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O GOLPE REPUBLICANO A Questão Religiosa Antes de estudarmos a Questão Religiosa, que muitos apontam como uma das causas imediatas da queda da Monarquia no Brasil, ressaltaremos que o clero brasileiro era recrutado, tradicionalmente, nas casas-grandes, onde a devoção das “sinhás” sonhavam com um filho padre que as tornasse mais íntimas dos seus santos e santas, e entre os membros da incipiente pequena burguesia, que mandava um de seus filhos, ou mesmo vários, para os seminários, à procura de instrução gratuita e de posição social que sua bolsa e situação não lhe permitiam oferecer. A história do clero brasileiro está, assim, sobretudo no período imperial, mais ligada a considerações de ordem econômica e social do que espiritual. Aliás a superficialidade da devoção dos brasileiros, notadamente no século XIX, foi algo que se revelou logo aos olhos dos viajantes estrangeiros. Um visitante francês, Augusto de Saint-Hilaire, que acompanhou, em São Paulo na semana santa de 1822, observava que “ninguém se compenetra do espírito das solenidades. Os homens distintos delas participam apenas por hábito, e o povo comparece como se fosse a um folguedo “. Com efeito, para a imensa maioria da população brasileira, a religião consistia precisamente naquelas cerimônias que, como escreveu o Padre Júlio Maria, “não edificam, naquelas devoções que não apuram a espiritualidade, nos novenórios que não revelam fervor”. Em consequência disso, a influência do clero derivava basicamente do aproveitamento, por parte de bom número de sacerdotes, do fanatismo gerado pelas ignorância popular. Aproveitando-se da ignorância geral, esse clero adaptava-se e vivera na sociedade colonial, universalmente respeitando, usufruindo as riquezas que possuía, nada propenso à reflexão teológica, em “santa paz “, com o povo e acariciando-lhe as crendices e superstições, porque também se via impregnado delas. Mas, ao lado desse catolicismo popular, havia outro, cultivado, zeloso dos dogmas teológicos e dos princípios do direito canônico. Representado por raros membros da elite clerical, não tinha nenhuma ligação com o povo, revoltando-se mesmo com a crendice ingênua da massa e com a indiferença religiosa da pequena camada culta da classe dominante. Esse inconformismo fez com que dois elementos dessa elite do clero, D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, que fora ordenado capuchinho em Versalhes, e D. Antônio Macedo Costa, antigo aluno do seminário da Saint-Sulpice, entrassem em choque com o governo imperial, originando-se disso a Questão Religiosa que se prolongou de 1872 a 1875. Um dos principais fatores que motivaram a Questão Religiosa, também denominada “Questão Epíscopo-Maçônica”, iniciada no Rio de Janeiro, foi a homenagem feita pela Maçonaria ao seu grão- mestre, o Visconde do Rio Branco, na época presidente do Conselho de Ministros do Império, por ocasião da assinatura da sua lei que declarava livres os filhos das escravas (Lei do Ventre Livre). Durante a homenagem, Almeida Martins, um padre maçom, dos muitos que havia no Brasil, onde a Maçonaria nunca fora inimiga do Catolicismo, discursou, sendo por esta razão suspenso de suas ordens pelo bispo do Rio de Janeiro. Começava assim o grave conflito que envolveu o alto clero, a Maçonaria e o governo imperial. No Recife, não fazia muito tempo, havia o já mencionado D. Vital de Oliveira. Vários maçons, que também eram membros de irmandades religiosas, mandaram rezar a missa em comemoração à fundação de uma loja (denominação dada às sedes da Maçonaria). D. Vital, jovem, cheio de arroubo e de zelo, e que trouxera do Velho Mundo ideias antimaçônicas, proibiu a cerimônia religiosa. Seguros de sua força política, os maçons publicaram, então, uma lista das personalidades importantes que faziam parte da seita, entre elas alguns padres. Tomando conhecimento disso, imediatamente D. Vital suspendeu esses sacerdotes de suas ordens, determinando, também, a eliminação dos maçons das irmandades religiosas. Ninguém obedecendo, o bispo então lançou interdito contra as igrejas e capelas dessas irmandades. Os maçons apelaram para o trono e este, através do Conselho de Estado, atendeu à pretensão daquelas. Em 12 de junho de 1873, o governo imperial, aproveitando-se do fato de estar ligado à Igreja conforme dispositivo constitucional (“regime do padroado” - estabelecido pela Constituição de 1824) determinou que o Bispo levantasse o interdito e deixasse os maçons tranquilos em suas irmandades. Ante a recusa de D. Vital e considerando que os bispos, em razão da vigência