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Educação E divErsidadE Profª Ana Cláudia Moser 2017 Copyright © UNIASSELVI 2017 Elaboração: Profª Ana Cláudia Moser Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 370.19 M899e Moser; Ana Cláudia Educação e diversidade / Ana Cláudia Moser: UNIASSELVI, 2017. 173 p. : il ISBN 978-85-515-0053-8 1. Sociologia Educacional. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Impresso por: III aprEsEntação “Não existe imparcialidade, todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é includente ou excludente?” (Paulo Freire) Caro acadêmico, a Unidade 1, chamada de Diversidade e Cidadania, propõe o debate conceitual que envolve tais questões no contexto educacional. Para tanto, essa unidade tem como objetivos conhecer os sentidos de diversidade e desigualdade, assim como de alteridade e identidade. A Unidade 1 está dividida em três tópicos. No primeiro, chamado Diversidade como direito: a inclusão como garantia da igualdade e dignidade do indivíduo, você será apresentado ao debate acerca da diversidade e da educação como direitos, da luta pela cidadania e da inclusão como caminho para o respeito à diversidade e garantia da cidadania. No segundo tópico, Diversidade como conceito: concepções e interpretações de diversidade e desigualdade, conheceremos as diversas concepções de diversidade e as formas como a diversidade se apresenta em nossa sociedade e, por conseguinte, na escola. No terceiro tópico, intitulado Diversidade como prática: multiculturalismo, alteridade e gestão democrática, nossa reflexão se volta para as teorias que dão conta do debate sobre diversidade na educação. As reflexões se concentram nos conceitos de alteridade, multiculturalismo e gestão democrática como elementos fundamentais para a cidadania e a prática pedagógica. Um dos maiores desafios da educação é educar para a construção da cidadania. O ato de educar, além de transmitir conhecimento, deve ser construído através da reciprocidade entre os sujeitos e de uma formação crítica e cidadã. Esse desafio se apresenta na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, pois a construção da cidadania é tarefa contínua. Tarefa essa que exige reflexão da teoria e sabedoria na prática. Exige de nós, professores, o reconhecimento do outro, a compreensão do diverso e a gestão da escola na democracia. Mas, afinal, como vencer esses desafios? Como alinhar nosso discurso e nossa prática? Como educar para a cidadania? Como aprender com o outro? Como educar na diversidade? Essa unidade foi escrita para acompanhar você, prezado acadêmico, na busca por essas respostas. Não cabe aqui apresentar um caminho único, uma fórmula ou receita pronta. Nosso desafio é conhecer as teorias para construir nossa prática com excelência enquanto profissionais da educação. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (Nelson Mandela) IV A Unidade 2 é formada pelo conjunto de reflexões a respeito das relações entre legislação, educação, cidadania e diversidade. Nesse espaço será apresentada a trajetória que levou ao reconhecimento dos Direitos da Criança e do Adolescente e suas influências no espaço da escola através da política de inclusão, da educação inclusiva e da gestão democrática. No primeiro tópico serão contempladas as discussões sobre a luta pelos direitos da criança e do adolescente e os marcos históricos que garantiram esses direitos, incluindo o direito à educação como base para a cidadania. Além disso, terá espaço no primeiro tópico o debate que permeou a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente e suas influências na educação. O segundo tópico traz à tona as discussões no campo da inclusão social e da educação inclusiva como fundamentais para a garantia do direito à educação e respeito à diversidade. Nesse tópico serão contempladas reflexões sobre as possibilidades e desafios de transformar a escola em um lugar para todos, considerando a legislação vigente que garante temáticas que contemplam a diversidade no currículo. E, no terceiro tópico, a reflexão é direcionada para os desafios da gestão democrática enquanto ferramenta para a inclusão social e promoção do respeito à diversidade e à cidadania. A gestão democrática será analisada pela perspectiva das fragilidades e potencialidades da transformação da organização escolar para incluir de forma democrática todos os sujeitos que compõem a comunidade escolar. Quem habita esse planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra. (Hannah Arendt) Chegou o momento de conhecer as influências dos debates em teorias educacionais e refletir, diante do papel do professor e da escola em relação ao respeito à diversidade, trazendo para a Unidade 3 o espaço dos conceitos de alteridade e multiculturalismo no campo da educação, bem como tomando ciência dos desafios do professor nesse contexto. O primeiro tópico será dedicado às reflexões de autores que procuraram compreender as relações entre educação, diversidade e as questões de gênero e sexualidade. Buscando contemplar os desafios e as possibilidades do reconhecimento da diversidade de gênero no âmbito da educação. No segundo tópico, dedicaremos nossa atenção à influência das diferentes concepções de cultura e multiculturalismo na educação. Nosso caminho nos leva a compreender os usos do termo e as formas que a cultura toma em relação ao processo de ensino e aprendizagem e a formação social em padrões de inclusão e exclusão. E, por fim, o terceiro tópico encerra nossa jornada tratando dos desafios do professor diante da noção de diversidade e de alteridade colocadas diante de professores, gestores e da comunidade escolar. É o momento de encontrar elementos V que possam nos levar a reflexão sobre a formação e atuação dos professores. O objetivo é proporcionar um espaço de autorreflexão e fontes nas quais podemos buscar inspiração para a construção de uma prática pedagógica inclusiva. Convidamos você, caro acadêmico, a refletir atentamente sobre as questões apresentadas neste caderno de estudos. Realize as atividades de aprendizagem e consulte os materiais de apoio disponíveis na trilha de aprendizagem. Bons estudos! Profª Ana Cláudia Moser VI Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionaissobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! UNI Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VII VIII IX sumário UNIDADE 1 - DIVERSIDADE E CIDADANIA ............................................................................... 1 TÓPICO 1 - DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO ...................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 DIVERSIDADE E CIDADANIA ...................................................................................................... 3 3 DIREITOS E CIDADANIA ................................................................................................................ 8 4 A INCLUSÃO COMO PROMOÇÃO DA CIDADANIA E RESPEITO À DIVERSIDADE ................................................................................................................................ 10 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 11 RESUMO DE TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 15 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 16 TÓPICO 2 - DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE ............................................................ 19 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 19 2 DIVERSIDADE: CONCEITOS E ABORDAGENS ....................................................................... 19 3 OS DESAFIOS DA DIVERSIDADE NA ATUALIDADE ............................................................ 23 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 31 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 34 TÓPICO 3 - DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA ............................................................ 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 35 2 ALTERIDADE E O RECONHECIMENTO DO OUTRO ............................................................. 35 3 O MULTICULTURALISMO COMO DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO ................................... 41 4 GESTÃO DEMOCRÁTICA E OS DESAFIOS DA INCLUSÃO ................................................ 45 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 50 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 53 UNIDADE 2 - ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO ............................................................................ 55 TÓPICO 1 - DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................................................................ 57 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 57 2 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: RETRATOS DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL ........................................................................................................................ 57 3 BREVE HISTÓRIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................ 62 4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................................................................ 66 5 O DIREITO À EDUCAÇÃO NO ECA ............................................................................................. 71 6 A DIVERSIDADE NO ECA ............................................................................................................... 75 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 76 X RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 80 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 81 TÓPICO 2 - A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO .................................................................. 83 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 83 2 INCLUSÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA ..................................................................................... 83 3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E RESPEITO À DIVERSIDADE ...................................................... 92 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 97 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 99 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 100 TÓPICO 3 - DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO .................................................................................................................... 103 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 103 2 A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O DIREITO À EDUCAÇÃO ................................................... 103 3 DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO ................................................. 104 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 110 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 111 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 112 UNIDADE 3 - O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR ......................... 115 TÓPICO 1 - O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE ...................................................... 117 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................117 2 POR QUE TRATAR DA QUESTÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO? ................................................................................................................................ 117 3 GÊNERO E SEXUALIDADE: RESGATANDO CONCEITOS .................................................... 118 4 GÊNERO E EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................................................ 124 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 127 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 130 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 131 TÓPICO 2 - AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA ........................................................................................... 133 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 133 2 RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA ....................... 133 3 USOS DO TERMO MULTICULTURALISMO E AS RELAÇÕES ÉTNICAS NA EDUCAÇÃO .................................................................................................................................. 136 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 140 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 143 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 144 TÓPICO 3 - O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ....................................................................... 147 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 147 2 DIVERSIDADE, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO .......................................................................... 147 3 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO À ALTERIDADE ............................................... 150 4 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO AO MULTICULTURALISMO ........................ 154 5 CAMINHOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ............................................... 160 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 162 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 165 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 166 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 169 1 UNIDADE 1 DIVERSIDADE E CIDADANIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender o conceito de diversidade e desigualdade social; • pensar como as ações afirmativas podem contribuir para contemplar a di- versidade cultural na sociedade e na educação; • reconhecer a representação de identidade e alteridade. Esta unidade está organizada em três tópicos. Em cada um deles você encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior compreensão dos temas a serem abordados. TÓPICO 1 – DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO TÓPICO 2 – DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE TÓPICO 3 – DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 1 INTRODUÇÃO Os direitos humanos foram criados para garantir aos cidadãos uma vida plena, ou seja, os direitos humanos garantem, pelo reconhecimento das leis, dos Estados e do povo, a cidadania através dos direitos civis, políticos e sociais. Dentre os direitos humanos está o direito à diversidade. O reconhecimento da diversidade social, cultural e econômica é uma parcela fundamental na construção da cidadania. Para compreender o direito à diversidade, este tópico será dedicado ao debate sobre a diversidade, as desigualdades e a inclusão no contexto da cidadania e da educação. 2 DIVERSIDADE E CIDADANIA Caro acadêmico, você já se perguntou quais características garantem a um cidadão o acesso aos direitos humanos? Ou ainda, quais são as barreiras que precisamos superar para garantir a todos o acesso aos direitos humanos? Observe a charge a seguir e reflita sobre essas questões. FIGURA 1 - DIREITOS E CIDADANIA FONTE: Disponível em: <https://blogdofialho.files. wordpress.com/2012/02/charge2011-titulo_de_ cidadao.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2016. UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 4 A garantia dos direitos humanos requer um movimento de transformação social no sentido da construção de uma postura ética e da promoção da igualdade e respeito às diversidades. A ética emancipatória dos direitos humanos demanda transformação social, a fim de que cada pessoa possa exercer, em sua plenitude, suas potencialidades, sem violência e discriminação. É a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. Enquanto um construído histórico, os direitos humanos não traduzem uma história linear, não compõem uma marcha triunfal, e tampouco uma causa perdida. Mas refletem, a todo tempo, a história de um combate, mediante processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana (PIOVESAN, 2008, p. 887). A igualdade e a postura ética, tão almejadas quando falamos em respeito aos direitos humanos, passam por diferentes níveis que demandam nossa atenção e reconhecimento. Podemos observar, no contexto social, que as diversidades se constituem em diferentes níveis. Dessa forma, a concepção de igualdade pode ser dividida em: igualdade formal; igualdade material em relação à justiça social; e igualdade material em relação ao respeito das diversidades. Destacam-se, assim, três vertentes no que tange à concepção da igualdade: a) a igualdade formal, reduzida à fórmula ‘todos são iguais perante a lei’ (que, ao seu tempo, foi crucial para abolição de privilégios); b) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo critério socioeconômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios (PIOVESAN, 2008, p. 888). Caro(a) acadêmico(a), observe a interação dessas noções na figura a seguir. A promoção da igualdade requer atenção aos diferentes níveis, pois ela não se justifica por um único motivo. Especialmente no espaço da educação, os professores vivenciam diariamente em sala de aula experiências com sujeitos diversos – pela cultura, etnia, gênero, religião, classe social. Por essa razão, garantir a igualdade diante de tamanha diversidade é um desafio contínuo. TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: AINCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 5 FIGURA 2 - DIMENSÕES DA CONCEPÇÃO DE IGUALDADE FONTE: A autora Para alcançarmos tais ideais é essencial reconhecer a justiça em seu caráter bidimensional, que representa a redistribuição e o reconhecimento. A redistribuição representa a superação de desigualdades econômicas e o reconhecimento representa a superação dos padrões culturais de preconceitos e exclusão social em relação à diversidade (PIOVESAN, 2008). Em um contexto social que promova um movimento em direção à redistribuição e ao reconhecimento, as práticas devem incorporar e naturalizar as diferenças. Esse reconhecimento da diferença deve alimentar a postura igualitária e não reproduzir as desigualdades vigentes na sociedade (PIOVESAN, 2008). Visando as transformações mencionadas acima, se consolida no âmbito dos direitos humanos o universo das ações afirmativas. Essas ações propõem formas de reorganização social tendo como finalidade a promoção da igualdade e da justiça social em áreas em que predominam padrões de exclusão e desigualdade. Os debates e lutas direcionados aos direitos humanos remetem ao século XVII, porém, se consolidaram através da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. FONTE: A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http:// www.dudh.org.br/declaracao/>. Acesso em: 28 ago. 2016. O direito à educação é reconhecido internacionalmente através da Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu vigésimo sexto artigo. Além de garantir o acesso gratuito – pelo menos no Ensino Fundamental –, a declaração prevê como objetivos da educação promover a expansão da personalidade humana, de sua liberdade e da compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações. FIGURA 3 - ARTIGO 26º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS FONTE: Adaptado de <http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/ universal-declaration-of-human-rights/articles-21-30.html>. Acesso em: 8 ago. 2016. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 205 a educação como direito de todos e dever do Estado; no artigo 206 o direito à inclusão e à educação infantil; e em seu artigo 208 prevê as garantias atribuídas como papel do Estado. IMPORTANT E Toda pessoa tem direita à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado, o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao esforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. Os pais têm um direito preferencial para escolher o tipo de educação que será dadas aos seus filhos. TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 7 FIGURA 4 - ARTIGOS 205, 206 E 208 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL FONTE: Adaptado de: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=430-constituicao-de- 1988&Itemid=30192>. Acesso em: 10 ago. 2016. Como reflexo da legislação vigente e do posicionamento do Estado brasileiro em relação à garantia da cidadania, as políticas educacionais brasileiras preveem o direito à diversidade e à inclusão. Tais direitos são reforçados nos documentos que orientam a elaboração dos currículos e as práticas educacionais no país. Estão presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nas Diretrizes Nacionais para Educação (DCN) e na Política de Inclusão Social. Os PCN possuem um volume dedicado à pluralidade cultural e à orientação sexual. O volume apresenta a relevância dessas temáticas para a formação da cidadania e inclui a discussão sobre pluralidade cultural e orientação sexual como parte do currículo das escolas brasileiras. O direito à educação pública e de qualidade faz parte do legado das lutas sociais pela garantia dos direitos humanos. No cotidiano das escolas brasileiras, o acesso à educação de qualidade e sem distinção permanece cada vez mais presente nos discursos, avança em muitas práticas, porém está distante de alcançar os parâmetros estabelecidos pela legislação. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de: III atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola [...] UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 8 3 DIREITOS E CIDADANIA A garantia dos direitos civis, políticos e sociais na legislação, infelizmente, não reflete a realidade da grande maioria da população. Direitos são, na verdade, privilégios em uma sociedade em que a diversidade se converte em desigualdade e exclusão. Portanto, atualmente é possível afirmar que cidadania formal está distante da real. A cidadania ganhou espaço no debate social com a luta pelos direitos civis nos séculos XVII e XVIII. Os direitos civis estavam ligados à garantia da liberdade de expressão, da liberdade religiosa, de ir e vir, da propriedade privada e escolha de emprego. Os direitos passaram a ser incluídos nas legislações europeias, porém, a noção de cidadania vigente amparava as elites em detrimento do restante da população (MARSHALL, 1967). FIGURA 5 - MARTIN LUTHER KING – LIDERANÇA RECONHECIDA MUNDIALMENTE PELA LUTA PELOS DIREITOS CIVIS NOS ESTADOS UNIDOS FONTE: Disponível em: <https://umapalavra.files.wordpress. com/2008/04/mking.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2016. Os direitos políticos foram consolidados ao longo do processo de formação do Estado moderno e a expansão da democracia. Podem ser vistos como desdobramentos da conquista dos direitos civis no século XVII, contudo, chegaram a boa parte dos países apenas no decorrer do século XX (MARSHALL, 1967). TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 9 FIGURA 6 - MOVIMENTO DIRETAS JÁ! – REPRESENTA LUTA PELAS ELEIÇÕES DIRETAS NO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://i0.statig.com.br/ bancodeimagens/bo/y3/65/ boy365zqjzk10prnc80q6kjer.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2016. Por fim, apenas no século XX os direitos sociais passam a integrar o universo da cidadania através da garantia do acesso à saúde, educação, habitação, previdência, transporte coletivo, acesso ao Judiciário, lazer, entre outros (MARSHALL, 1967).FIGURA 7 - MOVIMENTO “REMOÇÃO – MEGAEVENTOS E MILITARIZAÇÃO” - LUTA PELO DIREITO À MORADIANO BRASIL FONTE: Disponível em: <https://memorialatinacupula.files. wordpress.com/2013/07/004.jpg?w=470&h=313>. Acesso em: 20 ago. 2016. Caro acadêmico, como mencionado no início do texto, a cidadania real está distante da realidade da grande maioria da população. Bittar (2004) descreve essa realidade ao avaliar a presença da cidadania na América Latina na virada do século XX para o XXI, pois a camada mais pobre da população não tem acesso pleno aos direitos civis e sociais. Em outras palavras: [...] a real identidade da palavra cidadania, com o acento que se quer conferir ao termo, reflete exatamente essas preocupações, significando, portanto, algo mais que simplesmente direitos e deveres políticos, e ganhando a dimensão de sentido segundo a qual é possível identificar nas questões ligadas à cidadania as preocupações em torno do acesso às UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 10 condições dignas de vida. Nessa perspectiva conceitual, o que se quer ver é que não é possível pensar em um povo capaz de exercer a sua cidadania de modo integral (no sentido político-jurídico) em que ela (no conceito aqui assumido) esteja plenamente alcançada e realizada em suas instâncias mais elementares de formação e implementação de estruturas garantidoras de bens, serviços, direitos, instituições e instrumentos de garantia da existência da vida e da dignidade (BITTAR, 2004, p. 18). É preciso, ainda, ressaltar a visão de senso comum da luta pela cidadania como garantia de privilégios àqueles que pela meritocracia não os alcançaram. Essa visão ignora as desigualdades promovidas pela estratificação social e as dívidas históricas, por exemplo, em relação à escravidão e questão dos afrodescendentes no Brasil. 4 A INCLUSÃO COMO PROMOÇÃO DA CIDADANIA E RESPEITO À DIVERSIDADE A diversidade representa muito mais que as múltiplas culturas, diferentes classes sociais e orientações sexuais. O debate sobre diversidade trouxe para as escolas de ensino regular novos sujeitos, até então restritos a outros espaços escolares. A política de inclusão tornou mais desafiador para educadores e gestores levar o discurso do respeito à diversidade para a prática. Contudo, a política de inclusão por si só não garante a inclusão como realidade nas escolas brasileiras. O caminho a ser percorrido coloca diante de nós, educadores, a superação de barreiras construídas ao longo de anos de exclusão e preconceito social. É importante uma parada para reflexão. A charge a seguir mostra que nossa sociedade não está preparada para a plena inclusão social. Quais são os desafios que você observa para a inclusão em nosso país, no seu estado, no município e no seu bairro? FIGURA 8 - INCLUSÃO SOCIAL FONTE: Disponível em: <https://linhaslivres.files. wordpress.com/2013/10/charge-do-rico- inclusc3a3o-social.jpg>. Acesso em: 25 ago. 2016. TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 11 A inclusão escolar é um tema polêmico, especialmente quando consideramos a responsabilidade delegada ao professor em relação à inclusão. Mesmo que prevista na legislação e garantida na escola através das políticas educacionais, a inclusão permanece uma fonte de constantes discussões. Questionamentos a respeito do tema atravessam diálogos entre professores nos mais diversos momentos: como planejar para uma turma com sujeitos tão diferentes? Como atender tantos alunos ao mesmo tempo e incluir os alunos especiais? Tratar o aluno especial igual aos demais? Ou dar atenção especial a esses alunos? Simplesmente permitir que o aluno frequente a escola é o mesmo que incluir? No Brasil, há uma política de inclusão que norteia esses processos nas escolas, a concepção da política inclusiva aponta para a necessidade de superar a visão excludente do sujeito com necessidades especiais. Para alcançar esse propósito a inclusão é entendida como uma forma de repensar a educação e transformar a sociedade, ou seja, a inclusão é social, não é tarefa apenas para o professor em sala de aula, mas para toda a sociedade. A educação inclusiva deve atender a todos através de uma pedagogia voltada para a criança. O princípio é que as escolas devem acolher a todas as crianças, incluindo crianças com deficiências, superdotadas, de rua, que trabalham, de populações distantes, nômades, pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, de outros grupos desfavorecidos ou marginalizados. Para isso, sugere que se desenvolva uma pedagogia centrada na relação com a criança, capaz de educar com sucesso a todos, atendendo às necessidades de cada um, considerando as diferenças existentes entre elas (MEC, 2005 apud PAULON; FREITAS; PINHO, 2005, p. 20). Dessa forma, a inclusão é fundamental para compreender a questão da diversidade na educação. Afinal, compreender a diversidade exige reconhecê-la em suas mais variadas expressões e incorporá-la ao cotidiano escolar numa prática pedagógica voltada para a construção da cidadania. LEITURA COMPLEMENTAR Pluralidade Cultural nos PCN Justificativa É sabido que, apresentando heterogeneidade notável em sua composição populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na relação do país consigo mesmo, é comum prevalecerem vários estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e culturais. Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica. O país evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por “mitos” que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças, ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta “democracia racial”. Na escola, muitas vezes, há UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 12 manifestações de racismo, discriminação social e étnica, por parte de professores, de alunos, da equipe escolar, ainda que de maneira involuntária ou inconsciente. Essas atitudes representam violação dos direitos dos alunos, professores e funcionários discriminados, trazendo consigo obstáculos ao processo educacional, pelo sofrimento e constrangimento a que essas pessoas se veem expostas. Movimentos sociais, vinculados a diferentes comunidades étnicas, desenvolveram uma história de resistência a padrões culturais que estabeleciam e sedimentavam injustiças. Gradativamente conquistou-se uma legislação antidiscriminatória, culminando com o estabelecimento, na Constituição Federal de 1988, da discriminação racial como crime. Mais ainda, há mecanismos de proteção e promoção de identidades étnicas, como a garantia, a todos, do pleno exercício dos direitos culturais, assim como apoio e incentivo à valorização e difusão das manifestações [...] Mesmo em regiões onde não se apresente uma diversidade cultural tão acentuada, o conhecimento dessa característica plural do Brasil é extremamente relevante, pois, ao permitir o conhecimento mútuo entre regiões, grupos e indivíduos, consolida o espírito democrático. Da mesma forma, tratar de aspectos referentes à discriminação social mesmo em locais onde as situações de exclusão não se manifestam diretamente ou pelo menos não de maneira dramática, permitirá formar a criança e o adolescente para a responsabilidade social de cidadão que participa dos destinos do país como um todo, direcionando a proposta para a busca de soluções. A demanda social existe há muito tempo, a urgência é inadiável [...]. A criança na escola convive com a diversidade e poderá aprender com ela. Frequentemente, contudo, as escolas acabam repercutindo, sem qualquer reflexão, as contradições que a habitam. A escola no Brasil, durante muito tempo e até hoje, disseminou preconceitode formas diversas. Conteúdos indevidos e até errados, notadamente presentes em livros que têm sofrido críticas fundamentadas, constituem assunto que merece constante atenção. Também contribuía para essa disseminação de preconceitos certa mentalidade que vinha privilegiar certa cultura, apresentada como a única aceitável e correta, como também aquela que hierarquizava culturas entre si, como se isso fosse possível, sem prejuízo da dignidade dos diferentes grupos produtores de cultura. Amparada pelo consenso daquilo que se impôs como se fosse verdadeiro, o chamado, criticamente, “mito da democracia racial”, a escola muitas vezes silencia diante de situações que fazem seus alunos alvo de discriminação, transformando-se facilmente em espaço de consolidação de estigmas [...]. O reconhecimento da complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica é o primeiro passo. Tal reconhecimento aponta a necessidade de a escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas para questões que vêm sendo indevidamente respondidas pelo senso comum, quando não ignoradas por um silencioso constrangimento [...] Do ponto de vista educacional, o que se busca é sobretudo a transformação de atitudes, e não a repetição de slogans. Do ponto de vista social, este tema vem TÓPICO 1 | DIVERSIDADE COMO DIREITO: A INCLUSÃO COMO GARANTIA DA IGUALDADE E DIGNIDADE DO INDIVÍDUO 13 das forças sociais e para elas retorna na possibilidade de parceria e recriação da proposta. Espera-se com isso colaborar na consolidação democrática do Brasil, prestando uma homenagem àqueles que constituíram e constituem este país, com suas vidas e seus trabalhos, suas histórias de sofrimentos e lutas, de conquistas e perdas, ressaltando que o patrimônio humano da nação é o bem maior a ser cuidado, protegido e promovido. FONTE: Parâmetros Curriculares Nacionais – vol. 10 Pluralidade Cultural. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2015. Orientação Sexual no PCN Justificativa A discussão sobre a inclusão da temática da sexualidade no currículo das escolas de primeiro e segundo graus tem se intensificado a partir da década de 70 por ser considerada importante na formação global do indivíduo. Com diferentes enfoques e ênfases há registros de discussões e de trabalhos em escolas desde a década de 20. A retomada contemporânea dessa questão deu-se juntamente com os movimentos sociais que se propunham, com a abertura política, a repensar sobre o papel da escola e dos conteúdos por ela trabalhados. Mesmo assim não foram muitas as iniciativas, tanto na rede pública como na rede privada de ensino [...] As manifestações de sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou reprimir são as respostas mais habituais dadas pelos profissionais da escola. Essas práticas se fundamentam na ideia de que o tema deva ser tratado exclusivamente pela família. De fato, toda família realiza a educação sexual de suas crianças e jovens, mesmo aquelas que nunca falam abertamente sobre isso. O comportamento dos pais entre si, na relação com os filhos, no tipo de “cuidados” recomendados, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem são carregados de determinados valores associados à sexualidade que a criança apreende [...] Não é apenas em portas de banheiros, muros e paredes que se inscreve a sexualidade no espaço escolar; ela “invade” a escola por meio das atitudes dos alunos em sala de aula e da convivência social entre eles [...] Sabe-se que as curiosidades das crianças a respeito da sexualidade são questões muito significativas para a subjetividade, na medida em que se relacionam com o conhecimento das origens de cada um e com o desejo de saber. A satisfação dessas curiosidades contribui para que o desejo de saber seja impulsionado ao longo da vida, enquanto a não satisfação gera ansiedade e tensão. A oferta, por parte da escola, de um espaço em que as crianças possam esclarecer suas dúvidas e continuar formulando novas questões contribui para o alívio das ansiedades que muitas vezes interferem no aprendizado dos conteúdos escolares. Se a escola que se deseja deve ter uma visão integrada das experiências vividas pelos alunos, buscando desenvolver o prazer pelo conhecimento, é necessário que ela reconheça que desempenha um papel importante na educação para uma sexualidade ligada à vida, à saúde, ao prazer e ao bem-estar que integra as diversas dimensões do UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 14 ser humano envolvidas nesse aspecto. O trabalho sistemático e sistematizado de Orientação Sexual dentro da escola articula-se, portanto, com a promoção da saúde das crianças e dos adolescentes [...]. O trabalho de Orientação Sexual também contribui para a prevenção de problemas graves, como o abuso sexual e a gravidez indesejada. As informações corretas aliadas ao trabalho de autoconhecimento e de reflexão sobre a própria sexualidade ampliam a consciência sobre os cuidados necessários para a prevenção desses problemas. Finalmente, pode-se afirmar que a implantação de Orientação Sexual nas escolas contribui para o bem-estar das crianças e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura. FONTE: Parâmetros Curriculares Nacionais. v. 10 Orientação Sexual. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro102.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2015. Educação com qualidade social nas DNC Construir a qualidade social pressupõe conhecimento dos interesses sociais da comunidade escolar para que seja possível educar e cuidar mediante interação efetivada entre princípios e finalidades educacionais, objetivos, conhecimentos e concepções curriculares. Isso abarca mais que o exercício político-pedagógico que se viabiliza mediante atuação de todos os sujeitos da comunidade educativa, ou seja, efetiva-se não apenas mediante participação de todos os sujeitos da escola – estudante, professor, técnico, funcionário, coordenador –, mas também, mediante aquisição e utilização adequada dos objetos e espaços (laboratórios, equipamentos, mobiliário, salas-ambiente, biblioteca, videoteca, ateliê, oficina, área para práticas esportivas e culturais, entre outros) requeridos para responder ao projeto político- pedagógico pactuado, vinculados às condições/disponibilidades mínimas para se instaurar a primazia da aquisição e do desenvolvimento de hábitos investigatórios para construção do conhecimento. A escola de qualidade social adota como centralidade o diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens [...] A qualidade social da educação brasileira é uma conquista a ser construída coletivamente, de forma negociada, pois significa algo que se concretiza a partir da qualidade da relação entre todos os sujeitos que nela atuam direta e indiretamente. Significa compreender que a educação é um processo de produção e socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam conhecimentos e valores. Produzir e socializar a cultura inclui garantir a presença dos sujeitos das aprendizagens na escola. Assim, a qualidade social da educação escolar supõe encontrar alternativas políticas, administrativas e pedagógicas que garantam o acesso, a permanência e o sucesso do indivíduo no sistema escolar, não apenas pela redução da evasão, da repetência e da distorção idade-ano/série, mas também pelo aprendizado efetivo. FONTE: Diretrizes Curriculares Nacionais. Educação com qualidade social. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=15547-diretrizes-curiculares-nacionais-2013-pdf- 1&Itemid=30192>. Acesso em: 15 ago. 2016. 15 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • A conquista dos direitos humanos é resultado da luta de movimentos sociais que buscaram garantir o acesso de todos à cidadania.• A garantia dos direitos humanos requer o respeito às diversidades. • A igualdade pode ser concebida em três níveis: a igualdade formal, a igualdade material em relação à justiça social e a igualdade material em relação ao reconhecimento das identidades. • O direito à educação é reconhecido internacionalmente através do artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. • O direito à educação no Brasil é previsto na Constituição Federal de 1988 como direito do cidadão e dever do Estado. • As políticas educacionais brasileiras preveem o direito à diversidade e à inclusão de todos os cidadãos. • A inclusão social é fundamental para o exercício da cidadania. • A educação inclusiva deve atender a todos através de uma pedagogia centrada no sujeito. 16 AUTOATIVIDADE 1 A política de inclusão é responsável por orientar as práticas pedagógicas voltadas para o respeito da diversidade e o exercício da cidadania. Considerando essa política, analise as afirmações e assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A política de inclusão manteve o curso das ações pedagógicas existentes no país. b) ( ) A inclusão é uma forma de pensar a educação visando transformar o universo da escola. c) ( ) A inclusão é de responsabilidade do professor e deve ocorrer no espaço da sala de aula. d) ( ) A educação inclusiva supera a visão excludente do sujeito com necessidades especiais. 