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Hermenêutica - Hermenêutica jurídica

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Hermenêutica jurídica
Uma das acepções sobre a hermenêutica jurídica refere-se à interpretação do "espírito da lei", ou seja, de suas finalidades quando foi criada. É entendida no âmbito do Direito como um conjunto de métodos de interpretação consagrados. O objeto de interpretação privilegiado do Direito é a norma, mas não se limita a ela (pode-se interpretar o ordenamento jurídico, a lei positiva, princípios).
Outra acepção, defendida por Paulo de Barros Carvalho, entende que a hermenêutica fornece tão somente os instrumentos de interpretação dos enunciados jurídicos com fins de construção do sentido da norma jurídica, ou seja, a norma jurídica não está na lei, mas na cabeça do intérprete, que a constrói (a norma) baseado nos textos jurídicos enunciados na vasta legislação existente, mediante a utilização de determinados métodos previamente selecionados pelo intérprete. Não existe "vontade" ou "espírito" na lei, mas sim a vontade do legislador na época da criação da lei, da qual se pode construir uma norma jurídica baseada na realidade contemporânea de cada intérprete da lei ao criar a norma jurídica aplicável a cada caso.
A demanda por compreensão do conteúdo de uma norma gerou muitas discussões sobre como interpretar. De acordo com Tércio Sampaio F. Junior, "a hermenêutica jurídica é uma forma de pensar dogmaticamente o direito que permite um controle das consequências possíveis de sua incidência sobre a realidade antes que elas ocorram."1 O sentido das normas, para o autor, é "domesticado." Essa é uma concepção pragmática de interpretação, e suficientemente abstrata para dar conta das variadas regras de interpretação que compõem a hermenêutica.
Por exemplo, a interpretação pela letra da lei é eminentemente gramatical. Dirá Tércio Sampaio, presume-se que "a ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são importantes para obter-se o correto significado da norma."2 Essa forma de interpretação explora as equivocidades da lei, no entanto, há uma limitação para essa concepção: ela não discute o objetivo de uma norma (outra forma de interpretar). Portanto, e ainda para o autor, a interpretação pela letra da norma pode ser um ponto de partida, mas não esgota a hermenêutica.
À pressuposição lógica de unidade do sistema jurídico, fundamentada principalmente pela Escola Positivista do Direito, deriva uma outra forma de interpretação: a interpretação sistemática. A doutrina jurídica compartilha que qualquer preceito normativo deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais de um ordenamento jurídico. Tércio Sampaio explica a questão por um exemplo representativo, se buscássemos no todo do ordenamento jurídico um conceito de 'empresa nacional'3 , ele mudaria dependendo do contexto normativo analisado? Sim, portanto, há de se cuidar às especificidades de cada conteúdo expresso numa ou noutra norma, além do cuidado com o âmbito de aplicabilidade da lei específica.
Por fim, uma outra forma de interpretação consagrada é a interpretação histórica, que busca o sentido inicial do conceito jurídico ou da norma. Ela o faz através de precedentes normativos, justificativas de elaboração de leis, jurisprudência. Cabe enfatizar, concluindo, que uma tendência atual do direito é distanciar-se do entendimento da letra da lei e aproximar-se do propósito da norma. Por isso a proliferação de interpretações principiológicas que apareceram no contexto normativo pós Constituição de 88.
Segue adiante um conjunto de métodos de interpretação classificados sucintamente:
Métodos de interpretação[editar]
Autêntico: é aquela que provém do legislador que redigiu a regra a ser aplicada, de modo que demonstra no texto legal qual a mens legis que inspirou o dispositivo legal.
Doutrinário: é dada pela doutrina, ou seja, pelos cientistas jurídicos, estudiosos do Direito que inserem os dispositivos legais em contextos variados, tal como relação com outras normas, escopo histórico, entendimentos jurisprudenciais incidentes e demais complementos exaustivos de conhecimento das regras.
Jurisprudencial: produzida pelo conjunto de sentenças, acórdãos, súmulas e enunciados proferidos tendo por base discussão legal ou litígio em que incidam a regra da qual se busca exaurir o processo hermenêutico.
Literal: busca o sentido do texto normativo, com base nas regras comuns da língua, de modo a se extrair dos sentidos oferecidos pela linguagem ordinária os sentidos imediatos das palavras empregadas pelo legislador.
Histórico: busca o contexto fático da norma, recorrendo aos métodos da historiografia para retomar o meio em que a norma foi editada, os significados e aspirações daquele período passado, de modo a se poder compreender de maneira mais aperfeiçoada os significados da regra no passado e como isto se comunica com os dias de hoje.