do “padroado” , eram funcionários públicos, o governo mandou retirar o interdito. Paralelamente, no Pará, onde era bispo D. Antônio da Costa, estabeleceu-se um segundo conflito entre o Estado e a Igreja, por motivos idênticos aos de Pernambuco. Em 1874 eram os dois bispos condenados a quatro anos de prisão, com trabalhos forçados. Pouco tempo depois, a pena foi comutada para a prisão em Fortaleza. Em 1875, finalmente, durante o Gabinete Caxias, os dois sacerdotes foram anistiados. Não se deve exagerar a importância da Questão Religiosa como causa imediata da República, pois essa querela entre bispos, governo e Maçonaria passou despercebido pelo povo e não teve nenhuma repercussão entre os intelectuais. Na ocasião, ninguém se movimentou a favor dos bispos e a maioria dos prelados brasileiros guardou, no decorrer do conflito, um prudente e tímido silêncio, o que não impediu, por certo, a partir de então, que o alto clero se tornasse, se não antimonárquico, indiferente à sorte de um regime que encarcerava bispos. Em suma, graças à sua falta de habilidade política ao tratar com os bispos do Recife e de Belém, o Trono perdeu a simpatia de um importante setor da vida nacional: a Igreja Católica. O Exército e o Positivismo Bem mais significativas que a Questão Religiosa foram as Questões Militares através das quais a Monarquia perdeu, definitivamente, o apoio de uma estimada parcela do Exército. Na verdade, as Questões Militares foram uma série de pequenos incidentes que tiveram muito mais um caráter disciplinar do que político. Em primeiro lugar, devemos observar que a Guerra do Paraguai dera ao Exército brasileiro, organismo militar oriundo da classe média, grande coesão interna e consequentemente força social e política. Além disso, o contato de nossos oficiais com os dos países platinos, de regime republicano, tornou o ambiente militar propício à mudança da forma de governo imperial. Conscientes do seu novo poderio e, ademais, crescentemente politizados, não esconderam alguns elementos militares sua desconfiança e antipatia ao Império, surgindo, assim, as “Questões Militares”. A primeira, datada de 1884, foi provocada por um projeto do Marquês de Paranaguá sobre a reforma do montepio militar. Revoltados com a iniciativa governamental, realizada sem a menor participação do Exército, alguns oficiais formaram um “Diretório “, na Escola Militar, que delegou poderes ao tenente-coronel Sena Madureira para atacar, pela imprensa, a reforma projetada pelo Gabinete. Em consequência, Sena Madureira foi punido e o Ministro da Guerra proibiu aos oficiais discutir qualquer assunto pelos jornais. A segunda “Questão Militar”, também de 1884, foi motivada pela recepção dada por alguns militares ao jangadeiro cearense Francisco do Nascimento, que conseguira obstar um embarque de escravos no Ceará para as províncias do Sul. Sena Madureira, comandante da Escola de Tiro de Campo Grande onde se realizaria a homenagem, ao receber um pedido de informações a esse respeito, respondeu em termos pouco disciplinados, sendo novamente castigado. A terceira “Questão Militar”, talvez a mais grave, originou-se das acusações injustas feitas a um oficial, o coronel Cunha Matos, pelo deputado piauiense Simplício de Rezende, durante uma sessão da Câmara em 1886. Cunha Matos,atingido em sua honra pessoal, defendeu-se pela imprensa, contrariando, dessa maneira, a proibição do Ministério da Guerra, que o mandou prender. Esse fato repercutiu intensamente entre a oficialidade, notadamente no Rio Grande do Sul, onde o comandante das armas da Província, o marechal de campo Deodoro da Fonseca, não escondeu sua simpatia pela figura do oficial injustiçado. Em 14 de maio de 1887, Deodoro da Fonseca assinaria um famoso Manifesto, de autoria de Rui Barbosa, em defesa da honra militar, considerada ameaçada por atos do governo. Além dos aqui narrados, outros incidentes de menor importância, porém frequentes, alargaram o abismo entre os militares e o trono, acelerando a mudança do regime. Contava a Monarquia com servidores fiéis entre os oficiais superiores, mas entre capitães e tenentes vigorava o mais intenso espírito republicano. No Rio de Janeiro, principalmente, era enorme a fermentação política na área militar, pois a oficialidade mais jovem recebera, nos bancos da Escola Militar, a influência de um professor encarniçadamente republicano, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que destacada atuação teria na Proclamação da República. A solução militarista para a Proclamação da República, que sempre se impõe nos países em que a massa não se acha suficientemente