2 Os direitos humanos são contemplados pela cidadania formal e são garantidos pela legislação, porém, sua conquista foi resultado da luta de diversos movimentos sociais em diferentes momentos da história. Considerando os diferentes tipos de direitos humanos, classifique as afirmações utilizando o código a seguir: I – Direitos civis. II – Direitos políticos. III – Direitos sociais. ( ) Direitos consolidados no século XX, garantem o acesso à saúde, educação, moradia, previdência etc. ( ) Direitos ligados à liberdade de expressão conquistados ao longo dos séculos XVII e XVIII. ( ) Direitos consolidados ao longo da formação do Estado moderno a partir do século XVII, porém, chegaram à maioria dos países no século XX. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a) ( ) I – III – II. b) ( ) III – I – II. c) ( ) II – III – I. d) ( ) III – II – I. 3 A igualdade pode ser considerada a partir de três categorias que representam o reconhecimento das diversidades e a superação das desigualdades e da exclusão social. A partir dessas categorias, analise as afirmações e classifique V para verdadeiras e F para falsas: 17 ( ) A igualdade material representa a fórmula todos são iguais perante a lei. ( ) A justiça social e distributiva representa a igualdade formal. ( ) A igualdade formal representou o fim de privilégios sociais. ( ) A igualdade material representa o reconhecimento das identidades. ( ) Os critérios de raça, etnia e gênero dizem respeito à igualdade material. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – V – V. b) ( ) F – V – F – F – V. c) ( ) V – F – V – F – F. d) ( ) V – V – F – F – V. Assista ao vídeo de resolução da questão 2 Assista ao vídeo de resolução da questão 3 18 19 TÓPICO 2 DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O termo diversidade ganha espaço em diferentes abordagens e contextos sociais. A multiplicidade das relações sociais se constituiu ao longo do tempo como um campo fértil para debates teóricos e lutas dos movimentos sociais em busca de direitos e reconhecimento de suas identidades. Neste tópico você será apresentado às noções de diversidade e identidade em diversos contextos sociais e às principais categorias de diversidade – cultural, social, política, econômica, étnica, de gênero – que compõem o debate sobre educação e diversidade na atualidade. 2 DIVERSIDADE: CONCEITOS E ABORDAGENS Você já deve ter se deparado e feito uso do termo diversidade inúmeras vezes em seu cotidiano. Contudo, como compreender o conceito de diversidade? Qual o papel da diversidade na sociedade atual? Quais relações sociais são representadas pelos conceitos e abordagens que se referem à diversidade? Variadas são as reflexões que surgem diante de nós quando nos deparamos com a ideia de diversidade. FIGURA 9 - DIVERSIDADE FONTE: Disponível em: <http://semanadabiologiauffs. blogspot.com.br/p/minicursos-diversa.html>. Acesso em: 9 jul. 2016. UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 20 Podemos identificar no campo conceitual abordagens que remetem à diversidade a partir das noções de cultura, gênero, etnia, religião, deficiências, questões econômicas, entre outras. No Dicionário Aurélio o termo diversidade se refere à: “1. qualidade do diverso. 2. variedade (em oposição à identidade); multiplicidade”. Considerando o significado do termo é fundamental reconhecer que a sociedade é formada por indivíduos diversos e cabe à educação reconhecer e respeitar a diversidade, além de formar a cidadania baseada nesse princípio. Inicialmente, é importante destacar que debater a questão da diversidade não é tarefa simples. Nosso contexto social, seja pela legislação vigente, seja pelas consequências da globalização, apresenta-se num universo variado de indivíduos e relações sociais. Para iniciar nossos estudos, vamos observar como o antropólogo Clifford Geertz apresenta o debate da diversidade no cenário das mudanças sociais no âmbito da cultura, reconhecendo que os usos do conceito são desafiadores. Os usos da diversidade cultural, de seu estudo, sua descrição, análise e compreensão dependem menos de separarmos nós mesmos dos outros e os outros de nós para defesa da integridade do grupo e manutenção da lealdade do grupo do que de definir o terreno a ser percorrido pela razão se as suas modestas recompensas tiverem de ser alcançadas e apreciadas. Esse terreno é desigual, cheio de falhas repentinas e passagens perigosas onde acidentes podem acontecer e acontecem, e cruzá-lo, ou tentar, pouco ou nada faz para torná-lo seguro, nivelado e sem barrancos, mas apenas torna visível seus contornos e fissuras (GEERTZ, 1999, p. 29). Partindo da reflexão de Geertz (1999), sobre a cultura, reconhecemos os desafios de adentrar às discussões sobre diversidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de seguir esse caminho para reconstruir as relações sociais em uma perspectiva inclusiva. A diversidade se apresenta de diferentes formas, podemos reconhecer elementos da diversidade nas relações sociais que envolvem cultura, identidade, gênero e estratificação social, por exemplo. A cultura é uma das noções mais presentes nas ciências humanas e podemos definir cultura como: As formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade [...] aqueles aspectos da cultura que são antes aprendidos do que herdados. Esses elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação. Formam um contexto comum em que os indivíduos numa sociedade vivem suas vidas. A cultura de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis – as crenças, as ideias e os valores que formam o conteúdo da cultura –, como também aspectos tangíveis – como objetos, os símbolos ou a tecnologia que representam esse conteúdo (GIDDENS, 2005, p. 38). A diversidade cultural encontra-se nas variações das práticas e dos comportamentos humanos, ou seja, vai além da variedade de elementos que TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 21 compõem a cultura de um determinado grupo social. Além disso, é importante ressaltar que a cultura tem simultaneamente o papel de perpetuar os elementos culturais e promovera criatividade e as mudanças desses elementos (GIDDENS, 2005). Meu nome é Khan (2010). Direção de Karan Johar. O filme “My Name is Khan” conta a história de Rizvan Khan, um indiano com síndrome de Asperger, um tipo de autismo. Depois que se muda para os Estados Unidos, Khan se apaixona por Mandira, uma cabeleireira separada que vive com o filho Sameer (Sam). Khan é maometano e Mandira, hindu, mas suas diferenças religiosas não impedem que se casem. Os problemas começam com o 11 de setembro, quando passam a ser atacados por sua origem étnica e devido a generalizações preconceituosas. Depois de sofrer bullying por parte de colegas, Sam é morto em uma briga, e Mandira, revoltada, culpa o marido, e lhe diz que ele só poderia voltar depois que dissesse ao presidente da república que ele não é um terrorista, e que o filho dela também não era. Rizvan interpreta isso literalmente, e empreende uma peregrinação para ter sua esposa de volta. FONTE: Psicologia e cinema. Disponível em: <http://www.psicologiaecinema. com/2012/02/meu-nome-e-khanhtml>.Acesso em: 13 ago. 2016. DICAS UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 22 A boa mentira (2014). Direção de Phillipe Falardeau. Entre 1983 e 2005, durante os terríveis anos da Guerra Civil que assolou o Sudão, estima-se que mais de dois milhões de pessoas tenham perdido a vida. Em busca de abrigo, um sem-número de famílias deixou as suas casas e seguiu em direção a campos de refugiados. Devido à situação caótica em que viviam, perto de 27 mil crianças foram separadas dos pais, fazendo o trajeto sozinhas. Eram estes os "lost boys/girls", crianças de todas as idades que, fugindo aos perigos e, muitas vezes, acompanhadas pelos irmãos, percorriam milhares de quilômetros para alcançar os campos. Alguns anos mais tarde, um esforço humanitário levou para os EUA algumas destas crianças. 1993. Mamere e Theo são filhos do chefe de uma pequena aldeia no Sul do Sudão. Quando um ataque das milícias destrói toda a aldeia e lhes mata os pais, Theo é forçado a liderar um grupo de jovens sobreviventes e levá-los para um lugar seguro. Nesse árduo percurso, vão encontrando outras crianças em fuga. Entre elas está Jeremiah, de 13 anos, um rapaz inteligente e destemido que os ajuda a chegar com vida ao campo de refugiados de Kakuma, no Quênia. Anos mais tarde, Mamere, Theo e Jeremiah têm a oportunidade de deixar o campo e de se estabelecerem na América. Ao chegarem a Kansas City, no Missouri, são recebidos por Carrie Davis, que foi incumbida de os ajudar a retomar as suas vidas. Para ela, esta será uma oportunidade de perceber como a generosidade e o despojamento podem fazer realmente a diferença na vida de alguém. FONTE: Cinecartaz. Disponível em: <http://cinecartaz.publico.pt/Filme/338964_a- boa-mentira>. Acesso em: 13 ago. 2016. As variações culturais remetem à formação de diferentes características que formam as identidades sociais. A identidade social refere-se às características que são atribuídas a um indivíduo pelos outros. Elas podem ser vistas como marcadores que indicam quem, em um sentido básico, essa pessoa é. Ao mesmo tempo, esses marcadores posicionam essa pessoa em relação a outros indivíduos que compartilham dos mesmos atributos (GIDDENS, 2005, p. 44, grifos do original). A identidade social pode ser reconhecida através de várias características do sujeito. São exemplos de identidade social o estudante, a mãe, o advogado, o católico, o sem-teto, o asiático, o disléxico, o casado e assim por diante. Muitos indivíduos têm identidades sociais que compreendem mais do que um atributo. Uma pessoa poderia ser simultaneamente uma mãe, uma engenheira, muçulmana e uma vereadora (GIDDENS, 2005, p. 44). DICAS TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 23 Diante do exposto, fica claro o desafio que essas relações significam para a educação. E, ao mesmo tempo, como a educação e a produção do conhecimento só podem ser construídas através do diálogo e do contato com o outro, com a dúvida e com as necessidades sociais que promovem as inovações. 3 OS DESAFIOS DA DIVERSIDADE NA ATUALIDADE As características que compõem as identidades sociais refletem as multiplicidades e as pluralidades sociais. Diante dessa pluralidade, grupos com identidades próximas se organizam pelas características comuns. Os movimentos sociais configuram uma poderosa forma de organização capaz de formar significados. Múltiplas identidades sociais refletem as muitas dimensões das vidas das pessoas. [...] As identidades sociais, portanto, envolvem uma dimensão coletiva. Elas marcam as formas pelas quais os indivíduos são ‘o mesmo’ que os outros. As identidades compartilhadas – baseadas em um conjunto de objetivos comuns, de valores ou de experiências – podem formar uma base importante para os movimentos sociais (GIDDENS, 2005, p. 44). Entretanto, a diversidade cultural e o reconhecimento das diversas identidades não significam que as relações sociais sejam harmônicas em nossa sociedade. Muito pelo contrário, diariamente observamos em nosso cotidiano ou nos noticiários situações de desigualdades, violência e conflitos sociais decorrentes do preconceito e da perspectiva etnocêntrica. O que é etnocentrismo? Etnocentrismo é uma visão do mundo em que o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente encontrável no dia a dia das nossas vidas. Assim, a colocação central sobre o etnocentrismo pode ser expressa como a procura de sabermos os mecanismos, as formas, os caminhos e razões, enfim, pelos quais tantas e tão profundas distorções se perpetuam nas emoções, pensamentos, imagens e representações que fazemos da vida daqueles que são diferentes de nós. Este problema não é exclusivo de uma determinada época nem de uma única sociedade. Talvez o etnocentrismo seja, dentre os fatos humanos, um daqueles de mais unanimidade. Como NOTA UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 24 uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica temos a experiência de um choque cultural. De um lado, conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos deparamos com um “outro”, o grupo do “diferente” que, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou quando as faz é de forma tal que não reconhecemos como possíveis. E, mais grave ainda, este “outro” também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda que diferente, também existe. FONTE: ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense: 1988. As desigualdades raciais fazem parte da formação histórica da sociedade brasileira. O modelo de desenvolvimento econômico, aliado à escravidão no período colonial, configuraram um padrão de exclusão social dos negros persistente até os dias de hoje. Podemos observar que tal padrão foi reproduzido mesmo diante da expansão damodernidade e do capitalismo no país (FERNANDES, 1973). Ainda segundo Fernandes (2008), há um mito da democracia racial no Brasil, pois a ideia de uma democracia racial foi utilizada para reafirmar uma idealizada relação harmoniosa entre brancos e não brancos. Esse mito fez com que a crença na meritocracia se consolidasse em relação à questão racial. Seguindo esse pensamento, cabe ao negro superar com seu esforço pessoal as contradições sociais. O contexto apresentado acima pode ser compreendido através da análise dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que demonstram a persistência da desigualdade racial apesar das conquistas sociais das últimas décadas. IBGE: mesmo com conquistas, desigualdade racial é alta Novos dados do Censo Demográfico 2010 divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira, dia 17, mostram que a desigualdade racial diminuiu pouco no Brasil no que se refere à educação e renda. Os brancos, assim como no Censo de 2000, seguem recebendo salários mais altos e estudando mais que os negros (pretos e pardos). Essa realidade é mais acentuada na região Sudeste do país, onde os rendimentos recebidos pelos brancos correspondem ao dobro dos pagos aos pretos. A menor diferença é observada na região Sul, onde a população branca ganha 70% mais que aquela que se autodeclarou preta. A pesquisa mostra também que os brancos dominam o Ensino Superior no país e que ainda há diferenças relevantes na taxa de analfabetismo entre as categorias de cor e raça. Enquanto para o total da população a taxa de analfabetismo é de 9,6%, entre os brancos esse índice cai para 5,9%. Já entre pardos e pretos a taxa sobe para 13% e 14,4%, respectivamente. IMPORTANT E TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 25 Outro dado revelado mostra que cerca de 70% da população brasileira tem relacionamentos amorosos com pessoas do mesmo grupo de cor ou raça. Entre os brancos, grupo mais “fechado”, 69,3% se unem a pessoas da mesma cor. Eles são seguidos pelos pardos, com 68,5%, indígenas (65%) e pretos (45,1%). Quanto à escolha de parceiros relacionada ao grau de escolaridade, a pesquisa revela que a maioria dos homens (82,9%) e das mulheres (85,3%) sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto se relacionam com pessoas com a mesma situação educacional. Em números gerais, 68,2% das pessoas uniram-se a outras de mesmo nível de instrução (em 2000, esse percentual era de 63%), sendo que 47% dos homens com diploma universitário escolhem parceiras com o mesmo grau de escolaridade. No caso das mulheres, o índice sobe para 51,2%. FONTE: Revista Brasileiros. IBGE: mesmo com conquistas, desigualdade racial é alta. Disponível em: <http://brasileiros.com.br/2012/10/ibge-mesmo-com- conquistas-desigualdade-racial-e-alta/>. Acesso em: 20 ago. 2016. A diversidade de gênero também é foco de estudo nas ciências humanas e, atualmente, o debate sobre a presença de tal temática nos currículos escolares vem ganhando espaço e gerando polêmica, em todo o Brasil. Essa temática será retomada na Unidade 3 – O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR – do caderno de estudos. A noção de gênero é socialmente construída e são atribuídos papéis e identidades diferentes para homens e mulheres na sociedade. Contudo, as divisões de gênero são carregadas de intencionalidade, dificilmente são concepções neutras, pois na grande maioria das sociedades representam formas de estratificação social: O gênero é um fator crucial na estruturação dos tipos de oportunidades e de chances de vida enfrentadas pelos indivíduos e por grupos, influenciando fortemente os papéis que eles representam dentro das instituições sociais, desde os serviços domésticos até o Estado. Embora os papéis de homens e mulheres variem de cultura para cultura, não há nenhuma instância conhecida de uma sociedade em que as mulheres são mais poderosas que os homens (GIDDENS, 2005, p. 107). A divisão entre homens e mulheres ainda permanece como característica marcante nos debates sobre diversidade. Observamos avanços consideráveis nas últimas décadas na luta pela igualdade de gênero. Porém, mesmo diante desses avanços, a desigualdade de gênero permanece como base para as desigualdades sociais (GIDDENS, 2005). ESTUDOS FU TUROS UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 26 A reflexão de gênero incorpora a dimensão da sexualidade e das influências sociais nos padrões de sexualidade. A heterossexualidade é o padrão de envolvimento emocional para a maioria das sociedades e configura, nesses casos, o fundamento do casamento e da família. Por outro lado, a homossexualidade faz parte de relações afetivas em todas as culturas (GIDDENS, 2005). Teoria Queer, o que é isso? Queer é uma palavra inglesa, usada por anglófonos há quase 400 anos. Na Inglaterra havia até uma “Queer Street”, onde viviam, em Londres, os vagabundos, os endividados, as prostitutas e todos os tipos de pervertidos e devassos que aquela sociedade poderia permitir. O termo ganhou o sentido de “viadinho, sapatão, mariconha, marimacho” com a prisão de Oscar Wilde, o primeiro ilustre a ser chamado de “queer”. Desde então, o termo passou a ser usado como ofensa, tanto para homossexuais, quanto para travestis, transexuais e todas as pessoas que desviavam da norma cis-heterossexual. Queer era o termo para os “desviantes”. Não há em português um sinônimo claro. Talvez, como propõe a professora Berenice Bento, possamos pensar o queer como “transviado”. Para saber mais sobre a teoria queer e suas implicações nas discussões de gênero, leia a reportagem completa no link abaixo. FONTE: Teoria Queer, o que é isso? Disponível em: <http://www.revistaforum. com.br/osentendidos/2015/06/07/teoria-queer-o-que-e-isso-tensoes-entre- vivencias-e-universidade/>. Acesso em: 12 ago. 2016. Diante desse contexto, observamos atitudes de intolerância em relação à homossexualidade construídas socialmente desde o passado. Somente nos últimos anos podemos observar que tabus vêm sendo desconstruídos: “a homossexualidade não é uma doença e não está distintamente associada com quaisquer formas de distúrbios psiquiátricos. Os homossexuais masculinos não estão limitados a nenhum setor ocupacional específico, como o de cabeleireiro, da decoração de interiores e das artes” (GIDDENS, 2005, p. 122). No entanto, persistem preconceitos em relação à questão de gênero e à sexualidade, por exemplo: “[...] como termos racismo e sexismo, o heterossexismo refere-se ao processo pelo qual as pessoas não heterossexuais são categorizadas e discriminadas em função de sua orientação sexual. A homofobia descreve um temor aos indivíduos homossexuais e também o desdém por eles” (GIDDENS, 2005, p. 122). A luta pela garantia de direitos e pelo reconhecimento legal permitiu uma maior normalização da homossexualidade. Tais lutas garantiram o reconhecimento em vários países da união homoafetiva reconhecida pelo Estado. Contudo, a luta da maior parte dos ativistas é pelo reconhecimento da normalidade, o direito de serem reconhecidos como pessoas normais (GIDDENS, 2005). DICAS TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 27 Hoje eu quero voltar sozinho (2014). Direção de Daniel Ribeiro. O premiado filme de Daniel Ribeiro poderia ser apenas mais uma obra sobre o despertar da sexualidade na adolescência, se não fosse por duas importantes variantes: Léo, o protagonista, é cego e começa a gostar de Gabriel, um estudante de sua sala, de quem se torna amigo. Claudia Mogadouro selecionou o filme em sua lista de 15 filmes nacionais para crianças e adolescentes verem em cada momento do desenvolvimento. Segundo a especialista, é uma boa obra para passar para estudantes do Ensino Médio. “O tema da homossexualidade pode trazer nervosismoe, com isso, piadas de mau gosto. Sem reprimi-las, sugere-se que as aproveite para discutir a homofobia em nossa cultura. O filme também trata do desejo de autonomia em relação aos pais, o que é comum entre os adolescentes. Mas a deficiência visual de Léo potencializa esse problema, dando a oportunidade de se discutir a relativa e crescente autonomia que os adolescentes vão conquistando à medida que amadurecem”. FONTE: 13 filmes para debater diversidade sexual e de gênero. Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/ noticias/filmes-para-debater- diversidade-sexual-de-genero/>. Acesso em: 12 ago. 2016. A estratificação social e, consequentemente a diversidade, podem ser configuradas pela situação econômica de um determinado grupo. As classes sociais são responsáveis pela estratificação econômica em nossa sociedade (GIDDENS, 2005). Podemos definir uma classe como um agrupamento, em larga escala, de pessoas que compartilham recursos econômicos em comum, os quais influenciam profundamente o tipo de estilo de vida que podem levar. A posse de riquezas, juntamente com a profissão, são as bases principais das diferenças de classe (GIDDENS, 2005, p. 234). A divisão da sociedade capitalista em classes, comumente conhecida como classe alta, classe média e classe baixa, conforma uma realidade de exclusão social dos mais pobres. A exclusão social diz respeito às formas pelas quais os indivíduos podem acabar isolados, sem um envolvimento integral na sociedade mais ampla. DICAS UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 28 Mais abrangente que o conceito de classe baixa, tem ainda vantagem de enfatizar os processos – mecanismo de exclusão. Por exemplo, pessoas que moram em um conjunto habitacional dilapidado, com escolas de baixa qualidade e poucas chances de emprego no local, podem não encontrar efetivamente as oportunidades de autoaperfeiçoamento da maioria das pessoas na sociedade (GIDDENS, 2005, p. 265). Além da diferenciação em relação ao termo classe baixa, a noção de exclusão social também contribui para identificar relações além da noção de pobreza: “Também é diferente da pobreza propriamente dita, concentrando sua atenção sobre uma ampla variedade de fatores que impedem que os indivíduos ou os grupos tenham as mesmas oportunidades que estão abertas para a maioria da população” (GIDDENS, 2005, p. 234). A exclusão social pode ser consequência de diferentes relações sociais. As relações de exclusão e inclusão podem ser compreendidas como econômicas, políticas ou sociais. FIGURA 10 - TIPOS DE EXCLUSÃO SOCIAL FONTE: Giddens (2005, p. 265-267) Exclusão econômica: Indivíduos e comunidades podem ser excluídos da economia no que diz respeito à produção e ao consumo. Quanto ao aspecto da produção, o emprego e a participação no mercado de trabalho são centrais para a inclusão. [...] A exclusão da economia também pode se dar em termos de padrões de consumo, ou seja, com relação ao que as pessoas adquirem, consomem e utilizam na sua vida diária. Exclusão política: A participação popular e contínua na política é o alicerce dos estados democráticos liberais. Os cidadãos são estimulados a manterem uma atitude consciente quanto às questões políticas, a levantarem sua voz em apoio ou em protesto, a contarem com seus representantes eleitos para assuntos importantes, e a participarem do processo político em todos os níveis. Porém, uma participação política ativa pode estar fora do alcance dos indivíduos socialmente excluídos, a quem podem faltar informações, as oportunidades e os recursos necessários para o envolvimento no processo político. Exclusão social: A exclusão também pode ser sentida no domínio da vida social e comunitária. Áreas que sofram de um alto grau de exclusão social podem contar com instalações comunitárias limitadas, como parques, quadras de esportes, centros culturais e teatros. Os níveis de participação cívica são muitas vezes baixos. Além disso, famílias e indivíduos excluídos podem ter menos oportunidades de lazer, viagens e atividades fora de casa. A exclusão social também pode significar uma rede social limitada ou frágil, que leva ao isolamento e ao contato mínimo com os outros. TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 29 A exclusão social no Brasil decorre de um contexto mais amplo que compõe a origem do povo brasileiro, pois nossa formação histórica é resultado de um processo de exclusão social construído pela imigração europeia, pela escravidão e tráfico dos escravos. Essas características tornaram problemática a dimensão da cidadania no país (BITTAR, 2004). Podemos observar que as relações sociais que fomentam as desigualdades descritas até esse momento refletem as formas como diferentes indivíduos se relacionam e como veem o outro. Preste atenção na música a seguir, analise a mensagem que ela transfere. O Homem Que Não Tinha Nada (part. Negra Li) - Projota O homem que não tinha nada acordou bem cedo Com a luz do Sol já que não tem despertador Ele não tinha nada, então também não tinha medo E foi ‘pra’ luta como faz um bom trabalhador O homem que não tinha nada enfrentou o trem lotado Às sete horas da manhã com sorriso no rosto Se despediu de sua mulher com um beijo molhado ‘Pra’ provar do seu amor e pra marcar seu posto O homem que não tinha nada tinha de tudo Artrose, artrite, diabetes e o que mais tiver Mas tinha dentro da sua alma muito conteúdo E mesmo sem ter quase nada ele ainda tinha fé O homem que não tinha nada tinha um trabalho Com um esfregão limpando aquele chão sem fim Mesmo que alguém sujasse de propósito o assoalho Ele sorria alegremente, e dizia assim O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo, então me deixe tentar (me deixe tentar) O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo (ninguém), então me deixe tentar O homem que não tinha nada tinha Marizete Maria Flor, Marina, Mário, que era o seu menor Um tinha nove, uma doze, outra dezessete A de quarenta sempre foi o seu amor maior O homem que não tinha nada tinha um problema Um dia antes mesmo foi cortada a sua luz Subiu no poste experiente, fez o seu esquema Mas à noite reforçou o pedido ‘pra’ Jesus ATENCAO UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 30 O homem que não tinha nada seguiu a sua trilha Mesmo caminho, mesmo horário, mas foi diferente Ligou ‘pra’ casa ‘pra’ dizer que amava sua família Achou que ali já pressentia o que vinha na frente O homem que não tinha nada Encontrou outro homem que não tinha nada Mas este tinha uma faca Queria o pouco que ele tinha, ou seja, nada Na paranoia, ‘noia’ que não ganha te ataca O homem que não tinha nada agora já não tinha vida Deixou ‘pra’ trás três filhos e sua mulher O povo queimou pneu, fechou a avenida E escreveu no asfalto "saudade do Josué" O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo, então me deixe tentar (me deixe tentar) O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei Ninguém nasce sabendo (ninguém), então me deixe tentar Então me deixe tentar Então me deixe tentar Então me deixe tentar Além disso, frequentemente, as ações sociais têm sido marcadas por discursos que formam imperativos antiéticos, como: 1. “você deve concorrer e ser vencedor, preferencialmente o melhor, eliminando os demais”; 2. “você deve agir segundo seus interesses individuais, pois nunca compensa pensar nos interesses alheios”; 3. “você deve tomar cuidado com estranhos, desconhecidos e não identificados”; 4. “você deve lutar muito para se afirmar em sociedade”; 5. “você deve se relacionar somente com gentefina”; 6. “você deve ter dinheiro para ter liberdade de fazer o que quiser”; 7. “você deve se adequar ao mercado de trabalho cada vez mais competitivo”; 8. “nesta sociedade, só vencem os melhores” etc. (BITTAR, 2004, p. 7-8). Observamos, até esse momento, que as expressões da diversidade são múltiplas, e em decorrência de nossa formação histórica e de elementos que compõem nossa cultura, o diferente acaba por delimitar a exclusão social. TÓPICO 2 | DIVERSIDADE COMO CONCEITO: CONCEPÇÕES E INTERPRETAÇÕES DE DIVERSIDADE E DE DESIGUALDADE 31 LEITURA COMPLEMENTAR Educação e desigualdade A luta por uma educação pública e igualitária deve estar na pauta das lutas políticas nos mesmos níveis das demais lutas sociais e econômicas Otaviano Helene* Uma das características mais perversas da sociedade brasileira é a desigualdade de renda. Nas últimas décadas, chegamos a ocupar a pior posição entre todos os países. Mesmo considerando certa melhoria mais recentemente, ainda estamos entre os 12 países mais desiguais do mundo, juntamente com a África do Sul, o Chile, o Paraguai, o Haiti, Honduras, entre outros. Enquanto entre nós os 10% mais ricos têm uma renda média (familiar per capita) mais do que 50 vezes maior que os 10% mais pobres, nos antigos países socialistas que ainda preservam algumas conquistas sociais (Eslováquia, República Checa e Hungria entre eles) ou nos países que têm ou tiveram recentemente influências socialistas relativamente fortes (como os países nórdicos, por exemplo), essa mesma relação é da ordem de cinco vezes. Mesmo nos países de economia fortemente liberal, EUA entre eles, essa relação está na faixa de 10 e 20 vezes. O que ocorre aqui é simplesmente escandaloso. Muitos fatores estão na origem dessa situação, entre eles o sistema econômico, a ausência de uma reforma agrária real e efetiva, as heranças do escravagismo, a repressão aos movimentos sociais organizados, o monopólio dos meios de comunicação usados para propaganda das “verdades” que interessam às elites e as políticas educacionais excludentes. De fato, a educação tem sido um importante instrumento para a reprodução das desigualdades. Vejamos alguns dados que ilustram como e com que intensidade isso ocorre. Atualmente, três em cada dez crianças abandonam a escola, em definitivo, antes de completar o Ensino Fundamental e praticamente a totalidade delas vem dos setores economicamente mais desfavorecidos. Como o investimento anual na educação dessas crianças está na casa dos dois ou três mil reais, todo o investimento ao longo da vida pode não exceder os dez ou vinte mil reais. No outro extremo, onde estão os mais ricos, o investimento por criança e por ano pode exceder – e em muito, se considerarmos as escolas de elite e incluirmos cursos de línguas, aulas particulares, material didático, viagens culturais etc. – os trinta mil reais por ano. Ao longo de toda a vida escolar esse investimento pode chegar a meio milhão de reais, ou ainda muito mais que isso. Essa perversa desigualdade na formação educacional, quando combinada com a dependência da renda de uma pessoa adulta com seu nível de escolarização, fecha um círculo vicioso extremamente perverso. Em valores aproximados, UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA 32 segundo vários levantamentos feitos por especialistas, cada ano de escolaridade a mais de uma pessoa implica em um aumento de renda da ordem de 10% a 20% (variação essa devida à época, à sistemática adotada no levantamento dos dados e aos níveis escolares considerados). A qualidade da educação, por sua vez, medida, por exemplo, pelo nível escolar do professor, pode contribuir com uma diferença de cerca de 50% na renda de pessoas com mesmos níveis de formação educacional. Assim, ao escolarizar mal as crianças e jovens mais desfavorecidos, nosso sistema educacional está contribuindo para preservar ou mesmo acirrar nossas desigualdades econômicas, respondendo aos desígnios das elites econômicas, que consideram inaceitável qualquer destinação de recursos públicos para fins sociais, inclusive para a educação pública. Programas como o Bolsa Família e sua extensão, o Brasil Sem Miséria, ainda que sejam importantes instrumentos de distribuição de renda, têm efeitos apenas nos casos de pauperização extrema, pouco contribuindo para combater as raízes do problema da distribuição de renda. Para isso, seriam necessários instrumentos mais permanentes e mais sólidos, que viabilizassem a desconcentração de renda em longo prazo. E a educação é um deles. A luta por uma educação pública e igualitária deve estar na pauta das lutas políticas nos mesmos níveis das demais lutas sociais e econômicas, como a reforma agrária, a luta por moradia, a defesa do setor público e a luta por salários dignos. Se não rompermos com a atual situação educacional – e esse rompimento só será possível por meio de uma ampla luta social – jamais construiremos bases realmente sólidas para superarmos nossa desigualdade. *Otaviano Helene é professor associado do Instituto de Física, presidiu a Adusp (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo) de julho de 2007 a junho de 2009. Foi presidente do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). FONTE: Brasil de Fato. Disponível em: <http://antigo.brasildefato.com.br/node/7045>. Acesso em: 15 ago. 2016. 33 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • O termo diversidade envolve um universo múltiplo de indivíduos e suas relações sociais. • O desafio em relação à diversidade remete à compreensão das relações sociais com uma visão que reconheça a multiplicidade e a inclusão. • A diversidade cultural compreende variações das práticas e comportamentos que compõem a cultura de um determinado grupo social. • As variações culturais formam as identidades sociais que refletem multiplicidades e pluralidade. • O etnocentrismo é uma visão de mundo na qual as noções do nosso grupo social ocupam posição de centralidade. • As desigualdades raciais no Brasil são sobrepostas ao mito da democracia racial e à formação social brasileira. • A noção de gênero é socialmente construída e representa papéis e identidades de homens e mulheres, porém, tais concepções não são neutras e representam formas de estratificação social. • A estratificação social pode ser delimitada por critérios econômicos. • A exclusão pelas classes sociais tem implicações em aspectos econômicos, políticos e sociais. 34 1 As relações sociais que configuram a exclusão social são diferentes e podem ser consideradas a partir da divisão dessas relações em três níveis. Considerando esses níveis, classifique as afirmações usando o seguinte código: I – Exclusão econômica. II – Exclusão política. III – Exclusão social. ( ) Os cidadãos são estimulados a manterem uma atitude consciente quanto às questões políticas, a levantarem sua voz em apoio ou em protesto. ( ) Quanto ao aspecto da produção, o emprego e a participação no mercado de trabalho são centrais para a inclusão. ( ) Áreas que sofram de um alto grau de exclusão social podem contar com instalações comunitárias limitadas, como parques, quadras de esportes, centros culturais e teatros. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) II – I – III. b) ( ) III – II – I. c) ( ) I – II – III. d) ( ) II – III – I. 2 As desigualdades sociais fazem parte da formação histórica, geográfica, política e cultural do Brasil. Porém, acredita-se que as desigualdades foram convertidas de exclusão para inclusão, no que chamamos de mito da democracia racial. Partindo desse pressuposto, disserte sobre o mito da democracia racial no Brasil. 3 As lutas voltadas para a garantia dos direitos dos homossexuais e as discussões de gênero vêm ganhando força e espaço na sociedade nosúltimos anos. Contudo, o preconceito persiste em nossa sociedade. Comente os avanços conquistados em relação a essas lutas e os desafios que persistem. AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução da questão 1 35 TÓPICO 3 DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A compreensão da diversidade visando transformar nossa prática na educação é um grande desafio, para tanto você terá contato, neste tópico, com teorias que elaboram esse desafio propondo caminhos para construir uma educação pautada no respeito à diversidade. Neste tópico, você acompanhará o desdobramento teórico das discussões sobre diversidade. Inicialmente nossos estudos concentram-se nos conceitos de alteridade. Em um segundo momento, serão apresentadas as teorias do multiculturalismo com foco para o reflexo dessas questões no âmbito da educação. E, por fim, abordaremos os desafios da gestão democrática em relação à inclusão, respeito à diversidade e promoção da democracia na escola. 2 ALTERIDADE E O RECONHECIMENTO DO OUTRO Você já ouviu falar do termo alteridade? Por acaso já se perguntou como construímos nossa identidade? Como descobrimos o diferente? Como nos relacionamos com o outro e as diferenças na sociedade? FIGURA 11 – ALTERIDADE FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot. com/_N616RsBs8LM/SltTvvwdv6I/ AAAAAAAAAUA/w6Q-zJC4mdo/s1600/ alteridade.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2016. 