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159 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA Unidade IV 7 TENSÕES ENTRE DIREITOS E NORMAS: PERDAS E GANHOS Certos temores que estavam associados ao relógio agora mudaram-se para o celular: o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que caia no chão e quebre. Como dizia o texto de Cortázar, mas, agora, aplicado ao celular: “dão-lhe de presente a marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras”, dão-lhe de presente a tendência a comparar seu celular com os demais, a necessidade de recarregá-lo, a ansiedade de saber quando vão aparecer novos modelos com funções inesperadas. O relógio e o celular requerem uma despesa inicial, mas os celulares se diferenciam porque só existem se continuamos investindo. Você também recebe de presente a facilidade de iniciar conversas a partir de lugares remotos, a necessidade de ficar dependente dos chamados, a pressa de ligar o celular antes de sair do cinema quando mal acaba de passar o fim do filme para saber o que há de novo: o celular é o outro espetáculo, as ilusões da tela grande competem com os entretenimentos da íntima. Você recebe de presente a pergunta “onde você está?” que costuma principiar as conversas pelo celular, o controle que seus familiares tentam ter (por isso, dizem, tantos celulares são dados de presente pelos maridos a suas mulheres e pelos pais aos filhos). Você também recebe de presente a possibilidade de que o chefe ligue às onze da noite e mande fazer um trabalho urgente. Enquanto os pós-modernos celebram a mobilidade e o nomadismo, a desterritorialização e a facilidade com que nos comunicamos, na verdade nem todos podem fugir à exigência de estar sempre disponíveis, à vigilância daqueles que lhe recordam que você pertence a uma empresa e a um lugar mesmo estando em outra cidade ou outro país. [...] As ligações múltiplas e rápidas são um capital social, porém – como acontece com o dinheiro – nem todos as obtêm de maneira igual. Outras formas de acumulação não digital da riqueza distribuem a possibilidade de dar ordens ou a obrigação de cumpri-las. Não importa a hora mostrada pelo seu celular ou computador, você pode ser convocado ou receber uma mensagem para que faça algo imediatamente. Onde está o poder: em conectar-se velozmente e com muitos ou na possibilidade 160 Unidade IV de desconectar-se? Você não ganha de presente o celular. Você é o presente, você é que é ofertado para o aniversário do celular (CANCLINI, 2013, p. 40-41). Mais uma parada em nosso roteiro. E consultando nosso mapa corporal, aguçamos a sensibilidade, provocamos nossa cognição, abrindo nossas vias de apreensão e; desse modo, vamos nos aproximando da realidade, procurando o que há de rural, de agrário (ou não); procurando também pelas cidades, com objetos e relações rurais e agrários, mais ou menos presentes. Metaforicamente, aproximando-nos, agora, com auxílio dos olhos, ouvidos, nariz, com a memória da situação do início do trajeto, em que estávamos com os pés no chão. É um momento de identificação de forças contrárias àquelas apresentadas até então, procuramos rebeldia ao olhar. O enfoque passa a ser crítico diante das relações sociais consolidadas, sejam econômicas ou culturais – crítica que parte dos impactos reais das políticas de Estado na vida cotidiana, daí o foco na apreensão dos decretos e diretivas que se materializam na comum unidade de pessoas, na percepção. Dessa maneira, estamos procurando tanto os problemas inerentes aos aspectos da vida rural, quanto falhas estruturais do Estado, em suas ações. Problemas nas associações privadas e/ou mistas, falhas manifestadas nas formas de concentração de poder privado também em âmbitos públicos, como os segmentos do aparato estatal, cuja instrumentalização precisa ser procurada em sua composição e razões. Nas malhas normativas que descrevemos, é o momento do corpo indócil, expressão de subversões, alinhado ou não aos movimentos sociais: • nos campos: corpos rebeldes que já perceberam que a “diminuição das desigualdades” promovidas pelas relações estritamente de mercado não leva a melhorias reais, integrais, mas à homogeneização, a qual leva à questão rural-agrária (sem-terra, desemprego, tendência na queda dos preços dos alimentos, queda nos preços vai de encontro às necessidades dos agricultores, inseridos no mercado de bens agrários, como afirma Mazoyer, 2010), pois pelo mercado suas condições de manutenção de “negócios sustentáveis”, economicamente, decrescem, conforme os preços das corporações podem baixar, sem que seus insumos baixem; • nas cidades: trabalhadores despossuídos dos meios de produção assalariam-se; emerge, assim, uma questão urbana, como a rural, derivada da desigualdade, porém com problemas de acesso à riqueza específicos, ligados à reprodução das condições de existência, diante de obstáculos como trabalho indisponível, transporte com investimentos e diversificação insuficiente, portanto, com este ineficiente; além de alimentação, habitação, saúde, educação, todos de alto custo. Percalços ao modo de como os vê Castells, Lefebvre, Kowarick. 161 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA Saiba mais A expressão “corpo indócil”, para nós, faz sentido porque diante das determinações redutoras do humano, o corpo-sujeito rebela-se, não em busca de liberdades puras, absolutas ou naturais, mas de acordo com as utopias de humanidade. E não se trata das reduções necessárias, como aquelas de ímpeto, impulsos e paixões ameaçadoras e destrutivas do próprio humano, como já nos ensinava Thomas Hobbes, para quem nossas liberdades ilimitadas não são condizentes com a vida coletiva, requerendo freios, no caso, de um Estado forte. Sobre o assunto, leia: SILVA, H. A. As paixões humanas em Thomas Hobbes: entre a ciência e a moral, o medo e a esperança. São Paulo: Cultura Acadêmica/Editora da Unesp, 2009. As reflexões de Han (2015) são convergentes às nossas quanto à inflexão histórica do cálculo econômico marcado pela escassez, que se caracteriza agora pela abundância, isto é, momento cujas principais questões sociais dão-se em meio a excessos, diferentemente das equações convencionais baseadas em condições de escassez e de carência, sociedade viral para a neural. Sua “sociologia do cansaço” põe-se em alerta diante dos excessos paradoxais das cada vez mais largas escalas e padronizações do fordismo e do pós-fordismo. Excessos relativos que, segundo Milton Santos, nos atam (proprietários ricos e classes médias não mudam nada) aos arranjos sociais ou sociotécnicos elementares do capitalismo. Daí o modo de vida de males sem defesas, sem alertas de perigos, que tomam os circuitos produtivos, os quais seguindo o caminho dos circuitos produtivos, em suas múltiplas dimensões (culturais, espaciais, históricas, biológicas, psicológicas, econômicas), tomam tanto as áreas rurais e atividades agrárias (ou de poliatividades, como quer Graziano da Silva) quanto urbanas (em cidades ou “suas redes”). Hoje concordamos que o rural não deveria ser somente caracterizado pelo “agro” (é lugar de poliatividades), tampouco por atividades estritamente tecnológicas (comumente urbanas, das cidades). A ideia é, exatamente, fugir dos extremismos, por meio de registros mais fieis dos modos de vida reais, não de figuras metodológicas que falarão pelo modelo aplicado, do qual são deduzidas. Nessa empreitada, a antropologia rural ilumina as relações que queremos entender e apresentar e Mellati (2007) propõe instrumental conceitual elementar associado aos processos básicos às aproximações do pesquisador; ao nos aproximarmos da sociedade estudada, devemos: • relatar ou produzir levantamentos; • sistematizar ou mapear o funcionamento; • interpretar minuciosamente crises, relações críticas, atendo-nos à ideia de movimento e mudança. 162 Unidade IV Entre a procura, até certo ponto fracassada, de fundamentos racionaisdas ciências nos moldes clássicos, positivistas e o enfrentamento da complexidade, temos um compromisso com a didática ao apresentar uma síntese de ambos. Assumimos que os modelos que se universalizam não nos trazem o cerne da vida social, assim como o relativismo também não o poderá fazer. O desafio é encontrar o bom termo das posições. Bem, nossa hipótese é de que há perdas de sentido das práticas, em geral, e do trabalho, em particular, com seu produto em território rural ou urbano. Vejamos a entrevista concedida por David Harvey (2012b), estudioso da vida moderna nas cidades. As cidades rebeldes Um grande teórico das metrópoles contemporâneas contesta hipóteses conformistas e vê nestes centros, colonizados pelo capital, laboratórios de outra sociedade. Acaba de sair, por enquanto, em inglês, um livro indispensável para quem quer debater crise do capitalismo, degradação social e ambiental das cidades e busca de alternativas. Numa obra curta (206 páginas), intitulada Cidades Rebeldes, o geógrafo, urbanista e antropólogo David Harvey sustenta pelo menos três ideias polêmicas e indispensáveis, num tempo de crise financeira, ataque aos direitos sociais, risco de desastre ambiental e rebeliões contra o sistema. Elas estão expostas em detalhes em entrevista que Harvey concedeu a John Brissenden e Ed Lewis, do excelente site britânico New Left Project. A primeira provocação do geógrafo – que é também um dos grandes estudiosos contemporâneos de O Capital, de Karl Marx (veja a área especialmente dedicada ao tema, em seu site) – diz respeito ao papel das grandes metrópoles. Harvey discorda de dois tipos de pessimismo. Estes grandes centros para onde fluem as multidões de todo o mundo no século XXI, diz ele, são bem mais que templos da desigualdade, da vida automatizada e cinzenta, da devastação da natureza. É a elas que afluem – e lá que se articulam – as multidões