consciente da sua força revolucionária e dos objetivos a serem alcançados, surgiu em 1887 quando a chefia do Partido começou a cogitar seriamente da possibilidade de recorrer ao exército para derrubar o regime e proclamar a República. As Questões Militares eram habilmente exploradas pelos republicanos, que não se cansavam de acirrar o ânimo dos militares contra o governo, assegurando-lhes ao mesmo tempo, todo o apoio. Por exemplo, no Rio, o jornal O País, dirigido por Quintino Bocaiuva, fazia grande alarde em torno dos conflitos que indispunham Exército e Governo. A primeira conspiração deu-se em 1887. Frustrou-se segundo consta, em virtude da intervenção de Tomás Coelho, Ministro da Guerra e amigo pessoal de Quintino Bocaiuva. A segunda conspiração data de 1888, quando o Silva Jardim entrou em contato com Sena Madureira programando sublevação. Ao que parece, Sena Madureira não encontrou grande entusiasmo entre os principais chefes republicanos que ainda hesitavam diante da ideia de um golpe militar. Tudo, entretanto, levava a esse desfecho. O rumo tomado pelas Questões Militares e a impaciência de alguns líderes republicanos provocaram novos encontros entre os dois setores descontentes e, desse contato, surgiria o Golpe de 15 de Novembro. Basicamente, a abordagem teórica da participação dos militares na Proclamação da República deve levar em conta as motivações dos militares enquanto estamento e instituições burocráticas ameaçadas pelas elites imperiais em suas prerrogativas a até mesmo em sua existência, mas também deve compreender o Exército como vanguarda armada, organizada e lúcida das classes urbanas desprovidas de qualquer canal ou veículo de expressão no contexto de um Império formalmente liberal, mas de claro cunho oligárquico. Cremos ser simplistas, encarar o advento da República como simples ato de rebeldia dos militares insatisfeitos com a tutela do poder civil. O Golpe Republicano Os primeiros desentendimentos entre o exército e Governo Imperial datam do fim da Guerra do Paraguai, sendo que essa situação de tensão se agravou à medida que o Exército se institucionalizava. As crises mais conhecidas foram o episódio ocorrido durante o ministério Zacarias, a propósito da indicação de Caxias para a chefia do Exército e as chamadas Questões Militares que envolveram Sena Madureira e Cunha Matos. O denominador comum desses conflitos era a disputa entre o poder militar e o poder civil. Imbuídos de ideias positivistas e republicanas difundidas na Escola Militar, principalmente em virtude da ação de Benjamim Constant, alguns jovens oficiais sentiam-se encarregados de uma “missão salvadora” e estavam ansiosos por corrigir os vícios da organização política e social do País. A mística da “salvação nacional” não era aliás primitiva desse grupo de jovens oficiais. Muitos oficiais mais graduados compartilhavam das mesmas ideias. Os militares sentiam-se frustrados, mal recompensados e desprestigiados pelo governo. Tudo favorecia atitudes de indisciplina e revolta. Pelotas, um dos chefes militares de maior prestígio, confessava, em 1886, que num efetivo de 13.500 homens havia ocorrido 7.526 prisões por indisciplina. Num país em que ainda eram escassas as oportunidades, o exército representava para as classes médias um meio de ascensão social. O Exército seria, sob certo aspecto, o representante das classes médias, mas envolvendo-se em questões políticas e sociais, os militares não abandonavam nunca o espírito de corpo que é a base da organização militar. Os pronunciamentos militares não repercutiam como manifestos comuns. Levavam a marca do Exército. A participação dos militares na vida pública multiplicava as ocasiões de conflito. Com isso, a situação se agravava. Não pense que o Exército agia coeso e unânime. Havia, certamente, entre os militares profundas divergências, mas a adesão de uma facção de oficiais, mais ou menos importante, às ideias republicanas foi decisiva para a Proclamação da República. Quando os civis procuravam os oficiais para tramar a conspiração e preparar o golpe, encontraram da parte deles a melhor acolhida, ligados que estavam uns aos outros pelo mesmo imperativo: alterar as instituições vigentes. O Exército já manifestara apoio à causa abolicionista, recusando-se a perseguir escravos fugidos. Restava proclamar a República. O Clube Militar foi, a partir de então, o principal núcleo de conspiração. A República nasceu sob o signo do Exército. As agitações que se sucediam no País, instigadas, primeiramente, pelo movimento abolicionista e, depois, pela propaganda republicana, provocaram, nos meios monarquistas, sérias