Sistemático: considera em qual sistema se insere a norma, relacionando-a às outras normas pertinentes ao mesmo objeto, bem como aos princípios orientadores da matéria e demais elementos que venham a fortalecer a interpretação de modo integrado, e não isolado.
Teleológico: busca os fins sociais e bens comuns da norma, dando-lhe certa autonomia em relação ao tempo que ela foi feita.
Tratando-se de hermenêutica jurídica, o termo significa a interpretação do Direito (seu objeto), que pode - e deve - passar por uma leitura constitucional e política.
Vale ressaltar a interpretação sociológica - Que é a interpretação na visão do homem moderno, ou seja, aquela decorrente do aprimoramento das ciências sociais, de modo que a regra pode ser compreendida nos contextos de sua aplicação, quais sejam o das relações sociais, de modo que o jurista terá um elemento necessário a mais para considerar quando da apreciação dos casos concretos ante a norma.
E ainda, a Holística, que abarcaria o texto a luz de um mundo transdiciplinar (filosofia, história, sociologia...) interligado e abrangente. Inclusive, dando margem a desconsiderar certo texto em detrimento de uma justiça maior no caso concreto e não representada na norma entendida exclusivamente e desligada dos outros elementos da realidade que lhe dão sentido.
Resultados decorrentes da interpretação[editar]
Declarativo: há compatibilidade do texto da norma com o seu sentido. (in claris cessat interpretatio)
Restritivo: O texto da Lei (verba legis) se restringe a disposição legal.
Extensivo: O texto da Lei é menos conclusivo que a sua intenção. Amplia-se o significado literal para a obtenção do efeito prático. (p. ex.: "os pais" devem ser entendidos como o pai e a mãe)
A Justiça, entendida como a correta e imparcial aplicação de determinada regra legal cabível ao caso sub judice, depende, inegavelmente do teor do ordenamento jurídico vigente do País. Se as leis são injustas, devem ser mudadas, observando-se o procedimento instituído para tanto. Nesse sentido, o magistrado, quando presta a tutela jurisdicional, não pode afastar uma lei que rege determinado caso concreto, sob o pretexto que aquela norma seria injusta.
A Lei, sabemos, é fonte imediata do Direito, e como preceito comum e obrigatório, emanado do poder competente, tem por objetivo realizar Justiça
O objetivo superior da Lei é a realização do Justo. O homem é imperfeito, e a lei, como criação humana, não poderia ser diferente. O Poder Legislativo, em sua função precípua, ao proceder a criação de uma nova lei, data maxima venia, muitas vezes “esquece” – quer seja por corporativismo, para atender aos anseios de uma minoria, ou qualquer outro motivo – que a mesma deve atender às exigências do bem comum, e desvirtua, destarte, o elevado fim a que ela se destina.
O Magistrado depende, então, para a realização da verdadeira Justiça, da elaboração, através do Poder Legislativo, de um Direito Justo (e como vimos isto nem sempre ocorre). Assertiva esta que leva a conclusão lógica de que, muitas vezes, ao decidir com base na lei, a autoridade judiciária, prolataria uma sentença, ou acórdão injusto.
Ressalte-se, por necessário, que o ideal do justo, para alguns, pode não ser igual paraoutros. Cada um traz em si, a idéia do que é Justo, e a ideal do que seria Justiça. Não é por outra razão que todos devem obediência à ordem jurídica, pois impossível litigar com base no vago conceito do Justo.
No soar dessas razões, as ponderações do Des. Felippe Augusto de Miranda Rosa, citado por Reis Friede:
“Como não existe estrita correspondência entre querer e poder, assim também não concordam sempre o justo e o legal. A lei ‘quer’ realizar o justo, mas nem sempre pode fazê-lo. É ela, entretanto, o caminho pragmático para se buscar o que é justo, ou seja, a justiça valor (o justo abstrato: bom, equânime, correto). Instrumento humano, a lei (que aqui se confunde com o próprio direito) é imperfeita, insuficiente, contida em expressões verbais que não abrangem a complexidade de todos os fenômenos psicológicos e sociais; mas é o caminho” (Questões de Direito Positivo, p. 14) 
O Direito (em que pese gerar a ordem), cuja fonte imediata é a lei, nem sempre pode ser considerado justo. No entanto, não pode, o magistrado, a pretexto de realizar “justiça” negar peremptoriamente a aplicação da norma.