36 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA O conceito de alteridade pode ser compreendido em diversos contextos, usualmente, no universo de estudo da antropologia e filosofia, e remete à construção da identidade individual em relação ao outro. Devido a essas características, conhecer mais sobre esse tema nos auxilia a responder às questões levantadas acima. O que é Alteridade: Alteridade é um substantivo feminino que expressa a qualidade ou estado do que é outro ou do que é diferente. É um termo abordado pela Filosofia e pela Antropologia. Um dos princípios fundamentais da alteridade é que o homem, na sua vertente social, tem uma relação de interação e dependência com o outro. Por esse motivo, o "eu" na sua forma individual só pode existir através de um contato com o "outro". Quando é possível verificar a alteridade, uma cultura não tem como objetivo a extinção de uma outra. Isto porque a alteridade implica que um indivíduo seja capaz de se colocar no lugar do outro, em uma relação baseada no diálogo e valorização das diferenças existentes. Alteridade na Filosofia No âmbito da Filosofia, alteridade é o contrário de identidade. Apresentada por Platão (no Sofista) como um dos cinco "gêneros supremos", ele recusa a identificação do ser como identidade e vê um atributo do ser na multiplicidade das ideias, entre as quais existe a relação de alteridade recíproca. A alteridade tem também papel de relevo na lógica de Hegel: o "qualquer coisa", o ser determinado qualitativamente, está em uma relação de negatividade com o "outro" (nisso reside a sua limitação), mas está destinado a se tornar em outro, a se "alterar", incessantemente, mudando as próprias qualidades (as coisas materiais nos processos químicos). O uso do termo também surge na filosofia do século XX (existencialismo), mas com significados não equivalentes. Alteridade na Antropologia A Antropologia é conhecida como a ciência da alteridade, porque tem como objetivo o estudo do Homem na sua plenitude e dos fenômenos que o envolvem. Com um objeto de estudo tão vasto e complexo, é imperativo poder estudar as diferenças entre várias culturas e etnias. Como a alteridade é o estudo das diferenças e o estudo do outro, ela assume um papel essencial na Antropologia. FONTE: Significados. Disponível em: <http://www.significados.com.br/alteridade/>. Acesso em: 10 ago. 2016. O conceito de alteridade levanta as discussões acerca das relações de construção de identidade diante do reconhecimento da identidade do outro. Provoca a busca por novos olhares: Desfragmentando a dualidade no sujeito, entendemos que os olhos não são apenas atributos do corpo, mas também da alma; e, nesta dimensão religada, o ‘eu’ pelo olhar – independentemente por qual olho se manifesta a natureza e cultura – encontra-se com o Outro pelos caminhos que a alma e o corpo se constroem ao caminhar. Nesse percurso de raízes abertas ao mundo, em meio à crise do pensamento que se IMPORTANT E TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 37 instaurou nas concepções do ontem, afetando contundentemente o hoje, ressignificamos o passado e o presente continuamente. Em meio a essas ressignificações complexas, a lucidez de estar no mundo nos sugere que, mesmo temendo olhar para o inesperado, antes interrogarmos não somente o ontem e o hoje para se viver, mas também o próprio sujeito para se conviver, do que tentar pôr um ponto final nisso e continuarmos a fragmentá-lo (MARQUES; JESUS, 2015, p. 116). Nesse sentido, educar na diversidade coloca diante de nós o desafio cotidiano de superar a fragmentação e construir novos significados no contato com o outro. No processo de ressignificar nossas relações com o outro é possível compreender o passado e construir o presente. O reconhecimento das diferenças faz parte do cotidiano da educação. Segundo Guérios e Stoltz (2010), a educação vai além da transmissão de conhecimentos, educar requer preparar o sujeito em diferentes sentidos, como o autoconhecimento, e em diferentes níveis, como o corpóreo, o mental e o espiritual. Para tanto, o desenvolvimento do aprendizado passa pelo seu relacionamento com o outro. Aprendemos quando estamos em contato com outros sujeitos, aprendemos através de relações com sujeitos de características, contextos e culturas diferentes. Colegas (2012). Direção de Marcelo Galvão. Stallone, Aninha e Márcio eram grandes amigos e viviam juntos em um instituto para pessoas com síndrome de Down. Certo dia, surge a ideia de realizar o sonho individual de cada um, e para isso, fogem com o carro do jardineiro. A imprensa começa a cobrir o caso e a polícia sai à procura dos fujões, delegando para o trabalho dois policiais trapalhões. Os jovens, que só querem realizar seus sonhos, estão dispostos a viver uma grande aventura, que vai se revelar repleta de momentos inesquecíveis. FONTE: Filmes especiais. Disponível: <https://educacaoespecialinclusiva. wordpress.com/filmes-especiais/>. Acesso em: 25 ago. 2016. DICAS 38 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA Aprender é olhar além das relações com as quais estamos habituados em nosso cotidiano. A experiência com alteridades conduz-nos a ver aquilo que jamais poderíamos imaginar e nem sequer sonhar por estarmos demasiado fixados no que consideramos como evidente e relacionado com o cotidiano. É essa experiência que permite a consciência de nós mesmos, o espiar-se e o surpreender-se (GUÉRIOS; STOLTZ, 2010, p. 11). Os novos olhares que direcionamos aos outros nos levam a novos olhares que podem conformar e transformar a nós mesmos. Cabe à educação apresentar o diferente e, mais além, promover a vivência da diferença. Tais momentos podem ocorrer nas interações sociais e também nas interações com a natureza (GUÉRIOS; STOLTZ, 2010). Nesse sentido, educação, cultura e subjetividade compõem o mesmo cenário: Partindo do visível sensível, a educação deve nos levar ao invisível vidente. Isso implica o reconhecimento da intersubjetividade como base para a subjetividade. Somos visíveis a nós mesmos pelos olhos dos outros. A cultura está, assim, na raiz do que somos, porque a intersubjetividade ocorre em um mundo sensível onde eu e os outros estamos situados e inter-relacionados. Esse movimento é vivido por meio do corpo, pois não é possívelser vidente sem ser ao mesmo tempo visível (GUÉRIOS; STOLTZ, 2010, p. 12). Na alteridade a minha perspectiva e a do outro são igualmente importantes e estão em relação continuamente. É preciso, então, repensar a divisão entre sujeito e objeto. Essa tarefa perpassa pela emancipação do indivíduo e na educação tal tarefa é possível (GUÉRIOS; STOLTZ, 2010). Caro acadêmico, as obras de Edgar Morin trazem para o debate elementos ligados à complexidade, tais elementos demonstram a relevância da compreensão das complexas e diversas relações que compõem nossa sociedade e, consequentemente, o espaço da educação. Acompanhe na reportagem a seguir as principais características de Morin e suas contribuições para o pensamento crítico em educação e diversidade. Edgar Morin, o arquiteto da complexidade Sociólogo francês propõe a religação dos saberes com novas concepções sobre o conhecimento e a educação. Mudanças profundas ocorreram em escala mundial nas últimas décadas do século 20, entre elas o avanço da tecnologia de informação, a globalização econômica e o fim da polarização ideológica entre capitalismo e comunismo nas relações internacionais. Diante desse cenário, o sociólogo francês Edgar Morin, hoje com 87 anos, percebeu que a maior urgência no campo das ideias não é rever doutrinas e métodos, mas elaborar uma nova concepção do próprio conhecimento. No lugar da especialização, da simplificação e da fragmentação de saberes, Morin propõe o conceito de complexidade. TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 39 Ela é a ideia-chave de O Método, a obra principal do sociólogo, que se compõe de seis volumes, publicados a partir de 1977. A palavra é tomada em seu sentido etimológico latino, "aquilo que é tecido em conjunto". O pensamento complexo, segundo Morin, tem como fundamento formulações surgidas no campo das ciências exatas e naturais, como as teorias da informação e dos sistemas e a cibernética, que evidenciaram a necessidade de superar as fronteiras entre as disciplinas. "Ele considera a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana e, ao mesmo tempo, sugere a solidariedade e a ética como caminho para a religação dos seres e dos saberes", diz Izabel Cristina Petraglia, professora do Centro Universitário Nove de Julho, em São Paulo. Para o pensador, os saberes tradicionais foram submetidos a um processo reducionista que acarretou a perda das noções de multiplicidade e diversidade. A simplificação, de acordo com Morin, está a serviço de uma falsa racionalidade, que passa por cima da desordem e das contradições existentes em todos os fenômenos e nas relações entre eles. FONTE: FERRARI, Marcio. Edgar Morin, o arquiteto da complexidade. Disponível em: <http://novaescola.org.br/formacao/arquiteto-complexidade-423130.shtml?page=0>. Acesso em: 10 ago. 2016. As obras de Morin nos mostram os elementos ligados à complexidade e alteridade, tais elementos demonstram a relevância da compreensão das complexas e diversas relações que compõem nossa sociedade e, consequentemente, o espaço da educação. A alteridade na visão de Morin constitui a experiência do indivíduo com a dualidade, ou seja, representa os contatos que realizamos ao longo de nossa história de vida com a ideia do outro, quando nos percebemos na figura do “ele”: A experiência do duplo e, mais amplamente, de uma dualidade radical da pessoa, é universal. O duplo não é apenas o espectro que sobrevive após a morte, é o alter ego que não se revela na sombra, no reflexo no espelho [...]. É lentamente, progressivamente, que a criança se percebe primeiro como um ‘ele’, tece o eu em torno desse ‘ele’, que por mais envolvido que esteja no casulo do ‘eu’ guardará alguma coisa de irredutível (MORIN, 2003, p. 129). 40 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA A experiência com o outro se desenrola em espaços variados e nos leva a reconstruir nossa própria identidade ao nos colocarmos diante de identidades diferentes. O duplo desenvolve-se onde quer que a magia tenha sido capaz de desenvolver suas estruturas, nos universos arcaicos, nos religiosos, nos estéticos, nos infantis, nos neuróticos, ou seja, ele está presente, mais ou menos atrofiado, em nossas próprias zonas de arcaísmo, de magia, de neurose, de infância, de estética (assim, é preciso sempre um tempo para coincidir nossa imagem que surge bruscamente em um espelho e, depois de um tempo, a contemplação torna-a de novo estranha, desconhecida) [...] Tese: o desdobramento constitui uma estrutura permanente na qual o duplo seria uma expressão corporalizada, que se exprimiria igualmente por uma dualidade indissolúvel, em nosso ser mental, entre uma testemunha e um ator; essa dualidade se revelaria no jogo [...] mas também em nossas experiências-limites, inclusive, às vezes, as mais trágicas (MORIN, 2003, p. 130). A compreensão da alteridade também passa pelo reconhecimento da subjetividade presente nas relações sociais. Tal reconhecimento pode se realizar de duas formas: através das referências conhecidas como família, amigos, professores – essas referências são próximas e formam os laços da socialização; ou através das relações com sujeitos desconhecidos, como funcionários, contratantes, pessoas que circulam nas ruas – esse grupo é responsável pela formação indireta de nossa conduta como indivíduo (BITTAR, 2004). Através dessas duas formas orientamos nossas ações e atualmente é possível observar características particulares em nosso relacionamento com o outro. O que se percebe, contemporaneamente, são práticas de conduta bastante orientadas para a expulsão do outro (alter) do universo e do espectro de vivência individual. Por vezes, trata-se de simples expulsão da alteridade distante, aquela sobre o qual se projetam os maiores medos e receios da vida contemporânea; às vezes, trata-se da expulsão de toda a alteridade, inclusive da alteridade próxima, restando na existência apenas uma perspectiva individual de ação, o que fragmenta a vida social (BITTAR, 2004, p. 7). Essa relação de distanciamento do outro, seja ele próximo ou distante de nós, gera um desencantamento em relação à figura do diferente. Fortalecemos nos processos de socialização a exclusão, pois esse desencantamento nos coloca em uma posição de oposição em relação ao outro, não como figuras complementares, mas como figuras opositoras. Além disso, tal configuração social questiona a necessidade do outro. A existência, portanto, tem sido marcada por um profundo processo de dilaceração da consciência da importância/necessidade do outro (alter) para a construção do eu (ego). Nesta relação, do tipo dicotômica- excludente, os referenciais remotos são os primeiros a serem expulsos da dimensão individualista de vida do eu, para, em segundo plano, também se fragmentarem as relações com a alteridade próxima, igualmente afetada por um outro modo de pensar, agir, e serem marcadas pela ideia de exclusão do outro. O problema das exclusões (sociais, raciais, étnicas, TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 41 econômicas, políticas...) tem a ver, direta e indiretamente, com os modos pelos quais se estruturam as consciências em torno do convívio social. Numa perspectiva de formação de espíritos individualistas, a cultura da desnecessidade do outro (alter) se potencializa (BITTAR, 2004, p. 7). Na fragmentação da alteridade e na ação pautada pelos ideais de oposição, as relações sociais se configuram como espaços da exclusão, do não reconhecimento do outro, da invisibilidade do diferente, da falta de empatia e dificuldade em promover e garantir a inclusão. Em outras palavras, a experiência com a alteridade – reconhecida pelo contato com o outro – tem se mostrado como uma experiência de exclusão.Construímos e validamos preconceitos e estereótipos que desvalorizam o outro. Contudo, é fundamental reconhecer no contato com o outro e a subjetividade o caminho para promoção da inclusão e da construção da cidadania na perspectiva da inclusão social e superação das desigualdades e preconceitos. 3 O MULTICULTURALISMO COMO DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO Para aprofundar nossos conhecimentos e o debate sobre a diversidade na educação chegou o momento de conhecer o conceito de multiculturalismo e as contribuições dessa temática para o campo da educação. Caro acadêmico, você já refletiu sobre o desafio de educar em relação à multiplicidade de culturas? Em quais momentos a diversidade cultural pode se transformar em desafio na rotina da sala de aula e da escola? FIGURA 12 - DIVERSIDADE CULTURAL FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-ZDE8yb5x4V4/VkPjDdXHcZI/ AAAAAAAAAD8/oh869Ui0nzM/s1600/patriarcalismo.png>. Acesso em: 15 ago. 2016. 42 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA As formas pelas quais a cultura é incorporada ao universo do ensino e da construção do conhecimento são constantemente questionadas. Para compreender esses questionamentos, partimos da afirmação de Werneck (2008, p. 414): “É certo que cada povo, cada grupo humano, interfere na natureza a seu modo, resolve os problemas, ultrapassa os obstáculos e desafios que ela lhe propõe de maneira própria e diferente. É certo, também, que a educação tem como fim a humanização do homem, o seu contínuo aprimoramento”. O desafio de reconhecer a diversidade humana remete à noção de jogo das diferenças apresentadas por Gonçalves e Silva (2001), os autores apresentam o contexto do multiculturalismo através da representação de um jogo. Esse jogo é definido pelas regras estipuladas pelo contexto histórico das lutas sociais e marcado pelo preconceito e pela discriminação. O termo multiculturalismo foi utilizado, inicialmente, por grupos dominados culturalmente e hoje é apropriado por grupos de características variadas. Além disso, o termo faz parte do universo teórico da educação. Ao analisar a obra “O jogo das diferenças”, o termo multiculturalismo é um grande desafio para a educação. A diversidade no interior do multiculturalismo tornou-se uma voz sólida, que é manifestada por meio da política, da arte e da música. Diversidade aqui se remete à hibridização e miscigenação que surgem em qualquer local do planeta e que se apresentam como um grande desafio para a educação. Ao articular multiculturalismo e educação, objetiva-se atingir um público definido segundo critérios de equidade, ansioso por políticas públicas que revertam desigualdades baseadas em diferenças de raça, gênero, preferências sexuais, geração etc. (MOREIRA, 2005, p. 280). Reconhecendo esse desafio, Werneck (2008) destaca o paradoxo em relação à conciliação entre respeitar as particularidades culturais e manter o caráter transformador da educação. Na teoria podemos observar correntes que partem do pressuposto da aceitação das diferenças culturais sem uma análise crítica, pois todas seriam igualmente válidas. Essas correntes têm expressão significativa na educação e, simultaneamente, formam uma contradição, pois é na educação que observamos a ampliação do controle do Estado. Há normas para a nutrição ideal, para a saúde, para o relacionamento sexual, afetivo, familiar e social. Vacinas e exames obrigatórios, regras e proibições para a educação das crianças, parâmetros curriculares oficiais para o estabelecimento do currículo ideal. Ao mesmo tempo em que se defende a admissão de diferentes culturas na escola, apregoam- se normas rígidas de comportamento, consideradas ‘politicamente corretas’. Com frequência esse ‘politicamente correto’ entra em choque com usos e práticas culturais que são, por isso, condenadas como incompatíveis com os novos ideais de convivência humana (WERNECK, 2008, p. 415). TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 43 Para superar tal paradoxo as propostas seguem na direção da valorização das identidades plurais (gênero, etnia, linguagem) e na necessidade de preparar professores para lidar com o multiculturalismo. Entretanto, o reconhecimento da diversidade cultural esbarra em outros paradoxos: A indiferença ante a diversidade cultural, que é apresentada como originalidade, como bizarrice, ao ser proposta pelos meios de comunicação social, que se constitui talvez no mais forte instrumento de homogeneização cultural, revela mais um paradoxo contemporâneo […] Novo paradoxo: por um lado é difundida a diversidade, multiplicidade de culturas, por outro, é feito um processo de valorização e de desvalorização das suas ações, o que vai corresponder à educação e à universalização […] Percebe-se ainda a impossibilidade de frear o processo histórico. Não há solução para essa questão: o desenvolvimento da humanidade se faz de maneira pacífica ou violenta pela fusão, aglutinação, interação, enfim, das produções culturais. Não há como nem por que preservar as culturas em estados ‘puros’ ‘originais e intocados’ (WERNECK, 2008, p. 415-416). Diante de tantos paradoxos, como pode agir o professor? Qual o papel da educação diante de tamanhos desafios? Inicialmente, esse cenário exige dos profissionais da educação constantes reflexões acerca das relações entre cultura e educação. Os critérios de avaliação devem ser concebidos considerando a perspectiva da diversidade e do multiculturalismo. Além disso, o professor deve respeitar as noções de dignidade humana e a justiça, pois não há homogeneidade cultural, cada sujeito atribui diferentes sentidos e significados sociais. A dificuldade situa-se exatamente na necessidade de conciliar o respeito a esses significados, às diferentes modalidades culturais com as exigências da ação educacional. É preciso aceitar e acolher a diversidade das culturas, mas não o relativismo e a demagogia que se contrapõem aos objetivos da educação (WERNECK, 2008, p. 417). Destacamos a representação do multiculturalismo para a educação, pois é preciso superar a visão heterogênea e cultural estampada na elaboração de currículos e na produção dos materiais didáticos e transformá-la em uma prática que incorpore a homogeneidade da cultura como pressuposto para a educação. 44 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA Que multiculturalismo se quer para o Brasil? [...] é muito importante detalhar o que está sendo o multiculturalismo no Brasil, apontando para suas luzes e sombras, assim como para os novos desafios que esse fenômeno – de fato, um movimento embora desorganizado – proporciona para a sociedade brasileira. Este Núcleo Temático não pretende ser exaustivo, mas apontar para algumas novas tendências que dizem respeito, sobretudo, ao meio acadêmico. Até agora, tem sido sobretudo nesse meio que têm se concentrado os esforços de se criar algum tipo de multiculturalismo. FONTE: SANSONE, Livio. Apresentação: que multiculturalismo se quer para o Brasil? Cienc. Cult. [on-line]. 2007, vol. 59, n. 2, p. 24-28. Disponível em: <http:// cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252007000200013&script=sci_ arttext>. Acesso em: 26 ago. 2016. Diante do contexto exposto acima, fica o grande desafio do professor em relação ao multiculturalismo: É difícil a posição do educador: acatar o pluralismo cultural e ao mesmo tempo não se manter passivo diante de todas essas mazelas sem procurar combatê-las e tentar transformá-las, classificando-as como manifestações culturais. Por outro lado, que direito ele tem de condenar características culturais que não causam prejuízos, que não desrespeitam nenhum valor básico da pessoa humana por serem elas próprias de culturas diferentes da sua? [...] Qual o objetivo do multiculturalismo? Qual seu papelna educação? As sociedades manifestam-se como multiculturais, plurais e desiguais. O multiculturalismo vai então valorizar essa diversidade cultural que, no passado, foi praticamente ignorada e vítima de preconceitos e condenações tácitas (WERNECK, 2008, p. 418). No caso brasileiro, o multiculturalismo precisa ser concebido considerando o mito da democracia racial. Foi através da crítica a esse mito que o debate sobre multiculturalismo surgiu no Brasil, que questionava o processo de modernização brasileiro que negava nossa herança cultural africana (GONÇALVES; SILVA, 2001). IMPORTANT E TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 45 O que faz do brasil, Brasil? Esse livro, escrito por um dos mais importantes antropólogos brasileiros, não pretende trazer uma definição exaustiva ou uma versão definitiva do que é o Brasil. Mas nos proporciona a surpresa do verdadeiro encontro: O que faz do brasil, Brasil? é justamente aquilo que faz com que reconheçamos como brasileiros nos mínimos e mais variados gestos. Múltiplo e rico, o Brasil é o país do Carnaval e do feijão com arroz: da mistura e da fantasia. Mas também do jeitinho que dribla a lei e da hierarquia velada pela cordialidade. Somos brasileiros na devoção e no sincretismo, no culto à ordem e na malandragem, no trabalho duro e na preguiça. O Brasil maiúsculo que Roberto DaMatta apresenta não é um conjunto de instituições ou de fatos históricos, e sim o fundamento da nossa identidade. Nossa brasilidade é um estilo, uma maneira particular de construir e perceber a realidade. DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. Então, quais são as movimentações da sociedade visando a superação desse contexto? As ações afirmativas têm constituído um espaço de ação em relação ao reconhecimento do multiculturalismo. O que são ações afirmativas? Qual o objetivo desse tipo de ação? Qual é o público-alvo? Conheça mais sobre ações afirmativas na continuação do conteúdo. 4 GESTÃO DEMOCRÁTICA E OS DESAFIOS DA INCLUSÃO As reflexões acerca da inclusão e da gestão democrática compõem o cenário mais amplo da reforma educacional brasileira ao longo dos anos 1990 que atribui outros significados à organização escolar. Para compreender essas transformações é necessário ter em vista o caráter privilegiado da escola como ambiente de sistematizar, socializar e transmitir valores e conhecimentos (MICHELS, 2006). A gestão escolar recebe influências da concepção vigente sobre administração nos padrões capitalistas e acaba por manifestar a relação dominante de exclusão social, reforçando os paradigmas sociais vigentes. É importante destacar que a escola é um espaço de reprodução das relações sociais, ou seja, as dinâmicas de dominação e exclusão social presentes na sociedade também determinam a dinâmica escolar. A escola passa a ser espaço da reprodução e da transformação social, bem como espera-se da escola espaços de promoção da democracia [...] a escola hoje é conclamada a ser democrática, ‘para todos’, uma escola inclusiva. Porém, se não levarmos em consideração os aspectos apresentados anteriormente, corremos o risco de fazer uma análise ingênua sobre seu papel social (MICHELS, 2006, 407). DICAS 46 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA Nesse modelo de gestão o diretor ocupa posição de centralidade no ambiente escolar: A administração escolar, estruturada nessa lógica, tem o diretor de escola como o representante da lei e da ordem, responsável pela supervisão e pelo controle das atividades nela desenvolvidas, possuindo o poder de dar a última palavra sobre as decisões tomadas. Cabe aos demais participantes da instituição o cumprimento de funções e atribuições, conforme o estabelecido. Essa postura do diretor acaba atendendo aos interesses de alguns em detrimento dos interesses da maioria, colocando a escola contra os reais interesses da sociedade, uma vez que não distribui igualmente o saber historicamente acumulado, privilegiando em suas ações a classe dominante, revelando-se ineficiente no seu papel de educar a todos. Consequente desse modelo de administração, no interior das escolas predomina o excesso de normas e regulamentos burocráticos desvinculados da realidade, prejudicando todo o processo educacional (MATTOS, 2010, p. 3). O diretor ocupa um duplo papel que, por vezes, se torna contraditório. De um lado, cabe ao diretor o papel de educador da administração do projeto pedagógico e, de outro, de administração da instituição de acordo com as orientações dos órgãos superiores (MATTOS, 2010). Diante desse modelo surge o debate da gestão democrática. O propósito da gestão democrática é promover uma gestão escolar pautada pelos ideais da democracia. Caro acadêmico, quais seriam as práticas e atitudes que configuram uma gestão democrática? Como a gestão democrática pode contribuir para a inclusão e respeito às diversidades? Observe com atenção a tirinha do cartunista Bill Watterson com os personagens Calvin e Haroldo: FONTE: Disponível em: <http://jaque00735812.blogspot.com. br/>. Acesso em: 25 ago. 2016. TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 47 A gestão democrática representa uma forma de administrar contando com a participação coletiva. Todos os sujeitos envolvidos na escola devem contribuir no processo de tomada de decisão. Gerir a escola democraticamente é uma forma de respeitar a diversidade e promover a inclusão, pois quando o coletivo participa das decisões, as demandas dos diferentes grupos recebem atenção. Observe a descrição desse modelo: Nesse novo modelo de administração, a organização hierárquica cede lugar à horizontalidade do poder e das competências, a visão integral da escola e dos objetivos a realizar substitui a percepção fragmentada da realidade, a ação solidária e a cooperação em direção ao alcance dos objetivos definidos coletivamente toma o lugar da divisão rígida do trabalho. As incertezas, as ambiguidades, as contradições e tensões são percebidas como fatores a serem superados no espaço de negociações com vista à construção de consensos capazes de contemplar os interesses coletivos (MATTOS, 2010, p. 4). Através da gestão democrática a escola pode assumir uma postura transformadora em relação à sociedade, pois recebe a todos sem exclusão e permite a todos as mesmas oportunidades de apropriação do conhecimento e desenvolvimento da postura crítica e da cidadania (MATTOS, 2010). A onda (2008) - Alexander Grasshof Em A Onda (2008), filme de roteiro simples e excelente valor de produção – remake de um filme de 1981, dirigido por Alexander Grasshoff –, somos apresentados ao que seria um típico colégio alemão do início do século XXI. Os alunos aderem à moda do hip hop, escutam rappers norte-americanos e dividem o lazer entre atividades esportivas, festas e jogos de videogame, sendo retratados de maneira idêntica àquela de outras produções cinematográficas mundo afora. A alguns falta uma perspectiva de vida, a outros, estabilidade (seja por motivos econômicos ou familiares), e todos são flagelados pelas agonias e dilemas que definem a transição da infância para a vida adulta. Na semana marcada para a realização de workshops em ciência política, caberá ao carismático e rebelde professor Rainer Wenger, interpretado por Jürgen Vogel, liderar o grupo de trabalho sobre “Autocracia”, termo moderado, que visaria não machucar as sensibilidades dos espectadores com palavras tão conhecidas como Fascismo ou Nacional Socialismo. Wenger, longe de representar o clichê do professor conservador, de colete de lã e terno, UNI 48 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA surge na tela vestindo uma jaqueta de couro e dirigindo seu carro ao som de Rock’Roll Highschool, dabanda Ramones. Logo nos primeiros minutos da película vemos a resistência de Wenger em assumir o comando da classe, estando muito mais interessado na turma de “Anarquismo”, inclusive por suas experiências no bairro de Kreuzberg, histórico reduto da militância de esquerda em Berlim. FONTE: A onda fascista. Cine História. Disponível em: <http://www. revistadehistoria.com.br/secao/cine-historia/a-onda-fascista>. Acesso em: 1º ago. 2016. Entretanto, a realidade da grande maioria das escolas demonstra que prevalecem práticas exclusivas e a transmissão de conteúdos vinculados a interesses das classes dominantes e, consequentemente, desvinculados dos interesses de grande parte da população. Dessa forma, a escola nega sua real função educacional, uma vez que ao invés de tornar-se instrumento de ação política da classe dominada, torna-se instrumento da classe dominante, reafirmando ainda mais o antagonismo entre as classes e distanciando cada vez mais a classe de trabalhadores da verdadeira consciência crítica e intencional. Diante dessa afirmativa é que se faz necessário o desenvolvimento de uma ação educativa transformadora, alicerçada por uma administração escolar democrática, que recuse o modelo da administração empresarial capitalista, que até então tem permanecido nas instituições escolares, no intuito de articular-se aos interesses de toda a população e não apenas de alguns (MATTOS, 2010, p. 6). A inclusão é fundamental para a gestão democrática, pois pensar em democracia passa pelo reconhecimento e valorização de diversidades, porém, esse movimento requer mudanças de caráter cultural e na organização da escola. Entrevista com Vitor Paro, professor da Faculdade de Educação da USP Professor defende a gestão coletiva como a forma de fazer com que todos sejam corresponsáveis pela aprendizagem Ocimara Balmant Diretor que não decide tudo sozinho, professores que trabalham em parceria e currículo que considera o aluno sujeito de seu próprio aprendizado. Para Vitor Paro, professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), esses são elementos fundamentais na construção de uma escola democrática. Um modelo de ensino que, ao estimular o trabalho coletivo, forma cidadãos autônomos e críticos. "Isso contrasta com o que se vê na maioria das escolas, nas quais o poder é centralizado e se tem a falsa ideia de que basta que uma criança esteja na sala de aula para que ela aprenda", afirma o pesquisador, que falou à revista GESTÃO ESCOLAR em novembro, por ocasião do lançamento de seu livro Crítica da Estrutura da Escola, escrito com base no trabalho de IMPORTANT E TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 49 observação e entrevista em uma instituição pública de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo. Qual o principal problema da estrutura do nosso sistema escolar? VITOR PARO: A escola brasileira erra ao definir seus objetivos. A Educação deve formar personalidades humanas, fazer com que os alunos se apropriem da cultura em seu sentido amplo: valores, Ciência, todos os tipos de Arte. Para isso, o educando deve ser sujeito do processo e precisa querer aprender. Principalmente na Educação Básica, quando a criança é obrigada a frequentar a escola. Nesse segmento, o sistema não se mostra preocupado se ele e sua família estão satisfeitos com o serviço que recebem. É um absurdo que hoje, com todo o desenvolvimento da Ciência, se faça o que se fazia há 200 anos: confinando crianças em um espaço restrito e imutável como a sala de aula. É possível mudar isso? PARO: As modificações só acontecem quando a Educação é entendida em sua especificidade. Escola não é uma empresa que cumpre metas para alcançar objetivos. Nosso sucesso é saber conviver com a subjetividade do outro, o que só é possível em um ambiente democrático. De que forma o diretor pode realizar uma gestão democrática? PARO: Abrindo mão de trabalhar num sistema de relação vertical. Gerir não é mandar no outro. Os meios têm de ser adequados aos fins. E a finalidade da Educação, para mim, é formar indivíduos e cidadãos. Ora, isso sim é um objetivo democrático. Então, as maneiras eleitas para atingi-lo não podem ser contraditórias a essa meta. Parece-me muito mais interessante uma escola em que as decisões e as responsabilidades estão a cargo de um coletivo, e não ter apenas uma pessoa respondendo por tudo. Minha proposta é a formação de um conselho com quatro coordenadores: administrativo, financeiro, pedagógico e comunitário. Vi uma estrutura parecida a essa numa instituição da rede pública na cidade de São Paulo no início dos anos 2000. A diretora montou um colegiado com as duas coordenadoras e a vice-diretora. Antes de tomar qualquer decisão, ela conversava com essa equipe. O trabalho coletivo serve de inspiração também para os professores? PARO: A direção tem de se propor a circular pela escola e ouvir os que nela transitam. Em uma reunião com os professores, por exemplo, deve escutar e considerar as inquietações e demandas. Isso já faz com que o grupo se sinta respeitado e valorizado profissionalmente. Outra ideia é promover a leitura de textos críticos entre os docentes e reservar um tempo para conversar sobre o tema com eles, colocando assim todos na posição de sujeitos. Sem imposição, o gestor começa a liderar tanto no sentido técnico como no político. Esse é o primeiro passo para uma estratégia mais ousada, como a de estimular que um professor assista à aula de outro. A resistência inicial é normal, mas, em pouco tempo, eles estarão convidando os colegas para avaliar o seu plano de ensino e dar sugestões. Em efeito cascata, esse modo de ação coletiva atinge os alunos? PARO: Claro, desde que se mude a forma de avaliar. O teste é um componente importante, mas não pode ser o único a medir o progresso do estudante. Atualmente, as provas oficiais que balizam as escolas do Brasil, como o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), não mostram se o aluno é um sujeito com conhecimento histórico e crítico, que entende de música e cultura. Afinal, é esse repertório que faz com que ele se aproprie dos conteúdos de Matemática e Língua Portuguesa com mais facilidade. Basta olhar as boas notas de estudantes suíços e belgas no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). 50 UNIDADE 1 | DIVERSIDADE E CIDADANIA Qual é a melhor forma de avaliar conhecimentos e habilidades? PARO: O melhor avaliador é mesmo o professor, não por ser ele a aplicar as provas, mas por ser quem acompanha o aluno diariamente, em todas as suas manifestações, sendo ciente de seus avanços e suas dificuldades corriqueiras. Essa observação é muito mais rica do que qualquer prova escrita. Para que isso aconteça, além de o docente ser muito bem informado e preparado, é preciso que haja uma equipe mais perene nas escolas, capaz de compreender o desenvolvimento da criança ao longo do tempo. A alta rotatividade de gestores e docentes nas escolas é um inimigo para a gestão democrática? PARO: É um elemento importante. Isso é estimulado pela própria forma de prover o cargo. Nas redes que utilizam o concurso como forma de seleção, é comum o diretor começar sua carreira em uma unidade de periferia e acumular pontos para se transferir para um bairro mais seguro ou próximo da sua casa. Na escola que visitei para escrever meu livro, mesmo sendo em uma região central, isto aconteceu: comecei a pesquisa com uma diretora e terminei com outra. Como sua pesquisa foi estruturada? PARO: Acompanhei por um ano o dia a dia de uma escola de Ensino Fundamental de São Paulo. Durante esse tempo, assisti às aulas, observei o horário de trabalho pedagógico de professores e entrevistei a equipe gestora, os funcionários e os docentes. Meu objetivo foi,com base no material que já tenho publicado sobre gestão escolar, apontar os problemas e sugerir as possibilidades para que se estruture uma escola mais democrática. FONTE: Disponível em: <http://gestaoescolar.org.br/comunidade/entrevista-vitor- paro-professor-faculdade-educacao-usp-680062.shtml>. Acesso em: 25 ago. 2016. LEITURA COMPLEMENTAR O que são ações afirmativas? Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Tratam-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural. Entre as medidas que podemos classificar como ações afirmativas podemos mencionar: incremento da contratação e promoção de membros de grupos discriminados no emprego e na educação por via de metas, cotas, bônus ou fundos de estímulo; bolsas de estudo; empréstimos e preferência em contratos públicos; determinação de metas ou cotas mínimas de participação na mídia, na política e outros âmbitos; reparações financeiras; distribuição de terras e habitação; medidas de proteção a estilos de vida ameaçados; e políticas de valorização identitária. TÓPICO 3 | DIVERSIDADE COMO PRÁTICA: MULTICULTURALISMO, ALTERIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA 51 Sob essa rubrica podemos, portanto, incluir medidas que englobam tanto a promoção da igualdade material e de direitos básicos de cidadania como também formas de valorização étnica e cultural. Esses procedimentos podem ser de iniciativa e âmbito de aplicação público ou privado, e adotados de forma voluntária e descentralizada ou por determinação legal. A ação afirmativa se diferencia das políticas puramente antidiscriminatórias por atuar preventivamente em favor de indivíduos que potencialmente são discriminados, o que pode ser entendido tanto como uma prevenção à discriminação quanto como uma reparação de seus efeitos. Políticas puramente antidiscriminatórias, por outro lado, atuam apenas por meio de repressão aos discriminadores ou de conscientização dos indivíduos que podem vir a praticar atos discriminatórios. No debate público e acadêmico, a ação afirmativa com frequência assume um significado mais restrito, sendo entendida como uma política cujo objetivo é assegurar o acesso a posições sociais importantes a membros de grupos que, na ausência dessa medida, permaneceriam excluídos. Nesse sentido, seu principal objetivo seria combater desigualdades e dessegregar as elites, tornando sua composição mais representativa do perfil demográfico da sociedade. FONTE: Disponível em: <http://gemaa.iesp.uerj.br/dados/o-que-sao-acoes-afirmativas. html>. Acesso em: 15 ago. 2016. 52 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • O conceito de alteridade pode ser compreendido em diversos contextos, como na antropologia, filosofia e na educação. • A alteridade permite a discussão das relações sociais pela perspectiva da construção da nossa identidade e a partir do reconhecimento da identidade do outro. • O reconhecimento da diversidade faz parte da educação, pois aprendemos em contato e na relação com o outro. • Edgar Morin é um dos autores que elaboram o conceito de alteridade para a compreensão das relações sociais. • O multiculturalismo diz respeito à compreensão do valor intrínseco de cada cultura. • O paradoxo do multiculturalismo na educação reside no respeito das particularidades culturais e na manutenção do caráter transformador da educação. • A gestão democrática deve promover a transformação da educação e da sociedade através da inclusão social e respeito às diferenças. 53 1 O termo alteridade remete ao reconhecimento do papel do outro na construção da identidade e do conhecimento. É através do nosso relacionamento com o outro que entramos em contato com a subjetividade e elaboramos o autoconhecimento. A partir da noção de alteridade, avalie as afirmações e assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A alteridade permite a construção social da centralidade de nossa cultura em relação às demais. b) ( ) A alteridade é fundamental para a construção da identidade individual, pois representa um processo de contato com o próprio indivíduo. c) ( ) A alteridade representa o contato com o outro, o contato com as características, contextos e cultura de outros indivíduos. d) ( ) A alteridade nos apresenta outras culturas e outros saberes que reforçam a construção de uma postura etnocêntrica. 2 O multiculturalismo representa um desafio para a prática docente, na medida em que coloca diante do professor diferentes culturas, enquanto a produção científica é historicamente pautada em um padrão cultural homogeneizante. A partir desse contexto, avalie as asserções: I O multiculturalismo apresenta um paradoxo para a educação, pois é preciso transformar a visão heterogênea de cultura presente nos currículos em ação. PORQUE II A educação deve ser capaz de incorporar a multiculturalidade como pressuposto da prática didática. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. a) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é a justificativa correta da I. b) ( ) As asserções I e II são falsas. c) ( ) A asserção I é falsa, e a II é verdadeira. d) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não é justificativa correta da I. 3 A gestão democrática é essencial para a construção da cidadania e promoção do respeito e reconhecimento da diversidade. Classifique as afirmações com V para verdadeira e F para falsa: ( ) A gestão democrática promove a valorização do padrão dominante de cultura visando a promoção da cidadania. ( ) A gestão democrática promove a participação de todos no processo de tomada de decisão, incentivando a diversidade. ( ) A gestão democrática deve ser pautada na inclusão e na promoção de espaços coletivos e democráticos de diálogo. AUTOATIVIDADE 54 ( ) A gestão democrática é de responsabilidade do diretor e dos professores que devem apresentar as decisões aos alunos. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência correta: a) ( ) V – F – V – V. b) ( ) F – V – F – F. c) ( ) F – V – V – F. d) ( ) V – V – F – V. 55 UNIDADE 2 ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender a problemática das identidades de gênero e étnico-raciais no contexto escolar e histórico-social; • identificar a importância da inclusão social e escolar na diversidade; • abordar o tema diversidade no espaço escolar relacionado às questões le- gais do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 10.639/03 e a Lei nº 11.645/07. Esta unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles você encontra- rá atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE TÓPICO 2 – A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO TÓPICO 3 – DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO Assista ao vídeo desta unidade. 