às quais o capital já não oferece alternativas. Esta gente estabelece novas formas de sociabilidade, identidade e valores. É nas metrópoles que aparecem a coesão reivindicante das periferias; novos movimentos, como occupy; as fábricas recuperadas por trabalhadores em países como a Argentina; as famílias que fogem ao padrão nuclear-heterossexual-monogâmico. Nestas cidades, portanto, concentram-se tanto as energias do capital quanto às melhores possibilidades de superá-lo. Elas não são túmulos, mas arenas. Aí se dá o choque principal entre dois projetos para a humanidade. A segunda hipótese de Harvey diz respeito à própria (re)construção de um projeto pós-capitalista. O autor de Cidades Rebeldes está empenhado em identificar e compreender formas de organização social distintas das previstas por um marxismo mais tradicional. Ele reconhece: ao menos no Ocidente, enxergar na classe operária fabril o grande sujeito 163 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA da transformação social equivale quase a um delírio. É preciso buscar sentidos rebeldes nas lutas por direitos sociais empreendidas por um leque muito mais amplo de grupos e movimentos. Não cabe nostalgia em relação às batalhas dos séculos passados: é hora de tecer redes entres os que buscam de muitas maneiras, nas cidades, construir formas de vida além dos limites do capital. Mas esta abertura ao novo não significa, diz Harvey (e aqui está sua terceira provocação fundamental), aderir a modismos. O autor saúda o surgimento de uma cultura da horizontalidade e da desierarquização, nas lutas sociais. Mas sugere: para enfrentar um sistema altamente articulado, será preciso construir, também, visões de mundo e projetos de transformação que não podem ser formulados no chão de uma assembleia local de indignados. Harvey teme que o horizontalismo – grosso modo, a noção de que tudo deve vir das bases e ser debatido em assembleias – acabe se transformando num fetiche. Seria, ele adverte, refazer pelo avesso a obsessão dos antigos Partidos Comunistas pela autoridade e centralização. A entrevista completa vem a seguir. John: Você diria que há um argumento central em As Cidades Rebeldes: do direito à cidade à Revolução Urbana, ou o livro reúne diversos temas? David Harvey: Um pouco dos dois. Se há um argumento central, ele está nos capítulos 2 (“As raízes urbanas das crises capitalistas”) e 5 (“Reivindicando a cidade para a luta anticapitalista”). O capítulo 2 é essencialmente sobre as relações entre capital e urbanização; o 5, sobre a oposição entre o capital e a urbanização. O conflito de classes está basicamente nos capítulos 2 e 5. John: Você fala sobre as rendas do monopólio e as contradições intrínsecas a esse processo. Poderia explicar essas contradições e o significado delas para sua análise? David Harvey: Argumenta-se que capitalismo tem a ver com competição, algo muito repetido e valorizado. Mas basta falar com um capitalista para descobrir que ele prefere o monopólio, se houver essa possibilidade. O que existe na verdade, por parte do capital, é uma incessante tentativa de evitar situações competitivas por meio de algum truque monopolista. Por exemplo, o fato de dar nome e marcas produtos é uma tentativa de colocar neles um selo do monopólio. É por isso temos o swoosh do Nike [a seta estilizada que caracteriza a marca], ou ícones parecidos, que tornam certos produtos diferentes de qualquer outra coisa. Esta tendência ao monopólio é permanente. Ao escrever A Arte da Renda, eu quis chamar atenção sobre como os capitalistas gostam de chamar algo de original, autêntico, único. Eles adoram o “marketing da arte”. Há, portanto, um fluxo enorme de capital em direção a qualquer coisa que se possa facilmente monopolizar. John: Mas uma vez que esse processo começa… 164 Unidade IV David Harvey: Bem, num certo momento, aquilo que não era uma mercadoria de marca transforma-se em algo menos exclusivo, uma commodity. Esta tensão sempre existe. Veja, por exemplo, a modernização dos portos urbanos. O primeiro processo foi muito bom, todos diziam “que interessante”. Agora, quando você vai a muitas cidades do mundo e lhe perguntam: “Viu o porto?”, você responde: “Vi um, vi todos”. E Barcelona não parece mais tão única quanto antes, porque seu porto (modernizado) se parece com qualquer outro. Rotterdam, Cardiff e, claro, Londres têm um. Não é mais uma coisa única, se tornou apenas um tipo de taxa urbana comum. John: Você argumenta: “um espaço se abre, nessa tensão…” David Harvey: Sim, acho, por exemplo, que a qualidade de vida em uma cidade frequentemente é algo definido por seus habitantes, sua forma de vida, seu modo de ser. Para que isso se torne único, o capital depende da inventividade de uma população para fazer algo, para fazer algo diferente. O capital tende a ser homogenizante. As pessoas frequentemente fazem o diferencial, produzem atrações únicas, existe um tipo de relação aí. Isso significa que os movimentos populares podem ter espaço para florescer, para tentar definir alguma coisa que é radicalmente diferente. John: Você pode apontar exemplos de onde isso está acontecendo? David Harvey: Sim. Em Hamburgo, existe uma área, o bairro St. Pauli, que era cheio de squats (ocupações de prédios abandonados, em geral, feitas por jovens e imigrantes). Eles criaram um ambiente único, muito diverso. Múltiplas etnias, classes, uma vida urbana muito intensa. O setor imobiliário, muito presente em Hamburgo, havia transformado a cidade em algo muito homogêneo. De repente, perceberam que existe esse bairro incrível, e agora estão tentando apropriar-se dele, comprando casas e alugando-as por um preço diferenciado, porque “não é interessante viver nesse bairro vibrante?”. Esse tipo de coisa você vê nas cidades a toda hora: as pessoas criam um bairro único, ele se torna burguês e entediante. John: Sabemos que, no interior do capitalismo urbanista, há forças de compensação muito poderosas. Como podemosreverter sua lógica? David Harvey: Um exemplo: o movimento Occupy desencadeou, em Nova York, uma resposta policial muito feroz e realmente exagerada. Basta você tentar participar de uma marcha, ou manifestação semelhante, para que haja 5 mil policiais em seu redor – e são bem agressivos. Tentei entender por quê. Quando os Giants venceram o Superbowl (campeonato nacional de futebol americano), as pessoas tomaram as ruas, interromperam a atividade normal de maneira ainda mais clara e a polícia não fez nada. “Ah, eles estão apenas comemorando”. Mas o Occupy cria, por seu significado político, uma resposta violenta. E se você pergunta por que, sinto que Wall Street enerva-se muito com a possibilidade de esse movimento virar 165 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA moda. Se isso ocorrer, haverá uma clara demanda para responsabilizar pessoas por muito do que aconteceu à economia. E o pessoal de Wall Street sabe o que fez, sabe que tem responsabilidade e que pode acabar preso. Penso que dizem ao prefeito e a todas as demais autoridades: “acabe com esse movimento antes que vá longe demais”. Isole-o, faça com que pareça muito violento. Então você acaba com esse tipo de resposta política. John: Que outras qualidades do movimento Occupy lhe parecem particularmente significativas? David Harvey: Eu estive fora ano passado inteiro, realmente não acompanhei o Occupy em seu período mais ativo nos Estados Unidos. Mas algo que fizeram foi chamar muita atenção para a questão da desigualdade social, para os bônus enormes pagos aos altos executivos. Estes conceitos estão se espalhando. Antes do Occupy, nada disso era discutido. Agora o Partido Democrata nos Estados Unidos, e até Obama, estão dispostos a tratar a desigualdade social como um problema. Os acionistas das grandes empresas estão começando a votar contra os grandes pacotes de bônus. Acho que tudo isso foi consequência da agenda criada pelo movimento. Mas, como sempre acontece, os poderes políticos cooptam parte do discurso contra o sistema e tentam diluí-lo. Vivemos agora uma fase de certa cooptação, em que os acionistas estão assumindo parte da retórica e Obama, outra parte. Ed: Sobre isso, estamos interessados em suas discussões sobre estratégia. Como ponto de partida, é claro que a concepção tradicional que a esquerda tinha, da classe operária industrial como sujeito revolucionário e agente de mudança, não se encaixa mais no Ocidente. Você pode contar como reconcebeu o sujeito revolucionário, quem pode constituí-lo hoje e como está relacionado às cidades e à identidade urbana? David Harvey: Para tratar deste tema, faço uma pergunta: quem está produzindo e reproduzindo a vida urbana? Se você olhar para o tipo de produção que prevalece hoje, definirá o proletariado de maneira totalmente distinta da que se contentava em associá-lo ao trabalhador fabril. Este é o passo necessário. A partir daí, é possível pensar em quais formas de organização são possíveis hoje, entre as novas populações urbanas. Elas são mais difíceis de organizar, precisamente porque não estão em fábricas. Por exemplo, a imensa quantidade de trabalhadores que atuam no transporte de produtos e pessoas, de caminhoneiros a taxistas, como organizá-los? Há algumas experiências interessantes a respeito, em Nova York e Los Angeles. Politicamente, não é possível falar num sindicato nos termos tradicionais, é preciso criar organizações diferentes. Ou tomemos o caso dos empregados domésticos. É extremamente difícil organizá-los, particularmente quando são, como em muitos países do Norte, ilegais. Porém, são uma força de trabalho bastante significativa, em muitas cidades. Parte do que estou dizendo é que todas 166 Unidade IV estas formas de trabalho desenvolvem-se nas cidades e são vitais para a reprodução da vida urbana. Por isso, deveríamos nos preocupar em