O Direito Alternativo e o Uso Alternativo do Direito
Difícil estabelecer uma precisa definição de ‘direito alternativo’, ou mesmo de ‘uso alternativo do direito’. Luiz Sérgio Fernandes de Souza, em interessante ensaio denominado “Que direito alternativo”, citando Saavedra, Calera e Ibánez (Sobre el uso alternativo del derecho, Valência, 1978), esclarece que, “com o uso alternativo do direito não se trata de fazer a revolução com o direito, senão de reconduzir as interpretações jurídicas progressistas ao desenvolvimento das contradições sociais, não para a sobrevivência das instituições, mas para restituir à classe trabalhadora a capacidade criadora da história”
“O direito alternativo seria a prática do intelectual orgânico (ou transformador), voltada ao curso das transformações sociais, sempre sob a ótica da classe oprimida. Sob outro enfoque, alternativo seria, igualmente, o direito espontâneo, nascido das práticas sociais, também chamado ‘direito não oficial’ ou ‘direito insurgente’, que o jurista orgânico recolhe nas ruas” (Direito, cidadania e justiça, p. 198)
Em que pese tais definições sob um prisma não estritamente jurídico, não há como negar que a característica mais importante do chamado direito alternativo é afastar a aplicação de normas que reafirmam a hegemonia da classe dominante.
Nesse sentido, o uso alternativo do Direito permitiria o afastamento da lei, quando esta, na ótica do julgador, pudesse ser um obstáculo a solução de determinado caso com ”justiça”.
Assim, esta corrente no Brasil, tendo em vista a “diversidade de relações sociais ou de relações jurídicas não assimiladas pelo Direito objetivo estatal, pretende tornar o Juiz um verdadeiro modelador de direitos, um autêntico escultor de uma ordem jurídica não reconhecida oficialmente que, contrastando com o direito estabelecido, se consuma a partir do juízo pessoal e isolado do magistrado” (Reis Friede, Questões de Direito Positivo, pág. 18).
Luiz Sérgio Fernandes de Souza, ao tratar das críticas contra tal concepção de direito, cita Camus: “Não, não existe justiça, mas existem limites. E aqueles que pretendem estar fora de todas as regras, como os outros que entendiam dar uma regra a tudo, ultrapassam igualmente os limites” (Direito, cidadania e justiça, p. 202)
No soar dessas razões, a crítica mais visceral que se pode fazer ao uso alternativo do direito, é a de que em um Estado Democrático de Direito, o respeito às instituições é fundamental, tendo em vista a própria segurança jurídica que deve imperar nas relações em sociedade.
Com efeito: "Entre as principais necessidades e aspirações das sociedades humanas encontra-se a segurança jurídica. Não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha necessidade de segurança jurídica, para atingir seus objetivos e até mesmo para sobreviver" (Dalmo de Abreu Dallari, in Segurança e Direito, O Renascer do Direito, p. 26).
Nenhum valor ou pensamento isolado, por mais brilhante ou perfeito que possa parecer, vale o risco de se sacrificar a segurança jurídica. Assim, por mais imperfeita que a instituição possa parecer, deve ela ser respeitada até que se a modifique, com estrita observância do processo estabelecido para tanto.
A Constituição Federal ocupa o topo da escala hierárquica no ordenamento jurídico. Vale dizer que, por um lado, ela não pode ser subordinada a qualquer outra lei, e por outro lado, que todas as outras normas hão de conformar-se com ela. O próprio legislador deve obediência à Carta e, não pode, assim, subverter as imposições constitucionais. Ressalte-se que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz da CF e passada pelo seu crivo, de modo a eliminar as normas que não se conformem com ela.
Assim, não é lícito, ao julgador, na busca para a solução da lide, olvidar a lei e ‘passar por cima’ do comando legal aplicável ao caso, pois tanto a atividade judiciária (ao transformar a norma abstrata em comando concreto), como a atividade legislativa ( ao elaborar as leis) e a atividade administrativa (ao perseguir o bem coletivo), encontram fundamentos e limites na ordem jurídica vigente, notadamente em sede constitucional.
Na precisa Lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:
No Estado de Direito quer-se o governo das leis e não o governo dos homens. Isto significa que é ao Poder Legislativo que assiste o encargo de traçar os objetivos públicos a serem perseguidos e de fixar os meios e os modos pelos quais hão de ser buscados, competindo à Administração, por seus agentes, o mister, o dever, de cumprir dócil e fielmente os desiderata legais, segundo os termos estabelecidos em lei. Assim, a atividade administrativa encontra na lei tanto seus fundamentos quanto seus limites. (in Discricionariedade e Controle Jurisdicional, p. 49).