56 57 TÓPICO 1 DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, na Unidade 1 você foi apresentado ao contexto geral da relação entre educação e diversidade. Neste tópico, nossa reflexão será dedicada à compreensão da garantia à educação e ao respeito da diversidade como direitos da criança e adolescente previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A educação eo respeito à diversidade como direito resultam de lutas pelos direitos humanos em todo o mundo. A trajetória no que se refere às crianças e aos adolescentes não é diferente. A conquista desses direitos partiu do reconhecimento de um contexto social excludente e da luta pela garantia de cidadania e proteção a esses sujeitos. A legislação brasileira prevê a educação como direito de todos e dever do Estado. Por esta razão, conceber uma educação de qualidade perpassa pela inclusão de todos, sem distinção, na rede de ensino e no respeito às necessidades de cada indivíduo ao longo de seu percurso formativo. 2 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: RETRATOS DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL Caro acadêmico, na Unidade 1 foram discutidas as temáticas referentes aos diferentes tipos de diversidade e como o respeito à diversidade é fundamental para a garantia da cidadania. Não há cidadania sem o acesso e o respeito aos direitos humanos. No caso brasileiro, o direito à educação remete ao texto da Constituição Federal de 1988. A CF prevê a educação como direito de todos e dever do Estado. Contudo, historicamente, os caminhos de nossa sociedade configuraram uma realidade de exclusão social, de invisibilidade das crianças e adolescentes, especialmente aqueles em condições de vulnerabilidade. UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 58 As estatísticas apontam para uma configuração social em que a diversidade representa, em muitos casos, um sinônimo para falta de acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho, às tecnologias, ou seja, representa um sinônimo para exclusão social. Os infográficos a seguir são indicadores que representam as desigualdades e o acesso aos direitos sociais estratificados por cor/raça e sexo. FIGURA 13 - RENDA MÉDIA DA POPULAÇÃO SEGUNDO SEXO E COR/RAÇA FONTE: IPEA (2011). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/ images/stories/PDFs/livros/livros/livro_retradodesigualdade_ ed4.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. Quando observamos as diferenças na renda média da população brasileira, nos deparamos com uma realidade que nos mostra que a diversidade não é apenas uma característica cultural da identidade brasileira. A diversidade coloca determinados grupos – nesse caso em particular, negros e mulheres – em uma situação de exclusão. A distância entre a renda média de brancos e negros significa também uma distância de oportunidades, como no acesso às tecnologias que podem facilitar os estudos ou no acesso a recursos de saúde quando não há atendimento no Sistema Único de Saúde. Em outras palavras, a diversidade significa uma desvantagem para grande parte da população brasileira. E a educação? Como a diversidade pode ser observada quando analisamos o acesso à educação em nosso país? TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 59 FIGURA 14 - MÉDIA DE ANOS DE ESTUDO DA POPULAÇÃO OCUPADA COM 16 ANOS OU MAIS DE IDADE, SEGUNDO SEXO E COR/RAÇA - 1999 E 2009 FONTE: IPEA (2011). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_ retradodesigualdade_ed4.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. Duas características importantes para a compreensão da realidade da educação brasileira devem ser consideradas a partir dos dados apresentados acima: a diferença entre a média de anos de estudo de brancos e negros e o fato de que, mesmo diante do aumento da média de anos de estudo em uma década, a distância entre cor/raça ainda persiste. A população branca passa maior tempo na escola que a população negra. Não é suficiente ampliar o acesso à educação sem conhecer e considerar a diversidade de nossa população e o que ela representa em termos de desigualdades. Um dos desafios da educação se encontra na necessidade de superar nossas desigualdades históricas para que a educação como direito de todos não seja apenas uma utopia, mas a possibilidade de mudanças reais na vida da população. Por que o direito à educação é tão importante? Por que garantir educação de qualidade a todos é fundamental para superar as desigualdades sociais? Porque o reflexo da desigualdade no acesso à educação atinge outras áreas da vida das pessoas, como o mercado de trabalho. Observe o infográfico a seguir: UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 60 FIGURA 15 - TAXA DE DESEMPREGO DA POPULAÇÃO DE 16 ANOS OU MAIS DE IDADE, SEGUNDO SEXO E COR/ RAÇA FONTE: IPEA (2011). Disponível em: <http://www.ipea. gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_ retradodesigualdade_ed4.pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. Os índices de desemprego mostram que, proporcionalmente, os negros sofrem mais que os brancos com essa questão. Assim como entre mulheres e homens, elas somam maior número de desempregados. As mulheres negras são o grupo mais vulnerável ao desemprego. Outra situação para exemplificar as consequências da restrição ao acesso à educação? O percentual de indivíduos que necessita de apoio das políticas de assistência social para garantir condições mínimas de vida para suas famílias. Mercado de trabalho Taxa de desemprego da população de 16 anos ou mais de idade, segundo sexo e cor/raça. Brasil, 2009. TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 61 FIGURA 16 - DISTRIBUIÇÃO DOS DOMICÍLIOS QUE RECEBEM BOLSA FAMÍLIA, SEGUNDO COR/RAÇA DO/DA CHEFE FONTE: IPEA (2011). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/ images/stories/PDFs/livros/livros/livro_retradodesigualdade_ed4. pdf>. Acesso em: 12 out. 2016. Mais uma vez observamos a diversidade cultural de nossa população convertendo-se em desigualdade social: do total de famílias que recebem o Bolsa Família, 70% são formadas por negros. Ainda há muito que devemos conhecer para compreender o que representa a diversidade para a população brasileira, contudo, conhecer esses indicadores nos permite entender o protagonismo da educação em relação à garantia dos direitos e da cidadania. O respeito à diversidade exige de nós, educadores, compreender que para alcançar esse ideal devemos reconhecer em nossos alunos o que significa ser diverso. São diversos porque vivem em realidades diferentes, com contextos sociais, têm oportunidades, experiências de vida e expectativas diferentes em relação à escola. Respeitar a diversidade exige incluir todos no processo de ensino e aprendizagem, e incluir é muito mais que inserir alunos no espaço da escola. A educação é direito de todos. Como a legislação garante esse direito? Vamos conhecer esses pormenores na sequência. Legenda domicílios chefiados por brancos/as domicílios chefiados por negros/as Previdência e assistência social Distribuição dos domicílios que recebem Bolsa Família, segundo cor/ raça do/da chefe. Brasil, 2006. UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 62 3 BREVE HISTÓRIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A luta de movimentos sociais ao redor do mundo para transformar realidades como a que analisamos acima foi responsável por levantar o debate dos direitos da criança e do adolescente. Afinal, como garantir a cidadania, como preparar o sujeito para ser crítico e autônomo quando suas necessidades mínimas não são atendidas? O reflexo desse movimento levou à elaboração de uma série de documentos que garantem os direitos de crianças e adolescentes. O histórico da exclusão de crianças e adolescentes refere-se também ao tratamento que a lei previa, pois eram considerados como figurasincapazes, que necessitavam da tutela do Estado. Nas palavras de Veronese (2006, p. 7, grifo do original), esse direito: [...] tem sua origem a partir do questionamento dos movimentos sociais indignados com a realidade da criança e do adolescente brasileiros, afrontados na quase totalidade de sua cidadania. Essa indignação tornava-se maior à medida que se analisava o modo com que foram historicamente tratados pela legislação brasileira, ou seja, como meros objetos de intervenção, tutelados pela lei e pela justiça; situação essa que, pouco a pouco, desejamos que se transforme [...]. A representação da criança e do adolescente como sujeitos vem sofrendo alterações de acordo com as dinâmicas sociais. Destaca-se no trecho acima a representação presente na legislação brasileira dos sujeitos nessa faixa de idade como objetos de intervenção, em outras palavras, pela lei estavam distantes das noções de cidadania. TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 63 História Social da Criança e Família (1981) Os termos criança e família não possuíram sempre o mesmo significado que conhecemos hoje. Para conhecer as diferentes representações desses termos na história, Philippe Ariès nos mostra como as ações dos sujeitos moldam as sociedades. Entre os argumentos presentes na obra estão: a visão da criança como um adulto em miniatura sem vontade ou opinião própria que perdurou por muito tempo ao longo da trajetória de nossa sociedade; a infância como um sentimento da modernidade, pois a criança passa a ser útil para a sociedade; a crença de não haver diferenças entre adultos e crianças e, por esse motivo, crianças presenciavam todos os aspectos da vida social – inclusive jogos sexuais –; e a formação das instituições de ensino passando de asilos para instituições com hierarquia autoritária. FONTE: Disponível em: <http://www.historiadigital.org/livros/livro-historia-social- da-crianca-e-familia/>. Acesso em: 6 set. 2016. O contexto histórico nos permite compreender quais forças atuaram na direção da proteção à criança e ao adolescente. Inicialmente, é preciso reconhecer os desafios que se expressam em relação à criminalidade e à violência que atinge crianças e adolescentes em nosso país. Desse contexto social surge a necessidade de transformar a visão do Estado sobre tais questões. As transformações que iremos observar no Estado brasileiro estão incluídas em um contexto mais amplo de luta pela garantia dos direitos da criança e do adolescente em todo o mundo que tem expressão nos marcos institucionais e serão apresentados a seguir. A Declaração de Genebra é considerada o marco inicial para o debate da questão dos Direitos da Criança e do Adolescente, a partir dessa declaração foi estabelecida internacionalmente a garantia de uma proteção especial à criança. Essa proteção especial exigiu dos Estados uma reflexão sobre a forma como a infância era tratada na sociedade (VERONESE, 2006). Em 1948, mais um avanço no sentido da garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente tomou espaço na Organização das Nações Unidas (ONU): A Declaração Universal de Direitos Humanos. A declaração é o norte para a IMPORTANT E UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 64 elaboração de políticas públicas e para o avanço das legislações que passam a contemplar os direitos humanos como fundamentais. Para as crianças e adolescentes ficaram garantidos cuidados especiais. A Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente de 1959 representou avanços importantes ao colocar como responsabilidade dos Estados princípios e obrigações referentes ao tratamento prioritário de crianças e adolescentes. A declararão inicia garantindo o direito à igualdade sem distinção, ou seja, todas as crianças devem ter o mesmo acesso aos direitos, independentemente de suas particularidades de raça, religião ou posição econômica, por exemplo. Ainda nesse texto são garantidos o direito à proteção especial, oportunidades, condições de dignidade e liberdade, benefícios da previdência, direito à educação e cuidados especiais para crianças tanto física quanto mentalmente deficientes, além de amor e compreensão da família e da sociedade, direito à educação gratuita e ao lazer e a prioridade no atendimento em todas as circunstâncias. De maneira geral, as crianças passam a ter acesso ao direito de receber condições para seu pleno desenvolvimento. A questão da justiça para a infância e juventude ganhou centralidade através das normas estabelecidas pelas Regras de Beijyng, de 1985. As regras preveem a promoção do bem-estar da criança e do adolescente e de sua família, condições para o afastamento do crime e da violência, o reconhecimento desse grupo como parte integrante e ativa no processo de desenvolvimento social, além de delimitar as regras jurídicas para o tratamento de crianças e adolescentes. As regras de Beyjing fomentaram o debate e a elaboração de leis e políticas públicas ao redor do mundo. As medidas de proteção às crianças e adolescentes são reafirmadas na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1992. No texto resultante dessa convenção, os Estados americanos retomam os direitos garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, reforçando que o direito humano é garantido pelo simples fato de sermos humanos, independentemente do país em que vivemos ou de outras características particulares. O marco mais recente em relação à proteção e garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente foi a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, que estabeleceu a Doutrina da Proteção Integral. Os Estados signatários assumem o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes como fundamental e, mais uma vez, esse direito é garantido independentemente de suas particularidades. TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 65 FIGURA 17 - CARACTERÍSTICAS MARCANTES DA HISTÓRIA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES NO MUNDO FONTE: Adaptado de Veronese (2006) O direito à educação é mencionado como direito fundamental em todos os textos considerados como marcos históricos dos Direitos Humanos. A educação é capaz de permitir o pleno desenvolvimento do indivíduo. No caso das crianças e adolescentes, a educação é capaz de transformar suas realidades. Por esta razão, a importância do direito à educação garantida por lei é consenso em todo o mundo. Podemos destacar também marcos representativos para a garantia dos Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina. Na figura a seguir destacamos iniciativas latino-americanas para a proteção dos Direitos das Crianças e Adolescentes. FIGURA 18 - CARACTERÍSTICAS MARCANTES DA HISTÓRIA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA AMÉRICA LATINA FONTE: Adaptado de Saliba (2006) Declaração de Genebra de 1924 - garantia de proteção especial à criança. Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948 - previa direitos e cuidados especiais para a infância. Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959- representou princípios e não obrigações para os Estados. Regras de Beijyng de 1985 - estabeleceram normas para a Justiça da Infância e da Juventude. Convenção Americana de Direitos Humanos de 1992 - estabeleceu medidas de proteção para as crianças. Convenção Internacio- nal sobre os Direitos da Criança de 1989 – consagrou a Doutrina da Proteção Integral. UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 66 A partir da Convenção Americana dos Direitos Humanos, em toda a América Latina tornou-se obrigatório o respeito a princípios jurídicos básicos. Essa mudança levou à substituição da doutrina da situaçãoirregular para uma nova doutrina, chamada de doutrina da proteção integral. Com a doutrina da proteção integral a legislação passou a apresentar maneiras eficientes de defesa e promoção dos Direitos Humanos para crianças e adolescentes (SALIBA, 2006). Doutrina da Situação Irregular: Com essa doutrina havia uma distinção entre crianças e adolescentes e menores. Quem eram os menores? Aquelas crianças e adolescentes excluídos da sociedade, da escola, da saúde, da família. Com essa visão a pobreza era criminalizada, pois em caso de infrações, os menores eram privados de sua liberdade. Nessa doutrina a infância era objeto de proteção e o poder de ação sobre ela estava concentrado na figura do juiz (SALIBA, 2006). Doutrina da Proteção Integral: Em oposição à situação irregular, a proteção integral seria uma situação na qual os direitos ao bem-estar e vida digna estivessem à disposição de crianças e adolescentes. Partindo desse pressuposto, a situação irregular é tida como anormal - nesses casos ocorrem as privações econômicas, físicas e sociais. As medidas socioeducativas são protagonistas na recuperação e reinserção social dessas crianças e adolescentes (SALIBA, 2006). Mesmo diante dos avanços observados até aqui, é importante ressaltar que o atendimento e a proteção de crianças e adolescentes nos moldes estabelecidos pelos textos legais estão distantes de alcançar a todos. Por esse motivo ressaltamos a diversidade como tema fundamental para a educação. Todos os dias, nas escolas, surgem desafios relacionados à restrição no acesso aos direitos fundamentais e às consequências da exclusão de determinados grupos sociais. 4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecido como ECA, representa um significativo avanço da legislação brasileira no sentido de superar entraves históricos no que compete à realidade de exclusão vivida por crianças e adolescentes em nosso país. A essa altura você já deve ter se perguntado: Por que é importante conhecer o ECA? Como o ECA pode influenciar no contexto educacional? Nosso propósito nesse tópico é apresentar a você, acadêmico, o universo da criança e do adolescente pela visão do ECA e suas implicações para o direito à diversidade. NOTA TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 67 Chegou o momento de conhecer melhor o ECA e os desafios que persistem mesmo após os significativos avanços promovidos pela mudança da visão do Estado a respeito das crianças e adolescentes em nosso país. FIGURA 19 - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA FONTE: Disponível em: <http://petitebox.com.br/blog/wp- content/uploads/2016/07/eca-300x300.png>. Acesso em: 29 set. 2016. É importante ressaltar que o Direito da Criança e do Adolescente surge a partir da organização popular diante da realidade social na qual as crianças e adolescentes brasileiros estavam inseridos. Dessa forma, mesmo representando um avanço no sentido de garantir direitos e deveres a esse grupo social, o ECA se depara com a constituição social historicamente excludente do Brasil. Diante dessa realidade, como caminha a legislação brasileira? Quais direções são apontadas para a garantia do direito à diversidade e à cidadania? Como a educação pode ser um instrumento para promover o acesso e a garantia a esses direitos? Em termos conceituais é desafiador elaborar uma definição restrita para o Direito da criança e do adolescente, contudo, é possível afirmar que cabe a essa área do Direito garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Nessa visão, entende-se por criança e adolescente o sujeito em processo de desenvolvimento. Vale lembrar que os direitos da criança e do adolescente não é contemplado apenas no ECA, porém esse é o instrumento central de proteção dos direitos e garantia da cidadania (VERONESE, 2006). O ECA brasileiro é reconhecido internacionalmente por seu caráter inovador e avançado, porém ainda distante de uma consolidação prática: O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990 é reconhecido internacionalmente como um dos mais avançados diplomas legais dedicados à garantia dos direitos da população infantojuvenil. No entanto, suas disposições - verdadeiramente revolucionárias em muitos UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 68 aspectos - ainda hoje são desconhecidas pela maioria da população e, o que é pior, vêm sendo sistematicamente descumpridas por boa parte dos administradores públicos, que fazem da prioridade absoluta e da proteção integral à criança e ao adolescente, princípios elementares/ mandamentos contidos tanto na Lei nº 8.069/1990 quanto na Constituição Federal, que como tal deveriam ser o foco central de suas preocupações e ações de governo, palavras vazias de conteúdo, para perplexidade geral de toda sociedade (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013, p. 1). O ECA encontra-se dividido em dois tomos: no Livro I – Parte Geral e no Livro II – Parte Especial. Na Parte I são apresentados os direitos fundamentais: à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção do trabalho e à prevenção. No Livro II são apresentadas a política de atendimento, das entidades de atendimento, das medidas de proteção, das medidas específicas de proteção, da prática do ato infracional, dos direitos individuais, das garantias processuais, das medidas socioeducativas, das medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, do conselho tutelar e do acesso à justiça da infância e da juventude. Caro acadêmico, quais seriam então os princípios a serem seguidos a partir de uma interpretação do ECA? De acordo com Veronese (2006, p. 17): [...] os fins sociais, o bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição da pessoa humana em desenvolvimento. Esse último princípio estabelece uma condição relevante para diferenciar o tratamento da criança e adolescente a partir de um ponto de vista privilegiado, ou seja, prioritário [...]. Assim, os preceitos do direito comum são válidos no que concerne ao Estatuto e, ainda: a) Exigência do bem comum – com o escopo de atender aos interesses de toda a sociedade. b) Direitos e deveres individuais e coletivos – levando em consideração a sistemática dos direitos resguardados pelo Estatuto. c) Condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento – considerado como o norte basilar do Estatuto, deve seu aplicador sempre procurar medidas mais adequadas à proteção da criança e do adolescente. Por tratar-se de um ser em desenvolvimento, merece toda atenção propiciada aos adultos, mais algumas peculiares à sua condição. Pode o julgador, inclusive, contrariar certos dispositivos legais a fim de melhor proteger à criança e ao adolescente no caso concreto. Em outras palavras, a partir do ECA a forma como o Estado e a sociedade se relacionam com crianças e adolescentes se transforma, pois crianças e adolescentes passam a ser prioridade. Isso significa que direitos e deveres individuais e coletivos desse grupo devem ser privilegiados. O atendimento direcionado a crianças e adolescentes deve respeitar as necessidades mais adequadas ao seu desenvolvimento. TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 69 FIGURA 20 - DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE FONTE: A autora. Pode-se perceber avanços significativos em relação à proteção de crianças e adolescentes com o ECA. Entretanto, as críticas e as declarações de apoio ao ECA remetem a um paradoxo: Na sociedade brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente sofre umacrítica ambígua: por um lado, ele supostamente protege em demasia o infrator, sendo conivente com suas práticas e extremamente permissivo; por outro, é bastante elogiado por um segmento que vê na suposta função educativa a expressão da democracia (SALIBA, 2006, p. 16). Ainda que considerado inovador e reconhecido pelo potencial transformador, fica evidente que o caminho a ser percorrido para que a legislação de proteção integral da criança e do adolescente seja colocada em prática é longo. Na figura a seguir você pode observar os direitos presentes no ECA mais conhecidos e divulgados em nossa sociedade. UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 70 ECA comemora 25 anos com desafios no campo da educação E-book gratuito "Salvar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)" é lançado em São Paulo. Para conhecer mais sobre os avanços e desafios dos 25 anos do ECA, a obra traz especialista da área de educação para avaliar os impactos da legislação no campo educacional brasileiro. FONTE: VALLE, Leonardo. ECA comemora 25 anos com desafios no campo da educação. Instituto NET Educação. Disponível em: <http://www.neteducacao. com.br/noticias/Reportagem/eca-comemora-25-anos-com-desafios-no-campo- da-educacao>. Acesso em: 28 set. 2016. Outro tema polêmico em relação ao ECA é a adoção das medidas socioeducativas diante de uma infração cometida por crianças e adolescentes. O objetivo dessas medidas é educar o sujeito que cometeu a infração, reconhecendo que o formato de pena até então utilizado não era capaz de educá-los. Dessa forma, além da valorização da educação ao reforçá-la como direito das crianças e adolescentes, o caráter pedagógico do ECA pode ser considerado pela concepção das medidas socioeducativas. Essas medidas devem educar o infrator, proporcionar a ele a oportunidade de aprender com seus erros. Medidas Socioeducativas Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta sua capacidade de cumpri-la, às circunstâncias e à gravidade da infração. § 2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. As medidas socioeducativas são destinadas aos adolescentes acusados de práticas infracionais, DICAS NOTA TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 71 porém, é importante destacar que mesmo as medidas pertencendo ao gênero de sanção estatal não podem ser consideradas como penas. As penas possuem características punitivas, enquanto as medidas socioeducativas são consideradas pedagógicas, o objetivo é educar o adolescente (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013). Nesse sentido, a função educativa do ECA é concebida como forma de promover a democracia, porém, como ocorre a função educativa nas práticas judiciais? No ECA, a ‘função educativa’ tem lugar privilegiado, pelo menos teoricamente, no conjunto das práticas judiciais. Preconiza que todas as medidas a serem aplicadas aos adolescentes infratores devem ter por objetivo sua reeducação, visando ao ‘preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho’. Dessa forma, os técnicos judiciais (assistente social, psicólogo e eventuais educadores que trabalham no programa de liberdade assistida) são responsáveis pela aplicação de medidas socioeducativas e pela avaliação de seus resultados (SALIBA, 2006, p. 17). Em outras palavras, cabe à aplicação das medidas socioeducativas promover um processo de reeducação do menor infrator, visando, através dessas atividades, preparar esse sujeito para o exercício da cidadania e a inserção no mercado de trabalho. A construção do ECA foi resultado de uma mudança de concepção da sociedade ao reconhecer que o tratamento conferido a crianças e adolescentes pela legislação ampliava a exclusão social. Com o ECA o tratamento de crianças e adolescentes se torna prioritário através da Doutrina da Proteção Integral e as medidas socioeducativas imprimem um caráter pedagógico no tratamento daqueles que cometem infrações. 5 O DIREITO À EDUCAÇÃO NO ECA Já vimos até aqui que, a partir do ECA, a criança e adolescente possuem atendimento prioritário e que a estrutura do ECA prevê medidas pedagógicas para lidar com as infrações. E como a educação é tratada no texto do estatuto? O direito à educação é garantido como direito fundamental pelo ECA juntamente com a garantia da cultura, esporte e lazer como direitos: CAPÍTULO IV - DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 72 I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013, p. 74, grifos do original). A educação como direito tem por objetivo proporcionar o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes. No contexto desse pleno desenvolvimento estão o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Como foi mostrado no início desse tópico, para que todos possam ter seu pleno desenvolvimento garantido é preciso reconhecer as desigualdades sociais. Nesse sentido, o ECA prevê o direito de acesso e permanência na escola para todos, o direito de ser respeitado – independentemente de suas particularidades –, o direito a participar das discussões pedagógicas na escola e o direito de ter uma escola próxima à sua residência. Esses direitos só poderão ser garantidos se houver o respeito às diversidades, caso contrário a educação não será um direito de todos, mas privilégio de poucos. Além disso, o ECA estabelece alguns princípios que deverão direcionar a educação brasileira em consonância com a Constituição Federal de 1988 (ver Unidade 1). Entre as direções estabelecidas está a superação da educação como sinônimo de ensino dos conteúdos tradicionais – divididos em disciplinas como português, matemática, história, geografia etc. A educação deverá construir as bases necessárias ao exercício da cidadania (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013). Meu amigo Nietzsche (2013). Direção de Fáuston da Silva. O curta-metragem brasileiro Meu Amigo Nietzsche mostra uma maneira sarcástica e irresistivelmente divertida de abordar o analfabetismo funcional e a síndrome crônica que abate a educação no Brasil. Crítico às instituições formadoras e conservadoras da sociedade brasileira – a escola, a família e a igreja –, o filme de Fáuston da Silva conta a guinada do menino Lucas, que encontra um exemplar de “Assim Falou Zaratustra”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, no lixão e começa a lê-lo. Logo o curta se revela uma trama de maturação, pois Lucas, antes considerado um “péssimo aluno”, realmente devora o livro e passa a dominarconceitos, a falar bonito e a expor raciocínios exuberantes. Mas, ao invés de colher admiração, acaba assustando sua mãe e sua professora, agora aflitas na tentativa de diagnosticar o mal que atormenta o garoto: para a mãe, aquilo é coisa do demônio e só a igreja o salvará; para a professora, é o surgimento de uma potencial liderança nociva. Feito a partir de recursos evidentemente limitados, Meu Amigo Nietzsche é um sopro de autenticidade se considerarmos que a maioria dos filmes sobre a periferia (o curta se passa DICAS TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 73 na Cidade Estrutural, periferia do Distrito Federal) assinala a violência como protagonista na denúncia da desigualdade social. Ao apontar sua câmera para a educação e tratar do tema com humor e muita fluência narrativa, Fáuston já se diferencia e conquista a plateia. O sucesso da abordagem vem acumulando prêmios, com boas passagens pelo Festival de Brasília e pelo Clermont-Ferrand, tradicional festival francês dedicado aos curtas- metragens, onde Meu Amigo Nietzsche faturou o prêmio do público e o de melhor comédia da competição. A obra cria expectativa sobre o nome de Fáuston e sugere que o cinema do Distrito Federal, que recentemente nos trouxe o ótimo Branco Sai Preto Fica, vive um bom momento. FONTE: Meu amigo Nietzsche. Cine Festivais. Disponível em: <http:// cinefestivais.com.br/criticas/meu-amigo-nietzsche-de-fauston-da-silva/>. Acesso em: 16 set. 2016. A educação é essencial para o exercício da cidadania e, devido à sua relevância para nossa sociedade, não pode ser tomada como tarefa exclusiva do Estado através da escola: A Constituição Federal de 1988 trouxe várias mudanças que aprimoram o conceito do direito à educação. Além de reiterar a obrigatoriedade e a gratuidade, o texto constitucional considera que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, podendo compelir autoridade competente a responder pelo seu não cumprimento. Com isto, os pais têm uma poderosa arma na defesa do direito de educar seus filhos, caso prefeitos, governadores ou secretários da educação não estejam oferecendo oportunidade de educação gratuita a todos [...] O art. 55 refere-se à obrigação dos pais ou responsável de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino, de forma que os que não cumprirem o dispositivo em apreço deverão ser chamados a responder pela não matrícula, podendo, nessas hipóteses, o Conselho Tutelar Municipal adotar medidas que considere adequadas ao caso (VERONESE, 2006, p. 45-46). O acesso à educação é dever do Estado e os pais devem lutar para que seus filhos tenham esse direito garantido, bem como devem ser atuantes no acompanhamento das atividades de seus filhos na escola, contribuindo para seu sucesso. De acordo com o ECA (1990), a tarefa de educar não é de responsabilidade única da escola, a educação também é tarefa da família e da comunidade, ou seja, cabe ao Estado a garantia do acesso à educação, porém a tarefa de educar é de toda a sociedade: da escola, da família e da comunidade. UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 74 A importância da participação de pais e alunos nas decisões da escola será retomada ao fim dessa unidade. Tendo como norte a construção da cidadania, a educação deve, também, preparar o sujeito para o mundo do trabalho. Como realizar essa tarefa? É necessário preparar o sujeito para o trabalho através da qualificação profissional e, ao mesmo tempo, prepará-lo para conhecer seus direitos fundamentais (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013). Observe na charge de Amâncio a representação da distância que persiste entre a garantia do acesso à educação na legislação e a realidade da sociedade brasileira. FIGURA 21 - DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-tlvkbpoF2ro/ Tvc05jzSWuI/AAAAAAAAARQ/sV79BegImGA/s1600/ensino- publica-charge-de-amancio.jpg>. Acesso em: 29 set. 2016. O conhecimento dos seus direitos fundamentais é previsto também pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - Lei nº 9.394, de 1996. A LDB prevê de forma obrigatória o ensino de conteúdos vinculados aos direitos das crianças e dos adolescentes (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013). Sintetizando as informações analisadas até aqui, pode-se afirmar que o ECA prevê: • direito à educação; • direito ao acesso e permanência na escola; ATENCAO TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 75 • direito ao respeito dos educadores para com os alunos; • direito à participação nos processos de decisão, como o questionamento dos critérios de avaliação; • direito à participação nas esferas de atuação estudantil no espaço da escola; • direito do acesso a uma escola próxima do local em que vive; • direito ao Ensino Fundamental obrigatório e gratuito. Esses direitos se estendem a todos sem qualquer distinção ou preconceito em relação às características individuais das crianças e adolescentes. A educação como direito contempla o respeito à diversidade. 6 A DIVERSIDADE NO ECA A diversidade é um aspecto marcante da cultura brasileira. A histórica miscigenação da nossa população, baseada no tripé: indígenas, europeus e negros, formou o Brasil que conhecemos hoje. Somos uma sociedade multirracial e esta multiplicidade de cores, raças e etnias pode ser interpretada de variadas formas. Para além da questão étnico-racial, a escola recebe indivíduos com multiplicidade de características religiosas, de orientação sexual, de posicionamento político, ou seja, com crenças e valores diversos. Logo, se a escola é para todos, a multiplicidade deve integrar o processo de ensino e aprendizagem em todos os seus momentos e espaços. As garantias referentes ao respeito à diversidade são reforçadas em diversos momentos no texto do ECA. Como mencionado no item anterior, no artigo referente à educação fica garantido o acesso e a permanência na escola para todas as crianças e adolescentes, o direito de ser tratado de forma respeitosa pelos professores, da possibilidade de discutir as questões pedagógicas, como os processos avaliativos, e o direito à participação nas entidades estudantis, como o grêmio estudantil. FIGURA 22 - DIVERSIDADE NA ESCOLA FONTE: Disponível em: <https://3.bp.blogspot. com/-K6g6AVluASo/VziGxvD1teI/AAAAAAAACAU/_ Rt5XFunWY04uv6Dl9IpXZvcicMkbnLqwCKgB/ s1600/o%2Brespeito.jpg>. Acesso em: 29 set. 2016. UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 76 Ainda no que diz respeito ao direito à educação, é previsto pelo ECA o atendimento na rede regular de ensino de crianças e adolescentes com deficiência. O acesso desses sujeitos à educação deverá ocorrer através da sua inserção no ensino regular. Para além dessas garantias, também integram o ECA: Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura. Art. 59. Os Municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013, p. 84). No ECA, o respeito à diversidade cultural integra o aporte dos direitos das crianças e dos adolescentes. Em outras palavras, as diversas formas culturais devem ser respeitadas e, além disso, deve-se estimular o contato com diferentes representações culturais. Nesse sentido, enquanto a diversidade não for reconhecida como um desafio que persiste em nossasociedade, as desigualdades apresentadas no início desse tópico permanecerão. O direito à diversidade é garantido pela lei porque é fundamental para o desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes. Uma educação de qualidade deve contemplar aspectos culturais, artísticos e históricos de diversos grupos. É necessário superar a primazia de conteúdos que privilegiam grupos específicos e valorizar conteúdos que mostrem a diversidade pela qual nossa sociedade é composta. Entre os desafios para alcançar o respeito à diversidade, como previsto no ECA, está a dificuldade em reconhecer as diferenças sem classificá-las, compreender que cada indivíduo possui características e necessidades que advêm da sua trajetória de vida e do grupo social ao qual pertence. Respeitar a diversidade exige que nossas ações se guiem pela ética. Nenhum grupo humano e social pode ser considerado como melhor que outro. O reconhecimento de que cada grupo é diferente é um avanço significativo para a construção dos direitos sociais (GOMES, 2007). LEITURA COMPLEMENTAR Convenção dos Direitos da Criança - Direito de Todos A Convenção dos Direitos da Criança é o mais amplo tratado internacional de direitos humanos já ratificado na história. TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 77 É composta de um Preâmbulo e 54 artigos divididos em três partes: a Parte I, definidora e regulamentadora, dispõe em substância sobre os direitos da criança; a Parte II estabelece o órgão e a forma de monitoramento de sua implementação; a Parte III traz as posições regulamentares do próprio instrumento. O Preâmbulo explicita a base jurídica da Convenção, definindo também sua filosofia, ao afirmar que a criança deve, por um lado, "crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão" e, por outro, "Estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade". O artigo 1º define juridicamente a criança como "todo ser humano com menos de dezoito anos de idade". Observa-se que a Convenção articula todos os direitos civis, políticos, culturais, sociais e econômicos das crianças: liberdade de expressão, de pensamento, de consciência e de crença, de acordo com sua idade e sua maturidade; direito à proteção e assistências especiais do Estado; direito de gozar do melhor padrão de vida possível; direito à pensão alimentícia; direito à educação; direito de serem protegidas contra o uso ilícito de drogas; direito à proteção contra a tolerância econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa interferir no seu desenvolvimento físico e mental. A Convenção é baseada em quatro princípios fundamentais: não discriminação; ações que levam em conta o melhor interesse da criança; direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; respeito pelas opiniões da criança, de acordo com a idade e maturidade. Esses princípios orientam as ações de todos os interessados, inclusive das próprias crianças, na realização de seus direitos. Portanto, foi concebida com as seguintes preocupações e observações: 1. A participação da criança em suas próprias e destinadas decisões afetivas. 2. A proteção da criança contra a discriminação e todas as formas de desprezo e exploração. 3. A prevenção de ofensa à criança. 