organizar politicamente estes trabalhadores, para influir na qualidade e natureza da vida nas cidades. Em alguns casos, a organização é muito difícil; em outros, pode ser muito vigorosa, mas assume frequentemente formas muito distintas das tradicionais. Ed: Você acha que a esquerda está mergulhada neste tema, em compreender os desafios e oportunidades com que nos deparamos? David Harvey: Penso que, historicamente, a esquerda sempre estabeleceu algum tipo de separação entre o que você poderia chamar de organizações de trabalhadores, ou baseadas em classes, e movimentos sociais. Uma de minhas batalhas nos últimos 30 ou 40 anos tem sido dizer que é preciso enxergar estes movimentos como movimentos de classe. Penso que houve uma relutância a aceitar isso, em muitos setores da esquerda. Veja que esta relutância diminuiu, inclusive em razão da rapidez com que o trabalho fabril desapareceu. Quando cheguei em Baltimore, em 1969, havia algo como 35 mil operários na fábrica de aço. Quinze anos depois, eram 10 mil e na virada do século, apenas 2 mil. Se você quisesse organizar algo politicamente em 1970, você abria um diálogo com o sindicato dos metalúrgicos, porque eles tinham musculatura. Hoje, são irrelevantes. Mas, se o sindicato já não conta, como organizar os trabalhadores? Diante desta questão, penso que a esquerda passou a compreender e valorizar melhor os movimentos sociais. Ed: Em relação às dificuldades na organização dos grupos de que estamos falando, você investigou uma grande variedade de movimentos, em momentos diferentes. Existem lições particulares que devam ser generalizadas? David Harvey: A maioria dos grupos desse tipo aparece como de organizações por direitos sociais. Sob esse guarda-chuva, eles podem criar formas organizativas menos restritas que as dos sindicatos convencionais. Agora, uma das coisas que vi em Baltimore foi que um movimento de sindicatos convencionais pode ser hostil a essas novas organizações. O movimento sindical convencional dividia-se: algumas vezes eles apoiavam; mas era mais comum considerarem essas formas de organização como uma ameaça a si próprio. Penso que hoje, o movimento sindical convencional está preparado para enxergar essas organizações como cruciais para apoiar suas lutas. Começa a surgir um tipo de coalizão. Na marcha do Primeiro de Maio realizada em Nova York, há pouco, pessoas tradicionalmente ligadas ao movimento sindical juntaram-se aos movimentos sociais. Sou muito a favor de uma forma diferente de organização sindical, de preferência local, e não por setor. Acredito que os sindicatos convencionais devem prestar mais atenção aos conselhos de comércio locais e aos conselhos municipais. Os sindicatos tendem a se preocupar apenas com o bem-estar de seus membros, e uma organização geográfica precisa pensar no proletariado em geral, na cidade. Desse ponto de vista, uma forma de organização diferente pode abranger uma 167 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA cidade inteira, e unir pessoas envolvidas em sindicatos diferentes, com todas as suas diferenças, em um tipo de sindicato da cidade, ou uma organização política da cidade. Ed: No capítulo 5 do novo livro, você relaciona algumas de suas hipóteses sobre organização urbana às dificuldades enfrentadas pelas formas tradicionais de organização da esquerda. Não apenas no que diz respeito a diferente composição do proletariado, mas também nas relações com organizações autônomas, como cooperativas; ou na dificuldade para atuar na esfera estatal. Você parece sugerir que as cidades são locais de organização especialmente poderosos e, se fosse possível organizar uma cidade inteira, então possivelmente estaríamos muito empoderados. Por que você acha que as cidades são tão importantes? As cidades radicalmente isoladas não sofreriam da mesma vulnerabilidade das cooperativas? David Harvey: Gosto de pensar nas cidades porque são uma escala maior que uma simples fábrica. Se você observar as fábricas recuperadas na Argentina, tomadas pelos trabalhadoresem 2001 – 2002, verá que uma das dificuldades que surgiriam desse movimento e das associações de trabalhadores envolvidas é que, em certo ponto, como estão imersas num sistema capitalista, veem-se envolvidas na competição e, em consequência, em práticas de auto exploração. Marx tem uma série de passagens interessantes, onde se diz que o primeiro passo em direção a uma transformação revolucionária é a tomada dos meios de produção pelos trabalhadores; mas se ficarmos apenas nesse nível, não será suficiente. Se você começar a pensar em organizar uma cidade inteira (e isso está começando a acontecer um pouco na Argentina), as fábricas precisarão de matérias primas – se você está produzindo camisas, precisa de tecido. Mas de onde vem o pano? Bem, você começa a criar uma rede; monta uma rede de cooperativas produzindo coisas diferentes, interligadas. Você pode imaginar que podem surgir, em uma área metropolitana, economias interligadas dessa forma, o que nos levaria além das possibilidades de tomar apenas uma fábrica específica. Outro fato interessante sobre as fábricas na Argentina é que quando foram tomadas, não permaneceram simplesmente como fábricas. Tornaram-se centros comunitários, integraram realmente os bairros próximos, tinham programas educacionais e culturais. Quando os donos voltaram, uns cinco anos depois, e disseram: “queremos nossa fábrica de volta ou levaremos as máquinas”, a população saiu de suas casas para impedi-los. Assim, é muito mais fácil de defender as fábricas tomadas. Claro que se você tentar criar uma cidade totalmente comunista no meio do capitalismo, provavelmente irá sofrer uma repressão real e violenta. Estará numa situação como a da Síria, em uma cidade como Homs onde há um movimento de oposição muito forte. De certa forma, é uma cidade rebelde, cercada pelo exército e esmagada, com pessoas mortas e outras submetidas. Penso que há perigo real em ir muito longe e muito rápido. Quão longe uma cidade pode ir, em relação a sua organização? Há exemplos disso: Porto Alegre construiu sua forma de 168 Unidade IV orçamento participativo, e agora há orçamento participativo em muitas cidades do mundo. Não é uma medida revolucionária, apenas uma medida transformadora que aprofunda a democracia urbana. Esse movimento tornou-se significativo. Algumas inovações ocorrem no campo ambiental. Outra cidade brasileira muito interessante é Curitiba, que trabalhou questões ambientais e tornou-se conhecida por organizar seu sistema de transporte coletivo de uma forma ecológica e sofisticada As inovações que vieram de lá também estão sendo implantadas em outras cidades. Você pode imaginar uma situação como essa nos termos do que chamo de “teoria dos cupins” [Harvey refere-se aos casos em que é possível corroer por dentro uma estrutura capitalista, sem alarde, até que ela entre em colapso], para transformação social. Esta cidade agora tem uma estrutura institucional diferente, e você começa a ver tais mudanças como algo que se espalha pela rede urbana. Ed: No entanto, você também é crítico da teoria dos cupins… David Harvey: É preciso sempre ter cuidado. Quando sou crítico, não estou desprezando. Sustento que algumas estratégias são boas, que as pessoas poderiam adotá-las, mas por outro lado temos que considerar as limitações da realidade. Em que momento você passa de uma “estratégia dos cupins” para outra? Uma das coisas em que realmente me empenhei, no capítulo 5, foi tentar mostrar que há uma variedade de estratégias, para uma variedade de situações e propósitos. Não devemos, portanto, nos restringir dizendo: “esta é a única estratégia que vai funcionar”. Podemos adotar diversas, todas as que forem possíveis. Em alguns casos, não há outra opção além de se envolver em estratégia de cupins; e é possível, ainda assim, fazer um bom trabalho. John: Você fala no livro sobre a cidade chinesa de Chongqing, onde Bo Xilai, líder do Partido Comunista, liderou processos muito interessantes, até ser afastado. Seria um exemplo dos riscos de ir “longe demais, rápido demais”? David Harvey: Bem, eu não sou especialista em China, e me pergunto se ele era tão brutal e tão corrupta como está sendo pintada; ou se o retratam dessa maneira porque não gostam do modelo que estava desenvolvendo. Era maoísta na retórica; estava muito preocupado com a redistribuição da riqueza. Estava muito claro que sua tentativa de se tornar poderoso no Comitê Central baseava-se no desenvolvimento deste modelo urbano particular, radicalmente distinto do que se vê em Xangai, Shenzhen e lugares assim. Nesse aspecto, eu o achava muito interessante. Agora, tanto quanto sei, o Comitê Central tem adotado, como políticas nacionais, algumas das práticas que Bo lançou em Chongqing. Isso é típico: como sabemos, há na China uma necessidade de incentivar o mercado interno e alguma preocupação sobre redistribuição da riqueza. Eles observaram um processo local bem-sucedido e talvez tenham decidido enfrentar estes problemas por meio de aumento salários ou construção de habitações, como Bo estava fazendo. Pode ser o modelo chinês de urbanização, que tem sido, na minha opinião, bastante 169 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA desastroso – ambiental e mesmo economicamente – mude nos próximos anos, nas mesmas linhas que o dirigente afastado estabeleceu. Mas ressalto que são apenas especulações. Ed: Quero voltar para o que você afirmou sobre abraçar uma pluralidade de estratégias, e uma diversidade de formas organizacionais. Você tem participado de um debate permanente, e às vezes ácido, opondo “horizontalistas” a “centralistas”, ou “verticalistas”. Pode falar mais sobre isso, e como se relaciona a sua análise sobre capitalismo e cidade? David Harvey: Acho que há hoje um grande apego pela horizontalidade. Tento