………………………………………………..215 Figura 98: Planta Tipo | Iguape A……………………………………………………………...216 Figura 99: Implantação | São Roque…………………………………………………………...217 Figura 100: Planta Tipo | São Roque…………………………………………………………...218 Figura 101: Implantação | Vicentina…………………………………………………………...219 Figura 102: Planta Tipo | Vicentina……………………………………………………………220 xxii xxiii LISTA DE TABELAS Tabela 01: Faixas de renda familiar nas duas fases do PMCMV.………...……………………..27 Tabela 02: Meta de contratação inicial PMCMV1 e PMCMV2 para cada faixa de renda.……..27 Tabela 03: Dados dos seis novos PAUs em Madri…..…………………………………………..56 Tabela 04: Programas Habitacionais na escala do Município de Madri…...……………………60 Tabela 05: Programas Habitacionais na escala da Comunidad de Madrid..…………………….60 Tabela 06: Programas Habitacionais na escala Federal da Espanha…………………………….61 Tabela 07: Informações sobre os planos e programas aprovados para a construção do PAU de Carabanchel……………………………….……………………………………………….…….62 Tabela 08: Princípios do New Urbanism………………………………….…………………..…70 Tabela 09: Princípios do Smart Growth……………………………………………………..…..71 Tabela 10: Artigos em periódicos QUALIS A1 e A2 relacionados ao tema “métodos de análise e avaliação” encontrados na pesquisa………………………………………………………….......77 Tabela 11: Livros, Dissertações, Teses, Artigos e outras publicações relacionadas ao tema ou que apresentaram alguma metodologia de análise ou avaliação…………………………………...…79 Tabela 12: Metodologias de análise e avaliação habitacional encontradas na pesquisa……..….84 Tabela 13: Informações sobre os parâmetros de análise no método I+D+VS………………......88 Tabela 14: Novos parâmetros incorporados no método I+D+VS…………………………….....91 Tabela 15: Esquema dos parâmetros utilizados na pesquisa………………………………….....93 Tabela 16: Distritos de Madri……………………………………………………………..…..…96 Tabela 17: Bairros do distrito de Carabanchel……………………………………………….....97 Tabela 18: Crescimento populacional em Sapopemba no período de 1980 a 2010……………133 Tabela 19: Análise do projeto Carabanchel 17………………………………………………...153 Tabela 20: Análise do projeto Carabanchel 20………………………………………………...155 Tabela 21: Análise do projeto Carabanchel 12………………………………………………...157 xxiv Tabela 22: Análise do projeto Iguape A………………………………………………….…….159 Tabela 23: Análise do projeto São Roque……………………………………………………...161 Tabela 24: Análise do projeto Vicentina | PAC……………………………………………..…163 Tabela 25: Comparação entre porcentagem de uso do solo das amostras (1000x1000m) nos entornos estudados………………………………………………………………………………166 Tabela 26: Diretrizes sugeridas pela pesquisa…………………………………...……………..178Tabela 27: Programas Habitacionais na escala do Município de São Paulo……………….…..195 Tabela 28: Programas Habitacionais na escala do Estado de São Paulo……………………….195 Tabela 29: Programas Habitacionais na escala Federal (Brasil)……………….………………195 Tabela 30: Empreendimento do PMCMV em São Paulo | Fonte: Habisp, 2014……….……...207 xxv LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01: Evolução do preço (venda) do metro quadrado em São Paulo (US$) e Madri (US$) no período de 2003 a 2013……………………………………………………………………….16 Gráfico 02: Evolução das classes econômicas no Brasil no período de 2002 a 2014………...…25 Gráfico 03: Comparação entre o Déficit Habitacional Urbano para 2009 e as meta de contratação do PMCMV1 e PMCMV2 por faixa de renda…..………………………………………………..33 Gráfico 04: Dados de crescimento demográfico da cidade de Madri no período de 1877 a 2011………………………………………………………………………………………………47 Gráfico 05: Dados de crescimento demográfico da cidade de São Paulo no período de 1872 a 2010……………………………………………………………………………………………..123 Gráfico 06: Espaço Público - Comparação entre os parâmetros: porosidade do traçado urbano na amostra (1000x1000m); e a permeabilidade em planta baixa na amostra (250x250m) de cada projeto…………………………………………………………………….……………………..167 Gráfico 07: Edificabilidade | Ocupação - Comparação entre os parâmetros: taxa de edificabilidade no lote na amostra (250x250m); e a porcentagem de solo ocupado no lote na amostra (250x250m) de cada projeto…………………………………………………….……..168 Gráfico 08: Diversidade de Usos - Comparação entre os parâmetros: porcentagem de usos não residenciais no lote na amostra (250x250m); e a porcentagem de usos não residenciais na amostra (1000x1000m) de cada projeto…………………………………………………………...……..169 Gráfico 09: Densidade Habitacional - Comparação entre os parâmetros: densidade habitacional no lote mais a parte proporcional da via na amostra (250x250m); e a densidade habitacional na amostra (1000x1000m) de cada projeto………………………………………………………...170 Gráfico 10: Economia de Urbanização - Comparação entre os parâmetros: área edificada na amostra (1000x1000m); e a área viária na amostra (1000x1000m) de cada projeto...………….170 xxvi xxvii LISTA DE SIGLAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas APO - Avaliação Pós-Ocupação BNH - Banco Nacional de Habitação CABE - Commission for Architecture and the Built Environment CAIXA - Caixa Econômica Federal CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CFA - Comparative Floorplan Analysis CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna COHAB - Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos DQI - Design Quality Indicator DQM - Design Quality Method EMS - Empresa Municipal de Suelo EMT - Empresa Municipal de Transportes de Madrid EMV - Empresa Municipal de Vivienda EMVS - Empresa Municipal de la Vivienda y Suelo ETSAM - Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAR - Fundo de Arrendamento Residencial FCP - Fundação da Casa Popular FEC - Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo xxviii FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FHC - Fernando Henrique Cardoso FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social GIS - Geographic Information System GIVCO - Grupo de Investigación en Vivienda Colectiva HIS - Habitação de Interesse Social HQI - Housing Quality Indicator System IAP - Institutos de Aposentadoria e Pensões IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS - Imposto Cobrado na Circulação de Mercadorias IDH - Índice de Desenvolvimento Humano I+D+VS - Investigación, Desarrollo y Vivienda Social INV - Instituto Nacional de Vivienda IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano IPREM - Indicador Público de Renta de Efectos Múltiples IVIMA - Instituto de la Vivienda de Madrid LEAC - Laboratório de Estudos em Arquitetura Contemporânea NU - New Urbanism NuTAC - Nuevas Técnicas, Arquitectura y Ciudad OGU - Orçamento Geral da União PAC - Plano de Aceleração do Crescimento PAU - Programa de Actuación Urbanística PEUC - Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsória xxix PCCs - Países Capitalistas Centrais PCPs - Países Capitalistas Periféricos PGOUM - Plan General de Ordenación Urbana de Madrid PHPE - Programa Habitacional Popular Entidades PIB - Produto Interno Bruto PlanHab - Plano Nacional de Habitação PLHIS - Planos Locais de Habitação de Interesse Social PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida PNHR - Programa Nacional de Habitação Rural PNHU - Programa Nacional de Habitação Urbana PPA - Plano Plurianual SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo SEHAB - Secretaria de Habitação SEL - Système d'évaluation de logements SFH - Sistema Financeiro de Habitação SNH - Sistema Nacional de Habitação SNHIS - Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social SUNP - Suelo Urbanizable no Programado SUP - Suelo Urbanizable Programado TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação TND - Tradicional Neighborhood Design TOD - Transit-Oriented Development TRLS - Texto Refundido de la Ley de Suelo UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas xxx UPM - Universidad Politécnica de Madrid VIS - Vivienda de Integración Social VPO - Vivienda de Protección Oficial VPORE - Vivienda con Protección Oficial de Régimen Especial VPPA - Vivienda con Protección Pública para Arrendamiento VPPA OC - Vivienda con Protección Pública para Arrendamiento con Opción de Compra VPPA OC J - Vivienda con Protección Pública para Arrendamiento con Opción de Compra para Jóvenes VPPA RC - Vivienda con Protección Pública para Arrendamiento de Renta Concertada VPPB - Vivienda con Protección Pública Básica VPPL - Vivienda con Protección Pública de Precio Limitado WSB - Wohnungs Bewertungs System ZEIS - Zona Especial de Interesse Social 1 1. INTRODUÇÃO A escolha do tema desta pesquisa levou em consideração um dos grandes problemas sociais do Brasil, o déficit habitacional. Segundo dados da Fundação João Pinheiro (2012), ele corresponde a 5,989 milhões de domicílios, dos quais 85% estão localizados nas áreas urbanas. O direito à moradia, presente no Estatuto da Cidade 1 (Lei Federal nº 10.257/01), é de extrema importância, já que influencia sob múltiplos aspectos (saúde física e psicológica) a qualidade de vida dos moradores. Segundo a Relatoria Nacional para os Direitos Humanos, a moradia adequada está relacionada aos seguintes itens: segurança de posse; disponibilidade de serviços, equipamentos públicos e infraestrutura; custo acessível, de modo a permitir a aquisição ou a locação do imóvel sem comprometer o orçamento familiar; localização adequada; habitabilidade e adequação cultural (SAULE JÚNIOR; CARDOSO, 2005). Entretanto, as condições atuais de vida no país refletem outra realidade: norteada por uma história de políticas públicas excludentes, na qual a população de baixa renda não foi atendida de maneira satisfatória pelos programas de habitação social, resultando em desigualdades sociais e territoriais. A configuração urbana atual das grandes cidades brasileiras apresenta situações de degradação elevada, tanto em relação à unidade habitacionalem si, quanto a sua localização. Em grande parte como consequência do crescimento das favelas em áreas ambientalmente frágeis e da implantação de moradias de baixa renda em áreas periféricas, com projetos padronizados e de baixa qualidade, que desconsideram características do local onde estão inseridos e a realidade da população, resultando em situações de degradação ambiental, fragmentação urbana, redução da qualidade de vida da população e elevação desnecessária de custos (FREITAS et al., 2001; ZENHA, 2002; BONDUKI, 2004). Atualmente no Brasil, vivencia-se uma realidade inaudita, a partir de 2008, a crise econômica internacional foi determinante para a decisão governamental de investir com vigor no setor habitacional ao mesmo tempo em que impulsionava a economia do país com a criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), (Lei Federal nº 11.977/09; Lei Federal nº 1 O direito à moradia foi aprovado como direito constitucional no ano 2000 pela Emenda Constitucional nº 26/2000, que alterou o artigo 6˚ da Constituição Federal, fazendo constar a moradia entre os direitos sociais. No ano seguinte, esse direito foi incorporado na Lei Federal nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade). 2 12.424/11) e a elaboração do Plano Nacional de Habitação (PlanHab) (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009). Com o PMCMV anunciado em 2009, o governo apostou no setor da construção civil com o objetivo de reduzir o déficit habitacional do país ao mesmo tempo em que incentivava a economia e criava empregos. O programa teve como objetivo inicial a construção de 1 milhão de unidades até o final de 2011 com a primeira fase e mais 2 milhões 2 de moradias com a segunda fase até o fim de 2014. As unidades são voltadas para famílias com renda de 0 a 10 salários mínimos, variando as unidades, tipo de financiamento e taxas de juros conforme a faixa de renda. Entretanto, a maioria dos resultados observados até o momento gera preocupação pela falta de relação entre arquitetura e cidade, com soluções padronizadas e repetidas em diversos locais apesar do clima e do entorno urbano. Conforme afirma Ferreira (2012), novos bairros surgem no país aparentemente sem preocupação com a qualidade urbana, alinhando casas idênticas ou enfileirando torres habitacionais com baixo padrão construtivo. Sendo assim, o desenvolvimento do programa sem lastro metodológico ou teórico consistente em relação à arquitetura e ao urbanismo gera preocupação do ponto de vista acadêmico, assim como a necessidade de discussão e entendimento sobre os principais obstáculos e as possibilidades de aprimoramento. Diante dessa problemática, surgem as seguintes questões: Por que os projetos do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) não têm gerado espaços urbanos vinculados às estruturas (urbanas) dos locais onde estão inseridos? Como os projetos do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) em áreas periféricas poderiam gerar resultados com qualidade arquitetônica e urbana? Nesse sentido, a busca por respostas a esses questionamentos acabaram por orientar a pesquisa, assim como, a escolha da Espanha como contraponto teórico à pesquisa. A seguir indicam-se os pontos que nortearam essa escolha: Destaque da arquitetura espanhola alcançada internacionalmente na primeira década do século XXI, principalmente pelos impulsos de renovação urbana e expansão do parque 2 Em abril de 2012 a meta inicial foi ampliada para 2,4 milhões de moradias e em 2013 para 2,75 milhões até o final de 2014. 