Concordamos com Luis Sérgio Fernades de Souza, quando afirma que “não cabe ao julgador, sistematicamente, colocar a mão em um dos pratos da balança, pois, ao contrário daquilo que dizem os ‘alternativos’, o direito nem sempre está com o locatário, com o posseiro (muitas vezes invasor) ou com o devedor” (Direito, cidadania e justiça, p. 199).
O Estado Democrático de Direito, cuja base está solidificada fundamentalmente nos princípios da igualdade e da legalidade não pode se curvar ao denominado ‘uso alternativo do direito’, sob pena de afronta a segurança jurídica.
A NORMA JURÍDICA E SUA ESTRUTURA
Inegavelmente o Direito – cuja noção está intimamente ligada a idéia de justiça – tem por finalidade disciplinar as condutas humanas em sociedade.
É tarefa do Direito, dentro de suas limitações, buscar a realização da Justiça e, nesse aspecto, cabe, a norma jurídica, “como expressão formal do direito - no sentido específico da própria disciplina de conduta -, com a tarefa fundamental de prever, como bem assim orientar – considerando sempre os valores da Justiça em sua acepção básica – os próprios modos de conduta interessantes ao convívio social (considerando sempre o binômio justiça e segurança), disciplinando, em todos os casos, a atuação humana na sociedade, e associando, em última análise, a denominada ordem jurídica com a própria normatividade” (Reis Friede, Questões..., pág. 23 e segs.). 
A ordem normativa – como reguladora da vida em sociedade – contida no Direito, expressa-se através da norma jurídica que, necessariamente, contém este.
A posição clássica da teoria normativa do Direito sustenta que a norma jurídica possui duas estruturas: uma interna e outra externa, além de conteúdo próprio e particular.
A estrutura externa seria o revestimento da norma, que pode ser a lei ou o costume. A estrutura externa, por outro lado, “se encontra intimamente associada, por partes, à denominada endonorma (ou seja, o preceito do dispositivo normativo ou, em outras palavras, o interesse protegido e, portanto, exatamente aquilo que a norma contém) e a convencionalmente chamada perinorma (descriçãodo injusto [ilícito] e a conseqüente sanção a ser aplicada” (Reis Firede, Questões..., pág. 26).
As normas jurídicas, criadas por órgão competente – competência esta que deriva da própria ordem jurídica – , ressalte-se, interpretam a multiformidade de condutas humanas e conferem, assim, significados aos fatos.
A Ciência do Direito estuda tanto as normas jurídicas, descrevendo e extraindo seu significado, como os fatos da vida humana, pois estes, em última análise, são o objeto daquelas. É correto afirmar, portanto, que quando se descrevem as normas, criam-se e realizam-se proposições jurídicas, que se distinguem das normas jurídicas, em virtude de que aquelas existem em razão do conhecimento jurídico, e estas em função da autoridade jurídica, cujo poder provém do fato de serem órgãos criadores e aplicadores do direito.
O legislador, cuja função é a elaboração e produção da norma que obrigará a todos deve conhecer o complexo normativo, observando, para tanto, os preceitos constitucionais, assim como o juiz, em sua missão de interpretação e aplicação da norma ao caso concreto, precisa conhecer, como ninguém o Direito – “da mihi factum, dabo tibi jus” e “jura novit curia ” – para solucionar, objetivamente, os conflitos que são objeto de seu julgamento.
A Ciência Jurídica, composta pelo estudo daqueles que procuram conhecer e descrever o Direito, ao contrário do que ocorre no Direito produzido pelas fontes competentes, seja por norma geral ou individual, não possui obrigatoriedade de observância.
“A distinção revela-se precisamente no factum de as proposições normativas, formuladas pela Ciência Jurídica – que descrevem o Direito e que não atribuem a ninguém quaisquer deveres ou direitos –, poderem ser verídicas ou inverídicas, ao passo que as normas do dever-ser, estabelecidas pela autoridade jurídica – e que atribuem deveres e direitos aos sujeitos jurídicos – não poderem, em nenhuma hipótese, ser reputadas como verídicas ou inverídicas mas, dito de forma correta, apenas como válidas ou inválidas” (Reis Friede, Questões..., pág. 28).