dizer a meus alunos que gosto de passar grande parte da minha vida no horizontal, mas também gosto de ficar de pé de vez em quando e andar por aí! Porque acho que esta oposição não é útil. Sou a favor de ser tão horizontal quanto você puder. Mas há o que chamo no livro de uma espécie de fetichismo da forma de organização — o que foi terrível nas concepções de centralismo democrático dos partidos leninistas e comunistas. Repito: a questão é para mim, identificar que tipo de organização será capaz de enfrentar e resolver cada tipo de problema. Acho que a horizontalidade pode ajudar a resolver alguns problemas, em certas escalas, mas não funciona em outras situações. Vivemos num mundo onde há sistemas muito estruturados, de maneira que você também precisa de estruturas de comando e controle para lidar com eles. Por exemplo, uma estação de energia nuclear é um sistema fortemente estruturado. Quando algo dá errado, você precisa reagir imediatamente, caso contrário tudo acontece muito rápido e explode. A universidade não é um sistema fortemente hierarquizado. Se algo der errado nela; se alguém não aparecer para uma palestra, por exemplo, isso importa pouco: a instituição sobrevive perfeitamente bem. Mas em sistemas fortemente hierarquizados, você precisa tomar decisões com rapidez. Por isso, pergunto aos horizontalistas radicais: você quer organizar o controle de tráfego aéreo por meio de princípios horizontalistas? Quer ter assembleias o tempo todo, na torre de controle de tráfego aéreo? Será que funciona? Como você se sentiria se estivesse no meio de um voo cruzando o Atlântico, e de repente dissessem: “bem, os controladores de tráfego aéreo estão em assembleia, e eles vão nos informar amanhã o que decidiram”? Há muitas atividades que precisam, como essa, de formas bem diferentes de organização. Acho ótimos que as pessoas estejam debatendo horizontalidade, mas é ruim que digam algo como: “ou é horizontal, ou não é nada”. Ed: Estas ideias vêm de um semianarquismo, de uma profunda suspeita diante de qualquer forma de autoridade. Você estádizendo, basicamente, que ser um radical, um anticapitalista, ainda é necessário reconhecer que às vezes a autoridade tem o seu papel? David Harvey: Sim, claro, acho que a autoridade tem seu papel. O problema importantíssimo que se coloca é: como você controla uma autoridade? Quais são os mecanismos de revisão de mandatos e de controle? Porque uma estrutura hierárquica pode, de fato, tornar-se autoritária. Mas há uma grande diferença entre autoritarismo e autoridade. Eu acho que em certas situações, você precisa de alguém para exercer autoridade. 170 Unidade IV O exemplo ilustre de que muitas pessoas lembrariam são os zapatistas. Mas eles, militarmente, não são horizontais. Sobrevivem até hoje precisamente porque, se você tentar mexer com os militares, eles têm um comando muito bom e estruturas de controle com os quais podem resistir. Se você não tiver isso, será muito vulnerável. Uma das críticas que sempre foram feitas à Comuna de Paris é que, devido a uma espécie de anarquismo filosófico, não havia nenhuma autoridade central para defender a cidade inteira. As pessoas defendiam seu distrito, mas não toda a cidade. Por isso as forças da reação puderam atacar: não havia nenhuma estrutura de comando e controle para resistir militarmente à invasão. John: Você fala, no novo livro, sobre Murray Bookchin, e sua abordagem sobre uma saída para este problema de escala. David Harvey: Sou um geógrafo, e o pensamento anticapitalista na Geografia sempre foi predominantemente anarquista. Os anarquistas têm uma longa tradição de estarem muito mais interessados em questões ambientais e urbanas que os marxistas. Eles exerceram, ao longo do tempo, muita influência sobre as práticas de planejamento. Figuras como Lewis Mumford, que vêm dessa tradição, exerceram muita influência – inclusive sobre mim, obviamente. E Bookchin é seu herdeiro. Estou interessado em seus ensaios sobre municipalismo libertário: fala sobre formas horizontais de organização descentralizada, mas, em seguida, fala também sobre a confederação das assembleias regionais. Foca sobre as necessidades das bio-religiões, em vez de se limitar a comunidades particulares. Ou seja, ele está disposto a pensar em uma estrutura hierárquica de algum tipo, tenta falar sobre como os poderes foram atribuídos e como devem ser. Recorre a um pequeno truque teórico de Saint-Simon: diz que pode haver gerenciamento das coisas, não de pessoas. Que se deve gerir, por exemplo, o abastecimento de água ou o saneamento de uma região – mas não o que as pessoas fazem. É muito diferente da política real, mas a ideia, – e o pensamento de Bookchin em geral – me parece muito interessante. Participei, há duas semanas, de uma reunião em Nova York, com David Graeber. Murray Bookchin compareceu ao debate. Sua filha estava na plateia, e nós conversamos sobre reunir, num pequeno livro, uma seleção de escritos de Murray sobre o tema. Acho que é um momento muito bom para reintroduzir a tradição anarquista, que pode contribuir para o debate sobre algumas questões mais amplas. Por exemplo, como você realiza tantas assembleias municipais e não coloca em questão o fato de algumas pessoas, com muitos recursos, converterem-se em ultraricos – enquanto muitos, sem recursos, reduzem-se a ultrapobres? Ed: Sua visão parece que, no fim das contas, será necessário um Estado. Parece que você acha que Bookchin talvez aceite isso, mas não pode admitir. David Harvey: Sim. Você sabe: o que se parece com um Estado, é visto como um Estado, e se expressa como um Estado é um Estado! Há algo que se pode chamar de Estado capitalista, que poderíamos querer esmagar. Mas há, também, uma forma de organização 171 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA que diz respeito às relações entre diferentes assembleias e grupos. E no plano mundial, você também tem que pensar sobre certas questões como o aquecimento global. Precisam ser abordadas e compreendidas em plano global. Significa que certas ideias sobre o que fazer têm de ser resultado de uma preocupação mundial. John: Isso nos leva de volta a um ponto que abordamos antes, sobre as organizações com base geográfica. Existe uma oposição entre o urbano e o não urbano? David Harvey: Muitas pessoas me fazem essa pergunta. Elas dizem “a cidade não existe realmente hoje. Você está falando sobre o direito a algo que não existe mais?” Ou: “você está falando sobre a cidade, por que não sobre o campo. Por que você não fala sobre as áreas rurais?”. Minha resposta é que, de fato, nos últimos cinquenta anos, nós nos tornamos um mundo totalmente urbano, e o que pode ter sido verdade há algum tempo – a existência de uma vida urbana e uma vida camponesa autossustentável, independente – desapareceu em grande parte. O que você vê é um contínuo entre o campo e a cidade. Na América Latina, por exemplo, se você está na área rural, as pessoas assistem aos mesmos canais na televisão, dirigem os mesmos carros. Isso é o que chamo de desenvolvimento geográfico desigual no interior do processo de urbanização. E desse ponto de vista, você diz que as diferenças no interior das cidades são tão significativas quanto as diferenças entre a cidade e subúrbio, e o subúrbio e as zonas não urbanas. Há tantas diferenciações no interior do próprio processo de urbanização, que a diferença entre áreas ricas e favela é dramática – na realidade, mais dramática que a que existe entre o que acontece na cidade e fora dela. Há formas de organização que refletem isso. O movimento dos trabalhadores sem-terra no Brasil tem conexões urbanas muito amplas e as leva muito em conta. Ele não se vê fora do mundo autônomo, mas como parte de um processo geral de urbanização. É como quero ver este processo. Há, em alguns lugares, tentativas de organizar uma cadeia de produção de alimentos para as cidades, que começa nos campos e passa por várias etapas. Vendendo a produção diretamente aos supermercados, por exemplo – o que me parece uma ideia muito interessante. Em El Alto (subúrbio popular de La Paz, Bolívia), um dos meus exemplos preferidos, a conectividade entre as pessoas que vivem na cidade e as que estão fora dela é muito, muito forte. Foi ampliada, nos últimos dez ou quinze anos, por causa do agronegócio e a forma com que o campo tem se transformado em uma paisagem capitalista. Ed: Então um urbanismo revolucionário é uma forma universal de revolução política? David Harvey: Eu diria que sim. A única razão pela qual me atenho a palavra “cidade” é que ela tem um significado icônico e é foco de sonhos e utopias. Ao mencioná-la, você está invocando o imaginário de uma cidade linda, uma cidade na colina etc. Continuo com o termo “cidade”, mas entendo perfeitamente que, em um sentido estrito, diferenciado de todo o resto, ela essencialmente desapareceu. Fonte: Harvey (2012b). 172 Unidade IV Dentre os problemas e as saídas anunciadas por Harvey para o estado de coisas de saber extrínseco e abstrato, estão aquelas que pleiteiam novas formas (e novas leituras de antigas formas) de relações e usos ambientais. 