3 imobiliário, com os projetos para o Fórum de 2004 (Plan22@) em Barcelona e os Programas de Atuação Urbanística (PAUs) em Madri; Similaridades com o Brasil em relação à técnica construtiva empregada e ao clima, pela necessidade por ventilação cruzada e iluminação natural nos projetos; A maneira como o país abordou o problema com seu déficit habitacional, zerando-o no início da década de 80; Oportunidade facilitada de realizar parte da pesquisa na Universidad Politécnica de Madrid (UPM) pelo acordo existente entre os grupos de pesquisa GIVCO - Grupo de Investigación en Vivienda Colectiva (ETSAM-UPM) e LEAC - Laboratório de Estudos em Arquitetura Contemporânea (FEC-UNICAMP). A Espanha conta hoje com um dos maiores parques de habitação da Europa, em 2007 tinha um total de 551 moradias para cada mil habitantes (Ministerio de Vivienda). Sendo que, na década de 70 estava entre os países europeus com o menor índice, cerca de 310 moradias para cada mil habitantes. Em 30 anos o processo de desenvolvimento habitacional no país teve um grande salto, as políticas aprovadas pelos diversos governos apostaram no impulso ao setor da construção como motor econômico e consequentemente de desenvolvimento. O país zerou seu déficit habitacional, calculado em 2,5 milhões de unidades, no início da década de 1980, após a implantação de um grande programa habitacional, o qual tinha como componente principal o incentivo às construtoras privadas. Elas atuaram em parceria com o poder público e funcionaram como mecanismo econômico capaz de impulsionar a economia espanhola (ALONSO, 2009). Em parte, muito similar ao objetivo do modelo adotado atualmente no Brasil. Esta decisão de investimento no setor da construção civil como motor econômico, se repetiu diversas vezes no país e chega a ser um fator determinante na política de habitação e desenvolvimento econômico. Entretanto, uma das consequências mais importantes desses “booms imobiliários” foi a consolidação de situações de exclusão residencial, que passaram a depender completamente da intervenção pública por conta dos altos preços do mercado imobiliário (ALCALÁ, 1995). O valor das moradias acompanhou uma subida contínua e chegou a alcançar 17% em 2003, no auge do ciclo imobiliário que começou em 1997. Esse aumento não foi acompanhado da alta dos 4 salários, o que gerou uma divergência que afetou o acesso à moradia (ANTÓN et al., 2007; RODRÍGUEZ, 2006). Este auge do mercado imobiliário que gerou a alta dos preços de moradias a limites pouco acessíveis pelas economias familiares espanholas não é uma situação nova na história do país. No século XX houve outros dois episódios similares: entre 1969 a 1974 e entre 1986 a 1991. Neste contexto, em 2004 foi criado o Ministério da Habitação 3 o qual aprovou o Plano Estatal de Habitação (Plan Estatal de Vivienda) para o período de 2005 a 2008 e também a Sociedade Pública de Aluguel no ano de 2005. O objetivo do plano era facilitar o acesso da população à moradia e assim atacar o problema de habitação (ALONSO, 2009). Em 2008, no contexto da crise internacional, foi aprovado o Plan Estatal de Vivienda y Rehabilitación para o período 2009-2012, com o objetivo principal de contornar o aumento dos preços das moradias no país (RODRIGUEZ LOPEZ, 2009). O Plano partiu da análise das necessidades no cenário habitacional e também da situação financeira e teve como finalidade melhorar o acesso e a utilização das moradias. De maneira geral, a política de habitação pública na Espanha trabalha com duas grandes áreas: a construção de novas habitações públicas; e a reabilitação de habitações existentes em moradias públicas ou que podem receber ajuda pública. O grande diferencial quando comparado ao Brasil está na articulação da política habitacional (construção de novas unidades) com a política urbana, sendo que, para estudar os projetos habitacionais na cidade de Madri em áreas periféricas foi indispensável considerar também o Programa de Atuação Urbanística (PAU) na pesquisa. Essas grandes operações de expansão do parqueimobiliário (PAUs) em áreas periféricas da cidade ocorreram no período de 2000 a 2008 e se concentraram nos bairros Arroyo del Fresno, Montecarmelo, Las Tablas, Sanchinarro, Vallecas e Carabanchel, nos quais foram previstos a construção de 75 mil unidades com o programa, dos quais 55% foram destinados para Habitação de Interesse Social (HIS) (AYUNTAMIENTO DE MADRID, 2010). A exposição desses projetos recebeu críticas locais e internacionais por conta da descontinuidade com a trama urbana, baixa densidade e entre outros fatores que são discutidos no trabalho (ALONSO, 2009; AROCA, 2003; MANGABA, 2003; ORTIZ, 2003). Entretanto, há que 3 O Ministério de Habitação (Ministerio de la Vivienda) foi suprido em 2010 e as competências referentes às políticas habitacionais e urbanas foram repassadas para o atual Ministerio de Fomento. 5 salientar pontos relevantes nessa produção, tais como, a existência de infraestrutura em áreas periféricas, desenho urbano, áreas verdes e a qualidade das moradias, tanto projetual quanto construtiva. Embora o crescimento no país, assim como na Europa em geral, tenha tido recessão após a crise de 2008, ainda são relevantes as experiências na área da arquitetura, urbanismo e políticas públicas relacionadas à Habitação de Interesse Social no país. A busca por compreender fatores similares e diferentes entre as políticas públicas e a produção habitacional nos dois países norteia a pesquisa, assim como, a busca por diretrizes, ideias e soluções que possam ser adaptadas à realidade brasileira. Também se busca aprender com a realidade e a experiência espanhola, entendendo as críticas ao programa e constatando experiências habitacionais bem sucedidas. Assim, a pesquisa teve como objetivo identificar as atuais diretrizes arquitetônicas e urbanas do PMCMV e verificar diferenças e similaridades entre projetos de HIS relacionados aos programas: PMCMV na cidade de São Paulo, Brasil (faixa 1, construídos ou projetados no período de 2009 a 2012 em áreas periféricas) e propostas derivadas do Plan de Vivienda e Programa de Actuación Urbanística em Madri, Espanha (construídos ou projetados no período de 2000 a 2011 em áreas de expansão territorial), os quais deverão indicar alternativas aos modelos tipológicos e urbanos utilizados no Brasil. Para tanto, foram realizadas as seguintes atividades: Pesquisa bibliografia relacionada a cada um dos países - analisando contexto histórico, processo de urbanização, políticas habitacionais e urbanas adotadas para obter base de comparação e análise das produções habitacionais de cada localidade; Identificação de projetos de arquitetura (construídos ou não) relacionados ao programa no estado de São Paulo no período de 2009 a 2012; Identificação de projetos de arquitetura (construídos ou não) relacionados aos programas citados em Madri com práticas bem sucedidas e características inovadoras no período de 2000 a 2011; Coleta de dados dos projetos na Espanha e entrevistas com os arquitetos; 6 