A Ciência do direito, superada a fase de explicar o fenômeno jurídico apenas as esfera normativa, preocupa-se, hoje, em explicar a existência jurídica no plano ou dimensão metajurídica.
Na tentativa de explicar o direito surgiram diversas escolas e linhas de pensamento jurídico.
A escola exegética, inclinava-se pela unidimensionalidade do Direito, pois afirmava que o mesmo limitava-se somente à lei.
Como resposta a essa teoria, surgiram outras correntes para tentar explicar a existência do fenômeno jurídico. Assim, a escola dogmática, defendia o bidimensionalismo do Direito, que seria composto também por valores sociais da coletividade que o criou.
A escola histórica, a sociológica e a vertente mais moderna da escola dogmática, destacaram o valor da Justiça como dimensão para conceber o Direito.
No entanto, a teoria tridimensional do Direito, desenvolvida pelo Prof. Miguel Reale, deu nova luz à explicação do direito, alargando a finalidade lógica do mesmo e estudando-o como realidade fenomenológica e filosófica.
Miguel Reale ressaltava que o fato a ser apreciado pelo Direito possui um valor que deve ser espelhado na norma jurídica.
Sobre o tema, comenta Reis Friede:
“Procurou o autor demonstrar, em sua tese, que o Direito é uma realidade tridimensional, compreendido através da soma de três fatores básicos: fato + valor + norma (como, a bem da verdade, muitos autores antecedentes já haviam defendido), associados, por seu turno, entretanto, não através de uma forma simplesmente abstrata, mas sim num contexto dialético, compreendido pela própria dinânica do mundo real. Em sua explanação teórica, Reale argumentou, com mérita propriedade, que os três elementos dimensionais do Direito estão sempre presentes na substância do jurídico, ao mesmo tempo em que são inseparáveis pela realidade dinâmica da essência do próprio Direito, formando o contexto do denominado tridimensionalismo ‘concreto’ que virtualmente se opõe ao tridimensionalismo ‘abstrato’ que o antecedeu.”
“Para Reale, há um mundo do – ser – que aprecia a realidade social como ela de fato é; há um quadro de idéia e valores; e, finalmente, um modelo de sociedade desejado (meta do dever-ser). Na medida em que a norma desejar reproduzir o – ser –, podemos afirmar que nos encontramos diante de uma sociedade de essência conservadora; ao contrário, quando o – dever-ser – procura modificar o – ser –, pode ser entendida como verdadeira a afirmativa de que nos confrontamos com uma sociedade eminentemente progressista” (Questões..., pág. 30)
O Direito é, assim, um instrumento do dever-ser, cuja essência é valorativa, que se projeta na norma, com o intuito de: a) mantê-la – a norma aparece como manutenção do status quo; b) reestruturá-la – a norma evoluindo e reestruturando as relações em sociedade; e c) transformá-la – a norma modificando as relações sociais.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
“A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade dos conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por ex., o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento” (Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução do Estudo do Direito (técnica, decisão, dominação), p. 232) .
Carlos Maximiliano, sustenta, com propriedade, que os termos hermenêutica e interpretação não são sinônimos. A hermenêutica descobre e fixa os princípios da interpretação, ao passo que esta é a aplicação daquela.
O objeto de estudo da hermenêutica é a sistematização dos processos que se aplicam para esclarecer o sentido e a inteligência das expressões de Direito.
“As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer à minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance e extensão” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 01)
Assim, o aplicador (ou executor) da lei, extrai todo o conteúdo da norma, determinando a importância e a inteligência das expressões de Direito.
A técnica da interpretação – que se assemelha a uma arte –, para se chegar ao resultado almejado, “foi orientada por princípios e regras que se desenvolveu e aperfeiçoou à medida que evolveu a sociedade e desabrocharam as doutrinas jurídicas. A arte ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma ciência geral, o Direito, obediente, por sua vez, aos postulados da Sociologia; e a outra, especial, a Hermenêutica. Esta se aproveita das conclusões da Filosofia Jurídica; com o auxílio delas fixa novos processos de interpretação; enfeixa-os num sistema, e, assim, areja com um sopro de saudável modernismo a arte, rejuvenecendo-a, aperfeiçoando-a, de modo que se conserve à altura do seu século, como elemento de progresso, propulsor da cultura profissional, auxiliar prestimosa dos pioneiros da civilização” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica..., pág. 01)
Sem embargo da opinião de Washington de Barros (Curso de Direito Civil, 1 º V., pág. 34), para o qual descabe qualquer trabalho interpretativo quando a lei é clara, todo texto legal é passível de interpretação,até mesmo aqueles “claros, precisos”, pois cabe ao intérprete a tarefa nada fácil da descobrir o conteúdo da norma e o alcance de suas expressões para adaptar o texto abstrato e frio da lei aos fatos que acontecem em sociedade.