7.1 Diferenças, contrariedades ao modelo único de inserção no movimento global A essa altura saltam aos olhos (narizes, ouvidos) as formas diferenciadas e as maneiras em que cada um toma para si o entorno imediato até os pontos mais distantes das cadeias de acontecimentos! E nos indagamos sobre essa fenomenologia, ou seja, o modo como os fenômenos são conhecidos pelo corpo-sujeito. Algo dessas questões desafiadoras estão presentes no trecho sobre a poesia nos usos que Marcovaldo faz da capital, interiorano de vida rural, então em Roma. Italo Calvino (1994) em Marcovaldo ou As estações na cidade mostra a fruição e os usos que a personagem Marcovaldo faz da cidade em geral, e da praça, em particular, que é sempre possível ver além do texto imposto, da ordem imposta como norma. Ele vê coisas em todos os lugarespor onde passa, coisas que ninguém vê! É um belo exercício de percepção e lirismo. Segue trecho do posfácio sobre o curioso personagem em sua busca incessante de migrante no lugar atual (uma grande cidade) por elementos que ficaram para trás (as coisas do campo). As estações da cidade [posfácio] […] O livro Marcovaldo ou as estações na cidade se compõe de vinte contos. Cada conto é dedicado a uma estação; o ciclo das quatro estações se repete, portanto, cinco vezes no livro. Todos os contos têm o mesmo protagonista, Marcovaldo, e seguem mais ou menos o mesmo esquema. O volume foi publicado pela primeira vez em 1963, em Turim, pela editora Einaudi, com ilustrações de Sergio Tofano. O texto de apresentação (escrito provavelmente pelo autor) dizia: “Dentro da cidade de concreto e asfalto, Marcovaldo vai em busca da Natureza. Mas ainda existe a Natureza? A que encontra é uma Natureza ardilosa, falsificada, comprometida com a vida artificial. Personagem engraçada e melancólica, Marcovaldo é o protagonista de uma série de fábulas modernas” que – dizia mais adiante a mesma apresentação – “se mantêm fiéis a uma estrutura narrativa clássica: a das histórias em quadrinhos das revistas infantis”. O perfil do protagonista é apenas esboçado: é uma alma simples, um pai de família numerosa, trabalha como ajudante de pedreiro ou carregador numa firma, é a derradeira encarnação de uma série de cândidos heróis joão-ninguém, ao estilo de Charlie Chaplin. Com uma particularidade: a de ser um “Homem da Natureza”, um “Bom Selvagem” exilado na cidade industrial. De onde ele veio, de que lugar sente saudade, isso não é dito; poderiam defini-lo como um “imigrado”, embora essa palavra nunca apareça no texto; mas a definição talvez seja imprópria, porque todos nesses contos parecem “imigrados” num mundo estranho do qual não se pode fugir. 173 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA A melhor apresentação da personagem está no primeiro conto: “Esse Marcovaldo tinha um olho pouco adequado para a vida da cidade: avisos, semáforos, vitrines, letreiros luminosos, cartazes, por mais estudados que fossem para atrair a atenção, jamais detinham seu olhar, que parecia perder-se nas areias do deserto. Já uma folha amarelando num ramo, uma pena que se deixasse prender numa telha não lhe escapavam nunca: não havia mosca no dorso de um cavalo, buraco de cupim numa mesa, casca de figo se desfazendo na calçada que Marcovaldo não observasse e comentasse, descobrindo as mudanças da estação, seus desejos mais íntimos e as misérias da existência”. Essas palavras podem servir de apresentação tanto da personagem quanto da situação comum a todos os contos, situação que poderia ser sintetizada da seguinte maneira: no meio da grande cidade, Marcovaldo 1) procura o revelar-se das estações nas alterações atmosféricas e nos mínimos sinais de vida animal e vegetal, 2) sonha a volta a um estado de natureza, 3) enfrenta uma decepção inevitável. Os contos às vezes seguem esse esquema na forma mais simples, justamente como histórias em quadrinhos (assim os mais breves: “Cogumelos na cidade”, “O pombo municipal”, “O tratamento com vespas” etc.), com a surpresa no quadrinho final (aliás, surpresa ruim, porque esses contos se parecem com aquelas historinhas cômicas “sem palavras” que inevitavelmente acabam mal), às vezes como pequenos contos amargos, quase realísticos (como “A marmita”, “Ar puro”, “Uma viagem com as vacas”), e finalmente como contos em que estado de alma e paisagem prevalecem (como a solidão do animal em “O coelho venenoso” ou o desnorteamento na neblina em “O ponto errado”). Talvez para salientar o caráter de fábula, as personagens dessas pequenas cenas de vida contemporânea – sejam elas varredores, guardas-noturnos, desempregados, carregadores – possuem nomes pomposos, medievais, quase de heróis de poemas de cavalaria, começando pelo protagonista. Apenas as crianças têm nomes normais, talvez porque apenas elas são mostradas como são, e não como caricaturas. A cidade não é nomeada nunca; por alguns aspectos poderia ser Milão, por outros (o rio, os morros) pode-se reconhecer Turim (a cidade onde o autor passou grande parte da sua vida). Sem dúvida, essa indeterminação é procurada pelo autor para significar que não se trata de uma cidade, mas da cidade, uma metrópole industrial qualquer, abstrata e típica como abstratas e típicas são as histórias contadas. Mais indeterminada ainda é a firma, a fábrica onde Marcovaldo trabalha: nunca conseguimos saber o que é fabricado ali, o que é vendido sob a misteriosa sigla SBAV, o que contêm as caixas que Marcovaldo carrega e descarrega oito horas por dia. É a firma, a fábrica, símbolo de todas as firmas, todas as fábricas, as sociedades anônimas, os logotipos que reinam sobre as pessoas e as coisas do nosso tempo. Em contraste com a simplicidade quase infantil do enredo de cada conto, a postura estilística se baseia na alternância de um tom poético-rarefeito, quase precioso (a que a frase 174 Unidade IV tende, sobretudo quando alude a fatos da natureza), e do contraponto prosaico-irônico da vida urbana contemporânea, das misérias pequenas e grandes da vida. Diríamos, aliás, que o espírito do livro está essencialmente nesse contraponto estilístico: ele está presente até nos contos com enredo mais breve e elementar, concentrando-se às vezes na primeira frase, que tem a função de introduzir o tema da estação (“O vento, vindo de longe para a cidade, oferece a ela dons insólitos, dos quais se dão conta somente poucas almas sensíveis, como quem sofre de febre de feno e espirra por causa do pólen de flores de outras terras”). Em outros contos, ao contrário, ainda que o enredo não seja nada mais que a série habitual de quadrinhos, cada detalhe é pretexto para um trecho de elaboração estilística requintada (por exemplo, em “Férias num banco de praça” a comparação entre a cor da lua e a do semáforo amarelo). Chega-se assim aos contos em que o requinte da prosa corresponde a uma invenção narrativa quase igualmente elaborada, como na multicolorida visão final de “A chuva e as folhas”, ou, resultado ainda mais complexo, no início de “O jardim dos gatos obstinados”, em que vemos a cidade das empreiteiras engolir a “cidade dos gatos”, que constituía também para os homens o verdadeiro espaço vital. Um fundo de melancolia tinge o livro do começo ao fim. Poderíamos dizer que, para o autor, o esquema das historinhas cômicas é apenas o ponto de partida e que, ao desenvolvê-las, ele se entregou a uma sua veia lírica amarga e dolorida. Mas Marcovaldo, apesar de todas as derrotas, nunca é um pessimista; está sempre pronto a redescobrir, dentro do mundo que lhe é hostil, a fresta de um mundo feito à sua medida; ele nunca se rende, está sempre pronto a recomeçar. Sem dúvida, o livro não convida a uma postura de otimismo superficial: o homem contemporâneo perdeu a harmonia entre ele e o ambiente onde vive, e superar essa desarmonia é uma tarefa árdua; as esperanças fáceis demais, idílicas, sempre se revelam ilusórias. Mas a postura que domina é a da obstinação, da não resignação. Podemos agora definir melhor a posição deste livro frente ao mundo que nos cerca. É a nostalgia, a saudade de um idílico mundo perdido? Uma leitura nessa chave, comum a tanta literatura contemporânea que condena a desumanização da “civilização industrial” em nome de um sentimento nostálgico do passado, certamente é a mais fácil. Mas, observando com maior atenção, vemos que aqui a crítica à “civilização industrial” é acompanhada de uma crítica igualmente decidida a todo sonho de “paraíso perdido”. O idílio “industrial” é alvejado tanto quanto o idílio “campestre”; não apenas uma “volta atrás” na história é impossível, mas também aquele “atrás” nunca existiu, é uma ilusão. O amor de Marcovaldo pela natureza é aquele que pode nascer apenas num homemda cidade; por isso não podemos saber nada da sua origem extraurbana; esse estranho à cidade é o cidadão por excelência. […] Fonte: Calvino (1994, p. 137-140). 175 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA Saiba mais Dentre os inúmeros trabalhos sobre cidades sustentáveis, destacamos o texto de Cecília Polacow Herzog, escrito pelo espectro de países com que trabalha. HERZOG, C. P. Cidades para todos: (re)aprendendo a conviver com a natureza. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad X: Inverde, 2013. 7.2 Campos e cidades rebeldes, movimentos sociais urbanos Se, por um lado, temos os processos homogeneizantes, por outro, há um apelo ou deveria haver, aos retratos etnográficos dos povos que, mesmo sendo misturados, até mesmo nivelados na base, estão fora da briga pelo topo. Sempre há especificidades, sempre devem ser resgatadas de nossas profundezas tribais, comunais, ancestrais dos fios culturais de cada sociedade. Desse modo, surge a questão das possibilidades em meio à tanta vigilância e punição (Michel Foucault), elaborando racionalidades alternativas (Jürgen Habermas), entendendo o campo de forças envolvidas (Pierre Bourdieu) e as cifração do social (Milton Santos). Então, a questão é: como se apropriar dos aspectos que ora são requeridos pelo mercado, pelos agentes de mercado com poder classificatório e normativo? Como privilegiar o republicanismo e a democracia nos âmbitos rurais e urbanos, diante da instrumentalização dos símbolos e discursos com vistas à sujeição, que se apropria das tradições, das posses e dos corpos, incorporando tudo ao universo das mercadorias? Por meio da educação diretiva, age o pensamento único, do modo como vê Michel Foucault, Pierre Bourdieu, Henri Lefebvre, David Harvey e Milton Santos. Saiba mais Há um grande poder nas narrativas, nas versões disseminadas pelos grupos controladores dos recursos de uma dada sociedade. Há verdadeiras “segundas realidades” (discursos paralelos de grupos que nomeiam e significam a realidade). Discursos que se tornam o verdadeiro mundo, o que antes acontecia no tempo longo de gerações, agora basta poucos meses e até dias, pelas redes sociais na Internet. A seguir, um expressivo exemplo desse fenômeno de poder das histórias. LE CLÉZIO, J. M. G. Raga. Rio de Janeiro: Record, 2011. 