Coleta de dados dos projetos no Brasil; Análise dos projetos considerando a relação entre HIS e a cidade; Comparação dos resultados (projetos espanhóis com os projetos brasileiros), apontando diferenças e similaridades de modo a contribuir para a discussão sobre o tema, bem como identificando diretrizes ao cenário brasileiro. Os resultados da pesquisa apresentam contribuições para a discussão sobre a habitação de interesse social no país, assim como, auxílio no estabelecimento de diretrizes teóricas e metodológicas que possibilitem uma melhor adequação entre os atuais programas brasileiros e os projetos habitacionais. Eles são apresentados na sequência sob a forma de uma dissertação. Os temas abordados foram divididos em 6 capítulos, detalhados a seguir: No capítulo 1 buscou-se contextualizar as indagações que nortearam a pesquisa e explicitar a escolha do contraponto teórico com a Espanha, para isso, apresenta-se um breve panorama sobre as duas realidades de estudo. Também discute-se a relação entre políticas públicas, habitação e cidade, relacionando o crescimento demográfico nos centros urbanos e a demanda por moradias com a busca pela regulação desses processos e configuração urbana atual, tratando também da influência neoliberal no uso mercantil da cidade. O capítulo 2 concentra-se na fundamentação teórica do trabalho, partindo de um contexto histórico habitacional de cada país até os programas atuais, sendo que para estudar o contexto habitacional em Madri foi indispensável considerar os Planos Urbanos do período. Dentro dessa proposta, apresentam-se também as políticas públicas, habitacional e urbana aplicáveis às áreas de estudo e as principais diretrizes dos programas: PMCMV no Brasil; Programa de Actuación Urbanística e Plan Estatal de Vivienda y Rehabilitación (2009-2012) em Madri, Espanha. No capítulo 3 apresenta-se uma discussão sobre parâmetros de qualidade na relação entre arquitetura e cidade, da mesma forma, sobre métodos de análise e avaliação de projetos com o intuito de constituir bases para as análises dos projetos na pesquisa. São expostos também informações acerca dos instrumentos de coleta de dados e protocolo de avaliação, com a apresentação do método I+D+VS (Investigación, Desarrollo y Vivienda Social) que foi adaptado para a análise dos projetos e aplicação no Brasil. 7 O capítulo 4 trata da apresentação dos 6 projetos de estudo e o critério de escolha dos mesmos em cada realidade. É feito uma contextualização sobre o local de cada um deles, apontando suas características, informações relevantes e processo de formação. O capítulo 5 concentra-se nas análises dos projetos de estudo a partir da metodologia indicada. Nesse capítulo também se apresenta os resultados obtidos, comparando os 6 projetos de forma gráfica e por fim, discute-se o que essas informações sugerem. O capítulo 6 se refere às Considerações Finais do trabalho, indicando os pontos-chave da comparação entre os dois países, assim como apontando diretrizes para o aperfeiçoamento de Políticas Públicas para as áreas periféricas no Brasil. Nesse capítulo também são apresentadas considerações sobre a aplicação do método Espanhol nos estudos de caso. 8 9 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ENTRE O BRASIL E A ESPANHA Primeiramente apresenta-se um breve panorama sobre os dois países e principalmente sobre as cidades de São Paulo e Madri, nas quais estão localizados os projetos que serão estudados. Essas informações preliminares (iniciais) servirão como base para a compreensão de informações que serão discutidas ao longo do trabalho. A partir dos mapas abaixo (Figura 01) nota-se que a extensão do Brasil é quase 17 vezes maior que a da Espanha, assim como sua população é 4 vezes maior. Da mesma forma, também apresentam-se os problemas de moradia e desigualdades sociais. Figura 01 – Comparação entre o mapa do Brasil com o Estado de São Paulo e o mapa da Espanha com a Comunidad de Madrid, assim como entre as respectivas áreas e os dados populacionais Fonte: Elaboração própria População do Brasil em 2013 201.032.714 HABITANTES População da Espanha em 2011 47.190.493 HABITANTES BRASIL ESPANHA 0 km 1000 km BRASIL ESPANHA8.515.767 km2 504.030 km2 Estado de São Paulo Comunidad de Madrid 10 A seguir seguem os principais índices do Brasil e da Espanha (Figura 02). Figura 02 – Comparação de dados entre os países de estudo Brasil Espanha Fonte: Ministerio del Fomento, IBGE, Fundação João Pinheiro, Instituto Nacional de Estadística (Taxa de conversão: dólar a 2,1 reais e euro a 1,3 dólares) Observa-se que, atualmente, a Espanha tem quase que a metade da taxa de crescimento populacional do Brasil e os dois países têm apresentado uma tendência de diminuição dessa taxa ao longo dos anos. Esse dado nos indica que, mesmo com o déficit habitacional zerado, e o crescimento demográfico em queda, a Espanha segue investindo e construindo novas moradias, principalmente no período de 2000 a 2008. Isso ocorre, como um meio de investimento e desenvolvimento do país, porém também como meio para facilitar o acesso à habitação para grande parte da população que tem dificuldade pelos altos valores dos imóveis. Nesse contexto, também vale a pena considerar que a taxa de crescimento não é o único fator utilizado na análise da necessidade de moradias, já que, existe também a realidade da alteração social do núcleo familiar, com famílias de pais separados e com o aumento do número de pessoas que passaram a morar sozinhas. Ou seja, essa mudança no perfil da sociedade influencia diretamente os tipos de moradias, gerando uma demanda maior por soluções que consideram a flexibilidade e a diversidade das unidades (MONTANER, J. M.; MUXÍ MARTINEZ, Z., 2011). 1,1 0,65 Taxa de crescimento (em 2012) 0,73 0,885 IDH (em 2011) 29.408 12.144 PIB per capita US$ (em 2011) 895,00 322,85 Salário mínimo US$ (em 2013) 5,9 milhões 0 Déficit Habitacional (em 2012) 11 O Produto Interno Bruto (PIB) per capita juntamente com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são indicadores que apontam a qualidade de vida no país, nesse caso, podemos observar que a Espanha apresenta índices melhores que o Brasil. Em relação aos municípios (Figura 03), nota-se que a cidade de São Paulo é 2,5 vezes maior que Madri, e apresenta uma população 3,5 vezes maior. Figura 03 – Comparação entre o mapa da cidade de São Paulo e Madri, assim como entre as respectivas áreas e os dados populacionais Fonte: Elaboração própria População da cidade de São Paulo em 2010 11.253.503 HABITANTES População da cidade de Madri em 2013 3.207.247 HABITANTES 10 km SÃO PAULO MADRI 1.509 km2 604,3 km2 SÃO PAULO MADRI 12 Ao observar os fragmentos de tecido urbano dessas cidades (Figura 04) é possível notar algumas diferenças entre elas, a