A necessidade de interpretação das leis surge, assim, a todo o momento, e para iluminar o caminho do intérprete existem uma série de princípios, cujo conhecimento e aplicação são indispensáveis para determinar o sentido e alcance da lei. No entanto, nenhum método pode ser considerado isoladamente, pois a boa interpretação resulta da aplicação conjunta de todos os métodos.
Nesse aspecto, os vários modos (ou métodos) de interpretação podem ser divididos em: a) quanto às fontes; b) quanto aos meios e c) quanto aos resultados.
Da interpretação Quanto às Fontes: Autêntica, Doutrinária, Judicial
1. Da interpretação autêntica
A interpretação autêntica é fornecida pelo mesmo órgão que elaborou a lei, declarando o sentido e alcance desta. Sobre esta regra de interpretação, Washington de Barros, com propriedade, assim se manifesta: “É costume comparar a lei ao fruto que, destacado da árvore, assume entidade própria, distinta da árvore que a produziu. É possível, portanto, atribuir-lhe significado diverso daquele que lhe emprestaram os órgãos que a formularam” (Curso..., pág. 35). Outra crítica que se pode fazer a este tipo de interpretação é o fato de que o legislador não está obrigado e muitas vezes não conhece a Ciência Jurídica com a profundidade necessária.
“Na verdade, no método que convencionamos chamar de interpretação autêntica, muito pelo contrário, o legislador dá apenas um mero depoimento sobre os trabalhos preparatórios da lei, como bem assim da realidade social dela determinante e, finalmente, de seus objetivos fundamentais” (Reis Friede, Questões..., pág. 57).
2. Da Interpretação Doutrinária
O jurista, verdadeiro estudioso do Direito, analisa a lei e lastreado em seus conhecimentos técnicos, emite seu parecer, fixando o entendimento do texto legal, através de manuais, teses, ou simplesmente comentando a legislação. A interpretação doutrinária é, portanto, produto dos eruditos do Direito.
Em que pese ser o jurista mais capacitado para interpretar a lei do que o próprio legislador, “sua autoridade também é relativa, naturalmente proporcional ao merecimento do intérprete” (Washington de Barros, Curso..., pág. 35). Este método, assim, pode adquirir enorme prestígio, desde que proveniente de jurisconsultos de valor, como brilhantes juizes, advogados ou catedráticos.
3. Da Interpretação Judicial
A interpretação Judicial é aquela proveniente do Poder Judiciário, realizada através de acórdãos ou sentenças. Desta interpretação é “que resultarão os efeitos práticos, de caráter definitivo, para todos os jurisdicionados (no caso de interpretação de uma norma in concreto realizada por um juiz singular) ou mesmo para toda a sociedade (no caso de interpretação de uma norma in abstrato realizada pelos Tribunais, especificamente pela Suprema Corte)” (Reis Friede, Questões..., pág. 58).
Washington de Barros ressalta que “a seqüência invariável dos julgados não tem força obrigatória, mas uniforme, repetida, sem ondulações, torna-se usual, sendo então geralmente acatada e observada” (Curso..., pág. 35). Esclareça-se, porém, que a interpretação judicial, realizada pelo órgão jurisdicional, por meio de sentenças ou acórdãos, sempre obrigam as partes do litígio.
Da Interpretação Quanto aos Meios: Gramatical, Racional, Sistemática, Histórica, Teleológica.
1. Da Interpretação Gramatical
Trata-se, em verdade, do primeiro – jamais único, ou mais importante – método a ser empregado pelo intérprete na busca do verdadeiro significado e alcance da norma examinada. Consiste na observância das regras da lingüística, examinando-se “literalmente cada termo do texto, quer isolada, quer sinteticamente, atendendo-se à pontuação, colocação dos vocábulos, origem etimológica e outros dados. A interpretação gramatical tem por objeto as palavras de que se serve o legislador para comunicar seu pensamento” (Washington de Barros, Curso..., pág. 36).
Ressalte-se, por oportuno, que a interpretação gramatical não pode ser usada isoladamente, para se extrair o significado de uma norma, devendo, o intérprete, se socorrer de outros métodos para a realização de tal mister.