4. A provisão de assistência para suas necessidades básicas. A Convenção foi ratificada por 192 países (apenas Estados Unidos e a Somália ainda não aderiram). Desde 1990, mais de 70 países já incorporaram na sua legislação nacional estatutos sobre o tema, e efetuaram reformas jurídicas baseadas nos dispositivos da Convenção. [...] DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR Essa doutrina era adotada pelo Código de Menores de 1979 e deu origem a um conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança específico, os que se encontravam em situação irregular, como os infratores. O Código de Menores, baseando-se nessa doutrina, não enxergava a criança como sujeito de direitos, observando-a apenas no âmbito penal. Ele se colocava UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 78 como uma legislação tutelar do qual resultou um sistema processual punitivo inquisitório. Dessa forma, percebemos a importância da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que significou uma verdadeira revolução, ao adotar a doutrina da proteção integral. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL Foi preciso que a sociedade, como tal, reconhecesse que era extremamente importante o tratamento da criança e do adolescente como uma questão prioritária. Assim, muitos teóricos do Direito, como também aqueles envolvidos nas questões relativas à criança e ao adolescente, estabeleceram a Doutrina da Proteção Integral, que consiste no tratamento da questão da criança e do adolescente como prioridade absoluta. Portanto, proteção integral significa que toda criança deve ser protegida e ter seu pleno desenvolvimento garantido pela família, pelo Estado, pela comunidade e pela sociedade. Esta doutrina tem presença marcante nos documentos internacionais. De tanto ter sido consagrada em nível mundial, foi incorporada na Constituição de 1988, e, consequentemente, no ECA. Este, logo em seu artigo 1º, ressalta este princípio como sendo a orientação para todo o restante de seu conteúdo. Todavia, a criação da doutrina da proteção integral não é recente, pois já era encontrada na Declaração de Genebra de 1924, que falava da "necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial", como também na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, referindo-se ao direito da criança a cuidados e assistência especiais. Nesse mesmo sentido, há a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (San José, 1969), dizendo que o menor, por sua própria condição, tem direito a medidas de proteção. Mais recentemente, as Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (1985) e as Regras Mínimas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (1990), que decorreram de Assembleias Gerais da ONU, versaram sobre esse tema. O texto constitucional, em especial nos artigos 227 e 228, "destruiu" a antiga rotina das crianças em "situação irregular", onde suas opiniões eram postergadas e o Estado/Juiz definia, de forma absoluta, seus destinos, para construir a moderna doutrina da "proteção integral", onde, de fato, as crianças passaram a ser sujeitos de direitos e não meros espectadores dos deslindes do Estado sobre suas vidas. [...] AS FORMAS PELAS QUAIS O ESTADO ASSEGURA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS As ações do Estado visando implementar os direitos da criança têm de ser profundas, garantindo o acesso à escola, através de investimentos e, também, TÓPICO 1 | DIREITOS E CIDADANIA NA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 79 de incentivos aos pais, garantindo a sua saúde, através de políticas de vacinação, saneamento básico, habitação digna, manutenção do sistema público, a sua segurança por um acompanhamento direto do Estado, da sociedade, e apoio judiciário. Os desdobramentos para a garantia dos direitos da criança levam à necessidade da funcionalidade da sociedade, pois estas são, de todos, as que mais necessitam de sua proteção. O Estado deve agir em conjunto com a sociedade, sanando seus problemas para que a sua semente nasça e cresça em um país melhor, onde as futuras sementes gozem de suas liberdades e deveres como verdadeiros seres humanos que são. PROBLEMAS RELACIONADOS À MORTALIDADE INFANTIL, EVASÃO ESCOLAR, DESNUTRIÇÃO, FOME E MISÉRIA DAS CRIANÇAS NO BRASIL PROSTITUIÇÃO INFANTIL É um problema que existe na maioria dos países do Terceiro Mundo. Segundo cálculos do Unicef, no Brasil, cerca de 2 milhões de jovens entre 10 e 15 anos estãoem prostituição ou em vias de se prostituir. O Brasil assinou, mas não ratificou o Protocolo Opcional para a Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente para a venda, prostituição e pornografia infantil, assim como as medidas básicas necessárias para a prevenção e erradicação dessas violações ou o Protocolo para a Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças, suplementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. [...] FONTE: CORBELLINI, Gisele. Convenção dos Direitos da Criança - Direito de Todos. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/conven%C3%A7%C3%A3o- dos-direitos-da-crian%C3%A7a-direito-de-todos>. Acesso em: 6 set. 2016. 80 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • O ECA representou um avanço para a legislação ao priorizar a questão da criança e do adolescente. • O Direito da Criança e do Adolescente surgiu através da organização popular. • As transformações na legislação garantiram o direito à cidadania para crianças e adolescentes antes excluídos desse contexto. • Entre os documentos internacionais criados para proteger os direitos das crianças e dos adolescentes destaca-se a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças como elemento central para a consolidação desse movimento na América Latina. • A Doutrina da Situação Irregular estabelecia uma divisão da infância entre crianças, adolescentes e menores. Os menores eram o grupo excluído socialmente em decorrência de seu contexto de vulnerabilidade. • A Doutrina da Proteção Integral garante a prioridade absoluta no tratamento das crianças e dos adolescentes. • O Direito da Criança e do Adolescente pode ser definido como a área do Direito que visa garantir os direitos fundamentais desse grupo. • As críticas ao ECA no Brasil apontam para a proteção excessiva de crianças e adolescentes que cometem infrações. • Em contraponto às críticas, o ECA é elogiado por suas medidas educativas em relação àqueles que cometem infrações. • O direito à educação no ECA prevê a educação como base para a construção da cidadania. • No texto do ECA fica garantido o acesso à educação, mas a tarefa de educar é entendida como responsabilidade da escola, da família e da comunidade. • O direito à diversidade é contemplado no ECA, pois o Estatuto garante o acesso e a permanência na escola, o tratamento respeitoso, a participação na construção do projeto pedagógico e a representação nas entidades estudantis a todos. 81 AUTOATIVIDADE 1 O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o atendimento de todas as crianças e adolescentes da rede de ensino. Partindo desse pressuposto, a educação escolar é garantida pela lei a crianças e adolescentes com deficiências. Considerando esse contexto, analise as sentenças e assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O atendimento às crianças e adolescentes com deficiência deve ocorrer através de sua inserção na rede regular de ensino. b) ( ) As crianças e adolescentes serão inseridos na educação básica através do atendimento em instituições especiais de ensino. c) ( ) O ensino domiciliar deverá ser a forma de atendimento de crianças e adolescentes com deficiência. d) ( ) A rede de ensino regular poderá optar pelo atendimento ou não de crianças e adolescentes portadores de deficiência em suas turmas regulares. 2 O contexto histórico da luta pela proteção dos direitos da criança e do adolescente inicia com o reconhecimento dos desafios relacionados ao contexto de criminalidade e violência no qual muitos desses sujeitos encontram-se inseridos. A partir dessa realidade impõe-se a mudança de visão do Estado sobre a questão. Esse processo ocorreu em todo o mundo e foi marcado por diversos acordos internacionais. Considerando esse contexto, classifique as alternativas utilizando o código a seguir: I – Declaração de Genebra. II – Declaração Universal dos Direitos da Criança. III – Convenção Americana de Direitos Humanos. IV – Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. ( ) Garantiu medidas de proteção para as crianças. ( ) Estabeleceu a Doutrina da Proteção Integral. ( ) Representou a garantia de proteção especial à criança. ( ) Estabeleceu os princípios e obrigações para o Estado. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) IV – II – I – III. b) ( ) II – IV – III – I. c) ( ) III – IV – I – II. d) ( ) I – III – II – IV. 3 A partir do reconhecimento da sociedade em relação à importância do tratamento prioritário à questão da criança e do adolescente, surgiu a Doutrina da Proteção Integral. Considerando as características da Doutrina da Proteção Integral, analise as afirmações a seguir e assinale V para verdadeira e F para falsa: 82 ( ) A Doutrina da Proteção Integral resultou do esforço dos governantes, independente do contexto das lutas sociais. ( ) O tratamento da criança e do adolescente como prioridade absoluta é o princípio da Doutrina da Proteção Integral. ( ) A Doutrina da Proteção Integral é elemento marcante em diversos documentos internacionais sobre a criança e o adolescente. ( ) A Doutrina da Proteção Integral é realidade nos países da América Latina devido a suas características diversas em relação aos demais continentes. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – F. b) ( ) V – F – V – F. c) ( ) V – F – F – V. d) ( ) F – V – V – F. 83 TÓPICO 2 A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO O direito à educação é garantido pela legislação a todos. Para tornar o texto da lei em realidade é preciso transformar a educação e buscar recuperar o atraso deixado por séculos de segregação social. Caro(a) acadêmico(a), na Unidade 1 você conheceu os desafios teóricos da relação entre inclusão e educação, bem como foi apresentada em linhas gerais a política de inclusão. Neste tópico, abordaremos os pormenores dessa política e suas implicações para a educação. No primeiro tópico você foi apresentado à legislação que garante os direitos das crianças e adolescentes, agora iremos conhecer as políticas criadas para garantir o acesso e a permanência de todos na escola através da noção de inclusão social. Caro acadêmico, o termo inclusão social é utilizado em diferentes contextos. Você conhece alguma iniciativa de inclusão social em sua comunidade? Converse com seus colegas a respeito de iniciativas que promovam a inclusão de pessoas com necessidades especiais em diferentes situações e reflita sobre a importância dessas ações na garantia do direito à diversidade. 2 INCLUSÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA A inclusão social é reconhecida como ferramenta para a garantia do direito à diversidade na sociedade. As ações de inclusão social são usualmente destinadas às pessoas com deficiência tendo por objetivo garantir seu espaço na sociedade. O uso do termo inclusão remete a processos que visam incluir pessoas ou grupos sociais que por algum motivo encontram-se marginalizados na sociedade. Partindo desse pressuposto, a inclusão social deve proporcionar oportunidades iguais para os indivíduos que por uma determinada característica encontram-se ATENCAO 84 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO excluídos socialmente, por exemplo, pessoas com deficiências físicas e intelectuais ou grupos que pela posição econômica não têm acesso aos mesmos direitos e oportunidades previstos pela legislação. As crianças e adolescentes que devem ser incluídos socialmente são aqueles que não têm acesso aos direitos previstos pela CF e pelo ECA, como o direito ao acesso à educação. O debate sobre inclusão social é importante porque a exclusão decorre da distância entre a garantia dos direitos prevista na legislação e arealidade da população brasileira. Como vimos no Tópico 1, indicadores mostram que a diversidade social se encontra convertida em desigualdades no acesso a direitos humanos fundamentais, como saúde e educação. Inclusão Social A Secretaria Especial dos Direitos Humanos[1] resume alguns dados que podemos considerar como exemplos de exclusão social: - 125 milhões de crianças no mundo não frequentam a escola, sendo dois terços delas mulheres. - Somente 1% dos deficientes físicos frequentam a escola em países subdesenvolvidos e emergentes. - 12 milhões de crianças morrem por problemas relacionados à falta de recursos por ano. Vale lembrar que, por exemplo, se uma pessoa é de determinada etnia, ou cor, ou se ela possui algum tipo de deficiência física ou é portadora de necessidades especiais, ela não é automaticamente uma pessoa socialmente excluída. No entanto, se a sociedade não oferece condições e faz com que qualquer uma dessas características se torne um impeditivo à liberdade humana, então há um caso de exclusão social. Portanto, mais do que uma expressão, a exclusão social é, de certo modo, uma forma de violência ao ser ou à dignidade humana, pois impede que um indivíduo exerça a sua cidadania por razões eticamente não justificáveis. [1] Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ética e cidadania: construindo valores na escola e na sociedade. Brasília: Ministério da Educação, SEIF, SEMTEC, SEED, 2003. Disponível em: <http://www.oei.es/quipu/brasil/ec_inclu.pdf>. FONTE: Mundo Educação. Inclusão Social. Disponível em: <http:// mundoeducacao.bol.uol.com.br/educacao/inclusao-social.htm>. Acesso em: 17 set. 2016. Na relação entre inclusão social e educação é preciso considerar que existem no universo da escola diferentes representações de necessidades especiais que necessitam da atenção do Estado, da gestão e do corpo docente. O próprio uso do termo necessidades especiais necessita de reflexão: NOTA TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 85 Necessidades Educacionais são as demandas apresentadas pelos sujeitos para aprender o que é considerado importante para a sua faixa etária, pela comunidade à qual a escola faz parte. Necessidades Educacionais Especiais são aquelas demandas exclusivas dos sujeitos que, para aprender o que é esperado para o seu grupo de referência, precisam de diferentes formas de interação pedagógica e/ou suportes adicionais [...] (GLAT; BLANCO, 2007, p. 25-26, grifo do original). Deste modo, a necessidade educacional especial remete a duas esferas: às questões subjetivas e ao contexto histórico e cultural do qual o sujeito faz parte. Podemos identificar necessidades educacionais especiais em alunos que migram para comunidades com língua, valores e costumes distintos da sua comunidade de origem, bem como em alunos que frequentam escolas com currículos de baixa flexibilidade voltados para as expectativas das camadas hegemônicas da população e distantes do seu cotidiano (GLAT; BLANCO, 2007). Outro grupo de alunos que possui necessidades educacionais especiais é formado por aqueles que apresentam diferenças qualitativas de desenvolvimento devido a deficiências físicas, motoras, sensoriais e/ou cognitivas, distúrbios psicológicos e/ou de comportamento (condutas típicas), e com altas habilidades (GLAT; BLANCO, 2007, p. 26). Para o sucesso da inclusão social as necessidades educacionais especiais precisam ser identificadas e respeitadas. Por exemplo, matricular um aluno em uma escola e garantir que ele frequente as aulas pode não significar que esse aluno irá aprender e/ou pertencer àquele grupo. Estar no mesmo espaço que outras crianças e frequentar a mesma série não é suficiente para incluir o aluno, é preciso conhecê-lo e proporcionar a ele oportunidades de aprendizagem de acordo com suas necessidades. Para compreender as implicações da inclusão social na escola é fundamental estabelecer a diferenciação entre deficiência e necessidade educacional especial. Quando nos referimos à deficiência entramos no campo das condições orgânicas de cada indivíduo. E quando nos referimos às necessidades educacionais especiais damos conta dessas questões orgânicas, mas também consideramos outros fatores que influenciam nas condições de aprendizagem de cada indivíduo (GLAT; BLANCO, 2007). A noção de necessidades educacionais especiais está mais próxima do que é almejado com a inclusão social, pois é admitido que as diferenciações e necessidades dos seres humanos não estão restritas a aspectos biológicos. Padrões sociais, históricos, culturais e econômicos também exercem influência na vida social. E com a educação não é diferente. As necessidades educacionais especiais não estabelecem um padrão único, pois cada necessidade parte da condição individual e particular de um indivíduo, ou seja, podemos nos deparar com dois alunos que apresentam o mesmo tipo e grau de deficiência, porém, cada um deles poderá apresentar necessidades particulares, exigindo adaptações curriculares e metodológicas diferenciadas. Em outra situação possível, nos deparamos com alunos que não possuem deficiências 86 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO físicas, mas necessitam de apoio diferenciado para percorrer o processo de ensino- aprendizagem (GLAT; BLANCO, 2007). Observe na charge de Ricardo Ferraz como diferentes indivíduos possuem necessidades especiais. A acessibilidade, por exemplo, não é necessidade exclusiva de deficientes físicos. FIGURA 23 - DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM RELAÇÃO À DIVERSIDADE E À ACESSIBILIDADE FONTE: Disponível em: <http://www.somostodosnos.com.br/wp- content/uploads/2015/03/charge-sobre-acessibilidade.jpg>. Acesso em: 29 set. 2016. No caso das pessoas com deficiência física, a legislação garante seu acesso às escolas, pois historicamente o atendimento a esse grupo acontecia em instituições especiais. No Brasil a história do atendimento às pessoas com deficiência remete ao período colonial e, em grande parte dessa trajetória, as ações do Estado voltadas para esse atendimento acabaram por criar uma cultura de exclusão, já que as pessoas com necessidades especiais eram atendidas em instituições à parte da educação regular. A criação de instituições para atendimento de pessoas com deficiência e as mudanças na legislação marcaram a história da inclusão e da exclusão na sociedade brasileira. Como marcos dessa história, podem ser destacados, segundo o MEC (2008): • Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854) - atual Instituto Benjamin Constant (IBC) e Instituto dos Surdos-Mudos (1857) - atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), ambos no Rio de Janeiro. • Instituto Pestalozzi (1926) - atendimento de pessoas com deficência mental, onde foi criado o primeiro atendimento educacional especializado. Em 1954 foi fundada TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 87 a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei nº 4.024/61 – prevê o direito dos "excepcionais" à educação, preferencialmente na rede regular de ensino. • A Lei nº 5.692/71 estabeleceu o tratamento especial para alunos com deficiência física, mental, atraso na relação idade/série e superdotação, porém, não alterou a estrutura das escolas para receber esses alunos. • O Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) foi criado em 1973 e era responsável por gerir a educação especial no Brasil. Porém, permaneceram ações isoladas e assistencialistas. • A Constituição Federal de 1998 estabelece a promoção do bem de todos, educação como direito de todos e a igualdade de condições de acesso à escola. • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, reforça os termos da Constituição Federal e determinaa responsabilidade dos pais em matricular os filhos nas instituições de ensino. • A Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar as políticas de educação inclusiva. • A Política Nacional de Educação Especial (1994) prevê o acesso dos portadores de necessidades especiais às classes regulares de ensino e mantém a responsabilidade no âmbito de uma educação especial. • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, assegura ações específicas para atender às necessidades dos alunos de acordo com suas especificidades. • O Decreto nº 3.928 dispõe sobre a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e define a educação especial como modalidade transversal. • As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Especial, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, possibilitam a educação especial como ação complementar ou suplementar à escolarização. • O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001, elabora como meta a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade. • A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência possuem os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que toda a população. • A Resolução CNE/CP nº 1/2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, prevê a formação de docentes com atenção à diversidade. • A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais - Libras como forma legal de expressão e comunicação. • A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência assegura o sistema de educação inclusiva. A inclusão das pessoas com deficiências no ensino regular é prevista por lei desde a CF de 1988; desde então, uma série de leis foram criadas tendo como objetivo a garantia desse direito. A Lei 7.853, de 1989 – Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social é um desses exemplos. Através dessa lei ficou 88 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO garantido o acesso dos portadores de deficiência à rede pública e particular de ensino tendo por direito os mesmos benefícios que outros alunos e a oferta obrigatória e gratuita da educação especial na rede pública de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê, no Capítulo V, a educação especial como modalidade de educação escolar a ser ofertada preferencialmente na rede regular de ensino. Dando ênfase ao atendimento das necessidades especiais de cada indivíduo para seu sucesso escolar. A inclusão educacional das pessoas com deficiência é uma questão polêmica. Como incluir esses alunos requer uma adaptação da escola em diferentes sentidos, por vezes, persiste a resistência da comunidade escolar. De forma mais ampla, o texto da Declaração Mundial de Educação para Todos de 1990 visou apontar objetivos para garantir a premissa da Declaração Universal dos Direitos Humanos de educação para todos. Esses objetivos se referem à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem – cada pessoa deve ter condições de aproveitar as oportunidades de aprendizagem; expandir o enfoque – fazer uso do que há de melhor nas práticas educacionais existentes; universalizar o acesso à educação e promover a equidade; concentrar atenção na aprendizagem; ampliar os meios de e o raio da educação básica; propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; e fortalecer as alianças entre os níveis nacional, estadual e municipal. O Plano Nacional de Educação também prevê a inclusão e a redução das desigualdades como objetivos. No plano há um conjunto de metas voltadas para a redução da desigualdade e valorização da diversidade para universalização do ensino e a ampliação da média de escolaridade da população. O Plano Nacional para a Educação em Direitos Humanos de 2013 parte do princípio de que a educação básica inclui o desenvolvimento social e emocional dos sujeitos que se encontram no processo de ensino e aprendizagem. A universalização da educação básica abre caminho para que o conhecimento socialmente produzido seja compartilhado e fomenta a democracia social. A educação em direitos humanos contempla o conhecimento formal de modo a valorizar a diversidade, as dimensões da sustentabilidade e cidadania. Entre os princípios que norteiam a educação para os direitos humanos está a construção de pilares para a educação através do respeito à diversidade cultural e ambiental, garantia da cidadania, do acesso, permanência e conclusão da educação básica, a equidade – étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientarão sexual, de opção política, de nacionalidade, entre outras – e a qualidade da educação. As orientações para as práticas educacionais que atendam às diversidades se encontram nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Na concepção apresentada no documento, a educação escolar tem uma responsabilidade diante do reconhecimento e valorização da diversidade humana. TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 89 A partir da evolução da legislação ficam garantidos o acesso e a permanência de todos na rede de ensino regular. Esse direito levou a uma série de adequações nas escolas que incluem a adaptação do espaço físico a fim de atender aos alunos com necessidades especiais por exemplo, adequação de acessos com rampas e das estruturas de banheiros e salas de aula. Bem como, adequações curriculares e de metodologias que proporcionem igualdade de oportunidades no processo ensino- aprendizagem. Essas adequações devem favorecer o acolhimento e o aprendizado dos alunos. O termo "Portador de deficiência" utilizado no livro de estudos, é mencionado apenas num contexto histórico. O termo atual passa a ser "pessoa com Deficiência . A tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra “portadora” (como substantivo e como adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena. Nesse sentido, o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência definiu através da portaria 2.344, o termo correto para o tratamento das pessoas com necessidades especiais. Por lei, elas devem ser tratadas como Pessoa com Deficiência. Foi retirado oficialmente do termo a palavra “portador”. A publicação do decreto aconteceu no Diário Oficial da União no dia 5 de novembro. Fonte: https://acessibilidade.ufg.br/up/211/o/TERMINOLOGIA_SOBRE_DEFICIENCIA_NA_ ERA_DA.pdf?1473203540 Atualmente, a política de inclusão social parte do reconhecimento de um paradoxo no campo da educação, composto pela ampliação do acesso à educação e pelo caráter exclusivo e elitista da educação brasileira ao longo de sua história. A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da escola, evidencia-se o paradoxo inclusão/ exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola (MEC, 2008, p. 9). Nesse cenário, a exclusão tomou formas e características diversas em processos de segregação e integração; esses processos, por sua vez, construíram formas de seleção que naturalizam o fracasso escolar. Analisandoesse processo pela perspectiva dos Direitos Humanos e da cidadania, verifica-se como se formam os processos de hierarquização e estratificação social. DICAS 90 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO Os processos normativos no âmbito das escolas levam à distinção entre os alunos baseada em características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas que compõem a estrutura tradicional da educação nas escolas. Através dessa classificação a educação especial conforma uma modalidade que substitui o ensino regular. Esse formato cria uma dualidade de normalidade/anormalidade definida no atendimento clínico dos alunos e define as práticas em relação aos portadores de deficiência (MEC, 2008). Diante da evolução das noções de educação especial e educação inclusiva ao longo de nossa história, ficam evidentes alguns padrões característicos. Em um primeiro momento, as propostas governamentais apontam para avanços na inclusão e no atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais. Contudo, o avanço desses discursos em práticas não ocorreu no mesmo passo que o avanço da legislação e dos programas governamentais (BATALHA, 2009). Filmes para abordar a inclusão de pessoas com deficiência A inclusão de pessoas com deficiência é prevista na Constituição e figura entre os direitos dos cidadãos. Na prática, no entanto, realizar essa inclusão não se resume apenas a garantir a presença dessas pessoas em todos os espaços. Ainda nesses contextos, vemos alguns erros que terminam por reforçar práticas excludentes e discriminatórias. Em muitos casos, isso acontece porque a deficiência toma um lugar central. Dito de outro modo, a pessoa passa a ser mais definida pelo que não tem do que pelos diversos outros elementos que tem. Para quebrar esse paradigma, é necessário que as deficiências sejam lidas em um contexto de diversidade. Todos temos perfis e necessidades específicas. Todos vivemos e aprendemos cada um à nossa maneira [...] Intocáveis (2012) Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos O filme conta a história de Philippe, um homem rico que, após sofrer um grave acidente, fica tetraplégico. Precisando contratar um assistente, sua história cruza com a de Driss, jovem de baixa renda e sem nenhuma experiência na função de cuidador. O percurso trilhado pelos dois é de aprendizagem mútua. Driss contribui para a retomada da identidade e da autoestima de Philippe a partir de um trabalho que mostra o cuidado com as deficiências, mas também uma atenção ímpar com as potencialidades envolvidas. Meu nome é Radio (2003) Classificação indicativa: inadequado para menores de 12 anos Todos os dias, ao redor da quadra de uma escola secundária na Carolina do Sul, circula James Robert Kennedy. Acompanhado de um carrinho de supermercado e um rádio, o jovem tinha por prática observar os intensos treinos de futebol americano liderados por Harold Jones, um treinador competitivo, que não tinha olhos para nada além do trabalho, tampouco para sua mulher e filha. Um dia, uma brincadeira de mau gosto do time com James o deixa ainda mais assustado e o fecha ainda mais em seu silêncio – o jovem não fala. Até que um dia, o treinador resolve convidá-lo para assistir a um treino e pouco a pouco o insere na equipe. O filme mostra a inclusão de “Rádio” – nome pelo qual James passa a atender – numa dinâmica antes marcada pela competição e altas habilidades, trazendo sensivelmente a possibilidade de aprendizagem em outros tempos e maneiras. DICAS TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 91 Colegas (2012) Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos Aninha, Stalone e Márcio protagonizam uma história de amizade e sonhos. Os três fogem do instituto em que viviam para perseguir seus respectivos desejos de casar, ver o mar e voar. Ao longo da trama, os três trilham um percurso de aventura, contribuindo para que a Síndrome de Down seja retratada dentro de um contexto de autonomia, superação e aprendizagem. Cordas (2014) Classificação indicativa: livre O curta animado “Cordas” narra a amizade entre Maria, uma garotinha muito especial, e Nicolás, seu novo colega de classe, que sofre de paralisia cerebral. A pequena, vendo algumas das impossibilidades do amigo, não desiste e faz de tudo para que ele se divirta e consiga brincar. Reconfigurando e recriando jogos e atividades, Maria celebra a vida do colega, aprende ao passo que ensina e emociona a todos – inclusive os espectadores –, com as possibilidades do sonho e de uma amizade verdadeira. Ao final, uma surpresa especial, que lembra a todos da importância do educar e da relação que se estabelece no ensino e aprendizagem. FONTE: Centro de Referências em Educação Integral. 10 filmes para abordar a inclusão de pessoas com deficiência. Disponível em: <http://educacaointegral. org.br/noticias/10-filmes-para-abordar-inclusao-de-pessoas-deficiencia/>. Acesso em: 16 set. 2016. A inclusão social das pessoas com deficiência segue como desafio para a educação brasileira mesmo após a criação da política de educação especial e da evolução da legislação no que se refere à inclusão das pessoas com deficiência. Entre os motivos que dificultam as ações no sentido da inclusão estão: os altos custos para as adaptações necessárias nos espaços físicos e para as adaptações curriculares de grande porte, bem como nas adaptações de porte menor e na escolha de recursos e metodologias diversificados. Bem como, a resistência de muitos educadores diante desse novo paradigma da educação (BATALHA, 2009). Além dos entraves apontados acima, ainda persistem como desafios para a inclusão as discussões que envolvem questões como a inclusão do debate sobre gênero e sexualidade, sobre a diversidade religiosa, sobre a imigração e sobre questões políticas. Quando afirmamos, amparados pela CF, que a educação é direito de todos, tornamos imprescindível a reflexão acerca de tais questões para construir uma educação de qualidade. A educação inclusiva caminha na direção do atendimento sem distinção a todos os alunos. Sejam quais forem suas características socioeconômicas, históricas, culturais, étnicas, todos merecem respeito e atenção. Todos merecem uma escola com igualdade de oportunidades para o sucesso escolar. 92 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO 3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E RESPEITO À DIVERSIDADE A educação destinada a crianças e adolescentes com necessidades especiais foi historicamente marcada pela exclusão. A educação especial formou um sistema de ensino distante do ensino regular. Esse modelo recebia pessoas com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem, distúrbios de comportamento e altas habilidades e possuía características próprias: Foi caracterizando-se como serviço especializado por agrupar profissionais, técnicas, recursos e metodologias específicas para cada uma dessas áreas. Estes especialistas se responsabilizavam pelo ensino e aprendizagem dos alunos então chamados de ‘especiais’, mesmo quando estes participavam de turmas comuns em escolas comuns (GLAT; BLANCO, 2007, p. 15). Esse padrão vem se transformando ao longo do tempo. Iniciativas como a política de educação inclusiva vêm consolidando outro olhar para a diversidade e garantindo a inclusão das crianças e adolescentes com deficiência nas escolas de ensino regular. Observe, na charge a seguir, a postura do educador em relação ao aluno. Essa ação promove a inclusão ou a exclusão? Reflita e converse com seus colegas a respeito de situações como essa. FIGURA 24 - DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM RELAÇÃO À DIVERSIDADE E À INCLUSÃO SOCIAL FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/- yFPQEH431_c/TgapvHDTbxI/AAAAAAAAA9Y/ EHRKzYtegL0/s1600/preconceito+deficiente+fisico.jpg>. Acesso em: 29 set. 2016. TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 93 A noção de Educação Inclusiva ganhou força a partir dos anos 1990 em diversos países e prevê a inclusão não apenas das pessoas com deficiência, mas de todos os sujeitos: O princípio básico desse modelo é que todos os alunos, independente de suas condições socioeconômicas, raciais, culturais ou de desenvolvimento, sejam acolhidos nas escolas regulares, as quais devem se adaptar para atender as suas necessidades [...] A Educação Inclusiva significa um novo modelo de escola, em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras de aprendizagem (GLAT; BLANCO, 2007, p. 16, grifos do original). A concepção de educação inclusiva parte do paradigma educacional de uma escola para todos. Na escola inclusiva a diversidade é considerada uma oportunidade de transformar as vivências cotidianas em mediadoras sociais para a compreensão das relações culturais. Nessa perspectiva, o princípio da igualdade é o valor que permeia a inclusão social (BATALHA, 2009). Coloca-se diante de nós mais um desafio: como garantir a igualdade de oportunidades? Encontramos nas análises de Batalha (2009) indicativos para responder esse questionamento: a igualdade real é relativa, pois igualdade de oportunidade não significa as mesmas escolhas. A igualdade ideal permite possibilidade de escolha e de vivenciar valores, aptidões e desejos. É pressuposto da igualdade reconhecer e aceitar particularidades. Nesse sentido, diferença e igualdade, e se opõe enquanto o conceito de igualdade inclui o direito à diferença (BATALHA, 2009). A partir da visão que entende diferença e desigualdade como opostas e vê na igualdade a inclusão da diferença, a escola passaria a fazer valer de fato o direito de todos à educação. Vale ressaltar que apenas pensar diferente não significa necessariamente que a ação será diferente. Para que uma escola possa chegar ao ideal de inclusão deverá proporcionar a formação da equipe pedagógica e gestora e rever de forma reflexiva todos os segmentos que compõem e interferem na escola. Reavaliar os espaços da sua estrutura física, as formas de organização escolar, a elaboração e avaliação do projeto político-pedagógico, os recursos didáticos, métodos e estratégias de ensino-aprendizagem utilizados e também as formas de avaliação (GLAT; BLANCO, 2007). Caro acadêmico, a partir da charge a seguir, reflita sobre a formação dos profissionais da educação e a educação inclusiva. Quais desafios persistem para a constituição de uma educação, de fato, inclusiva? 