região central de Madri é bem adensada, por conta do processo de crescimento da cidade, que no início ficava limitado por muros e cercas e também, posteriormente (pós 1930), por conta da natureza do Estado (bem-estar social) no país. Figura 04 – Comparação entre amostras dos tecidos urbanos nas cidades de São Paulo e Madri (Linha amarela representa 1 km) São Paulo | Região central, Santa Ifigênia Densidade aproximada: 299 habitantes/ha Madri | Região central, Universidad Densidade aproximada: 353 habitantes/ha São Paulo | Região periférica, Itaquera Densidade aproximada: 140 habitantes/ha Fonte: Google Earth Madri | Região periférica, PAU de Carabanchel Área nova: 74 habitantes/ha 4 Área antiga: 224 habitantes/ha Vale ressaltar que, o Estado voltado para o bem-estar comum, buscava no projeto de desenvolvimento capitalista construir uma sociedade de consumo de massa, a partir de ações interventoras e reguladoras da economia, da sociedade e consequentemente do desenvolvimento 4 Valor em alteração em função do desenvolvimento recente da área (alguns lotes de uso residencial ainda não foram edificados). 13 urbano. Ele colocou em prática o ideário modernista, no qual, a consolidação de uma nova arquitetura relacionava-se a uma mudança social do modo de vida. O Movimento Moderno buscava planejar as cidades com funcionalidade e racionalidade coerente a esse modelo, ou seja, com a utilização da infraestrutura para a vida coletiva, de modo a garantir espaços iguais a todos, adensamento populacional e produção habitacional em grande escala (moradias coletivas). A declaração do CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) em 1928 e 1934 já indicavam esses objetivos: “Towns planning is the organization of the functions of collective life (..) city as a part of an economic and social whole.” (MUMFORD, 2000, p.11 e 94). Por outro lado, no Brasil, a natureza do Estado foi marcada por um modelo patrimonialista, no qual a falta de distinção entre os domínios públicos e privados favoreceram os interesses de um determinado grupo da sociedade dominante em detrimento da coletividade (HOLANDA, 1995). Esse modelo teve reflexo na configuração urbana das cidades brasileiras, nas quais as áreas com mais infraestrutura, que deveriam ser adensadas, foram e continuam sendo utilizadas pelos setores dominantes com residências de luxo de baixa densidade. Em seu texto, Holanda (1995) deixa claro essa questão: No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influência das cidades - ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje. (HOLANDA, 1995, p.145). Essa característica completamente diferente entre a natureza dos dois Estados reflete na morfologia urbana das cidades. Deve-se ter em mente que tratar de subúrbio na Espanha e no Brasil não traz similaridades obrigatoriamente, o fato das áreas estarem na periferia da mancha urbana não quer dizer que apresentem as mesmas características urbanas, assim como as áreas centrais. Ainda nos fragmentos apresentados (Figura 04), observa-se que o alinhamento dos edifícios com o tecido urbano na área central de Madri resulta em uma estrutura clara, na qual é fácil identificar os eixos viários e as praças na cidade, além disso, facilita a presença de outros usos, como o comércio no térreo. Já nas áreas periféricas dos novos PAUs, observa-se uma ocupação do solo muito menor do que na área central de Madri, o que tem gerado muitas críticas em relação a essas novas áreas. 14 Já na cidade de São Paulo, nota-se uma maior flexibilidade no tecido urbano, tanto em relação aos alinhamentos quanto em relação à altura dos edifícios. O processo de crescimento na cidade é mais disperso e o crescimento horizontal é recorrente em suas áreas periféricas, com média densidade populacional e alta ocupação do solo, modelo característico por casas autoconstruídas, alguns conjuntos habitacionais e principalmente a falta de infraestrutura e mescla de usos. Há que salientar a existência de uma variação na densidade urbana nesses dois municípios, relacionados principalmente com a renda, por exemplo, na cidade de São Paulo, algumas áreas com renda elevada apresentam densidade de 145 habitantes/ha (Jardim Paulista) e 56 habitantes/ha (Alto de Pinheiros), enquanto que áreas com renda mais elevada em Madri variam de 275 habitantes/ha (Salamanca) e 312 habitantes/ha (Chamberí). Já a região central dessascidades apresentam as seguintes densidades demográficas: 164 habitantes/ha (média na região da Sé em São Paulo) e 275 habitantes/ha (média no centro de Madri), chegando em alguns bairros centrais na cidade espanhola a 486 habitantes/ha (Embajadores) e na cidade brasileira a 267 habitantes/ha (Bela Vista). A seguir seguem os principais índices de São Paulo e Madri (Figura 05). Figura 05 - Dados entre as cidades estudadas São Paulo Madri Fonte: Ayuntamiento, IBGE – Censo 2010, EMPLASA, Fundação João Pinheiro, SPTrans, SMDU, Instituto Nacional de Estadística (Taxa de conversão: dólar a 2,1 reais e euro a 1,3 dólares) 74,6 53,1 Densidade (hab/ha) 474.344 0 Déficit Habitacional (em 2010) 40.300 20.070 PIB per capita US$ (em 2011) 0,805 0,983 IDH (em 2010) 293 74,8 Rede de Metrô km (em 2014) 3.869 17.289 Vias (em km) 15 A partir desses dados iniciais, podemos apontar que o PIB per capita na cidade de São Paulo corresponde a metade do índice na cidade de Madri, que, juntamente com IDH municipal indicam uma melhor qualidade de vida na cidade espanhola. A rede de metrô em Madri apresenta uma extensão maior do que a de São Paulo, assim como o número de linhas e estações, sendo 13 linhas e 300 estações em comparação a 4 linhas e 65 estações em São Paulo. Além disso, Madri atende 2,5 milhões de pessoas por dia e São Paulo 4 milhões de pessoas. Esses dados, juntamente com as informações sobre a extensão do sistema viário e os constantes congestionamentos em horário de pico na cidade brasileira (120 km de congestionamentos), contribuem para as discussões sobre a quantidade de horas gastas pela população em São Paulo para seu deslocamento da residência até o serviço e vice-versa, principalmente para quem mora em áreas periféricas. Outro fato a ser mencionado (Figura 06) é a quantidade de domicílios vagos na cidade de São Paulo, sendo que o valor do déficit habitacional na cidade é praticamente o mesmo de moradias vagas. Figura 06 – Comparação de dados sobre domicílios em São Paulo e Madri Fonte: IBGE – Censo 2010; Instituto Nacional de Estadística, INEBASE A comparação do preço de venda do m² de imóvel (residenciais verticais e novos) entre as duas cidades nos surpreende pelo valor parecido (Gráfico 01), entretanto, quando analisamos os dados dos últimos 10 anos percebe-se que em Madri o preço caiu nos anos após a crise, enquanto que em São Paulo a tendência tem sido de aumento, com o aquecimento do mercado nos últimos anos, chegando a uma variação de quase 200% entre 2002 e 2012 (Secovi-SP). SÃO PAULO (2010) MADRI (2011) N˚ total de domicílios 1.530.955 3. 