176 Unidade IV Outro exemplo trata-se de uma ficção (histórico-arqueológica) de Allan Moore sobre milênios de um mesmo lugar no Reino Unido; mostrando nuances, sutilezas, especulações e desencontros a partir de materiais vestigiais e documentais, que falam pelo enredo e pelas personagens. Recomendável pelo alcance da arte no tema. MOORE, A. A voz do fogo. São Paulo: Conrad, 2012. Os movimentos e organizações sociais, além das manifestações de vários segmentos das sociedades em várias partes do mundo, são o melhor do exercício político, expressando a multiplicidade de projetos de sociedade. Aqui, é o trabalho de cada um, junto com as faces culturais do humano, que vão expor suas particularidades ou a essência do ser social, que podem amparar a construção da cidadania com bases públicas. O foco é a visão política. A cidadania formal é aquela prometida no terreno normativo, enquanto a cidadania real é aquela constituída nos afazeres dos habitantes em seus próprios meios: os espaços rural e urbano. Os direitos e normas, quando necessários, segundo Hannah Arendt (2006) dificilmente garantirão justiça. Aqui, o núcleo dinamizador dos eventos é o político. Experiências, práticas e percepções novas são requeridas, com novas organizações e grupos, eventuais e permanentes. O foco político descobre movimentos por ocupação de espaços (Occupy) da parte de diferentes grupos (identificados, agregados por idades, renda, representações, procura por lazeres, entre outros motivos). Os grupos perseguem ideias que nascem das possibilidades culturais, antes de a utopia constituir seu lugar político que garantirá sua reprodução. A segurança, a violência real e a percebida em meio a esse jogo de forças são resultantes de idílios e distorções nas causas da segregação socioespacial, e tal percepção advém do foco na dimensão política da sociedade. As soluções impostas, ao longo de nossa história, têm sido quase sempre privadas (mesmo quando provenientes do Estado, em suas várias esferas, da União, dos estados federados e dos municípios), normalmente parciais e dualistas; enquanto as públicas devem ser portadoras de legitimidade. É o que define o âmbito público, a própria ideia de república trata do que é de todos. O direito à terra, no campo e na cidade, do modo como discutimos nesse trabalho, envolve leis, novas ou reformadas, planos reguladores das relações sociais com base nas noções de público (riqueza da vida social) e privado (relações sociais degradadas em benefício próprio), evidenciando as razões dos grupos políticos. Emerge o trabalho coletivo que em tese seria como o Estado republicano com o ser social privado, corporativo; assim, a configuração econômica do Estado-territorial é o mercado nacional, isto é, agente das relações internacionais. Mais adiante, traremos uma reflexão de Milton Santos sobre a seletividade do desenvolvimento pela difusão de inovações, desqualificando e precarizando o acesso aos recursos e ao próprio trabalho. 177 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA Os agentes sociais buscam melhores condições para si, em meio à arena em que todos querem mais espaço para manobrar, portanto, é assim que surgem os agentes que cobram dívidas públicas, como aquelas garantidas constitucionalmente, tais quais: terra, habitação, segurança, educação, entre outros direitos. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no campo; ou sem-teto, na cidade, são expressões desses projetos que não se satisfizeram com a partilha automática de riquezas; querem participar ativamente. Vamos ilustrar o acesso seletivo à terra e o papel do Estado por meio de uma música do grupo Skank. Sem Terra Tenente Gama estará na barra do Brooklin atento Zé da Navalha na boca do rio Urutu Quatro patrulhas vão cobrindo os quatrorizonte Nego DJ Adílio leva o rádio Aurili bon bonga A cobra vai pular Aurili bon bonga Permiso, êêêêêê! Eles pitimbam, negarfam, então hão de ter Bate o bongô, drum machine, bate o xequerê Batecumã nego véi de guerra Colono branco e a lua estratagema Aurilibilim bajé pajé pai chamou No cabo do teletrônico mensageou Na terra dos sem-terra A barra vai pesar Quem ignora erra Quem quer ignorar Sofrer o baque todos eles já sofreram No Paraná, no Pará, no Espírito Santo Bate imigrante nego véi de guerra Quebratabaque o atraso, o quebranto Na terra dos sem-terra A barra já pesou Quem ignora erra Quem ignora errou Fonte: Rosa; Amaral (1996). 178 Unidade IV As políticas governamentais, as práticas levadas adiante por empresas privadas e os trabalhos de inúmeras organizações sociais são responsáveis pela direção e pela qualidade do desenvolvimento do país (ABRAMOVAY, 2010). Esse autor reflete a relação desintegrada entre essas diversas instâncias com suas atribuições, não formando um todo coerente, o que lhes retira justamente o alcance estratégico. Para ele: Desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas dos indivíduos em condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos ecossistemas às sociedades humanas. Ele é formado por uma infinidade de fatores determinantes, mas cujo andamento depende, justamente, da presença de um horizonte estratégico entre seus protagonistas decisivos (ABRAMOVAY, 2010, p. 97). Para Abramovay, a sustentabilidade é de qualidade ética, estando em jogo “o conteúdo da própria cooperação humana e a maneira como, no âmbito dessa cooperação, as sociedades optam por usar os ecossistemas de que dependem” (ABRAMOVAY, 2010, p. 97). Aindasegundo esse autor, embora tenham ocorrido melhorias sociais no Brasil, persistem graves problemas no acesso à educação, moradia, justiça, segurança. Ele vê graves problemas nos padrões dominantes de produção e de consumo que se apoiam na degradação ambiental muito mais vigorosa do que o poder da legislação voltada à sua contenção. Haveria de promover inovação tecnológica “cada vez mais orientada a colocar a ciência a serviço de sistemas produtivos altamente poupadores de materiais, de energia, e capazes de contribuir para a regeneração da biodiversidade” (ABRAMOVAY, 2010, p. 98). Indo direto ao ponto em sua análise da estrutura produtiva brasileira, o autor acrescenta que: […] os significativos progressos dos últimos anos são ameaçados pela ausência do horizonte estratégico voltado ao desenvolvimento sustentável, tanto por parte do governo como das direções empresariais: de um lado a redução no desmatamento da Amazônia não é acompanhada por mudança no padrão dominante de uso dos recursos. Assim, apesar da contenção da devastação florestal, prevalece entre os agentes econômicos a ideia central de que a produção de commodities (fundamentalmente carne, soja e madeira de baixa qualidade), minérios e energia é a vocação decisiva da região. Além disso, ao mesmo tempo em que se reduz o desmatamento na Amazônia, amplia-se de maneira alarmante a devastação do cerrado e da caatinga. De outro lado, o segundo exemplo aqui apresentado mostra que o trunfo representado pela matriz energética brasileira não tem sido aproveitado para a construção de avanços industriais norteados pela preocupação explícita em reduzir o uso de materiais e de energia nos processos produtivos. A consequência e o risco é que o crescimento industrial brasileiro – ainda que marcado por emissões relativamente baixas de gases de efeito estufa – se distancie do padrão dominante da inovação contemporânea, cada vez mais orientada pela descarbonização da economia (ABRAMOVAY, 2010, p. 98). 179 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA Antes de mostrar processos agropecuários industriais com crescentes valores econômicos agregados à produção, muito impactantes nas organizações dos grupos humanos, em seus estilos de vida e sistemas ambientais, e nas alternativas mais sustentáveis; serão apresentadas, brevemente, formas de vida e produção que têm melhores relações com os ambientes, usando-as, mas mantendo-as, como agriculturas sustentáveis originais, com métodos vernaculares e que podem nos ensinar muito ainda hoje. São formas de vida muito antigas, com aproximadamente 10.000 anos, (HAVILAND et al., 2011), que praticavam atividades de coleta (extrativismo) e cultivo (agricultura, pecuária) similares àquelas que hoje chamamos agroecologia: conjunto de conhecimentos e procedimentos inspirados nos baixos impactos negativos dos velhos saberes e usos. A agroecologia soube aprender. O território, que é nossa porta de entrada para essas questões, é moldado pelos usos dos grupos sociais, suas ligações com a natureza, mais especificamente com aquilo que chamamos de ecossistemas ou conjunto ambientais, e mais organismos, identificando-os, classificando-os, inventariando-os, aplicando conhecimento, e também pelo modo como esses grupos representam tais usos na cultura que desenvolvem. Por usos, nos referimos a todo trabalho desenvolvido pelo ser humano sobre as coisas, mudando-as e também transformando a ele próprio. Usar as coisas ao nosso redor é o que enraíza a história humana, portanto sigamos com uma palavrinha sobre como nos relacionamos com o ambiente circundante baseados na necessidade irrefletida de sobrevivência e no impulso de criar meios diferentes dos naturais que lhe antecedem. Em busca dos sujeitos sociais, fazemos a mesma pergunta essencial que Maria José Carneiro (2000): em que consiste o “familiar” da