94 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO FIGURA 25 - DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM RELAÇÃO À FORMAÇÃO PEDAGÓGICA VOLTADA PARA A DIVERSIDADE FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_ syzg9_5HBww/S6GuU3us72I/AAAAAAAAAAw/ dO3ybd922vs/s1600/imagem2.bmp>. Acesso em: 29 set. 2016. Para a construção de uma escola inclusiva ser bem-sucedida, o desafio reside em reconhecer que a inclusão não está restrita à matrícula de um aluno com deficiência em uma turma regular ou sua presença na escola. Uma escola inclusiva possui espaço físico apropriado para a convivência entre alunos e um ambiente que favoreça o aprendizado para todos os alunos. A inclusão visa o ingresso e a permanência com sucesso acadêmico de todos. E como promover esse sucesso acadêmico? Respeitando as particularidades de cada indivíduo no processo de ensino e aprendizagem (GLAT; BLANCO, 2007). Entre os exemplos do debate sobre o respeito às particularidades de cada indivíduo estão as questões que envolvem a inclusão nos currículos de temáticas como a história e cultura afro-brasileira, a história e cultura dos povos indígenas e o gênero e a diversidade sexual na escola. A inclusão da temática da história e cultura afro-brasileira tem como marco a Lei nº 10.639/03, que altera a LDB e a torna obrigatória no currículo oficial da rede de ensino em todo o país. O objetivo é incorporar ao currículo as contribuições da população afro-brasileira nas áreas social, econômica e política. A obrigatoriedade do ensino dessa temática deve ir além de projetos específicos que tenham como tema a diversidade étnico-racial realizados de forma aleatória e sem continuidade. A questão racial passa a integrar as metas educacionais do país, o Plano Nacional de Educação, os planos estaduais e municipais, a gestão escolar, as práticas pedagógicas e curriculares e a formação dos professores. A inclusão da temática como obrigatória no ensino regular em todas as suas instâncias é um avanço significativo. O que se observava até então era um TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 95 contingente que representava metade da população brasileira e não se identificava com o conteúdo que aprendia na escola. Porém, ainda persistem resistências na adoção dessa temática nos currículos. Como nos mostra Gomes (2011, p. 116): O desencadeamento desse processo não significa o seu completo enraizamento na prática das escolas da educação básica, na educação superior e nos processos de formação inicial e continuada de professores(as). A lei e as diretrizes entram em confronto com as práticas e o imaginário racial presente na estrutura e no funcionamento da educação brasileira, tais como o mito da democracia racial, o racismo ambíguo, a ideologia do branqueamento e a naturalização das desigualdades sociais. Novamente evidenciam-se os reflexos das estruturas sociais na educação. As situações mencionadas acima, como o mito da democracia racial – abordado na Unidade 1 –, demonstram o caminho que se coloca diante da escola que pretende ser inclusiva. A diversidade faz parte de nossa sociedade e, infelizmente, em muitos casos é convertida em desigualdade e exclusão. Uma escola, inclusive, inclui todos os indivíduos, valorizando a troca de conhecimentos e experiências. Afinal, aprendemos na interação com o outro. A Lei nº 11.645/08 altera a LDB e torna obrigatório, juntamente com o ensino da história e cultura afro-brasileira, o ensino da história e cultura indígena. A inclusão das contribuições da população afro-brasileira nas áreas social, econômica e política é essencial para o reconhecimento da participação dos povos indígenas na história do Brasil e na formação do povo brasileiro. A inclusão da história indígena no currículo é um desafio, na medida em que a opção mais frequente de escolha de metodologia para abordar esse conteúdo está nas homenagens ao Dia do Índio, celebrado em 19 de abril. Frequentemente, essas homenagens reproduzem visões distorcidas e estereotipadas sobre as comunidades indígenas (ALVES, 2015). Essa escolha, por vezes, reforça estereótipos sobre os povos indígenas e acaba tendo efeito contrário ao seu objetivo: contribui para a exclusão quando deveria promover o respeito às contribuições desses povos e à diversidade. A partir do momento em que percebemos que nossas metodologias contribuem para a exclusão e não para a inclusão, quais práticas podemos utilizar para abordar a temática? Como promover em nossos alunos uma postura de respeito à diversidade? Alves (2015), através de seus estudos, nos mostra que o reconhecimento da condição do indígena nos dias de hoje é uma alternativa para superar a ideia de alegoria social que tem efeito negativo sobre a construção do imaginário sobre os povos indígenas. A inclusão do debate sobre gênero e sexualidade é polêmica no campo da educação. Nos últimos tempos, redes municipais e estaduais em diferentes regiões brasileiras têm elaborado suas propostas curriculares sem a inclusão 96 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICASPÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO dessa temática, na contramão dos movimentos que lutaram para tornar esse tema parte do currículo. Sem dúvida, é um tema que levanta questionamentos e merece a atenção e reflexão por parte de gestores, professores, pesquisadores e da comunidade escolar. As reflexões que abordam a questão de gênero foram introduzidas no currículo como temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997. Contudo, não foram observadas transformações na forma como são conduzidos esses conteúdos nas escolas. A sexualidade segue sendo abordada pelo viés biológico e negligenciando a dimensão histórica e social. Essa abordagem acaba por reproduzir preconceito, marginalizar e excluir aqueles que não se adéquam aos padrões socialmente estabelecidos (CAMPOS, 2015). A superação da visão estritamente biológica e a reflexão das dimensões sociais e culturais são ações fundamentais para promover o respeito à diversidade. Na fala de Campos (2015, p. 1), a sexualidade é uma construção social: A sexualidade humana não se restringe a um corpo que possibilita a reprodução, que engravida, que adoece e que se previne. É uma construção pessoal/social que se forma ao longo da vida, num processo contínuo e complexo, que articula aspectos biológicos/fisiológicos, psicológicos, sociais, culturais e históricos, e que pode ser vivenciada a partir de diferentes possibilidades em relação às orientações sexuais (hetero, homo e bissexualidade) e às identidades de gênero (percepção subjetiva de ser masculino e feminino, conforme convencionalmente estabelecido). As diversas representações da sexualidade compreendidas como construção social estão presentes no universo da escola. E o respeito à diversidade contempla as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero. Assim como, mesmo em um período de transição na construção das propostas curriculares em nível municipal e estadual, a orientação sexual segue como tema transversal na Proposta Curricular Nacional. Caro acadêmico, refletimos até aqui, através de diferentes exemplos, os desafios que nos esperam nas escolas em todo o país. A diversidade é uma característica e a multiplicidade de culturas é uma das características de nosso povo, infelizmente, convertidas por vezes em desigualdades, marginalidade e exclusão. O caráter transformador e libertador da educação é caminho para transformar essas estruturas consolidadas ao longo de nossa história. A educação é um direito de todos, independentemente de sua origem, cor de pele, raça, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência física, intelectual, altas habilidades, necessidades especiais, posição política, econômica ou qualquer outra particularidade. E todos têm direito ao acesso, permanência e qualidade de ensino. TÓPICO 2 | A INCLUSÃO SOCIAL E A EDUCAÇÃO 97 LEITURA COMPLEMENTAR Declaração de Salamanca Documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na Espanha, em 1994, com o objetivo de fornecer diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais de acordo com o movimento de inclusão social. A Declaração de Salamanca é considerada um dos principais documentos mundiais que visam a inclusão social, ao lado da Convenção de Direitos da Criança (1988) e da Declaração sobre Educação para Todos de 1990. Ela é o resultado de uma tendência mundial que consolidou a educação inclusiva, e cuja origem tem sido atribuída aos movimentos de direitos humanos e de desinstitucionalização manicomial que surgiram a partir das décadas de 60 e 70. A Declaração de Salamanca é também considerada inovadora porque, conforme diz seu próprio texto, ela: […] proporcionou uma oportunidade única de colocação da educação especial dentro da estrutura de “educação para todos” firmada em 1990 […] promoveu uma plataforma que afirma o princípio e a discussão da prática de garantia da inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais nestas iniciativas e a tomada de seus lugares de direito numa sociedade de aprendizagem. A Declaração de Salamanca ampliou o conceito de necessidades educacionais especiais, incluindo todas as crianças que não estejam conseguindo se beneficiar com a escola, seja por que motivo for. Assim, a ideia de “necessidades educacionais especiais” passou a incluir, além das crianças com deficiências, aquelas que estejam experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola, as que estejam repetindo continuamente os anos escolares, as que sejam forçadas a trabalhar, as que vivem nas ruas, as que moram distantes de quaisquer escolas, as que vivem em condições de extrema pobreza ou que sejam desnutridas, as que sejam vítimas de guerra ou conflitos armados, as que sofrem de abusos contínuos físicos, emocionais e sexuais, ou as que simplesmente estão fora da escola, por qualquer motivo que seja. Uma das implicações educacionais orientadas a partir da Declaração de Salamanca refere-se à inclusão na educação. Segundo o documento: o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currículo 98 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade […] Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva […]. FONTE: MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete Declaração de Salamanca. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/declaracao- de-salamanca/>. Acesso em: 8 de set. 2016. 99 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A inclusão social representa o conjunto de ações voltadas para a inclusão de grupos sociais marginalizados. • As necessidades educacionais especiais englobam questões subjetivas e do contexto histórico e cultural do indivíduo. • As necessidades educacionais especiais não possuem uma forma única e devem considerar as particularidades de cada indivíduo. • Deficiência e necessidades educacionais especiais não são sinônimos, pois as necessidades de cada aluno são determinadas pela sua posição diante do processo de ensino e aprendizagem. • A política de inclusão social tem origem no reconhecimento do paradoxo formado pela garantia de acesso e o caráter elitista da educação brasileira. • A trajetória do atendimento as pessoas com deficiência configurou uma exclusão social devido ao atendimento em instituições especializadas. • Entre os motivos que dificultam a inclusão estão a falta de infraestrutura, de adequação curricular e a resistência dos profissionais da educação em relação ao tema. • O padrão de exclusão sofre transformações com a perspectiva de uma educação inclusiva através do acesso de todos ao ensino regular. • A educação inclusiva prevê o acesso de todos ao ensino regular, sua inclusão no percurso formativo e oportunidades iguais para todos. • A inclusão das temáticas referentes à história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar representa um avanço para a educação inclusiva, porém ainda não são práticas comuns nas escolas. • O debate a respeito das questões que envolvem gênero e orientação sexual são temáticas polêmicas e exigem uma postura reflexivada comunidade escolar. 100 AUTOATIVIDADE 1 A educação inclusiva requer o respeito às particularidades de cada indivíduo ao longo do processo de ensino e aprendizagem. Para atingir tal objetivo é fundamental transformar a escola. Considerando a educação inclusiva como princípio, analise as sentenças e assinale V para verdadeira e F para falsa: ( ) A inclusão deve contemplar as adaptações no espaço físico para favorecer o aproveitamento de todos os alunos. ( ) A educação inclusiva prevê tratamentos diferenciados para os deficientes físicos, pois eles necessitam obrigatoriamente de adaptações curriculares. ( ) A educação inclusiva reconhece que necessidades educacionais especiais não são exclusivas de um grupo de alunos. ( ) A inclusão social dá conta das particularidades de cada indivíduo, ou seja, não se refere apenas às necessidades físicas. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – V – V. b) ( ) F – F – V – F. c) ( ) V – V – F – V. d) ( ) F – V – F – F. 2 A educação para crianças e adolescentes com necessidades especiais foi marcada historicamente pela exclusão. Considerando esse contexto, analise as afirmações: I – A educação especial era ofertada em instituições à parte do sistema regular de ensino. II – O modelo de educação especial recebia pessoas com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem, distúrbios de comportamento e altas habilidades. III – Esse padrão persiste nos dias atuais, pois as pessoas com deficiências frequentam apenas instituições especiais de ensino. IV – A noção de educação inclusiva ganhou espaço nos anos 1990 e prevê a inclusão de todos no sistema regular de ensino. Agora, assinale a alternativa correta: a) ( ) As afirmações I e III são corretas. b) ( ) Todas as afirmações são corretas. c) ( ) As afirmações I, II e IV são corretas. d) ( ) Nenhuma das afirmações é correta. 3 A busca por uma educação inclusiva que respeite o direito do acesso e permanência para todos no ensino básico resultou de lutas sociais e hoje é garantida por lei. Uma das ações do Estado nesse sentido é a política de inclusão social. Considerando as características da política de inclusão no Brasil, assinale a alternativa CORRETA: 101 a) ( ) A política de inclusão voltada para a educação inclusiva surgiu no período colonial através da criação de institutos para atender pessoas com deficiência. b) ( ) A política de inclusão social surgiu a partir do reconhecimento da distância entre ampliação do acesso à educação e ao caráter elitista da educação no Brasil. c) ( ) A política de inclusão social representou poucos avanços no sentido de democratizar a educação, pois não garante o acesso ao ensino regular. d) ( ) A política de inclusão social prevê a criação de escolas especiais que atendam às necessidades educacionais especiais das pessoas com deficiência. 4 A legislação educacional brasileira prevê, na forma de lei, a inclusão das temáticas sobre a história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares. Considerando o previsto na legislação, assinale a alternativa CORRETA sobre as características dessas temáticas: a) ( ) História do Brasil sob a perspectiva dos povos europeus que colonizaram o Brasil e formaram a sociedade brasileira. b) ( ) Contribuições dos afro-brasileiros e indígenas na formação e miscigenação da população brasileira. c) ( ) Contribuições sociais, econômicas e políticas desses povos na formação histórica do Brasil. d) ( ) História da arte e literatura brasileira através das obras e representações artísticas que retratam a história desses povos. Assista ao vídeo de resolução da questão 1 102 103 TÓPICO 3 DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO “Toda vez que se propõe uma gestão democrática da escola pública básica que tenha efetiva participação de pais, educadores, alunos e funcionários da escola, isso acaba sendo considerado como coisa utópica […] A palavra utopia significa o lugar que não existe. Não quer dizer que não possa vir a existir”. (Vitor Henrique Paro) Caro(a) acadêmico(a), a gestão democrática como prática pedagógica foi apresentada a você na Unidade 1. Agora é o momento de estabelecer relações entre a prática democrática de gestão e a legislação educacional brasileira. Para tanto, este tópico contempla a concepção da gestão democrática como instrumento fundamental para a garantia da educação como direito e os desafios de transformar a gestão das escolas brasileiras em uma prática democrática. 2 A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O DIREITO À EDUCAÇÃO O direito à educação prevê a participação de todos no processo de ensino e aprendizagem. Como foi afirmado anteriormente, o direito à educação representa, além do acesso e permanência dos alunos na escola, sua participação na construção do projeto pedagógico e no direito de questionar o processo avaliativo. Por esta razão, o direito à educação é o direito de participação de forma ativa da educação. A gestão do processo pedagógico se constitui como uma ação coletiva do corpo docente sob a liderança do gestor responsável, ou seja, observamos aqui mais um princípio constitucional da educação brasileira: a gestão democrática (CURY, 2007). Transformar as relações sociais, especialmente relações consolidadas e reproduzidas por um longo período, não é tarefa simples. Entretanto, é possível observar movimentos na direção da gestão democrática mesmo considerando a naturalização das hierarquias sociais reproduzidas nas escolas. A educação é reconhecida como um direito e também como um dever do Estado. Partindo desse pressuposto é garantido o direito de participação do 104 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO cidadão em relação à educação, bem como os deveres que se atribuem a esse direito, ou seja, a educação escolar é um bem público, pois implica a formação cidadã, a qualificação para o mundo do trabalho e a obrigatoriedade e gratuidade (CURY, 2007). Em todo mundo a educação é garantida pelo Estado em virtude do reconhecimento do acesso ao ensino básico como caminho para a cidadania e participação das pessoas na vida social e política de um país. Além disso, o acesso à educação é visto como fundamental para a inserção no mundo do trabalho (CURY, 2007). Entre tantos desafios que permeiam a educação em nosso país, garantir o acesso à educação de qualidade é fundamental para superar problemas e desafios sociais estruturais, a exemplo da desigualdade social. O currículo escolar deve ser elaborado, avaliado e reconstruído em uma concepção de igualdade de condições que é assegurada e protegida pelo poder público no Brasil (CURY, 2007). 3 DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO O reconhecimento da relação entre educação, cidadania e democracia, somado ao fato da gestão democrática ser prevista nos documentos que orientam a educação, não significa que a gestão democrática seja rotina nas escolas, que represente a realidade do sistema de ensino brasileiro, ou ainda, que respeite a diversidade presente nas escolas. No que compete à realidade atual da gestão educacional brasileira, Paro (2016) aponta duas contradições: a primeira contempla a questão da autoridade, o sistema hierárquico prevalece na organização escolar. Nesse sistema o poder acaba centralizado nas decisões do diretor. Essa situação coloca o diretor em uma posição onde é considerado a autoridade máxima da escola, o que garantiria autonomia na tomada de decisão, porém, encontra-se limitado pelos parâmetros estabelecidos pela legislação atuando como um agente do Estado. De um lado, o diretor parece centralizar os rumos da escola e, por outro, não se origina dele boa parte das ações colocadas em prática.A segunda contradição se refere à questão técnica: o diretor deve ter conhecimento e competência técnica que lhe permitam uma administração bem- sucedida da escola, porém, suas competências e habilidades de gestão escolar IMPORTANT E TÓPICO 3 | DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO 105 O respeito à diversidade só pode ser considerado efetivo quando o acesso à educação for garantido a todos. E, também, quando a participação de todos na gestão escolar constituir uma rotina na construção dos projetos pedagógicos, no levantamento de questões problemáticas, na busca por soluções e na participação ativa da comunidade escolar no cotidiano da escola. esbarram na falta de autonomia em relação aos seus superiores e a falta de recursos para administrar a escola. Um ponto aqui merece nossa atenção: o problema das escolas públicas brasileiras não está na administração dos recursos, mas na falta de recursos (PARO, 2016). E a falta de recursos não é o único problema das escolas brasileiras. Além da questão do sistema de organização escolar, a realidade social brasileira também se constitui como um desafio para a gestão democrática: A declaração e a efetivação desse direito tornam-se imprescindíveis no caso de países como o Brasil, com forte tradição elitista e que, tradicionalmente, reservam apenas às camadas privilegiadas o acesso a esse bem social. As precárias condições de existência social, os preconceitos, a discriminação racial e a opção por outras prioridades fazem com que tenhamos uma herança pesada de séculos a ser superada (CURY, 2007, p. 484-485). O direito à educação é de extrema importância para sociedades como a brasileira, pois a nossa distribuição social tornou a educação um bem social à disposição daqueles que poderiam pagar pelo ensino privado. Somados à questão econômica, os preconceitos e a discriminação racial também levaram à exclusão social. Essa realidade precisa ser superada e a democratização da escola é uma possibilidade para redefinir estruturas de exclusão em estruturas de inclusão. Cabe aqui ressaltar que a gestão democrática deve incluir todos no ambiente escolar, independentemente de suas características particulares. Todas as classes sociais, etnias, pessoas com necessidades especiais devem ser contempladas no planejamento e na prática pedagógica. Assim como devem ter voz ativa no que diz respeito à sua educação. De acordo com Paro (2016), para transformar a realidade social é preciso transformar a realidade da educação e da organização no interior da escola. Uma escola transformadora não é a escola que vemos pelo Brasil. As camadas trabalhadoras da população precisam chegar e se apropriar da escola, para transformar o sistema de autoridade e distribuição de poder que existe dentro da escola. IMPORTANT E 106 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO Para transformar a educação é necessário o conhecimento das estruturas sociais que são reproduzidas em seu interior, afinal a escola não é um espaço isolado dos contextos econômico, histórico, cultural e social. Estruturas de exclusão e discriminação vigentes na sociedade são reproduzidas na escola. Não há como pensar em gestão democrática sem desmontar a hierarquia que exclui a diversidade. Caro acadêmico, observe na charge a seguir as diferentes influências na cultura escolar. FIGURA 26 - RELAÇÃO ENTRE AS ESTRUTURAS SOCIAIS, AS DESIGUALDADES E A EDUCAÇÃO FONTE: Disponível em: <https://peripeciasdaleti.files.wordpress. com/2013/03/quasedepelotas-058-a-evoluc3a7c3a3o-da- educac3a7c3a3o-brasileira-pc3a1g-02.jpg>. Acesso em: 29 set. 2016. Para superação dessa realidade é preciso conceber o direito à igualdade como prerrogativa para a educação. Partir da igualdade significa educar contemplando que o saber sistemático é mais que uma herança cultural para o sujeito. Em outras palavras, a herança cultural faz com que o cidadão assuma padrões cognitivos e formativos capazes de ampliar seus horizontes e transformar sua realidade: Essa igualdade pretende que todos os membros da sociedade tenham iguais condições de acesso aos bens trazidos pelo conhecimento, de tal maneira que possam participar em termos de escolha ou mesmo de concorrência no que uma sociedade considera como significativo e onde tais membros possam ser bem-sucedidos e reconhecidos como iguais. Mesmo que a igualdade de resultados não possa ser assegurada a priori, seria odioso e discriminatório conferir ao conhecimento uma destinação social prévia (CURY, 2007, p. 486-487, grifo do original). TÓPICO 3 | DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO 107 O direito à diversidade e à educação podem transformar as possibilidades de participação social quando todos têm acesso ao conhecimento. Não é possível afirmar que os resultados serão os mesmos para todos, porém, é preciso garantir a igualdade de oportunidades. Não podemos admitir uma escola que contribui para a exclusão de grupos sociais que chegam até ela em desvantagem em relação a condições econômicas, históricas ou culturais diversas. A gestão democrática acompanha todo o percurso da construção de uma educação de qualidade pautada não somente na garantia de acesso e permanência, mas também no reconhecimento de que a educação como direito só pode ser construída no coletivo. “A igualdade torna-se, pois, o pressuposto fundamental do direito à educação, sobretudo nas sociedades politicamente democráticas e socialmente desejosas de uma maior igualdade entre as classes sociais e entre os indivíduos que as compõem e as expressam” (CURY, 2007, p. 487). A construção coletiva da educação deve ocorrer a partir da participação da comunidade em decisões da escola. Essa participação pode ocorrer através de órgãos colegiados existentes em grande parte das escolas brasileiras: o Conselho Escolar, o Conselho de Classe, a Associação de Pais e Mestres e o Grêmio Estudantil. O Conselho Escolar é espaço de debate e tomada de decisões com a participação de todos os atores da comunidade escolar, como professores, funcionários, pais e alunos. Funciona como espaço de diálogo e como instrumento de gestão da escola. Entre os temas debatidos no conselho estão o currículo, a qualidade do ensino, a inclusão social, o sucesso escolar, entre outros. Além disso, é de extrema importância a participação do Conselho na elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola (DALBERIO, 2008). O Conselho de Classe constitui o espaço de elaboração de estratégias de ação para a melhoria da qualidade e dos resultados do processo de ensino e aprendizagem. Porém, o Conselho de Classe é entendido e realizado de forma equivocada, apenas como um momento de troca de informações sobre as notas dos alunos através de aspectos quantitativos e decidindo as aprovações ou reprovações (DALBERIO, 2008). As Associações de Pais e Mestres constituem um espaço de participação geralmente tímida, pois os pais não possuem conhecimento de questões da educação relacionadas a aportes teóricos e pedagógicos, assim como desconhecem seu papel de cidadãos. Esse colegiado deve ser incentivado a debater e refletir sobre os problemas da escola, buscando formas de solucioná-los, não apenas através das festas ou outros trabalhos (DALBERIO, 2008). IMPORTANT E 108 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO E o Grêmio Estudantil representa uma organização que deve ser incentivada, pois os alunos não podem ser apenas receptores de conhecimentos desvinculados de sua realidade. A escola deve ser o espaço onde o aluno aprende, além de conteúdos, a ler criticamente o mundo à sua volta, buscar seus direitos, conhecer seus deveres e construir sua cidadania (DALBERIO, 2008). Essesespaços são importantes para a formação de uma cultura de respeito à diversidade. Quando a participação de todos, sem distinção, é incentivada e valorizada na escola, é possível pensar na educação inclusiva e na escola para todos. Nas palavras de Cury (2007, p. 489), a gestão democrática deve ser princípio para a educação e presença obrigatória nas escolas: A gestão democrática como princípio da educação nacional, presença obrigatória em instituições escolares públicas, é a forma dialogal, participativa com que a comunidade educacional se capacita para levar a termo um projeto pedagógico de qualidade e do qual nasçam ‘cidadãos ativos’ participantes da sociedade como profissionais compromissados. Diante do exposto, quais seriam os caminhos possíveis para construir uma gestão democrática? Caro acadêmico, não existem respostas ou receitas prontas. Contudo, podemos nos inspirar nas proposições daqueles que se dedicam a compreender a educação. Acompanhe na figura a seguir as considerações de Cury (2007) para a gestão democrática. TÓPICO 3 | DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA: DIVERSIDADE E INCLUSÃO 109 FIGURA 27 - DECORRÊNCIAS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA PARA O GESTOR FONTE: Adaptado de Cury (2007) Temos aqui três objetivos que devem nortear a gestão democrática: o acesso, a permanência e qualidade da educação. Uma educação para todos é uma educação que garante o acesso de todos à escola. O papel do gestor está em recensear a população em idade escolar ou aqueles que ainda não completaram seu percurso escolar e garantir, através das autoridades competentes, que esses indivíduos tenham o direito da matrícula na unidade escolar mais próxima de sua residência. A permanência é fundamental para o direito à educação, pois a matrícula não é garantia de que o aluno terá condições de frequentar a escola. Nesse campo estão as ações que proporcionam iguais oportunidades de aprendizado, como as adaptações curriculares e metodológicas para que as necessidades educacionais especiais sejam atendidas; e as adequações estruturais que permitam o uso dos espaços da escola para todos os alunos. A busca pela educação de qualidade remete ao aluno como sujeito do aprendizado. A educação escolar deve contemplar, além da transmissão dos conhecimentos formais, a possibilidade da construção da cidadania e da autonomia. Para atingir um patamar de qualidade na educação busca-se o reconhecimento da multiplicidade dos sujeitos e respeita-se suas particularidades visando o sucesso do processo de ensino-aprendizagem. 110 UNIDADE 2 | ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DEMOCRÁTICA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO Democracia na gestão da escola Saiba como os Conselhos Escolares funcionam e por que você deve aderir ao da sua escola A participação das famílias na educação formal dos estudantes pode ir muito além do acompanhamento de boletins e de conversas com professores. O envolvimento direto dos pais no dia a dia da escola, acompanhando questões ligadas à administração e ao ensino, pode ser vital para a melhoria da educação – os conselhos escolares são ótimas formas de fazer isso acontecer. “Por meio do conselho é possível envolver a comunidade e estimulá-la a acompanhar os estudos dos seus filhos e o que está acontecendo na escola”, conta Maria Luiza Martins Aléssio, diretora de Fortalecimento Institucional e Gestão Educacional do Ministério da Educação. Um exemplo bem-sucedido é o da Escola de Educação Infantil Sarah Victalino Gueiros, no município de Vila Velha (ES). Com o estímulo da Secretaria de Educação do município, os professores do colégio tomaram a iniciativa, convocaram a comunidade e criaram um Conselho Escolar no colégio. Mais de 200 pais participaram das primeiras votações. Agora, os integrantes do conselho deliberam juntos sobre questões que vão do plano pedagógico à merenda servida no colégio. “Sem um conselho, é impossível ter uma escola pública de qualidade”, diz a diretora da escola, Lidia de Vargas Araújo. “Não sei como eu conseguiria trabalhar sem o conselho lado a lado comigo”. O Conselho é formado por representantes de todos os grupos envolvidos com a educação: funcionários e professores da escola, pais e outros membros da comunidade. Ao trazer todos os interessados para discussão e tirar as decisões das mãos de poucos, ele transforma a escola em um ambiente mais democrático e transparente. FONTE: Educar para crescer. Democracia na gestão da escola. Disponível em: <http:// educarparacrescer.abril.com.br/gestao-escolar/democracia-gestao-escolar-490189. shtml>. Acesso em: 16 set. 2016. LEITURA COMPLEMENTAR A gestão democrática é fundamental para transformar em realidade as características já previstas na lei, como a educação de qualidade para todos, a participação de toda a comunidade escolar nas decisões da escola e na construção do projeto pedagógico, a inclusão social e, por consequência, na construção da educação de qualidade almejada por todos aqueles que ainda não são contemplados com esse direito. 111 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A gestão democrática é uma ação coletiva de elaboração do processo pedagógico. • A educação como direito depende da participação da comunidade escolar na gestão escolar. • O acesso ao ensino básico possibilita um caminho para a participação dos sujeitos na vida política e social e promove a cidadania. • A autoridade e ação restrita às questões técnicas são contradições da gestão democrática no Brasil. • A atual forma de organização escolar constitui um desafio para a gestão democrática. • O respeito à diversidade prevê a participação de todos na construção do projeto pedagógico e na tomada de decisões sobre a vida escolar. • Entre as formas de participação mais comuns nas escolas está a participação nos órgãos colegiados, como: Conselho Escolar, Conselho de Classe, Associação de Pais e Mestres e Grêmio Estudantil. • Para promover a gestão democrática são necessárias ações do gestor para propiciar o acesso ao ensino básico, a permanência de todos na escola e qualidade do ensino na escola. 112 1 A gestão escolar democrática depende da participação efetiva de todos os atores envolvidos na comunidade nos processos de tomada de decisão. Considerando a inclusão como garantia para a gestão democrática, analise as sentenças a seguir: A diversidade será convertida em direito quando o direito ao acesso, permanência e qualidade de ensino for efetivo para todos. PORQUE A gestão escolar democrática exige a participação ativa da comunidade escolar nos processos que envolvem a vida escolar de crianças, adolescentes e jovens. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As duas sentenças são falsas. b) ( ) A primeira sentença é falsa e a segunda sentença é verdadeira. c) ( ) As duas sentenças são verdadeiras e a segunda é a justificativa correta primeira. d) ( ) As duas sentenças são verdadeiras e a segunda não é a justificativa correta da primeira. 2 A gestão democrática deve contemplar ações que tenham como objetivo a inclusão de todos na gestão escolar. Considerando essas ações, classifique as alternativas utilizando o código a seguir: I – Acesso ao ensino básico. II – A permanência na escola. III – A qualidade do ensino. ( ) O sujeito da aprendizagem deve ser o foco da escola. ( ) O recenseamento da população em idade escolar. ( ) A gestão dos recursos necessários para a organização escolar. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I – II – III. b) ( ) III – I – II. c) ( ) III – II – I . d) ( ) II – I – III. 3 O direito à igualdade é uma prerrogativa para a educação. Partir desse pressuposto requer a valorização da herança cultural do sujeito. Considerando esse cenário, assinale a alternativa CORRETA: AUTOATIVIDADE 113a) ( ) O saber sistemático é o conhecimento que deve ser contemplado pela escola. b) ( ) As heranças culturais devem ser valorizadas em disciplinas específicas da grade curricular. c) ( ) A herança cultural é capaz de ampliar horizontes e transformar a realidade. d) ( ) O saber sistemático por si só promove a criticidade e autonomia do sujeito. 114 115 UNIDADE 3 O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • refletir sobre a questão das relações étnico-raciais, entendendo-as como um desafio, bem como uma potencialidade para o campo educacional e para as novas estratégias de democratização e transformação da sociedade; • analisar a questão da diversidade em seus aspectos biológicos e culturais, com ênfase nas questões de gênero; • reconhecer a constituição das diferentes culturas manifestadas na escola. Esta unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles você encontrará atividades que o ajudarão a aplicar os conhecimentos apresentados. TÓPICO 1 – O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE TÓPICO 2 – AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA TÓPICO 3 – O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Assista ao vídeo desta unidade. 116 117 TÓPICO 1 O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO O espaço do debate sobre gênero e sexualidade na educação exige o reconhecimento dos aspectos biológicos e culturais da questão de gênero e sexualidade, bem como a compreensão das identidades de gênero presentes em nossa sociedade e, por consequência, na escola. Inicialmente, lembremo-nos das formas como a questão de gênero se expressa no contexto da escola. De forma geral, a distinção entre meninos e meninas fica restrita à realização de atividades como jogos, por exemplo. Fora dessas situações não são observadas outras distinções realizadas de forma sistemática. Porém, as diferenças de gênero se expressam em outras formas, como as expectativas dos professores, rituais escolares ou ainda no currículo oculto (GIDDENS, 2005). As representações de gênero podem ser observadas nos livros que são utilizados nas escolas. Grande parte dos livros para meninos retrata meninos em situações de independência e aventura em cenários variados, enquanto as histórias para meninas mostram personagens mais passivas e, quando envolvidas numa trama de aventura, essa se desenrola em um ambiente doméstico ou escolar (GIDDENS, 2005). Reconhecendo a tarefa de promover o respeito às identidades de gênero como desafio e partindo do pressuposto de que é fundamental manter um diálogo aberto e democrático no que compete à educação, buscaremos, neste tópico, apresentar aspectos das teorias do gênero e da sexualidade com o objetivo de ampliar nossas possibilidades de reflexão acerca dessa temática. 2 POR QUE TRATAR DA QUESTÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO? Caro(a) acadêmico(a), convidamos você a ler atentamente o trecho a seguir: Em um episódio da série televisiva Law and Order, um grupo de policiais é julgado por homicídio doloso, por haver deixado de atender ao pedido de auxílio de um colega policial que havia sido atingido (e, em seguida, morto) por um bandido. Esse colega era gay. A cena do julgamento mostra a acusação apontando para UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 118 inúmeros antecedentes de preconceito e discriminação que os réus tinham em relação à vítima, e a defesa apela para o fato de que os réus (policiais) haviam demonstrado sentimentos coerentes com os da maioria das pessoas. Para apoiar seu argumento, a defesa chama um psiquiatra que afirma que a homofobia é um sentimento comum, bastante frequente, especialmente entre homens. Interpelado pelo promotor, o psiquiatra explica que a manifestação de raiva extrema é patológica e, por isso, é involuntária. Apelando para os jurados, a defesa pede-lhes para pensar se não têm sentimentos semelhantes aos dos acusados (ou seja, sentimentos de repulsa ou de rejeição) em relação aos homossexuais e conclui: ‘Eles nada mais fizeram do que manter e preservar os valores da comunidade em que viviam – e essa era sua função como policiais’. O episódio termina com a absolvição de todos os réus. O final talvez possa surpreender, mas, ao mesmo tempo, por mais intolerável que seja, também parece coerente com o que se costuma ver na chamada ‘vida real’ (LOURO, 2007, p. 203). Em primeiro plano é preciso considerar que as questões de gênero e sexualidade são parte das relações sociais que atravessam nossa sociedade, não constituem um universo paralelo. Tais questões podem, inclusive, gerar certo desconforto quando debatidas, por expor práticas de preconceito e exclusão e propiciar o questionamento da ordem social vigente. Como nos mostra Louro (2007), gênero e sexualidade estão presentes em instituições, discursos, normas e práticas e, por este motivo, atribuem sentido à sociedade. E para compreender essas questões é necessário passar a pensá- las como questões individuais e passar a reconhecê-las como sociais e culturais: “As formas de viver a sexualidade, de experimentar prazeres e desejos, mais do que problemas ou questões de indivíduos, precisam ser compreendidas como problemas ou questões da sociedade e da cultura” (p. 204). As questões de gênero e sexualidade compõem esse universo, na medida em que a escola vivencia os reflexos de situações como a violência contra a mulher e a homofobia. Considerando esse contexto, fica evidente a relevância desse debate para a educação e para a promoção da garantia do acesso e permanência de todos na escola e no respeito à diversidade. 3 GÊNERO E SEXUALIDADE: RESGATANDO CONCEITOS Para compreender o que representam de fato os desafios apresentados acima, relembramos que os conceitos de gênero e sexualidade são socialmente construídos e carregados de intencionalidade. TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 119 Os conceitos de gênero e sexualidade foram apresentados na Unidade 1. Faça uma pausa e releia o texto para relembrar a importância desses conceitos no contexto da diversidade. As discussões de gênero constantemente fazem referência à obra “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir (1980, p. 9), e a célebre frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A obra colaborou para a afirmação do gênero como construção social e para a superação de visões estritamente biológicas dessa questão. Educação sexual: precisamos falar sobre Romeo... ... Iana, Roberta e Emilson. A escola trata com preconceito quem desafia as normas de papéis masculinos e femininos. A seguir, uma discussão sobre sexo, sexualidade e gênero O pequeno Romeo Clarke tem cinco anos e adora usar seus mais de 100 vestidos para as atividades do dia a dia. "Eles são fofos, bonitos e têm muito brilho", explicou ao tabloide britânico Daily Mirror. Clarke virou notícia em maio do ano passado. O projeto de contraturno que ele frequentava na cidade de Rugby, no Reino Unido, considerou as roupas impróprias. O menino ficou afastado até que decidisse - palavras da instituição - "se vestir de acordo com seu gênero". [...] Paradoxalmente, quem tem ensinado a escola a agir no respeito à diversidade são os próprios estudantes. "Na contemporaneidade, multiplicaram-se os grupos, os sujeitos e os movimentos, as maneiras de se identificar com gêneros e de viver a sexualidade. Não há apenas uma forma de ser, mas tantas quantas são os seres humanos", afirma Guacira Lopes Louro, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das principais referências na área de estudos de gênero. [...] A instituição deve ser um ambiente em que todos os alunos se sintam acolhidos. Para que isso aconteça, é importanteque a sexualidade seja discutida constantemente, mostrando que não há uma única maneira possível de explorá-la. Também é preciso apoiar alunos que busquem os educadores para discutir sua sexualidade. Nas regras de convivência e nas ações concretas de gestores e professores, deve estar claro que situações de homofobia e piadinhas não são toleráveis. FONTE: NOVA ESCOLA. Disponível em: <http://novaescola.org.br/conteudo/80/ educacao-sexual-precisamos-falar-sobre-romeo?fb_comment_id=75936716415 4935_889649957793321>. Acesso em: 2 nov. 2016. ATENCAO UNI UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 120 A partir dos anos 1960 a questão da identidade ganha espaço no debate cultural na medida em que estudantes, negros, mulheres, minorias sexuais e étnicas passam a questionar os padrões sociais excludentes e consolidados até então. O foco inicial era dar visibilidade a diferentes modos de viver e, ao longo do processo, passaram a travar uma luta pela representatividade (LOURO, 2008). Essas lutas, incluindo movimentos sociais organizados, como o feminista e das minorias sexuais, buscou acesso e controle de espaços culturais: “[...] a mídia, o cinema, a televisão, os jornais, os currículos das escolas e universidades eram fundamentais” (LOURO, 2008, p. 20). Observamos que essas lutas se davam no âmbito dinâmico das transformações culturais, pois até então a voz que dominava era branca e masculina, era necessário ocupar esses espaços para mostrar que havia outras vozes e representações na sociedade. Observe com atenção a tirinha de Laerte: FIGURA 28 - GÊNERO E EDUCAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS SOCIAIS FONTE: Disponível em: <https://docencialpesquisa.files.wordpress.com/2010/06/ copadomundo-laerte-1.