933.448 Principais 1.320.530 3.473.384 Secundárias Vazias 59.974 400.090 57.325 153.100 16 Gráfico 01 – Evolução do preço (venda) do metro quadrado em São Paulo (US$) e Madri (US$) no período de 2003 a 2013 Fonte: Secovi-SP; Ministerio de Fomento (Taxa de conversão: dólar a 2,1 reais e euro a 1,3 dólares) Sendo assim, é possível notar que a dimensão entre os dois países e cidades é diferente, no Brasil os desafios enfrentados em relação a habitação, desigualdade social e territorial encontram-se em uma escala bem maior, ponto que deve ser levado em consideração, assim como os aspectos históricos e culturais na realização dessa comparação entre as duas localidades. Por outro lado, também existem características e fenômenos similares entre eles, que proporcionam esse contraponto, tais como: características climáticas (soluções habitacionais que utilizam ventilação cruzada e iluminação natural), culturais, processo construtivo e de desenvolvimento habitacional como motor econômico. Nesse contexto, a pesquisa busca identificar parâmetros e diretrizes qualitativas do ponto de vista das políticas públicas e da relação entre habitação e cidade. 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 São Paulo Madri 17 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS, HABITAÇÃO E CIDADE Sabe-se que a configuração das cidades foi reflexo do fenômeno de crescimento demográfico acelerado no final do século XVIII e início do XIX nos núcleos urbanos e do surgimento dos processos de industrialização iniciais do capitalismo. Na Europa, esses processos deram início a preocupação com a questão habitacional (ALCALÁ, 1995). Isto porque os problemas de salubridade pública estiveram relacionados ao aumento populacional das cidades e às moradias operárias nesta época. Segundo Alcalá (1995), a revolução industrial criou uma demanda por alojamentos que o sistema social se mostrou incapaz de resolver de forma apropriada. No Brasil não foi diferente, o reconhecimento da provisão habitacional como uma questão social, surgiu quando as aglomerações de trabalhadores mal alojados, já existentes em São Paulo, começaram a crescer juntamente com as atividades urbanas ligadas ao complexo cafeeiro em meados da década de 1880. O crescimento das habitações e a precariedade dos serviços de água e esgoto foram vistos como uma grande ameaça à saúde pública, pois agravavam as condições higiênicas das habitações e passaram a ser consideradas como um problema pelas autoridades (BONDUKI, 2004). Os estudos e as investigações sobre os bairros operários serviram como base para o movimento higienista, o qual teve significado decisivo para a intervenção estatal no controle habitacional e no espaço urbano. Esse controle se deu por meio dos planos de saneamento básico, das estratégias de controle sanitário, do Código Sanitário de 1894 - baseado na legislação francesa que definia gabaritos, dimensões e especificações para habitações operárias - e também na legislação urbanística, com a criação da legislação de controle do uso do solo. Desse modo, os pressupostos de progresso prevaleceram na busca pela organização das cidades, regulação e controle do processo de crescimento, através da criação de zoneamento e legislação do uso do solo urbano. Nesse contexto de crescimento, também surgiram as intervenções urbanas com forte atuação do Estado nas grandes metrópoles europeias no final do século XIX, entre elas, de Cerdà para Barcelona e Haussmann em Paris, as quais serviram de modelo para outras cidades. 18 Para Lefebvre (1991), a “problemática urbana” da metrópole industrial refletiu na transformação da sociedade burguesa capitalista, com o crescimento e expansão das cidades incentivado pelo processo de industrialização. Com as intervenções higienistas e embelezadoras do final do século XIX e início do XX, inicia- se a busca por parâmetros técnicos e padrões desejáveis para a produção do espaço urbano. No Brasil, as reformas realizadas em diversas cidades seguiram um modelo segundo Maricato (2000) “à moda da periferia”, no qual as obras de saneamento básico e de embelezamento implantavam as bases para um mercado capitalista enquanto que a população excluída do processo era “expulsa” para as periferias e morros das cidades (MARICATO, 2000; CYMBALISTA, 2006). No início do século XX, com o movimento moderno, a habitação econômica passou a ser objeto de estudo, no qual se concentrou inicialmente a busca por uma moradia mínima que atendesse as necessidades básicas das famílias com menor poder aquisitivo e que viviam em condições de insalubridade. O marco fundamental no período foi o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), em Frankfurt em 1929. A possibilidade de alcançar uma solução científica ao problema habitacional demonstrou que a ênfase dada aos aspectosquantitativos deixava de lado a qualidade das habitações, dos projetos e principalmente da cidade. Os projetos apresentados mostravam soluções desvinculadas de qualquer situação urbana, apenas em esquema de planta e agrupação das moradias, seguindo o modelo modernista que se instalava (MARTÍN BLAS, 2011). Medrano (2010) comenta que esse modelo deslocou-se das bases ideológicas e dos entraves históricos, ignorando valores inerentes ao homem (valores sociais, culturais, históricos, necessidades psicológicas e sensitivas) e fortalecendo a ligação entre a arquitetura e ambiciosas intenções midiáticas, políticas e econômicas de seus executores. No final do século XX, a reestruturação da produção capitalista com a globalização e o ideal neoliberal criou uma nova dinâmica, na qual a configuração urbana passou a ser determinada por ações que marcaram ainda mais a exclusão social (principalmente em países subdesenvolvidos), com a privatização dos espaços urbanos e o uso mercantil da cidade. Nesse contexto, segundo Harvey (1992), a urbanização desempenhou um papel, no qual a qualidade de vida virou uma mercadoria a serviço exclusivo dos interesses da acumulação de capital. Nessas condições, os ideais de identidade urbana, cidadania e pertencimento se tornam 19 muito mais difíceis de sustentar, ou seja, o urbanismo, neste caso, aparece como um valor de troca apenas para “alguns”, apenas para quem pode pagar. Desse modo, parte da população urbana (maior ou menor de acordo com cada país) é excluída do direito à cidade (MARICATO, 2000), na qual se possa viver dignamente com as mesmas oportunidades de trabalho, saúde, educação, moradia, cultura e lazer. Cymbalista (2006) afirma que essa situação de exclusão tem grande influência nas desigualdades