chamada “agricultura familiar”? A autora lembra que Weber ensina que os modelos classificatórios, ou as tipologias, não se referem à realidade empírica imediata; mas que nem por isso deixam de ser construídos em conformidade com essa realidade, encontrando nas relações sociais a matéria-prima para essas construções abstratas. Ou seja, o modelo não pode jamais ser reduzido a um conjunto de relações sociais observáveis em uma realidade dada. É necessário buscar, portanto, o significado dos fatos e das relações sociais (de trabalho, por exemplo) no contexto em que se expressam e na sua relação com a totalidade que os envolve, já que, em se tratando de sistemas, cada parte não pode ser entendida isoladamente da outra, daí a importância do debate e de suas causas subjacentes. O debate sobre a agricultura familiar no Brasil nos chama a atenção para, ao menos, dois problemas que necessitam maiores investimentos dos estudiosos do assunto. Um deles diz respeito à dificuldade em se articular o modelo construído como definidor da agricultura familiar e a realidade da qual se está tratando. Aqui, encontramos duas alternativas: não é raro que se atribua a essa construção abstrata o status de realidade ou, no caminho inverso, que se tome uma determinada realidade, normalmente aquela que se está estudando, como modelo ou expressão do que se entende por agricultura familiar. Ambas as abordagens acabam dificultando ainda mais a já complicada tarefa de se trabalhar comparativamente e dar conta da heterogeneidade das formas através das quais a agricultura familiar se expressa no País (CARNEIRO, 2000). 180 Unidade IV A autora adverte que a “abordagem e interpretação da realidade pressupõem, portanto, a escolha de uma estruturação teórica que irá definir os princípios de articulação entre os componentes do sistema, ou seja, a maneira como abordaremos um tal grupo, uma dada sociedade” (CARNEIRO, 2000, p. 153). No que nos interessa particularmente nesta apresentação, caberia enfatizar que o significado das atividades não agrícolas deverá ser buscado na posição que elas ocupam no conjunto das estratégias familiares de reprodução social e, sobretudo, o contexto socioeconômico em que se mostre. Nesse sentido, não podemos falar das atividades não agrícolas como um fenômeno único e homogêneo, da mesma maneira como seria inadequado se referir ao pluriativo como uma nova categoria social no meio rural (CARNEIRO, 2000). Ela faz considerações teóricas e metodológicas sobre a pesquisa com os agentes e grupos em espaço rural. Uma estruturação é tão verdadeira quanto outra, pois: […] tratam-se de alternativas que irão orientar nosso olhar de maneira a enfatizar, ou a menosprezar, determinados aspectos da realidade. As classificações e as definições que lhes seguem são frutos, portanto de um determinado olhar e, como tai, são expressão de determinados interesses sobre o social já que informam, normalmente, práticas políticas ou propostas de intervenção. Aceitar a relatividade ideológica de uma classificação tipológica ou de um modelo (entendido aqui também como conceito) não significa, porém, abolir o rigor teórico-metodológico, mas, sim, atentar para os limites do conhecimento sobre a realidade. Esta chamada teórica é importante quando estamos tratando das mudanças ou transformações em curso no meio rural e, especificamente das que dizem respeito â atividade não agrícola e sua relação com a agricultura familiar. Em relação a esse tema, a maior ou menor flexibilidade do modelo de agricultura familiar está associada também à noção de pluriatividade. Podemos perguntar, por exemplo, até que ponto o exercício da atividade extra-agrícola, por si só, seria suficiente para quantificar o fenômeno da pluriatividade entendido como expressão da secundarização da atividade se, historicamente, essa é uma prática recorrente em várias regiões do país? (CARNEIRO, 2000, p. 153-154). Para pormenores sobre a análise “agricultura familiar”, vamos ao seguinte trecho de Carneiro: Em que consisteo familiar da agricultura familiar? […] Como essa noção se refere de imediato a um setor da economia, a agricultura, é comum que as análises se voltem para a dinâmica de produção, ou seja, que se detenham nos fatores reconhecidos como da esfera do econômico e que interferem de maneira mais visível na produção tais como: a mão de obra utilizada, área plantada, a relação com o 181 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA mercado e a ação da tecnologia sobre esse conjunto de fatores. É interessante observar que, nessas análises, o adjetivo “familiar” só é acionado para caracterizar a equipe de trabalho. O caráter familiar da chamada “agricultura familiar” se reduz, assim, ao “trabalho familiar” em oposição ao que é entendido como “não familiar”, ou seja, o trabalho assalariado. A discussão então passa para a quantificação máxima possível de trabalho assalariado, dentro da unidade de produção agrícola, de maneira a não descaracterizá-la como “familiar”. Nestes termos, uma questão qualitativa, de caráter conceptual, passa a ser tratada como a uma questão quantitativa. Aqui caberiam várias perguntas que uma abordagem meramente quantitativa não apresenta resposta satisfatória. Por exemplo: uma exploração agrícola que utiliza mão de obra contrata, assalariada, apenas nos períodos de colheita pode ser considerada uma unidade de produção familiar? Ou, de outro lado, uma exploração agrícola em que alguns dos membros da família recorrem ao trabalho assalariado e com esse rendimento (às vezes melhor remunerado que o trabalho agrícola) contratam mão de obra extrafamiliar para realizar o trabalho que eles próprios não estão realizando perderia o seu caráter familiar? Uma unidade de produção sustentada na atividade do casal cujos filhos exerçam atividade extra-agrícola, assalariada ou não, seria considerada uma exploração pluriativa ou só seriam pluriativas as unidades em que o chefe da unidade de produção exerça, ele próprio, atividade fora da exploração agrícola? Bem, poderíamos continuar enumerando uma série de questões cujas respostas não seriam satisfatoriamente respondida da perspectiva unicamente quantitativa, ou seja, em termos de horas de trabalho dedicado fora da unidade de produção familiar ou em termos de número de braços extrafamiliar contratado. Primeiramente é necessário definirmos a nossa unidade de análise quando o objeto de estudo é a dinâmica da agricultura familiar para então centrarmos na discussão da questão correlata, ou seja, do caráter familiar da agricultura familiar. Fonte: Carneiro (2000, p. 153-154). A expectativa de consumo ou acesso à riqueza social produzida, com um ideal de cidadania, está na base das relações entre os agentes concretos; o envelhecimento direcionado dos objetos e das ideias. A autora fala de seu apreço pela produção orgânica, discorrendo sobre a situação brasileira. Ela traça um quadro evolutivo, que vai dos anos 1980 e 1990, com a multiplicação das organizações ligadas à produção orgânica, crescimento da quantidade de produtores e aumento da produção, da diversidade e da qualidade. Lembra-nos que, em duas décadas, (seu texto de referência é de 2000), o mercado fica restrito a poucas feiras e cestões ou sacolões com venda direta ao consumidor. Atualmente, essas feiras fixaram-se e algumas tornaram-se minimercados e estão presentes em praticamente todas as capitais do Centro-Sul do país. […] as feiras se enquadram perfeitamente na filosofia do movimento orgânico, que preconiza a comercialização direta do agricultor ao consumidor, de modo a: (1) estabelecer uma relação personalizada e de cooperação entre o 182 Unidade IV produtor e o consumidor e (2) possibilitar maiores ganhos aos agricultores e menores preços aos consumidores (KHATOUNIAN, 2001, p. 32). O autor aponta o aumento da demanda por produtos orgânicos, levando “as grandes redes de supermercados a estabelecerem estandes específicos num número crescente de lojas no Centro-Sul” do país, requerendo “organização de um mercado atacadista”, sendo incorporados os produtos orgânicos às vias construídas de distribuição. Ele fala em estimativas de crescimento desse mercado em 30% ao ano (KHATOUNIAN, 2001, p. 32). A produção orgânica no Brasil inclui hortaliças, soja, açúcar mascavo, café, frutas (banana, cítrus), cereais (milho, arroz, trigo), leguminosas (feijão, amendoim), caju, dendê, erva-mate, plantas medicinais e vários produtos de menor expressão quantitativa. A produção animal orgânica é ainda muito restrita, constituindo uma das áreas de maior possibilidade de retorno dentro do mercado orgânico. Há iniciativas na produção de aves de postura e de corte, bovinos de leite e carne, suínos e abelhas. Os principais produtos exportados têm sido a soja, o café e o açúcar, mas a evolução do mercado e das iniciativas de produção tem sido muito rápida (KHATOUNIAN, 2001, p. 32-33). Khatounian faz importantes considerações sobre o que chama de “descompasso entre os anseios da população consumidora por produtos limpos e a percepção pelos agricultores e distribuidores das oportunidades de negócios que tais anseios representam” (p. 33). Acha que há “despreparo dos técnicos e agricultores”, ainda muito dependentes dos produtos agroquímicos. Daí indica o treinamento desses profissionais (técnicos e agricultores), já na primeira fase das iniciativas de produção orgânica, e arremata: “a agricultura orgânica utiliza menos insumos materiais que a agroquímica, mas exige muito mais de um produto intangível: o conhecimento” (KHATOUNIAN, 2001, p. 33). A questão política dos interesses corporativos é fundamental e ajuda a entender por que não há disseminação e por que o mercado não é formado integralmente por produtos saudáveis: Essa menor dependência de insumos materiais levanta contra a produção orgânica o peso econômico da indústria química, o que tem retardado o desenvolvimento de soluções que prescindam de produtos comprados. A própria indústria, por seu turno, tem investido no desenvolvimento de produtos biotecnológicos, supostamente mais simpáticos aos olhos dos consumidores. As primeiras indústrias com patentes de produtos biotecnológicos já alardeiam à opinião pública os danos que as concorrentes causam com seus produtos químicos tóxicos. Não obstante, a oposição entre o movimento orgânico e a indústria não cessou, posto que o movimento procura estimular o funcionamento dos controles naturais existentes em cada propriedade agrícola, enquanto a indústria continua trabalhando no sentido de os agricultores terem de comprar anualmente seus insumos (KHATOUNIAN, 2001, p. 32-33). 