preocupações quanto ao destino da Monarquia. A hipótese de um Terceiro Reinado parecia cada vez mais distante. Ao assumir o ministério, em julho de 1889, o Visconde de Ouro Preto tinha plena consciência dos riscos que iria enfrentar, tanto que encaminhou um projeto de reformas cujo objetivo era esvaziar o movimento republicano. As reformas propostas por Ouro Preto foram as seguintes: ampliação da representação política através da concessão do direito de votar a todos os cidadãos que soubessem ler e escrever, desde que provassem o exercício de profissão lícita e estivessem no gozo de direitos civis e políticos. estabelecimento da plena autonomia dos municípios e das províncias. estabelecimento da liberdade de culto. estabelecimento da temporariedade do Senado. estabelecimento da liberdade de ensino. máxima redução possível dos direitos de exportação. aprovação de uma lei de Terras que facilitasse a sua aquisição, respeitando os direitos dos proprietários. redução de frete e desenvolvimento dos meios de rápida comunicação de acordo com um plano previamente traçado. animar e promover os estabelecimentos de crédito. elaboração de um código civil. conversão da dívida externa e amortização do papel-moeda. estabelecimento de um equilíbrio orçamentário. fundação de estabelecimento de emissão e crédito, especialmente voltados para o estímulo à produção. retirada do aspecto político do Conselho de Estado que conservaria apenas o seu caráter administrativo. Ouro Preto partia da ideia da necessidade de fazer algumas reformas esperadas por setores da nação pois, se não fossem feitas dentro dos quadros do regime vigente, acabariam por se efetivar através de um movimento republicano. A melhor maneira de anulá-lo seria satisfazer suas reivindicações. A Câmara recuou diante da proposta de Ouro Preto. O Deputado conservador Gomes de Castro, do Maranhão, logo após a apresentação do programaministerial, apresentou uma moção de desconfiança que foi aprovada por setenta e nove votos contra vinte, depois de acalorada discussão durante a qual os deputados Cesário Alvim e Padre João Manuel fizeram profissão de Fé Republicana. O resultado da votação testemunhava a incapacidade dos grupos dominantes de aceitar as mudanças e as reformas necessárias. Seria impossível realizá-las dentro dos quadros da Monarquia. Dias depois, a Câmara era dissolvida e convocada uma outra, a ser eleita, para reunir-se, extraordinariamente, a 20 de novembro de 1889. A partir da dissolução da Câmara, a situação agravou-se. Ouro Preto tomou algumas medidas que desagradaram os militares e foram exploradas amplamente pelos republicanos. Fervilharam por toda parte boatos a propósito de severas medidas que seriam tomadas contra o Exército. Aproveitando-se do ambiente de inquietação, alguns elementos do Partido Republicano Paulista e do Partido Republicano do Rio de Janeiro voltaram a insistir com os militares para que se colocassem à frente de um movimento contra o governo estabelecido. Benjamin Constant, Frederico Sólon, Bernardo Vazques, Antônio Adolfo, Mena Barreto, Carlos de Alencar, Sebastião Barreto e Joaquim Inácio, todos oficiais do Exército, promoveram intensa propaganda republicana no seio da corporação. A 11 de novembro, Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva, Francisco Glicério e o Coronel Frederico Sólon reuniram-se em casa de Deodoro da Fonseca como objetivo de convencê-lo a tomar partido. A 15 de novembro, a monarquia era derrubada por um golpe militar chefiado pelo Marechal Deodoro. É de notar que apenas uma minoria de republicanos achava-se a par do golpe. A maioria dos republicanos foi tomada de surpresa pelo 15 de Novembro. O movimento resultou da conjuração de três forças: uma parcela do Exército, os fazendeiros do oeste paulista e representantes das classes médias urbanas. Essa três forças que se uniram momentaneamente em torno do ideal republicano conservavam, entretanto, profundas divergências que desde logo se evidenciaram na organização do novo regime quando as contradições eclodiram em numerosos conflitos, abalando a estabilidade dos primeiros anos da República. A debilidade das classes médias e do proletariado urbano propiciou a preponderância das oligarquias rurais até 1930, ou seja, durante toda a chamada Primeira República. A Programação da República não significou uma ruptura do processo histórico brasileiro. As condições de vida dos trabalhadores rurais continuaram as mesmas; permaneceram o sistema de produção e o caráter colonial da economia, a dependência em relação aos mercados e capitais estrangeiros. O GOLPE REPUBLICANO