sociais e de renda, já que, a “expulsão” de parte da população para a periferia dificulta ainda mais o acesso a oportunidades de trabalho, cultura ou lazer. Na maioria dos municípios brasileiros, a urbanização dispersa tem sido o modelo de crescimento urbano dominante, decorrente de operações de conversão do solo rural em urbano, assim como da segregação da população de baixa renda para a periferia. Nesse modelo são itens característicos a baixa densidade construtiva, a fragmentação urbana, além da ausência de infraestrutura, equipamentos públicos, serviços, oferta de emprego e consequentemente a excessiva necessidade de deslocamento, que resultam em numerosos desafios para as cidades. Boa parte desse fenômeno é resultado do valor da terra e de políticas urbanas e habitacionais desarticuladas que têm reforçado a tendência de expulsão dos pobres das áreas bem localizadas para os terrenos mais baratos e periféricos, com a construção de grandes conjuntos habitacionais (ROLNIK, 2000). Entretanto, esse modelo não garante o direito à cidade de modo democrático. Para Harvey (1992), um caminho nessa busca pelo direito à cidade seria a criação de uma gestão mais democrática, de modo a evitar o favorecimento apenas de grandes empresas e da classe alta na aplicação do lucro no processo urbano. Isso implica em mudanças estruturais profundas nos padrões de produção, consumo e nas formas de apropriação do território e dos recursos naturais. Autores afirmam que esse modelo atual não é o que gera melhores resultados para as nossas cidades e sociedades, e que é necessário considerar formas de crescimento urbano com qualidade, que não gerem periferias isoladas, assim como modelos habitacionais que não se isolem da cidade e tragam um benefício real ao espaço residencial. Entretanto, parece não existir ainda um consenso de quais seriam as formas ideais de pensar o espaço e o papel da arquitetura e do urbanismo nas sociedades emergentes. 20 Para Maricato, (2007) as experiências em países desenvolvidos (PCCs – Países Capitalistas Centrais) podem e devem ser aproveitadas, já que apresentam investimentos em conhecimento acumulado e experiências com lições a serem aprendidas, porém merecem o confronto com a realidade dos países subdesenvolvidos (PCPs – Países Periféricos do Mundo Capitalista), já que o processo de urbanização e os problemas decorrentes deles não são os mesmos. Segundo Medrano (2007), a diversidade dos problemas atuais implica em respostas diversificadas - avaliadas, criticadas e aperfeiçoadas continuamente. Nesse contexto é oportuna a busca por novos modelos habitacionais, políticos e urbanísticos que correspondam as demandas de nossa sociedade. 21 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 CONTEXTO HABITACIONAL NO BRASIL No Brasil, embora a questão habitacional já fosse considerada uma responsabilidade do Estado desde meados da década de 1880, até o ano de 1964 não existiram de fato políticas de habitação social. As descontinuidades administrativas, a falta de prioridade e interesses contraditórios no governo dificultaram a implementação de uma política de maior abrangência (BONDUKI, 2004). Como resposta à forte crise de moradia que atingia o país, após o golpe de 1964, o governo criou o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) juntamente com o Banco Nacional de Habitação (BNH). O BNH se estruturou com os recursos gerados pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em 1967 e com os recursos da poupança voluntária SBPE, Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. A proposta para intervir na questão habitacional tinha uma estratégia com abrangência nacional, formada pelo BNH e uma rede de agentes promotores e financeiros capazes de viabilizar ações em grande escala na área habitacional. O sistema SFH teve seu melhor desempenho no final dos anos 70, quando começou a financiar 400 mil novas unidades habitacionais por ano. Entretanto, a falta de semelhança entre o salário e o valor das parcelas a serem pagas resultou em grandes problemas para o programa. A intervenção governamental não foi eficaz e levou ao declínio do SFH, que chegou a financiar apenas 20 mil unidades por ano na década de 80 (VASCONCELOS; CÂNDIDO, 1996). Os resultados quantitativos da ação desenvolvida por este sistema foram expressivos, principalmente quando comparados com a produção habitacional da Fundação da Casa Popular (FCP) e os Institutos de aposentadoria e Pensões (IAPs) nos anos anteriores. Em vinte e dois anos de funcionamento do BNH, o Sistema Financeiro de Habitação financiou a construção de quase 5 milhões de unidades novas com recursos do FGTS (BONDUKI, 2004), enquanto que em dezoito anos foram produzidas aproximadamente 143 mil unidades habitacionais pela FCP e pelos IAPs, excluindo os financiamentos de classe média. Embora significativa, a produção habitacional ainda estava aquém das necessidades, tanto em comparação com o acelerado processo de urbanização do país, como também pela qualidade que apresentavam. Entre 1950 e 2000, a população urbana brasileira vivendo em cidades com mais de 20 mil habitantes cresceu de 11 milhões para 125 milhões. 22 Segundo Bonduki (2004), um dos grandes desacertos foi dirigir quase todo o recurso para a produção da casa própria, sem nenhum apoio do ponto de vista técnico, urbano e administrativo. Como consequência, observaram-se projetos muito ruins do ponto de vista qualitativo, e o avanço do processo de urbanização informal, no geral em locais periféricos, distantes das áreas urbanas e mal servidos de infraestrutura e equipamentos sociais. A opção por grandes conjuntos habitacionais na periferia das cidades foi outro equívoco. O BNH não levou em conta aspectos culturais, ambientais e de contexto urbano de cada região, apenas reproduziu soluções padronizadas sem nenhuma preocupaçãocom a inserção urbana (BONDUKI, 2004). A desarticulação entre projetos habitacionais e políticas urbanas gerou verdadeiros bairros dormitórios. No início dos anos 80, o modelo econômico implementado pelo regime militar gerou recessão, inflação, desemprego e queda dos níveis salariais. Situação que se refletiu no Sistema Financeiro de Habitação (SFH), pela diminuição dos financiamentos em consequência da queda dos recursos do FGTS e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) (VALENÇA; BONATES, 2010). Em 1985, com o término do governo militar esperava-se a formulação de uma nova política habitacional para o país, reestruturando o sistema com novas perspectivas, no entanto, o novo governo optou pela extinção do BNH em 1986 pelo decreto 2.291/1986 devido à crise financeira. A partir de sua extinção, o setor habitacional sofreu desarticulação e fragmentação institucional, a Caixa Econômica Federal se tornou o grande