183 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA Khatounian continua explicando que, “do ponto de vista técnico, a agricultura ecológica tem sido relativamente bem-sucedida, apesar de o apoio da investigação científica e assistência técnica oficiais terem sido quase nulos até muito recentemente” (KHATOUNIAN, 2001, p. 32-33). As políticas públicas voltadas para esse fim, seja no nível dos municípios ou dos estados, deveriam ser maciças, com vistas ao desenvolvimento. O autor ainda afirma que, do ponto de vista da tecnologia, os cultivos orgânicos “costumam apresentar elementos recuperados de bons exemplos do passado, combinados com procedimentos de ponta em termos de manejo de microrganismos, controle fitossanitário, variedades, máquinas e insumos ecologicamente corretos” (KHATOUNIAN, 2001, p. 32-33). Lembre-se de que há lacunas tecnológicas em algumas culturas, notadamente naquelas que também são as mais problemáticas na agricultura convencional, tais como a batatinha, o tomate, o algodão e as uvas europeias, dentre outras. Porém, afirma que há duas frentes: • a pesquisa tem se voltado para a busca de soluções ambientalmente melhores, atacando os problemas mais persistentes; • solução também possível, mas ainda incipiente, é a reeducação do consumidor,eliminando ou reduzindo os produtos cuja produção é mais problemática. Embora estratégico, não parece simpático ao cultivo da biodiversidade esse segundo caminho, o da redução, sendo que o próprio autor acrescenta essa reflexão: “plantas bem adaptadas em ambientes bem manejados, normalmente produzem bem, a despeito de pragas e doenças” (KHATOUNIAN, 2001, p. 33-34). É muito importante entendermos o debate sobre a “agricultura sem agrotóxicos” que tem, de um lado, aqueles de posição acadêmica cientificista com grande apelo aos avanços da química na nutrição artificial e no combate aos desequilíbrios ecológicos por envenenamento; e, de outro, aqueles com abertura tanto ao (re)aprendizado das tradições quanto para novas experiências com tecnologias limpas, naturais. E, assim, para tanto, devemos recorrer ao corpo conceitual desse questionamento: No Brasil, houve grandes discussões no meio agronômico a partir do final da década de 1970 e que se estenderam por quase toda a de 1980. De um lado, estava um pequeno grupo, que salientava os efeitos indesejáveis da produção centrada em insumos industriais. Do outro lado, estava todo o establishment agronômico. Para o grupo majoritário, à época, os problemas causados pelo modelo convencional ao ambiente e à saúde humana eram vistos como um alarmismo sem fundamento. Quando muito, esses problemas eram considerados pequenos efeitos colaterais de um bom remédio. E, como supostamente não havia outra alternativa, era necessário aceitá-los como preço da solução (KHATOUNIAN, 2001, p. 34). 184 Unidade IV Saiba mais Recomendamos a leitura do livro de Khatounian como contato inicial tanto com os aspectos técnicos quanto políticos do referido debate ligado à questão ambiental, em geral, e agrário-alimentar, especificamente: KHATOUNIAN, C. A. A reconstrução ecológica da agricultura. Botucatu: Agroecológica, 2001. Lembrete A ecologia não pode nos salvar sem a economia. O que é preciso fazer é submeter a economia aos ritmos e recursos ambientais, e não o contrário. Observação Agrotóxicos (venenos cuja finalidade é matar organismos vivos associados às espécies cultivadas) provocam poluição e doenças (desequilíbrios nos sistemas), quer sejam ambientais, ecossistêmicos ou no corpo. Os usos de venenos nas atividades agrárias devem ser tomados no contexto de relações sociais mais amplas e do mercado. Tanto as várias formas de poluição quanto as doenças devem-se, por exemplo, a substâncias (como o CO2), que não são nocivas em si mesmas, mas que, em excesso ou em falta, provocam problemas. As poluições e as doenças estão associadas às cadeias de valor e fluxo de serviços e mercadorias: poluições ambientais estão ligadas aos mercados de equipamentos de tratamentos, catalisadores, de certificadores desses equipamentos; enquanto da produção de doenças decorrem cadeias de drogas ou medicamentos, exames e consultoria médica, toda uma estrutura industrial e de serviços. 8 SOLUÇÕES, APONTAMENTOS E PERSPECTIVAS Se nossos pesquisadores não levam em consideração a recomendação tantas vezes feita por Marcel Mauss, de que os fenômenos sociais devem ser estudados como “fenômenos totais”, é porque, desde o florescimento dos estudos de comunidade entre nós, mais e mais se avolumou aqui a influência americana: na sociologia americana, a multiplicação das pesquisas parceladas é incalculável, permanecem isoladas e fechadas sobre si mesmas, não levando a nenhuma formação sintética explicativa. Parece que, 185 SOCIOLOGIA RURAL E URBANA entre nós – herança infeliz da influência americana –, também aumentam aceleradamente os trabalhos que poderiam ser rotulados de “colheita de dados sem teoria” (QUEIROZ, 1972b, p. 523). Seja como for, depois das dezenas de entrevistas que fiz, livros que li, documentários que vi e lugares que visitei para produzir este livro, uma coisa me parece certa: o futuro da comida é uma volta ao passado (KEDOUK, 2013, p. 214). 8.1 Visão ou percepção intencionada Estamos no campo da experiência inteira, e nesse caminho ou método depositamos esperança (confiança nas estruturas científicas, ao modo de Charles Sanders Peirce ou Julían Marías) na aproximação das coisas procuradas. Ao seguir visando soluções alternativas, voltamos o olhar para o horizonte de possibilidades. O corpo intenciona, deseja soluções e, desse modo, cada um perfaz com sua vida-projeto sua unidade (ou Gestalt), nem sempre democrática, nem sempre inclusiva. Mas a vida-projeto, como a vê Sartre, tem um movimento que envolve a todos na própria busca, pois se é meu projeto, e este logicamente é sempre bom, então será de igual modo bom para todos; é a ética do existencialismo sartreano, nos caminhos da “unidade”: o humano inteiro no horizonte das possibilidades. Tendo marcado mais esse ponto em nosso mapa corporal, damos um salto para alguns projetos (de vida) de melhoria coletiva, que se propõem a irradiar benefícios nas relações próximas e pelos encadeamentos que devem conduzir tais benefícios. Nossas soluções, como acredita Sartre, devem ser boas para todos. E são multidimensionais; atendem a todas as esferas da vida social, nas diversas escalas, desde o indivíduo motivado socialmente até as instituições. Falemos do comércio justo como solução que transborda, como veremos, da economia para as demais dimensões sociais. O objetivo político mais antigo é o da qualidade de vida; para tanto, seguiremos por casos expressivos de alternativas. 8.2 Urbanização, modernização e ambiente como recurso Processos ubíquos, à conveniência e à revelia dos países historicamente periféricos, passam por onde interessa, seguindo a “lógica do gerente de banco”: no discurso, todos interessam, entretanto, quem se quer ver nas agências é o cliente (ou candidato a sê-lo) cuja demanda seja solvável, aquele que pode pagar pelos produtos e serviços. Vimos o peso da norma para os habitantes dos espaços rural e urbano; agora vejamos as saídas pela cultura, pelas tradições preteridas, articuladas criticamente. Se a história fenomênica, daquilo que aparece, é uma história de usos sociais do ambiente, então usos antropocêntricos geraram espaços sociais insustentáveis, pela simples ideia reinante de natureza infinita. Percebemos num determinado momento que as atividades, agrárias e industriais, estabeleceram-se 186 Unidade IV sob dinâmicas predatórias, tanto no que concerne às relações entre as pessoas quanto destas com os ambientes que as circundam e suportam. Começamos seguindo a lógica da unidade social e ambiental e, portanto, precisamos tragar as metodologias de avaliação socioambiental (diagnóstico e prognóstico), para o seio das ciências humanas e sociais, relacionando sociologia e sustentabilidade. Desse modo, uma avaliação de impacto ambiental pode ser posta a favor da população-alvo do levantamento, sendo instrumento (e procedimentos) de política ambiental capaz de assegurar que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, e que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, e por eles considerados em conjunto (BARBIERI, 2010), (SEIFFERT, 2007). As metodologias de diagnóstico socioambiental envolvem certa intersubjetividade e convívio para sua efetividade, pois a avaliação de impacto ambiental, além de ser instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente que visa garantir “livre acesso às informações sobre o empreendimento, quanto ao envolvimento e à participação da comunidade nas decisões governamentais”. A avaliação de impacto ambiental, “de caráter preventivo, tem como objetivo principal subsidiar a decisão do órgão público como instrumento de gestão ambiental” (SEIFFERT, 2007, p. 161); e acrescentaríamos que deve ser de
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