2. Da Interpretação Racional ou Lógica
Segundo a Lição de Carlos Maximiliano, a interpretação racional ou lógica, “consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance das expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar o dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à Logica geral. Pretende do simples estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do traciocínio dedutivo, obter a interpretação correta” (Hermenêutica..., p. 123).
A interpretação racional costuma ser subdividida em cinco componentes, a saber: o mens legis, o mens legislatori, o ocasio legis, o argumento a contrario senso e o argumento a fortiori.
Sobre o tema, assim se pronuncia o Professor Reis Friede (Questões de Direito Positivo, p. 60 e segs.):
“O argumento do mens legis busca, em resumo, verificar o que realmente o legislador disse, independente de suas intenções. O argumento do mens legislatori, ao contrário, procura conhecer o que o legislador queria dizer, independente do que realmente acabou registrando no texto da norma jurídica.
“Já o componente do ocasio legis se traduz pelo conjunto de circunstâncias que determinaram a criação da lei, independente da intenção e dos objetivos específicos do legislador. Em grande medida este argumento explica a razão pela qual o mens legis coincide ou não com o mens legislatori.
“O argumento a contrario sensu, por outro lado, é o componente da interpretação lógica que utiliza o fato de que a lei sempre faculta a conclusão pela exclusão, dada a regra hermenêutica que afirma que as exceções devem vir sempre expressas. Assim, sempre é possível admitir direitos ou aferir proibições interpretando pelo que não está, respectivamente, proibido ou permitido.
“Finalmente, o argumento a fortiori pode ser resumido pela máxima do direito segundo a qual ‘quem pode o mais pode o menos’”.
Apenas para ilustrar, a 1 ª Turma do STF, em acórdão lavrado pelo Relator Moreira Alves, manifestou-se pela interpretação lógica do art. 7 º, inciso XXIX, da CF, (anterior à emenda n º 28/2000) ao julgar agravo o regimental n º 200.733-4 (julgado em 14.11.1997), que pretendia ampliar – por meio de interpretação literal – a incidência da prescrição nos créditos trabalhistas:
3. Da Interpretação Sistemática
O Direito é um sistema de princípios, normas e valores. A interpretação sistemática deve buscar resolver eventuais conflitos entra as normas jurídicas, socorrendo-se da localização que estas normas ocupam junto ao Direito que asseguram.
Juarez Freitas, em seu livro “A interpretação sistemática do direito”, (p. 54), define a interpretação sistemática "... como uma operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos".
A preservação da unidade e coerência do sistema jurídico depende da interpretação sistemática, cuja missão é, em última análise, solucionar as antinomias jurídicas existentes naquele.
Juarez Freitas define as antinomias jurídicas como "...incompatibilidades possíveis ou instauradas, entre normas, valores ou princípios jurídicos, pertencentes, validamente, ao mesmo sistema jurídico, tendo de ser vencidas para apresentação da unidade interna e coerência do sistema e para que se alcance a efetividade de sua teleologia constitucional" (A Interpretação..., p. 62).
Permitir a aplicação mais elástica do Direito e a compreensão do direito em sua totalidade, entre outras,são as vantagens apontadas por Jurarez Freitas (A Interpretação..., p. 55 e 56), neste método de interpretação.
Apenas a título de exemplo, sobre a interpretação sistemática das disposições do Código de Defesa do Consumidor, assim se pronunciou o STJ:
Processual - Legitimidade - Código Do Consumidor - Ação Coletiva De Responsabilidade Civil - Conflito Entre Dispositivos Da Lei - erro do legislador. A interpretação sistemática dos dispositivos do Código do Consumidor, relativos à legitimidade para a ação coletiva de indenização (arts. 81 e ss) conduz ao reconhecimento de que as pessoas arroladas no art. 92 também podem exercê-la. No entanto, tal reconhecimento não implica em se negar legitimidade para a ação coletiva, às pessoas relacionadas no art. 81. (1ª T. STJ, RE 0033653, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julg. em 25.01.93, RSTJ 54/280)
4. Da Interpretação Histórica
A sociedade, no decorrer dos tempos evolui, assim como a linguagem e expressões adotadas em determinado período da história. A interpretação histórica tem por objetivo corrigir e reinterpretar o verdadeiro significado de expressões antigas dos textos legais.