agente operador da Habitação no país até a criação do Ministério das Cidades em 2003, no governo Lula. Durante este período, não existiram diretrizes do ponto de vista nacional, houveram programas, mas nenhuma política nacional habitacional (CARDOSO, 2013). Foram os estados e municípios que assumiram o controle sobre as políticas habitacionais, com a urbanização de favelas, construção de moradias por mutirão, habitação em áreas centrais, entre outros. O resultado dessa ação foi pouco articulado, devido à falta de uma política nacional de habitação e instabilidade política, já que o setor federal responsável esteve subordinado a sete ministérios diferentes, resultando em descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema. Vale ressaltar, entretanto, que a desarticulação dos financiamentos habitacionais em nível federal não significou na total ausência de programas habitacionais. Subsídios e ações em outros níveis também foram 23 realizados, como por exemplo, o aumento em 1% da alíquota de imposto cobrado na circulação de mercadorias (ICMS) em 1989 no estado de São Paulo destinado à construção de moradias (ELOY; COSTA; ROSSETTO, 2013). Lentamente iniciou-se um processo de transição de um modelo de política habitacional central- desenvolvimentista, (baseada no espaço privado, no autoritarismo, ausência de debate com a sociedade) para novas formas de enfrentar a questão habitacional. Caracterizada por medidas de descentralização da política habitacional e urbana, ampliação da participação dos municípios e início da revisão da legislação urbanística (BONDUKI, 2004). No governo do Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1995, ocorreu uma retomada nos financiamentos de habitação e saneamento com base nos recursos do FGTS. Princípios como flexibilidade, descentralização, diversidade, reconhecimento da cidade real, entre outros, foram adotados como novos referenciais, pelo menos na teoria (VALENÇA; BONATES, 2010). Dentre os programas criados no governo FHC e que continuaram a existir no primeiro ano do governo Lula, inclui-se a criação de programas de financiamento voltados ao beneficiário final, como a Carta de Crédito, que passou a absorver a maior parte dos recursos do FGTS (BONDUKI, 2009). A Caixa Econômica Federal, agente financeiro responsável por operar os recursos destinados à habitação, privilegiou a concessão de crédito em condições de maior garantia, o que explica a preferência pelo financiamento (aquisição) do imóvel usado. De maneira geral, pode-se dizer que pela mesma razão de natureza financeira, a implementação desses programas não significou interferir positivamente no combate ao déficit habitacional, em particular, nos segmentos de baixa renda. Manteve-se ou até mesmo se acentuou uma característica tradicional das políticas habitacionais no Brasil, o atendimento privilegiado para as camadas de renda média (VALENÇA; BONATES, 2010). Entre 1995 e 2003, 78,84% do total dos recursos foram destinados a famílias com renda superior a 5 salários mínimos, sendo que apenas 8,47% foram destinados para a baixa renda, de até 3 salários mínimos, faixa que concentra a maior parcela do déficit. O Projeto Moradia surgiu em 2000 com proposta de articulação dos três níveis do governo, federal, estadual e municipal, atuando de forma estruturada para o enfrentamento da questão habitacional (CARDOSO, 2013). O projeto propôs a criação do Sistema Nacional de Habitação 24 (SNH) que articularia todos os órgãos públicos voltados para a habitação sob a coordenação de um novo ministério. O objetivo era reunir em um único ministério as áreas de habitação, saneamento, transportes urbanos e política de ordenação territorial, de modo a articular as ações urbanas. O projeto partia do pressuposto de que era fundamental a retomada da produção habitacional pelo mercado para atender a classe média, reativando o crédito imobiliário, particularmente do SBPE (recursos da poupança) de modo que este segmento pudesse deixar de utilizar o FGTS, que seria voltado para subsidiar as faixas de renda mais baixas. Além disso, considerava a aprovação do Estatuto da Cidade que se deu no ano posterior, para facilitar e tornar menos dispendioso o acesso à terra, combatendo a especulação com imóveis ociosos e mecanismos para a regularização fundiária. Já no governo Lula, a nova Política Nacional de Habitação, aprovada pelo Conselho das Cidades em 2004 incorporou a maioria das propostas do Projeto Moradia e colocou no papel, diretrizes habitacionais de escala nacional, porém as dificuldades de implementação do projeto derivaram, sobretudo, da política econômica adotada pelo governo (BONDUKI, 2008). Até a alteração do Ministro da Fazenda, em 2006, a política econômica deu continuidade às linhas gerais do período Fernando Henrique Cardoso (FHC), no qual devido às taxas de juros elevados reduziu a possibilidade de viabilizar o atendimento à população de baixa renda. Sem subsídios significativos, prevaleceu a visão bancária da Caixa Econômica Federal, sem alterações substanciais na concessão do crédito. A partir de 2004, as reformas no Sistema Financeiro de Habitação possibilitaram a ampliação dos empréstimos habitacionais, inicialmente com a aprovação da Resolução 460 (BRASIL, 2004) do Conselho Gestor do FGTS, que reduziu o custo de financiamento com recursos do fundo e com a aprovação da Lei Federal 10.931, na qual os bancos foram obrigados pelo Conselho Monetário Nacional a partir de 2005 a investir uma porcentagem do valor captado da poupança (SBPE) em financiamento habitacional (ROYER, 2009). Essas mudanças possibilitaram um aumento nos recursos do FGTS e também uma maior segurança jurídica e financeira na produção habitacional. Para se ter uma ideia, o volume de recursos do FGTS passou de 2,6 bilhões em 2004 para 8,6 bilhões em 2008. 25 Em 2005 foi criado o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) juntamente com a distribuição das atribuições para a implementação das diretrizes habitacionais nos 3 níveis: federal, estadual e municipal. A partir desse momento, estados e municípios deveriam desenvolver seus Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) com informações e diretrizes habitacionais a nível local para receber recursos do governo federal. Segundo Cardoso (2013), Eloy, Costa e Rossetto (2013) esse período marca um momento importante na política habitacional do país, no qual o governo federal se posiciona comprometido em subsidiar a produção de moradias para a classe de baixa renda, situação que ficou “adormecida” por quase 30 anos após a extinção do BNH. Após 2006, com a alteração do Ministro da Fazenda, tem-se início uma mudança na política econômica do país, a qual gerou um cenário
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