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. E agora a tirinha do personagem Armandinho, de Alexandre Beck: TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 121 FIGURA 29 - GÊNERO E EDUCAÇÃO: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES FONTE: Disponível em: <http://67.media.tumblr.com/6d7a7307cceedffec629ca9d19cb8f19/ tumblr_ngndroNIX01u1iysqo1_1280.png>. Acesso em: 15 nov. 2016. Afinal, é possível definir atividades para meninos e para meninas? Como a escola reproduz padrões de gênero? Identifique situações, como a mostrada na tirinha, que reproduzem padrões sociais preestabelecidos. Vale lembrar que a proposta feminista não representa a luta pela construção de um padrão onde o feminino é superior ao masculino. O feminismo busca a igualdade de gênero através da superação da dominação masculina que prevalece em nossa sociedade. Os exemplos dessa dominação podem ser observados na violência contra a mulher no mercado de trabalho, com média salarial inferior em relação aos homens. Acompanhe na figura a seguir as diferentes identidades de gênero e suas representações. UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 122 FIGURA 30 - IDENTIDADE DE GÊNERO FONTE: Disponível em: <http://comarte.upf.br/wp-content/uploads/2013/11/ Alessandra-Formagini.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. Gênero e educação Guacira Lopes Louro e Dagmar Estermann Meyer Organizar este dossiê consistiu, para nós, um grande desafio. Por certo, não precisamos "inventar" justificativas para a oportunidade de sua publicação: de um lado, porque a demanda pela inclusão na REF de artigos voltados para a Educação já vem se manifestando há algum tempo; de outro lado, porque reconhecemos que as questões de gênero e sexualidade vêm ganhando espaço nas análises e pesquisas educacionais, ainda que não com o ritmo ou da forma como muitas de nós, estudiosas feministas, desejávamos e esperávamos. De qualquer modo, entendemos que a articulação entre Educação e Estudos Feministas é um processo em curso e que o dossiê deveria ser representativo desse processo. Tal tarefa nos parecia, contudo, quase impossível de ser realizada a contento. Diversas questões e temáticas, com distintas perspectivas teóricas e enfoques metodológicos, vêm sendo priorizadas e assumidas por educadores, trabalhadores culturais e intelectuais. Esses estudiosos estão, por sua vez, espalhados em diversos centros de pesquisa, universidades ou escolas, formam núcleos e grupos de estudos ou trabalham isoladamente, em várias regiões do UNI TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 123 país, e tentam estabelecer um diálogo com a teorização e a produção internacional da área. Seria preciso reconhecer, ainda, que, não apenas nestes espaços, mas também em escolas e centros comunitários, alguns docentes e estudantes questionam suas experiências e ensaiam práticas sob a ótica do gênero. Um processo, portanto, plural, polêmico e complexo, no qual práticas educativas e pedagógicas cotidianas incitam questões e problemas teóricos, ao mesmo tempo que novas teorias e movimentos sociais provocam ou transformam as práticas pedagógicas. Seria possível expressar adequadamente essa multiplicidade? O presente dossiê traz apenas uma pequena amostra desse quadro. Os artigos que se seguem, produzidos por estudiosos de algumas instituições brasileiras, são construídos a partir de diferentes posições disciplinares e teóricas e elegem algumas temáticas relevantes para o campo educacional, mais uma vez, distintamente concebidas. O leitor atento poderá perceber pontos divergentes e de tensão entre eles. Entendemos, contudo, que essa característica se constitui em uma das "marcas" mais instigantes e produtivas do feminismo e que, portanto, não há sentido em negá-la. No artigo que abre o dossiê: "Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo", Fúlvia Rosemberg questiona a esperada articulação entre os estudos de gênero e o campo da educação e, com apoio de dados quantitativos recentes, apresenta um quadro crítico da situação de homens e mulheres no sistema educacional brasileiro. A autora analisa, ainda, as metas nacionais e internacionais hoje afirmadas em relação à igualdade de oportunidades de gênero na educação e põe em discussão algumas das interpretações convencionais. Em "Teoria queer: uma política pós-identitária para a Educação", Guacira Lopes Louro busca analisar questões significativas da teorização queer e indicar alguns desafios que ela pode sugerir ao campo educacional. "Como", pergunta a autora, "uma tal teoria, declaradamente não propositiva, pode 'falar' a um campo que, tradicionalmente, vive de projetos e de intenções, objetivos e planos de ação?" A transgressão de fronteiras sexuais e de gênero e o questionamento da dicotomia heterossexualidade/homossexualidade – centrais na análise queer – servem aqui de mote para refletir sobre o atravessamento e a contestação de muitos outros binarismos importantes para o campo educacional. Para construir o artigo intitulado "Mau aluno, boa aluna? Como os professores avaliam meninos e meninas", Marília Carvalho recorre a uma pesquisa qualitativa realizada com docentes de uma escola pública de Ensino Fundamental em São Paulo. Os depoimentos favorecem uma aproximação mais 'direta' ao cotidiano escolar e permitem à autora uma análise interessante dos critérios de avaliação e das opiniões dos docentes sobre comportamentos, atitudes, sucessos e insucessos de meninos e meninas. Helena Altmann privilegia uma questão que, nos últimos anos, ocupa (e preocupa) professoras e professores das escolas brasileiras, ou seja, as diretrizes dos PCN. No artigo "Orientação Sexual nos parâmetros curriculares nacionais", a estudiosa discute como o dispositivo da sexualidade é apresentado neste documento oficial e as proposições que são feitas para operar nas escolas com este 'tema transversal'. Finalmente, ela se volta para os efeitos de tais propostas nas salas de aula, mais particularmente, nas atividades da Educação Física. O artigo que encerra o dossiê: "Mídia e educação da mulher: uma discussão teórica sobre modos de enunciar o femininona TV", assinado por Rosa Fischer, sai do espaço escolar e assume a educação em seu sentido mais amplo. Recorrendo a conceitos de Michel Foucault e Homi Bhabha, bem como às formulações de Maria Rita Kehl sobre a enunciação do feminino, a autora analisa criticamente o discurso que a televisão brasileira vem produzindo sobre as mulheres. Longe de sugerir conclusões ou propostas definitivas, esperamos que este conjunto de textos estimule o debate e suscite outros estudos e análises sobre possíveis articulações entre a Educação e os Estudos Feministas. FONTE: Revista Estudos Feministas. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0104-026X2001000200010>. Acesso em: 2 nov. 2016. UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 124 4 GÊNERO E EDUCAÇÃO NO BRASIL Para compreender as diferentes dinâmicas que se desdobram das questões de gênero no Brasil, retomamos a trajetória da expansão do acesso à educação em nosso país considerando o acesso de homens e mulheres ao ensino e sua relação com a estrutura social brasileira. Os reflexos dos desafios sociais apresentados até aqui tiveram repercussão na educação brasileira. Um dos exemplos é o chamado hiato de gênero (genger gap), ou seja, as desigualdades no acesso à educação. Esse hiato levou à formação de uma estrutura social na qual a educação era privilégio masculino. O avanço no acesso à escola no último século representou um passo significativo para as mulheres (BELTRÃO; ALVES, 2009). A história da educação no Brasil foi marcada pela exclusão das mulheres do contexto educacional. No período colonial, a estrutura social e as relações familiares patriarcais colocam o homem como figura de poder e autoridade, portanto, não havia necessidade para as mulheres aprenderem a ler e escrever. Além disso, somavam-se a esse contexto a influência da sociedade ibérica que considerava a mulher como inferior, e a obra educativa da Companhia de Jesus orientada pelos valores religiosos (BELTRÃO; ALVES, 2009). FIGURA 31 - PRIMEIRAS ESCOLAS NO BRASIL E A PREDOMINÂNCIA MASCULINA FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-gjfGMRMPAIc/TViJMF5BSkI/ AAAAAAAABnc/GFcL34HuCFo/s1600/escola_1910.png>. Acesso em: 2 nov. 2016. A vinda da família real para o Brasil e, posteriormente, a Independência, tornaram mais complexa a estrutura social brasileira. Somente nesse contexto a educação feminina se tornou uma preocupação, pois as imigrações internacionais e a diversidade econômica modificaram a visão da sociedade em relação à educação. A partir desse momento, a educação passa a ser vista como um instrumento de ascensão social. O Estado passou a ter responsabilidade pela educação, porém, devido à falta de professores, esse movimento não chegou à grande parte da TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 125 população (BELTRÃO; ALVES, 2009). Esse cenário se transforma, no início do século XIX, com as primeiras instituições de educação para mulheres. [...] começaram a aparecer as primeiras instituições destinadas a educar as mulheres, embora em um quadro de ensino dual, com claras especializações de gênero. Ao sexo feminino cabia, em geral, a educação primária, com forte conteúdo moral e social, dirigido ao fortalecimento do papel da mulher como mãe e esposa. A educação secundária feminina ficava restrita, em grande medida, ao magistério, isto é, à formação de professoras para os cursos primários. As mulheres continuaram excluídas dos graus mais elevados de instrução durante o século XIX. A tônica permanecia na agulha, não na caneta (BELTRÃO; ALVES, 2009, p. 128). Enquanto avanços eram observados no ensino básico, no ensino superior a situação era adversa para as mulheres, que não foram integradas aos primeiros cursos superiores no Brasil e, sem acesso ao ensino secundário, não se habilitavam para as faculdades. Contudo, as taxas de matrículas das mulheres no ensino básico ampliaram-se no século XX, mas ainda em proporção menor que a dos homens (BELTRÃO; ALVES, 2009). Com o impulso da industrialização, a partir dos anos 1930, as novas exigências do mercado de trabalho levaram ao surgimento das primeiras escolas públicas de massa e à expansão do ensino. Porém, o desenvolvimento do capitalismo não se deu de forma homogênea no território e, dessa forma, a expansão do ensino se deu nas áreas mais desenvolvidas economicamente. A educação, além de distribuída de forma desigual pelo território, era elitizada. Apenas com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 o Estado garantiu o acesso de todos ao sistema educacional (BELTRÃO; ALVES, 2009). Para além do acesso de homens e mulheres ao ensino em nosso país – que demonstra o longo caminho que temos a percorrer para validar a noção de educação para todos –, cabe aqui ampliar nosso olhar para a não neutralidade da educação. Já afirmamos que o gênero é uma construção social carregada de intencionalidades e o mesmo acontece com a educação. Educar não é tarefa neutra, é uma ação carregada de intencionalidades. Partindo desse pressuposto, afirma-se que através da educação ensinamos e aprendemos quais atitudes e padrões são socialmente aceitos e quais emoções podemos externalizar e quando podemos ou não externalizá-las. Isso ocorre porque a educação permite a elaboração de noções políticas e sociais, bem como de princípios religiosos, regras morais e modos de ser, viver e se comportar (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011). É importante dizer que a neutralidade da educação não é uma questão de algum tipo de engajamento, mas decorre de sua conexão com as estruturas sociais: UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 126 Teoricamente, a educação se coloca como desvinculada das questões econômicas e sociais e comprometida apenas com a transmissão da cultura e do saber; entretanto, mesmo quando não segue orientações tendenciosas, a exemplo de privilegiar classes ou grupos, o seu fazer se vincula a princípios que denunciam o seu engajamento social, econômico, político e ideológico, porque, além de receber as influências sociais, ela se estrutura a partir de visões de mundo e de um conceito acerca do ser humano (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011, p. 50). Diante desse contexto que soma a intencionalidade da educação e construção social de gênero, a educação possui um papel fundamental, pois se propõe a contribuir para a transmissão de saberes e valores. Porém, a educação formal acaba legitimando os padrões de dominação masculina. Segundo Passos, Rocha e Barreto (2011), entre as características da educação formal em relação ao gênero estão: • O conteúdo dos livros didáticos que apresentam tarefas diferentes para homens e para mulheres, com maior valor social para as tarefas dos homens. • Nossa educação, de maneira geral, não apresenta homens e mulheres como detentores de direitos iguais. • Não mostra aos alunos como se formam as desigualdades sociais. • Reproduz o modelo tradicional de ensino que desloca o conhecimento da realidade valorizando ou desvalorizando características, atitudes e comportamentos. • Valoriza o silêncio, a obediência e a acomodação. • Reconhece a desobediência como característica natural para os meninos e negativa para as meninas. Como superar essa realidade e promover uma educação emancipatória, que respeita a diversidade inclusiva? Ainda nas palavras de Passos, Rocha e Barreto (2011), faz-se necessário repensar as práticas pedagógicas, como os processos de avaliação e a relação entre professor e aluno. A proposta pedagógica deve estar comprometida com a igualdade e com a liberdade. Além disso, a inclusão da questão de gênero é importante, pois amplia os horizontes do conhecimento. Através dela podemos discutir questões como a desigualdade e a opressão e não só de gênero, mas também nas outras formas em que se expressame se vivenciam na sociedade: Uma educação comprometida com uma nova ordem social precisa ser capaz de romper com conceitos universais e imperativos morais e investir em uma prática que respeite a subjetividade e proporcione ao indivíduo o exercício da liberdade. Esse compromisso implica na existência de um(a) novo(a) educador(a), de novos conteúdos programáticos, na ressignificação do processo de avaliação, enfim, em uma nova prática educativa (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011, p. 36). A questão de gênero mostra-se fundamental por diferentes motivos. Incorporar esse debate no universo escolar nos permite conhecer e acompanhar as transformações culturais que envolvem as questões de identidade sexual, TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 127 compreender o papel, o espaço e os desafios da mulher na sociedade e, como se esses já não fossem motivos suficientes, amplia nossos horizontes para superar outras formas de dominação e exclusão. Vale lembrar, caro acadêmico, das discussões que você acompanhou nas Unidades 1 e 2, que mostraram os desafios da diversidade e também como o respeito à diversidade e o acesso à educação de qualidade para todos são previstos na legislação brasileira. LEITURA COMPLEMENTAR EXISTE “IDEOLOGIA DE GÊNERO”? Em entrevista à Pública, a doutora em Educação Jimena Furlani, que desenvolveu extensa pesquisa sobre o assunto, explica os equívocos do conceito. O que é “ideologia de gênero”, afinal? De onde ela surgiu? A ideologia de gênero é um termo que apareceu nas discussões sobre os Planos de Educação, nos últimos dois anos, e tem sido apresentado a nós como algo muito ruim, que visa destruir as famílias. Trata-se de uma narrativa criada no interior de uma parte conservadora da Igreja Católica e no movimento pró-vida e pró-família que, no Brasil, parece estar centralizado num site chamado Observatório Interamericano de Biopolítica. Em 2015, especialmente, algumas pessoas se empenharam em se posicionar contra a “ideologia de gênero”, divulgando vídeos em suas redes sociais: o senador pastor Magno Malta, o deputado Jair Bolsonaro, o deputado pastor Marco Feliciano, o pastor Silas Malafaia, a pastora Damares Alves, a pastora Marisa Lobo. Meus estudos mostraram que o termo é usado em 1998, em uma Conferência Episcopal da Igreja Católica realizada no Peru, cujo tema foi “A ideologia de gênero – seus perigos e alcances”. Parece que seus criadores se baseiam em dois livros para compor essa narrativa chamada “ideologia de gênero”: primeiro, no livro de Dale O’Leary intitulado Agenda de gênero, de 1996. O’Leary é uma militante pró-vida que participou das Conferências da ONU (do Cairo, em 1994, e de Pequim, em 1995) como delegada. Ela faz um relato dessas conferências, descreve, sob o seu ponto de vista, a ação das feministas em apresentar o conceito gênero e como, a partir dali, a ONU assume a chamada perspectiva de gênero para as políticas públicas sobre os direitos das mulheres. O outro referencial usado na construção dessa narrativa é o livro de Jorge Scala, cuja primeira edição é intitulada Ideologia de gênero: o gênero como ferramenta de poder, de 2010, que no Brasil, curiosamente, é intitulado Ideologia de gênero – o neototalitarismo e a morte da família, de 2015. O autor é um advogado argentino, conhecido defensor de causas antiaborto e contra os direitos das mulheres, membro do movimento pró-vida, que apresenta uma série de interpretações dos estudos de gênero, extremamente problemáticas e convenientemente articuladas para desqualificar tais estudos e apresentá-los como danosos para a sociedade. Portanto, parecem ser esses os principais referenciais usados na criação da narrativa chamada “ideologia UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 128 de gênero”, que nos últimos dois anos vem sendo divulgados e exaustivamente repetidos em vídeos, textos, cartilhas, documentos da CNBB, palestras etc. Uma retórica que afirma haver uma conspiração mundial entre ONU, União Europeia, governos de esquerda, movimentos feminista e LGBT para “destruir a família”, mas que, em última análise, objetiva, sim, propagar um pânico social e voltar as pessoas contra os estudos de gênero e contra todas as políticas públicas voltadas para as mulheres e a população LGBT, sobretudo nas questões relacionadas aos chamados novos direitos humanos, por exemplo, no uso do nome social, no direito à identidade de gênero, na livre orientação sexual. E qual a diferença entre ideologia de gênero e estudos de gênero? Primeiro, entender que todos nós, seres humanos, possuímos um sexo e um gênero. Enquanto o “sexo” é o conjunto dos nossos atributos biológicos, anatômicos, físicos e corporais que nos definem menino/homem ou menina/ mulher, o gênero é tudo aquilo que a sociedade e a cultura esperam e projetam, em matéria de comportamento, oportunidades, capacidades etc. para o menino e para a menina. O conceito gênero só surgiu porque se tornou necessário mostrar que muitas das desigualdades às quais as mulheres eram e são submetidas, na vida social, são decorrentes da crença de que nossa biologia nos faz pessoas inferiores, incapazes e merecedoras de menos direitos. O conceito gênero buscou não negar o fato de que possuímos uma biologia, mas afirmar que ela não deve definir nosso destino social. Originalmente, as reflexões acerca da influência da sociedade e da cultura, no conjunto das definições que nos dizem o que é “ser homem” e o que é “ser mulher”, se iniciaram nas ciências sociais e humanas, como sociologia, história, filosofia e antropologia, mas, hoje, os estudos de gênero se constituem num campo multidisciplinar, composto por várias abordagens e presente em todas as ciências – nas naturais, nas exatas, nas jurídicas, nas da saúde, nas da comunicação, do esporte etc. Hoje os estudos de gênero se aproximam também das discussões com outras identidades, como raça-etnia, classe social, religião, nacionalidade, condição física, orientação sexual etc., sendo, por isso, chamados de estudos de interseccionalidade. O conceito gênero permite, ainda, explicar os sujeitos LGBT, especialmente os sujeitos trans, na medida em que discutem, por exemplo, a identidade de gênero e o uso do nome social. Portanto, a perspectiva de gênero está na base dos novos direitos humanos e na justificativa das políticas de amparo às mulheres que repercute nas discussões acerca do conceito de vida e das leis sobre direitos sexuais e reprodutivos, e aborto e à população LGBT. Sem dúvida, se considerarmos que o conceito gênero permite as discussões acerca da posição da mulher na sociedade, da aceitação dos novos arranjos familiares, das novas conjugalidades nos relacionamentos afetivos, ampliação da forma de ver os sujeitos da pós-modernidade e no reconhecimento da chamada diversidade sexual e de gênero, então, não há campo do conhecimento contemporâneo mais impactante e perturbador para as instituições conservadoras e tradicionais que os efeitos reflexivos dos estudos de gênero. Isso nos faz entender porque o empenho tão enfático, persistente e até, em algumas situações, antiético das instituições que criaram e divulgaram essa narrativa denominada “ideologia de gênero”. Na minha opinião, há usos distintos da chamada “ideologia de gênero”. Parece que, no âmbito da cúpula da Igreja Católica, trata-se de uma questão TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 129 dogmática e relacionada aos valores da ideologia judaico-cristã, que, segundo seus representantes, estariam sendo ameaçados pelo conceito gênero por causa das mudanças no comportamento das mulheres e nas leis sobre aborto, por exemplo, da aceitação das várias famílias e do reconhecimento dos direitos da população LGBT. Outro uso vem de representantes evangélicos: embora existam aqueles católicos que se aproveitam eleitoralmentedessa narrativa, usar a “ideologia de gênero” e sua suposta “ameaça” às crianças e à família tem sido mais presente em candidatos evangélicos – vide a chamada bancada cristã, que não apenas no Congresso Nacional, mas em todos os legislativos do país, deve aumentar, nas próximas eleições, à custa de campanhas cujo foco de “convencimento” deverá ser combater a ideologia de gênero. FONTE: Existe ideologia de gênero? Pública. Disponível em: <http://apublica.org/2016/08/existe- ideologia-de-genero/>. Acesso em: 3 nov. 2016. 130 Neste tópico, você aprendeu que: • As questões de gênero e sexualidade são parte das relações sociais e atribuem sentido para a sociedade. • Os conceitos de gênero e sexualidade vão além dos fatores biológicos, pois são construídos socialmente e possuem intencionalidades, na medida em que expressam valores e sentidos sociais. • As lutas pela representatividade ganharam espaço a partir dos anos 1960, visando dar visibilidade a diferentes modos de vida. • O feminismo busca a igualdade de gêneros e a superação da representação binária (masculino/feminino) que envolve as representações de gênero. • A história da educação no Brasil remete a períodos de exclusão das mulheres em relação ao espaço escolar, formando um hiato de gênero. • A educação formal possui características que acabam reforçando padrões de gênero excludentes. • A transformação da educação, no sentido de novas práticas voltadas à emancipação e à liberdade, contribui para a superação das desigualdades de gênero. RESUMO DO TÓPICO 1 131 1 As questões que envolvem o gênero e a educação no Brasil remetem à história da educação brasileira. Ao longo de boa parte da história de nosso país, as mulheres não tiveram acesso à educação, ou ainda, o acesso era restrito a uma pequena parcela da população. A partir da década de 1930 esse panorama passa por transformações. Partindo desse contexto, analise as alternativas e assinale com V para as verdadeiras e F para as falsas: ( ) O processo de industrialização que tomou impulso nos anos 30 levou a população para as fábricas, tornando o acesso à educação privilégio das elites e impedindo a expansão do ensino. ( ) O desenvolvimento capitalista não ocorreu de forma homogênea no território, refletindo nas desigualdades do acesso à educação entre as regiões do país. ( ) A universalização da educação só é garantida pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que garante o acesso de todos ao sistema educacional. ( ) O surgimento das escolas públicas de massa remete a ações governamentais posteriores à Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) F – V – V – F. b) ( ) V – V – V – F. c) ( ) F – F – F – V. d) ( ) V – F – V – F. 2 Partindo do pressuposto de que a questão de gênero é uma construção social carregada de intencionalidade e a educação contribui para a transmissão de saberes e valores, é possível afirmar que a educação formal legitima os padrões de dominação masculina presentes em nossa sociedade. Considerando esse contexto, analise as afirmações a seguir: I – O conteúdo dos livros didáticos sofreu transformações nos últimos anos e atribuiu significados similares para os papéis de homens e mulheres na sociedade. II – Os conteúdos e práticas didáticas procuram mostrar como se formam as desigualdades sociais e valorizam a diversidade. III – A educação formal valoriza o silêncio, a obediência e a acomodação. IV – Os significados sociais atribuídos na escola veem a desobediência como natural para os meninos e negativa para as meninas. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) As afirmações II e IV estão corretas. b) ( ) A afirmação I está correta. c) ( ) As afirmações III e IV estão corretas. d) ( ) As afirmações I e III estão corretas. AUTOATIVIDADE 132 3 Os debates sobre a questão da diversidade ganham espaço a partir dos anos 1960, quando grupos de estudantes, negros, mulheres e minorias sociais e étnicas levantam questionamentos em relação aos padrões sociais excludentes que dominavam nossa sociedade. Partindo desse contexto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O principal objetivo dessas lutas era garantir o direito ao voto e à participação política. b) ( ) O objetivo dessas lutas era o reconhecimento da representatividade dessas identidades. c) ( ) O debate da diversidade ganha espaço quando os padrões sociais se tornam includentes. d) ( ) Os padrões vigentes reconheciam a diversidade étnica, mas excluíam a questão de gênero. Assista ao vídeo de resolução da questão 1 133 TÓPICO 2 AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO A formação da sociedade brasileira é constantemente representada e recontada a partir da noção de diversidade cultural que remete ao processo de colonização europeia, das tentativas de escravização dos povos tradicionais, ao uso da mão de obra escrava dos povos africanos e aos processos de imigração europeia para substituição de mão de obra após o fim da escravidão. A sociedade brasileira é formada pela mistura de diferentes grupos étnicos que, ao longo da nossa história, formaram o que hoje entendemos como povo brasileiro e também o que compreendemos como cultura brasileira. Porém, o reconhecimento da diversidade étnica e cultural de nossa população não significa que não há preconceito ou exclusão social no Brasil. Como vimos na Unidade 1, as questões étnicas e culturais representam uma forma de desigualdade constituída em nossa sociedade. E o reconhecimento desse tipo de desigualdade esbarra no que conhecemos como mito da democracia racial. Partindo dessas noções apresentadas na Unidade 1, discutiremos, neste tópico, as implicações do reconhecimento da diversidade étnica e cultural para a educação, bem como os usos do termo multiculturalismo como forma de compreender melhor essas relações sociais. Assim como, abordaremos questões que procuram construir uma ponte entre as relações étnicas, o conceito de multiculturalismo apresentado na Unidade 1 e a necessidade de fazer valer a legislação, apresentada na Unidade 2. 2 RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA Para ampliar a discussão sobre a diversidade e educação no que diz respeito à questão das relações étnicas e da diversidade cultural brasileira, é fundamental resgatar elementos que nos permitam refletir sobre a formação da população brasileira. Observe a obra “Os Operários”, de Tarsila do Amaral: 134 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR FIGURA 32 - OS OPERÁRIOS – TARSILA DO AMARAL FONTE: Disponível em: <http://galeriadefotos.universia.com.br/ uploads/2012_05_21_23_54_570.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2016. Os rostos e as expressões escolhidas pela artista para representar os indivíduos que formavam os operários no período inicial da industrialização brasileira refletem uma característica mais marcante da cultural e da população brasileira: a diversidade. O povo brasileiro é formado por etnias e culturas que através da miscigenação formaram a sociedade brasileira. Segundo DaMatta (1986), a formação racial da população brasileira pode ser representada pela noção de um triângulo social no qual se encontram negros, brancos e índios. Esse triângulo se opõe à noção binária de negros e brancos construída em outras nações e gera uma forma de racismo particular da sociedade brasileira. Nesse contexto social, a sociedade brasileira não possui uma forma clara de preconceito, como aquelas que separam negros e brancos, por exemplo. Ao analisar a formação do povo brasileiro, Ribeiro (1995) analisa a formação das classes sociais e sua relação com as estruturas de poder. Nessa concepção, as classes sociais brasileiras são representadas por uma elite dominante,uma classe intermediária formada, principalmente, por profissionais liberais que se aproximaram dos ideais da elite dominante ou se rebelaram contra o sistema, e uma classe subalterna. Nessa classe ficam mais evidentes as relações étnicas e raciais: Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losango das classes sociais brasileiras, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. São os enxadeiros, os boias-frias, os empregados na limpeza, as empregadas domésticas, as pequenas prostitutas, quase todos analfabetos e incapazes de organizar-se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema, o que sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê-la (RIBEIRO, 1995, p. 209). TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 135 Para exemplificar essa forma de estratificação típica da sociedade brasileira, observe a divisão elaborada por Ribeiro (1995): FIGURA 33 - ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA FONTE: A autora É evidente que a sociedade brasileira passou por transformações desde a publicação dessas análises, porém é importante observar que as estruturas de poder e desigualdades sociais ainda permanecem em nossa sociedade. Considerando esse cenário, a sociedade brasileira não possui uma igualdade racial, apesar de reafirmar constantemente o valor da diversidade cultural. Tem por característica um preconceito velado, algo como um preconceito de ter preconceito. [...] Numa sociedade onde não há igualdade entre as pessoas, o preconceito velado é uma forma muito mais eficiente de discriminar pessoas de cor, desde que elas fiquem no seu lugar e ‘saibam’ qual ele é. [...] A mistura de raças foi um modo de esconder a profunda injustiça social contra negros, índios e mulatos, pois situando no biológico uma questão profundamente social, econômica e política, deixava-se de lado a problemática mais básica da sociedade (DAMATTA, 1986, p. 47). Essa noção de mistura e de diversidade permitiu conceber a sociedade brasileira como uma sociedade democrática racialmente, porém essa democracia 136 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR só existe quando todos sabem exatamente o lugar a que pertencem. Observe com atenção a tirinha de Quino: FIGURA 34 - IDENTIDADE, RAÇA E EDUCAÇÃO FONTE: Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/images/mafalda_-_ preconceito_racial1.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. Quais são as formas mais comuns de preconceito que você observa no seu cotidiano? E a escola, em quais situações a escola reproduz discursos ou práticas que excluem negros e indígenas, por exemplo? Seria possível então pensar em uma democracia racial brasileira? Na concepção de DaMatta (1986), tal realidade seria possível na medida em que o acesso ao direito básico da igualdade, previsto a todos os brasileiros na legislação, se tornasse uma prática social. 3 USOS DO TERMO MULTICULTURALISMO E AS RELAÇÕES ÉTNICAS NA EDUCAÇÃO O termo multiculturalismo é utilizado em diferentes áreas do conhecimento. No caso da educação, nos possibilita refletir e compreender melhor o universo de sujeitos e trajetórias diversas com as quais nos deparamos no cotidiano da escola e da literatura em educação. A discussão que resgata as noções de igualdade e desigualdade recorre a terminologias diversas que provocam a reflexão de pensadores em diferentes áreas. Para compreender melhor essa multiplicidade, vamos acompanhar as palavras de Santos e Nunes (2003, p. 25): Multiculturalismo, justiça multicultural, direitos coletivos, cidadanias plurais são hoje alguns termos que procuram jogar com as tensões entre a diferença e a igualdade, entre a exigência do reconhecimento da diferença e de redistribuição que permita a igualdade. Essas tensões estão no centro das lutas de movimentos e iniciativas emancipatórias que, contra as reduções eurocêntricas dos termos fundamentais (cultura, justiça, direitos, cidadania), procuram propor noções mais inclusivas e, simultaneamente, respeitadoras da diferença de concepções da dignidade humana. TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 137 Esse movimento em direção a novas concepções diante da diferença e das desigualdades coloca diante de nós desafios significativos em relação à ação pedagógica. Apenas reconhecer a diversidade e afirmar que a educação é para todos não significa que deixamos de reproduzir práticas de exclusão social. FIGURA 35 - DIVERSIDADE CULTURAL FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-N5Q-z6TUteY/UUHyCRNK8tI/ AAAAAAAAAmw/nEWdiJKoLvo/s1600/banner.JPG>. Acesso em: 2 nov. 2016. Quando falamos em multiculturalismo, nos referimos a uma pluralidade de culturas e à compreensão da complexidade das relações de significados que incorporam diferentes etnias, nacionalidades, sexualidades, gerações e classes sociais. Nesse sentido, a afirmação de uma sociedade marcada pela diversidade remete ao reconhecimento da pluralidade de grupos sociais, étnicos e culturais que fazem parte dessa sociedade (MACHADO, 2002). Entretanto, vale ressaltar que apenas fazer uso do termo multiculturalismo não significa a superação de noções etnocêntricas, pois a perspectiva multicultural exige dar voz às múltiplas culturas: "É preciso estipular formas de intervenção e educação para uma sociedade multicultural. Ao falar de multiculturalismo, é necessário que se dê visibilidade para diferenças étnicas, sexuais, regionais etc.” (MACHADO, 2002, p. 32). É preciso mais que admitir a existência de diversas culturas, é preciso superar os juízos de valor atribuídos a elas. Considerando os debates em relação ao multiculturalismo, é importante também apresentar as críticas ao uso do termo: 138 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR FIGURA 36 - CRÍTICAS AO MULTICULTURALISMO FONTE: Adaptado de Souza e Nunes (2003) A resposta a essas críticas, segundo Souza e Nunes (2003), caminha no sentido de reconhecer que o uso do termo multiculturalismo representa a designação de diferentes culturas em contextos transnacionais e globais. Porém, ainda persistem contradições nesse processo. O foco deve estar no caráter emancipatório do termo. A ideia de movimento, de articulação de diferenças, de emergência de configurações culturais baseadas em contribuições de experiências e de histórias distintas tem levado a explorar as possibilidades emancipatórias do multiculturalismo, alimentando os debates e iniciativas sobre novas definições de direitos, de identidades, de justiça e de cidadania (SOUSA; NUNES, 2003, p. 33). É preciso ressaltar que essas relações são influenciadas pelas dinâmicas que produzem e reproduzem as desigualdades e levam à marginalização de grandes grupos populacionais em todo o mundo. Nesse contexto, a cultura representa um espaço privilegiado no desenrolar da articulação e reprodução das relações sociais e também nos movimentos que afirmam antagonismo em relação a essas configurações (SOUZA; NUNES, 2003). Observamos aqui a relevância de dar voz ao outro, ao diferente. Afinal, como um aluno irá se identificar, ou ainda, desenvolver interesse em um conteúdo que omite a contribuição de sua cultura para a história, que nega sua presença na sociedade e/ou menospreza seu papel na sociedade? Todas as diversas formas de expressão cultural devem ter espaço no processo de ensino-aprendizagem. TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 139 Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural de Boaventura de Sousa Santos Trata-se de um vasto conjunto de estudosem que se dá conta de como, em diferentes países, os grupos sociais subalternos se organizam para resistir à exclusão social produzida pela globalização neoliberal e o fazem em nome da aspiração por um mundo melhor que julgam possível e a que sentem ter direito. Um dos campos de resistência e de formulação de alternativas é o multiculturalismo, tema deste volume, entendido como aspiração emancipatória de combinar a luta pela igualdade com a luta pelo reconhecimento da diferença. Nele cabem as políticas identitárias e os direitos coletivos dos povos indígenas e das mulheres, os movimentos regionais emancipatórios e de luta pela igual dignidade das orientações sexuais, o pluralismo jurídico e as concepções multiculturais dos direitos humanos. São analisados lutas e movimentos no Brasil, Colômbia, Índia, África do Sul, Moçambique e Portugal. FONTE: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Nesse sentido, o uso do termo multiculturalismo apresenta uma conotação geralmente positiva: […] refere-se à coexistência enriquecedora de diversos pontos de vista, interpretações, visões, atitudes, provenientes de diferentes heranças culturais. Seu conceito pressupõe uma posição aberta e flexível, baseada no respeito dessa diversidade e na rejeição a todo preconceito ou hierarquia. As várias perspectivas de compreensão do mundo devem ser consideradas igualmente e só podem ser julgadas em relação ao ponto de vista cultural (MACHADO, 2002, p. 37). Destaca-se aqui a superação do estabelecimento de hierarquia que coloca a cultura das elites dominantes em um patamar de superioridade em relação à cultura das classes populares. Bem como, na diferenciação entre representações culturais devido a questões étnicas ou que envolvam orientação sexual. Na visão do multiculturalismo, o ser humano é capaz de se relacionar com outras culturas. O multiculturalismo apregoa uma visão da vida e da fertilidade do espírito humano, na qual cada indivíduo transcende o marco estreito da sua própria formação cultural e é capaz de ver, sentir e interpretar por meio de outras tendências culturais. O modelo humano resultante é compreensivo, amplo, sensível e fundamentalmente rico; a capacidade interpretativa, de observação e até mesmo a emotiva multiplicam-se (MACHADO, 2002, p. 37-38). Considerando essa perspectiva, é possível não somente conviver com outras culturas, diferentes da nossa, mas também nos relacionarmos com elas e ampliar nossa capacidade de observação, interpretação e, especialmente, de compreensão da visão do outro. 