Nesse sentido, podemos transcrever o Julgado abaixo colacionado, que estabelece o sentido e alcance da expressão empregados viajantes:
COMPETÊNCIA – DAS JCJS EM RAZÃO DO LUGAR – ANTINOMIA NORMATIVA APARENTE – O art. 651, caput, da CLT, estabelece como regra geral que é competente a Junta do local da prestação de serviços; já o § 1º do art. 651 da CLT introduz regra especial para os empregados viajantes. Para escolha da norma aplicável ao caso concreto, o intérprete deve adotar o critério da especialidade – lex specialis derogat legi generali –, critério de solução de antinomia normativa. Tradicionalmente, no direito pátrio, a expressão “empregados viajantes” é utilizada para designar os antigos caixeiros-viajantes. A interpretação histórica o indica. Mesmo que se adote o método histórico-evolutivo de interpretação das normas jurídicas, é inadmissível a ampliação do conceito legal para abrigar situações outras, como a do reclamante, que laborava como motorista intermunicipal. A norma especial – justamente porque visa a disciplinar situações peculiares e específicas – não comporta interpretação extensiva. (TRT 3ª R. – RO 10.385/98 – 5ª T. – Relª. Juíza Taisa Maria Macena de Lima– DJMG 17.04.1999 – p. 25)
5. Da Interpretação Teleológica
Também conhecida como interpretação sociológica, este método busca interpretar a lei de modo que seja melhor aplicada na sociedade em que vigoram.
Adverte Reis Friede: “...deve ser sempre observada em último lugar, evitando os elevados riscos de que o intérprete acabe por se confundir com o próprio legislador, criando normas jurídicas onde não existam ou, no mínimo, deturpando o verdadeiro significado das já existentes”(Questões..., p. 62).
São exemplos da interpretação teleológica retirados de nossos Tribunais:
Normas Sobre Nulidade – Interpretação Teleológica – Proteção Do Incapaz – Ausência De Prejuízo – Nulidade Afastada – Cpc, Art. 249, § 1º – As normas processuais pertinentes a nulidades devem ser interpretadas, em se tratando de ato praticado por incapaz, teleologicamente. A outorga de mandato procuratório por pessoa supostamente incapaz, sendo-lhe favorável o resultado da demanda, afasta o vício na representação. Inteligência do art. 249, § 1º , do Código de Processo Civil. (STJ – REsp 25.496-0 – MG – 6ª T. – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 11.03.1996)
1. Lei. Interpretação Teleológica. 2. Locação. Pessoa Jurídica. Relação De Emprego. Lf-Lei. 8245 De 1991 Art. 55. Interpretação. – Ação de despejo – Locação a pessoa jurídica – Fraude ao regime jurídico das locações – INTERPRETAÇÃO sociológica e teleológica do art. 55 da Lei 8.245. O alto grau de interesse publico da locação residencial, tem determinado a necessidade de separar-se o regime jurídico das locações residenciais das locações não residenciais. Dada a sua natureza publica, o regime das locações e, pois, indisponível a vontade das partes. O art. 55 da Lei 8.245, em interpretação literal e ampla, produziu, no mercado, efeito perverso de ampliar-se a oferta de locações exclusivamente para as pessoas jurídicas, obrigando os locatários a socorrerem-se de seus empregadores para satisfazerem a necessidade de moradia. A interpretação sociológica e teleológica do art. 55 da Lei 8.245, recomenda que, sob seu âmbito de incidência , abrigue-se, com exclusividade, a locação em que a OCUPAÇÃO fica ao talante da pessoa jurídica como insita a relação de emprego. Nos demais casos, presume-se a fraude ao regime jurídico das locações. apelo provido. (TARS – AC 195.095.476 – 4ª CCiv. – Rel. Juiz Márcio Oliveira Puggina – J. 31.08.1995)
6. Da Interpretação Integral
Não chega a ser exatamente um meio de interpretação das leis, mas antes, um procedimento a guiar o intérprete, que deve observar, para tanto, a uma ordem em seu trabalho de desvendar o sentido do texto, a começar pela interpretação literal, à qual se segue as interpretações lógica, sistemática, histórica e sociológica, concluindo-se pela integralização de todas, através da interpretação integral.
Da Interpretação Quanto ao Resultado: Declarativa, Extensiva e Restritiva
A interpretação declarativa é aquela na qual se afirma que o texto legal corresponde exatamente ao pensamento do legislador. Usualmente é empregada no Direito Penal por não permitir resultado extensivo na interpretação das normas, exceto ‘in bonam partem’.
Na interpretação extensiva, o legislador acabou por dizer aquém do que era de se esperar, devendo, o intérprete, estender o alcance do dispositivo.

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