140 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR LEITURA COMPLEMENTAR MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: VERTENTES HISTÓRICAS E REPERCUSSÕES ATUAIS NA EDUCAÇÃO Gilberto Ferreira da Silva Da multiculturalidade para a construção do conceito de uma educação intercultural A observação que se pode fazer em relação aos conceitos trabalhados no âmbito do debate acadêmico sobre a educação e multiculturalidade pode ser localizada em duas direções. A primeira e mais conhecida trata das questões dentro de um corpo teórico denominado educação multicultural; a segunda, educação intercultural. O contato com a produção de pesquisadores que buscaram construir uma conceitualização leva a um conjunto de características diversas enquanto definição teórica e, consequentemente, formas de orientação para implementação de políticas e práticas no sistema escolar. Uma primeira constatação é a utilização indistinta, na grande maioria dos estudos, dos termos educação multicultural e educação intercultural. Por outro lado, no interior da educação multicultural encontram-se representações de concepções do multiculturalismo mais geral. O discurso que envolve a compreensão de educação multicultural pode ser localizado pelo viés histórico de origem anglo- saxã. Essa apropriação não se limita exclusivamente a esse aspecto, mas apresenta concepções que organizo a partir das seguintes características. 1) a integração de elementos culturais de grupos étnicos distintos da sociedade no programa curricular, tais como datas comemorativas, celebrações, mitos, heróis etc.; 2) centralidade das preocupações a partir das diferenças culturais visíveis de grupos minoritários na sociedade, tais como negros, índios, ciganos, imigrantes etc.; 3) movimento de preservação da cultura histórica de um determinado grupo minoritário étnico; 4) centralidade no debate sobre os fenômenos multiculturais das sociedades contemporâneas e o próprio contexto cultural das instituições escolares. […] Em síntese, pode-se focalizar essa noção na direção de um contexto amplo de configurações caracterizadas como multiculturais. Nesse sentido, a ideia de uma sociedade multicultural, constituída por diferentes expressões culturais definidas a partir de grupos minoritários étnicos, pode ser ilustrativa da distinção entre educação multicultural e educação intercultural. […] Dada essa tendência em direção a uma maior diversidade cultural, fomentar a interculturalidade TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 141 significa superar de vez a assimilação e a coexistência passiva de uma diversidade de culturas para desenvolver a autoestima, assim como o respeito e a compreensão aos outros. Portanto, prefiro preservar o termo multicultural para designação ou constatação do fato que resulta dos conflitos das mais diferentes ordens (etnia, religião, cultura, tradição, hábitos, movimentos migratórios etc.) e dos movimentos de transformação social que estamos vivendo em praticamente todas as sociedades, sejam do Primeiro Mundo, sejam do Terceiro Mundo. […] No contexto acadêmico brasileiro, o debate tem ganhado forma sob o termo multiculturalismo, tendo sido incorporado como objeto de estudo e preocupação de um grupo restrito de pesquisadores somente a partir das duas últimas décadas. Fortemente influenciadas pelos debates da academia norte-americana, as produções expressam noções que buscam diferenciar os vários tipos de multiculturalismo, sem apresentar preocupações distintivas no que diz respeito à interculturalidade. Objetivamente, o debate sobre a diferença cultural expressada por grupos étnicos centra-se em discussões que envolvem culturas indígenas e negras (afro- brasileiras), ou então o estudo com imigrantes europeus, principalmente no Sul do país. Da mesma maneira, constata-se que o debate no interior das práticas educativas tem indicado alternativas para pensar a educação dessas populações de formas diversas e seccionadas, sem levar em conta a perspectiva intercultural, estando inserido em um contexto social multicultural. Pontuando alguns elementos desse debate, podemos destacar: 1) a trajetória consolidada no campo dos estudos raciais, especialmente ligados à discriminação de populações afro-brasileiras no espaço escolar; 2) propostas pedagógicas de intervenção na realidade nacional multicultural a partir de projetos específicos para atender e valorizar expressões culturais de grupos e culturas distintas (principalmente negros e índios); 3) em grande medida, os trabalhos desenvolvidos no âmbito da pesquisa acadêmica buscam explicitar/denunciar a realidade da discriminação racial de que são vítimas as populações afro-brasileiras na sociedade de uma forma geral (característica dos anos 1970 até metade dos anos 1990); 4) a combinação de diferentes culturas convivendo em um mesmo território, seus cruzamentos, processos híbridos forjadores de novas identidades culturais ainda não ganham interesse de pesquisadores, restringindo-se a um grupo muito pequeno. […] Por essas razões, a noção de educação multicultural parece responder a uma definição conceitual que tantoarticula em seu interior aspectos herdados do movimento multiculturalista norte-americano, como a luta por justiça social, quanto potencializa a convivência de diferentes culturas em um mesmo território, 142 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR o diálogo e a comunicação entre os próprios sujeitos, resultando em processos formadores de identidades híbridas/mestiças. Ainda que se encontre em um estágio no qual as formulações apontam para caminhos a serem seguidos, o debate está em seu processo embrionário. Resta uma longa jornada até que se possa, de forma clara e precisa, alinhar definições conceituais com práticas coerentes no âmbito de uma educação pluralista que seja capaz de potencializar os diferentes elementos culturais expressos pelos diferentes grupos étnicos no conjunto da estrutura social. […] FONTE: SILVA, Gilberto Ferreira. Multiculturalismo e educação multicultural: vertentes históricas e repercussões atuais na educação. In: FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural: medições necessárias. DP&A, 2003. 143 Neste tópico, você aprendeu que: • A formação étnica brasileira é resultado do encontro de diferentes etnias representadas pelo triângulo racial formado por negros, índios e brancos. • As relações étnicas brasileiras representam diversas formas de preconceito que vão além da diferenciação entre brancos e negros. • As diferentes formas de preconceito esbarram no mito da democracia racial, no qual a valorização da diversidade cultural representaria uma sociedade sem preconceitos. • O uso do termo multiculturalismo se refere à pluralidade cultural e à complexidade de significados que essas diversidades produzem em termos de padrões culturais e sociais. • As noções de igualdade e desigualdade são centrais para a compreensão do conceito de multiculturalismo, pois remetem aos padrões de exclusão e valorização das culturas. • As críticas ao uso do termo multiculturalismo remetem ao excesso de valorização de determinadas culturas e à criação de uma nova forma de puritanismo. • A cultura representa um espaço privilegiado para a superação dos padrões de reprodução das desigualdades e da marginalização de grupos sociais. • A educação multicultural requer o reconhecimento da multiplicidade cultural sem atribuição de juízo de valor para classificar as representações culturais e a promoção do respeito à diversidade cultural. RESUMO DO TÓPICO 2 144 AUTOATIVIDADE 1 As práticas excludentes que observamos em nossas escolas são reflexo das dinâmicas sociais presentes em nossa sociedade e reproduzem as desigualdades sociais, assim como levam à marginalização de determinados grupos sociais. Considerando o multiculturalismo como uma noção que pode nos auxiliar na superação dessa realidade, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A cultura reproduz a exclusão social e, dessa forma, não permite o respeito à diversidade. b) ( ) O espaço da cultura é privilegiado, por permitir a valorização de diferentes representações. c) ( ) O antagonismo entre as culturas é natural e ocupa parte significativa do processo de aprendizagem. d) ( ) A marginalização das culturas garante a adaptação da população ao contexto da globalização. 2 O reconhecimento da diversidade representa desafios para a prática pedagógica, pois a educação tradicional não foi capaz de desenvolver práticas inclusivas, pelo contrário, as práticas pedagógicas tradicionais são consideradas homogeneizantes. Considerando esse cenário, analise as afirmações a seguir: I - O multiculturalismo se refere à compreensão da complexidade dos diferentes significados produzidos pelas culturas. II – A ideia de diversidade cultural representa a necessidade de questionar os padrões culturais através da educação. III – O conceito de multiculturalismo não se aplica à realidade da educação brasileira, pois a miscigenação cultural forma um único padrão de cultura. IV – É preciso criar novas formas de intervenção e educação que abarquem os desafios das sociedades multiculturais. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) As alternativas I e IV estão corretas. b) ( ) As alternativas II e IV estão corretas. c) ( ) As alternativas II, III e IV estão corretas. d) ( ) As alternativas I, II e III estão corretas. 3 A formação racial da população brasileira, através da mistura entre índios, negros e brancos, imprime um contexto particular no que diz respeito às relações étnicas, pois esse triângulo racial compõe uma relação que vai além da distinção binária entre brancos e negros. Partindo desse contexto, avalie as alternativas e assinale V para verdadeiras e F para falsas: ( ) O preconceito racial brasileiro segue o mesmo padrão daquele encontrado em outros países, pois diferencia brancos dos negros. 145 ( ) A noção de igualdade racial brasileira, através da valorização da miscigenação cultural, representa o mito da democracia racial brasileira. ( ) O preconceito racial no Brasil é uma forma de preconceito explícita baseada na noção de desvalorização das contribuições africanas para nossa cultura. ( ) O preconceito racial brasileiro é considerado velado, porque a forma de discriminar é garantir que as pessoas fiquem no seu lugar e saibam qual é seu lugar. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) F – V – F – V. b) ( ) V – V – F – F. c) ( ) F – F – V – F. d) ( ) V – F – V – V. Assista ao vídeo de resolução da questão 2 Assista ao vídeo de resolução da questão 3 146 147 TÓPICO 3 O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Os caminhos para chegar à universalização do acesso à educação de qualidade impõem a professores, gestores, alunos e pesquisadores da área da educação a tarefa de refletir sobre a formação de nossa sociedade, compreender as formas de preconceitos existentes e buscar metodologias e práticas didáticas que permitam reconfigurar as relações sociais no sentido do respeito à diversidade e educação democrática capaz de formar sujeitos críticos e autônomos em relação à sociedade em que vivemos. Conscientes do desafio que essas tarefas representam, apresentamos, neste tópico, reflexões teóricas que nos apontam novos entendimentos através das noções de alteridade e multiculturalismo. A ênfase em nosso último tópico está no papel do docente e na função social da escola perante o respeito à diversidade e à construção da cidadania. Convidamos você, caro acadêmico, a mais uma vez relembrar os conceitos trabalhados na Unidade 1 e resgatar as direções que a legislação nos mostra apresentadas na Unidade 2 para, então, refletir sobre o papel do docente. 2 DIVERSIDADE, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO A noção de alteridade, assim como a de multiculturalismo, nos permite ampliar nossa reflexão em relação à diversidade. Considerando a área da educação, a alteridade representa nosso encontro com o outro e os desafios e enfrentamentos que esse encontro provoca para alunos, professores, gestão e para a comunidade escolar. A escola constitui um espaço de estranhamento, pois o encontro com o outro revela um processo de entrar em contato com o desconhecido, um processo de estranhamento e desperta diversos sentimentos. Com efeito, os diferentes modos de reagir à presença do outro, representante do estranho, dependem de como o sujeito reconhece o Outro, como se coloca a ele a questão da alteridade. A relação do UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 148 estranhamento com o outro pode ser realizada na medida em que o outro representa o estranho, provocando estranheza, suscitando a angústia (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510). Observa-se na relação de encontro com o outro a necessidade de estabeleceruma conexão de proximidade, como também a necessidade do afastamento. Esses sentimentos estão presentes nas relações sociais. No contato com o outro se desenvolve tanto a hostilidade, quanto a necessidade de aproximação (THONES; PEREIRA, 2013). Considerando esse contexto, a alteridade se constrói de duas formas: “existe a tentativa de fusão com o outro, não sendo reconhecida a sua diferença” (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510), ou seja, o momento em que o encontro com o estranho desperta a necessidade de contato, de aproximação, de criação de laços; e em outra forma, “a impossibilidade de identificação com o outro, de um sujeito que se depara com uma alteridade para a qual é apresentada uma diferença sobremaneira radical” (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510), nesse ponto desenvolve- se o estranhamento, a angústia e a hostilidade diante do outro, diante daquele que é diferente de nós. Na atualidade, verifica-se uma deficiência no reconhecimento do outro: na contemporaneidade, coexistem dois imperativos, o ‘seja igual’ e o ‘seja diferente’. Porém, pode-se afirmar que o seja diferente é um imperativo ilusório, pois significa uma exigência de ser original, de ser criativo, desde que se mantenha o mesmo, desde que sejam mantidas as regras do espetáculo (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510). Nesse sentido, o diferente remete à construção de uma imagem própria e não ao reconhecimento do outro (THONES; PEREIRA, 2013). Nas relações que demonstram agressividade em relação ao outro o que ocorre é uma agressividade em relação ao sentimento de estranhamento que o outro desperta no sujeito. Em situações como essas fica evidente como distanciamos a figura do outro, o quanto não reconhecemos o diferente de nós com familiaridade e negamos a alteridade. Em quais momentos observamos esse movimento em nosso cotidiano? Como o outro é reconhecido na atualidade? Thones e Pereira (2013) nos mostram que o outro pode estar em qualquer lugar, mas na contemporaneidade o principal espaço de reconhecimento do outro é na participação do consumismo: “quem consome é reconhecido, quem não consome está fora” (p. 511). Na medida em que um determinado grupo está distante dos padrões de consumo estabelecidos pela sociedade, ele se torna distante dessa sociedade, mesmo quando está geograficamente próximo de outros grupos sociais. Enfatizar a necessidade do reconhecimento do outro não significa que a situação ideal é aquela em que se vivencia a aproximação absoluta. A diferença é parte da sociedade e da constituição dos sujeitos. É importante o convívio com os iguais, aqueles sujeitos que reconhecemos como iguais, mas a diferença é fundamental para o sujeito. Quando reconhecemos essa relação é possível superar a crueldade em relação ao diferente, pois vamos reconhecer que não somos nós mesmos sem o reconhecimento do outro (THONES; PEREIRA, 2013). 149 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Observe, caro acadêmico, na tirinha de Quino, que ao levantar um questionamento para um grupo de pessoas é possível observar respostas diferentes construídas a partir de visões de mundo diferentes: FIGURA 37 - DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: RECONHECENDO A CONCEPÇÃO DE MUNDO DO OUTRO FONTE: Disponível em: <http://www.vestibulandoweb.com.br/enem/simulado-enem-2014- tirinhas-charges-parte-1_5.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2016. Ao trazer a análise da alteridade para o contexto mais específico da educação, Thones e Pereira (2013) afirmam que fatos, acontecimentos, pessoas ou objetos de estudos não trazem um significado pronto. Não há definição preestabelecida para objetos ou relações. A classificação que estabelecemos entre os sujeitos ocupa planos diferentes. As noções de visibilidade ou invisibilidade de um objeto vêm do julgamento e classificação que atribuímos a eles, ou seja, é o sujeito que determina quem ele é e quem são outros. Nesse sentido, podemos destacar a questão da deficiência como anormalidade. No contexto educacional o deficiente representa a anormalidade. Ao realizar o julgamento de reconhecer a si mesmo ou ao outro se estabelece também o incluir e o excluir, ou seja, se configura uma organização que determina quem está dentro e quem está fora (THONES; PEREIRA, 2013). Quando atribuímos à pedagogia a noção de pilar da educação no sentido de formar a base da educação do sujeito, atribuímos à pedagogia a tarefa de reconhecer no sujeito em formação a figura do outro e colocar diante dele nossa cultura. Porém, é preciso estar atento à forma como se encaminha esse processo. A integração e a adaptação de um indivíduo são o projeto civilizatório de conquista da felicidade de modo que a aderência do sujeito a uma comunidade constitui-se como uma atividade altruísta. Todavia, ela não se dá de maneira harmônica quanto se poderia pensar, sobretudo porque a necessidade de satisfação individual pode se chocar com as necessidades de uma dada coletividade (THONES; PEREIRA, 2013, p. 515). Em nossa cultura, a forma como os indivíduos são educados coloca o bem maior como objetivo. Educando com essa noção, as diversidades – étnicas, raciais, de classes, de gênero, de orientação sexual, entre outras – são reprimidas e dão UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 150 espaço para a ideia de que quando todos são iguais e se submetem às mesmas regras, a harmonia social é garantida (THONES; PEREIRA, 2013). Para compreender o outro em relação à sua individualidade não podemos olhar para o outro como objeto de nossos pensamentos. É preciso ser um receptor dos pensamentos do outro. Segundo Veiga (2010, p. 37), “o pensar sobre o outro precisa ser substituído pelo pensar seguindo o outro". Isso significa deixar os pensamentos em segundo plano para abrir espaço e observar como o outro desenvolve uma linha de pensamento diferente. Compreender a individualidade do outro vai além de identificar características genéricas, o outro é muito mais que um conjunto de características externas. Nesse sentido, para compreender o papel social do outro também se exige esse movimento de pensar seguindo o outro, pois não é possível avaliar e/ou julgar o outro com base em atribuições externas. Esse pensamento nos direciona para a superação da discriminação e das desigualdades, na medida em que nos leva a superar preconceitos em relação ao outro (VEIGA, 2010). 3 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO À ALTERIDADE Caro acadêmico, para iniciar nossa reflexão a respeito do papel do professor diante dos desafios impostos pela relação entre diversidade e educação, recorremos às palavras de Pinheiro (2010, p. 39), em sua análise sobre educação e alteridade: Algo urgente chama nossa atenção nas atuais discussões sobre a questão da alteridade: a necessidade de uma formação que insira a tolerância como fundamental no processo de educação, principalmente se a ideia de educação pretendia seguir os princípios normativos de uma educação voltada para o pleno desenvolvimento do espírito cidadão e democrático de cada um. A tolerância é essencial para pensarmos em uma educação de qualidade e na construção de um processo formativo no qual todos os sujeitos possam encontrar as mesmas condições para adquirir novos conhecimentos e desenvolver competências e habilidades. Entretanto, tal tarefa é um desafio para a escola e para os professores, isto porque exige uma postura aberta para o outro. 151 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Educação igual para todos? Beatriz Vargas Dorneles Está na hora de reencontrarmos as necessidades individuais dos alunos e repensarmos o nosso papel na sua formação, não só dos ditos “diferentes”, mas de todos aqueles com os quais temos um compromisso educacional. Nunca tivemos um percentual tão grande da população mundial na escola. Mesmo assim,ainda estamos longe de uma educação para todos. Mas o que é exatamente isso? É uma educação em que a maioria das pessoas tem acesso à escola? No Brasil, já existe esse acesso, mas não há uma educação para todos. Então se trata de uma educação em que todos têm as mesmas oportunidades educacionais, mesmo chegando desiguais à escola? Talvez, porém essa meta é mais difícil, e nós ainda precisamos caminhar muito para chegar lá. O que está faltando? Já dispomos de uma legislação que garante a todas as crianças o direito à escola e uma rede de escolarização que recebe essas crianças. Contudo, nós, professores, ainda não sabemos como real¬mente efetivar essa escolarização. Continuamos esperando que nossas turmas sejam homogêneas, que possamos fazer um único plano para todos os alunos e que eles cumpram suas tarefas de acordo com o planejamento. A realidade, no entanto, tem sido dura: temos alunos que não aprendem no ritmo que pretendemos e que nem sequer aprendem os conteúdos que ensinamos. O que fazer com eles? Essa pergunta torna-se emblemática para o momento atual da chamada educação para todos: quase todas as crianças estão na escola, mas não sabemos o que fazer com muitas delas. Até pouco tempo atrás, essas crianças não passavam dos primeiros anos do Ensino Fundamental e depois eram enviadas para escolas especiais, porém, hoje elas chegam aos últimos anos e inclusive ao Ensino Médio. [...] A nossa escola pública desenvolveu-se historicamente voltada para a homogeneização. O início da ideia de escola pública para todos no século XVIII e sua expansão no século XIX aconteceram para preparar a mão de obra necessária para atender aos processos de industrialização crescente que a Revolução Industrial estava a impor. Era preciso aprender a ser bom trabalhador para produzir, e isso incluía uma forma mais educada de agir e um certo domínio da leitura e escrita, aspectos que a escola garantia. [...] Contudo, a sociedade do século XXI é cada vez mais híbrida; as mudanças são muito rápidas e radicais; as diferenças sociais, econômicas e culturais têm se acentuado. Para viver em tal complexidade, teremos de preparar nossos alunos. Vivemos em uma sociedade heterogênea e complexa, e essa heterogeneidade faz parte da riqueza humana, da essência da natureza humana. Por complexa entendo uma sociedade formada por várias facetas culturais, sociais, familiares, educacionais e políticas que se inter-relacionam de diferentes formas. [...] As mudanças trazem sempre novos desafios, inseguranças e incertezas, tal como ocorre com a ideia de uma escola para todos. Perseguimos durante centenas de anos um ideal de homogeneidade que não encontramos e que, nas poucas vezes em que o vislumbramos, mostrou-se empobrecido. A diversidade como elemento essencial na nossa história humana tem se mostrado produtiva e enriquecedora da prática cotidiana. Precisamos aceitar tal diversidade com estudo, reflexão e construção de alternativas pedagógicas que nos façam desenvolver cotidianamente a tolerância como um valor, reciclando-nos no dia a dia. [...] FONTE: DORNELLES, Beatriz Vargas. Educação igual para todos? Disponível em: <http://loja. grupoa.com.br/revista-patio/artigo/6328/educacao-igual-para-todos.aspx>. Acesso em: 2 nov. 2016. UNI UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 152 O encontro com o outro, mesmo despertando o sentimento de estranhamento e angústia, pode ser um momento positivo. Quando os atores da educação oferecem um caminho para o encontro com o outro é possível construir uma relação que supere a angústia e/ou agressividade que emergem no encontro com outros significantes. É possível conduzir um encontro que leve à construção da familiaridade e não da agressividade em relação ao outro, ao novo, ao diferente. Para tanto, é necessário que todos os atores envolvidos nesse processo – incluindo o professor – estejam abertos para o outro (THONES; PEREIRA, 2013). Além disso, é fundamental que o professor esteja atento à sua tarefa do próprio reconhecimento. Devemos admitir o caráter desafiador e até desesperador dessa tarefa. Afinal, a educação “é o lugar por excelência do escamoteamento do vazio que nos constituiu e que constitui nossas regras, normas de conduta e projeto civilizatório” (THONES; PEREIRA, 2013, p. 516). Bem como, há uma resistência em relação a tal tarefa, quando o sujeito não olha a si mesmo acaba negando a existência do outro. Diante desse impasse, a mudança de comportamento em relação à forma de lidar consigo mesmo e com o outro é imprescindível para promover o respeito à diversidade. Mudar a forma como reconhecemos a nós mesmos abre caminho para reconhecer o outro. Thones e Pereira (2013) nos mostram como desenvolvemos um sentimento de angústia no encontro com o outro. O outro, nesse caso, faz referência a um sujeito com características culturais, étnicas ou sociais diferentes das nossas. Esse sentimento de angústia e/ou estranhamento se faz presente quando não somos capazes de enquadrar ou classificar outros sujeitos em nosso universo, em nossas regras ou ainda em nossos valores. A dificuldade de enquadramento é uma representação simbólica da influência da cultura na sociedade e na construção da identidade de cada indivíduo. Reconhecemos quem somos – e aqueles diferentes de nós – através da cultura. Nesse sentido, quando nos deparamos com o outro, com o diferente, sentimos um estranhamento e essa percepção é natural, pois em diversos momentos não desenvolvemos uma identificação ou empatia imediata em relação a indivíduos diferentes de nós e tentamos enquadrá-los em nossos padrões culturais (THONES; PEREIRA, 2013). Em outras palavras, a educação pode ser diferente. É possível olhar para o diferente, para aquele que não se encaixa nos padrões socialmente estabelecidos, reconhecendo o estranho não como algo a ser transformado, adaptado, escondido ou excluído, mas como parte da nossa própria percepção. A pedagogia pode ser antipedagogizante quando parte da condição do não saber. Nessa pedagogia os olhares se voltam a nós mesmos como o outro. Para tanto é necessário abrir mão, por vezes, do já conhecido ou preestabelecido. Abrir espaço para o outro é também abrir espaço para o novo através de novas metodologias. Desse modo, podemos ver o outro e abrir espaço para o novo com familiaridade e proximidade (THONES; PEREIRA, 2013). 153 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Outro elemento a ser considerado nesse contexto são os impactos da modernidade e da globalização para a sociedade e seus reflexos na educação. Conforme nos mostra Nabuco (2010), com a globalização mundializou-se uma condição humana que produziu um grande número de excluídos, pessoas que são consideradas desnecessárias para a sociedade e, consequentemente, não fazem parte das instituições sociais. “As práticas de inclusão e a educação estão às voltas com essa modernidade líquida e com o fluxo da informação sem fronteiras que aparece como desestruturação e esgarçamento dos laços sociais, o que não deixa de acelerar o processo de segregação/exclusão” (p. 72). Esse novo contexto da educação no espaço social abre outros espaços e concepções sobre os indivíduos, especialmente para aqueles que fazem parte dos grupos que devem ser incluídos no processo educativo. As novas formas de compreender o outro na modernidade permitem superar categorias reducionistas, como aquelas comumente utilizadas para pessoas com deficiência (NABUCO, 2010). Com as transformações nos limites entre o normal e o patológico já não é possível reduzir esses indivíduos a pressupostos já construídos. Saímos da era da educação repressiva e entramos na era da invenção e da criação fora da norma, fora da complementaridade. Respondendo a essa fluidificação e gozo da era da globalização é que as práticaspodem ser reinventadas e as instituições podem ganhar utilidade social. O que fica para todos como referência e princípio fora da norma é a ética. Por esse caminho podemos fazer circular um discurso que humanize e produza laços sociais. Este é o grande desafio para a educação (NABUCO, 2010, p. 72). Nessa mesma direção, Pinheiro (2010, p. 39) nos mostra os desafios diante da noção de igualdade: Um dos maiores desafios que se enfrenta atualmente, na escola e na sociedade, diz respeito à possibilidade de igualdade nas relações entre seus mais diversos membros. Ora, igualdade é um ideal pretendido, mas impossível de ser atingido em todos os seres na mesma medida. O que pode e deve ocorrer numa sociedade que se pretende democrática é a garantia de igualdade perante as leis e as normas. Obrigações e deveres devem ser iguais para todos. É importante ressaltar, como afirma Pinheiro (2010), que o tratamento igualitário em relação às leis e normas não é o mesmo que uma uniformização dos sujeitos que estão na escola, ou ainda, na sociedade. Afinal, a diversidade é o elemento comum entre os sujeitos. A igualdade proposta pelo ideal democrático, que segue o ideal revolucionário republicano francês, antes de propor a igualdade entre os cidadãos, propõe a igualdade de respeito e tolerância. Seguindo esse princípio, a dignidade de cada membro é garantida tanto no âmbito do político quanto do jurídico. Assim, podemos afirmar que a determinação da igualdade necessita de igual modo do respeito e da tolerância (PINHEIRO, 2010, p. 39). UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 154 Aqui residem o papel e o desafio do professor: transformar a escola em um espaço de igualdade exige uma postura – entre todos os atores da escola – que garanta o respeito e a tolerância com o diferente. Estar aberto para pensar com o outro e reconhecer a importância desse processo para a educação. Assista aos filmes: Histórias Cruzadas (Tate Taylor, 2011). O filme narra a luta de Eugenia Skeeter Phelan para dar voz às mulheres negras vítimas do forte racismo presente na década de 60 nos Estados Unidos. Moradora de Jackson, uma pequena cidade no Estado do Mississipi, a garota, que quer ser jornalista, decide escrever um livro sob a perspectiva das empregadas negras acostumadas a cuidar dos filhos da elite branca, da qual ela mesma faz parte. Skeeter se alia à empregada de sua melhor amiga, Aibileen Clark e, mesmo contrariando a sociedade, juntas seguem em busca de igualdade. Preciosa – Uma história de Esperança (Lee Daniels, 2009). Inspirada pelo romance “Push”, da escritora Sapphire, o filme conta a história de Claireece “Precious” Jones, uma jovem de 16 anos que sofreu diversos abusos durante sua infância. Ela engravida pela segunda vez – de seu pai – e é suspensa da escola. A diretora, então, consegue uma vaga em uma escola alternativa, onde, com a ajuda de uma educadora que consegue ver para além das marcas da violência que sofreu, ela aprende a ler e escrever e consegue mudar os rumos de sua vida. FONTE: Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/reportagens/16-filmes-para- debater-os-direitos-das-mulheres/>. Acesso em: 2 nov. 2016. Observamos, ao longo de nossas reflexões, diferentes aspectos que moldam a diversidade humana que reside nas relações sociais e as formas como essa diversidade pode se transformar em desigualdade e exclusão. Resgatamos os princípios legais que norteiam o respeito à diversidade e a garantia de acesso e permanência na escola para todos, bem como, refletimos sobre as implicações teóricas das noções que abarcam a questão da diversidade na educação. Assim, caro acadêmico, você possui as ferramentas para a construção de uma prática pedagógica baseada no respeito à diversidade e na promoção de uma educação de qualidade. 4 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO AO MULTICULTURALISMO A diversidade cultural que compõe as sociedades impõe desigualdades decorrentes da estratificação social. Em muitos casos, a cultura representa uma desvantagem social. Essa desvantagem pode ser observada em situações como a competição por uma vaga no mercado de trabalho em relação à formação educacional. DICAS 155 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA A competição social não é iniciada somente com a busca de um trabalho, como muitos poderiam pensar, mas começa na vida escolar. A instituição é mantida e organizada pela classe média, e sendo assim, possui padrões culturais bem diferentes do grupo social desfavorecido. Portanto, a competição começa na escola (MACHADO, 2002, p. 26). Visando melhor entendimento dessas influências, resgatamos aqui as análises de Apple (1995) sobre as relações entre as esferas sociais, políticas e econômicas e as dinâmicas culturais no contexto da educação. Para o autor, três premissas devem ser consideradas: i) os processos culturais e os processos sociais estão relacionados, especialmente no que se refere às classes sociais, as divisões sexuais, a estratificação racial e as opressões de idade; ii) a cultura representa as relações de poder e, por esse motivo, reproduz relações sociais assimétricas; e iii) a cultura não é uma esfera autônoma, mas também não é totalmente determinada, a cultura é um espaço de lutas. As premissas apresentadas por Apple (1995) colaboraram para ampliar nossa concepção em relação ao sistema educacional, uma vez que nos permitem compreender o processo de ensino e aprendizagem como uma dinâmica social. A educação não é um universo distante ou à parte da sociedade, pois recebe influência dos campos culturais, políticos e econômicos. As estruturas sociais, em grande parte excludentes, são reproduzidas na escola. Cabe ressaltar que a abordagem do autor não se refere a um determinismo econômico, mas sim à necessidade de compreender a escola como parte da sociedade e reprodutora das estruturas dominantes. Analise a letra da música a seguir. Jack Soul Brasileiro Lenine Jack Soul Brasileiro E que som do pandeiro É certeiro e tem direção Já que subi nesse ringue E o país do swing É o país da contradição Eu canto ‘pro’ rei da levada Na lei da embolada Na língua da percussão A dança mugango dengo A ginga do mamolengo Charme dessa nação Quem foi? Que fez o samba embolar? Quem foi? Que fez o coco sambar? Quem foi? UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 156 Que fez a ema gemer na boa? Quem foi? Que fez do coco um cocar? Quem foi? Que deixou um oco no lugar? Quem foi? Que fez do sapo cantor de lagoa? E diz aí Tião! Diga Tião! Oi! Foste? Fui! Compraste? Comprei! Pagaste? Paguei! Me diz quanto foi? Foi 500 reais Me diz quanto foi? Diga Tião! Oi! Foste? Fui! Compraste? Comprei! Pagaste? Paguei! Me diz quanto foi? Foi 500 reais Me diz quanto foi? Jack Soul Brasileiro Do tempero, do batuque Do truque, do picadeiro E do pandeiro, e do repique Do pique do funk rock Do toque da platinela Do samba na passarela Dessa alma brasileira Despencando da ladeira Na zueira da banguela Alma brasileira Despencando da ladeira Na zueira da banguela Jack Soul Brasileiro Do tempero, do batuque Do truque, do picadeiro E do pandeiro, e do repique Do pique do funk rock Do toque da platinela Do samba na passarela 157 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Dessa alma brasileira Despencando da ladeira Na zueira da banguela Alma brasileira Despencando da ladeira Na zueira da banguela Diz aí quem foi Quem foi? Que fez o samba embolar? Quem foi? Que fez o coco sambar? Quem foi? Que fez a ema gemer na boa? Quem foi? Que fez do coco um cocar? Quem foi? Que deixou um oco no lugar? Quem foi? Que fez do sapo cantor de lagoa? Me diz aí Tião! Diga Tião! Oi! Fosse? Fui! Comprasse? Comprei!Pagasse? Paguei! Me diz quanto foi? Foi 500 reais... Eu só ponho BEBOP no meu samba Quando o tio Sam Pegar no tamborim Quando ele pegar No pandeiro e no zabumba Quando ele entender Que o samba não é rumba Aí eu vou misturar Miami com Copacabana Chiclete eu misturo com banana E o meu samba, e o meu samba Vai ficar assim Ah! Ema gemeu Ah! Ema gemeu Ah! Ema gemeu Ah! Ema gemeu Ah! Ema gemeu UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 158 Ah! Ema gemeu Eu digo deixe Que digam Que pensem Que falem! Eu digo Deixa isso ‘pra’ lá Vem ‘pra’ cá O que que tem? ‘Tô’ fazendo nada Você também Não faz mal bater um papo assim gostoso com alguém Eu digo deixe Que digam Que pensem Que falem! Eu digo Deixa isso ‘pra’ lá Vem ‘pra’ cá O que que tem? ‘Tô’ fazendo nada Você também Não faz mal bater um papo assim gostoso com alguém FONTE: Disponível em: <https://www.letras.mus.br/lenine/46998/>. Acesso em: 2 nov. 2016. Entre as vantagens apontadas por Apple (1995) em relação a essa compreensão da escola estão relacionadas as análises das influências das relações de classe sobre o contexto educacional. Contudo, apenas a dinâmica econômica não dá conta das questões que envolvem a educação. Analisar e compreender as dinâmicas que envolvem as questões de raça e gênero é essencial para compreender processos de exclusão e formação da estratificação social que têm espaço na educação. As diversas formas de expressões culturais tomam espaço na escola, por esse motivo a escola não pode ser pensada apenas por um determinado grupo social. A diversidade deve fazer parte da escola, através da gestão democrática, garantindo a participação de todos na construção dos espaços de ensino e aprendizagem. Fica evidente que respeitar a diversidade não se refere somente a incluir diferentes grupos no mesmo espaço, mas se refere à participação de todos nesse espaço. Para compreendermos melhor esse contexto é preciso resgatar elementos na história da educação que são importantes para a formação do que hoje conhecemos como sistema educacional. O sistema que conhecemos hoje teve origem no século XIX como resultado das demandas criadas pela construção das democracias e dos 159 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Estados nacionais e pela expansão do sistema econômico e do mercado. A escola desse período era uma extensão da família e era responsável pela socialização da moral e dos estilos de vida. As crianças transitavam de uma instituição de coesão para outra (MACHADO, 2002). No século XX, a família passou por intensas transformações, não observadas na mesma medida nas escolas. A escola então passa a caminhar em descompasso com a sociedade. Se, por um lado, a sociedade exige o conhecimento dos diferentes padrões que a ordenam, por outro a escola impõe regras, padrões e estimula a memorização (MACHADO, 2002). Podemos observar na escola a institucionalização das demandas sociais. A escola nasceu da necessidade do próprio processo social, à medida que este se tornou mais complexo. Cresceu e ganhou novas estruturas à medida que as sociedades também foram gerando novas necessidades. A sua função essencial continua a ser a de mediar, para as novas gerações, a apropriação da cultura acumulada pela humanidade (MACHADO, 2002, p. 47). Ao ser responsável pela transmissão da cultura acumulada, a escola reflete as noções etnocêntricas e excludentes que permeiam a sociedade. O conhecimento transmitido e construído na escola, por vezes, ainda carrega e reproduz as desigualdades sociais que fazem parte da nossa sociedade. A escola, como resultado das transformações sociais, reflete as estruturas sociais de cada período histórico e com as particularidades de cada sociedade Cada época histórica, cada grupo humano, fez da escola uma instância, entre outras, de mediação de sua concepção de mundo. Devido a isso, podemos concluir que todo indivíduo é um ser em constante transformação e reformulação, e que participa de uma sociedade em incessante mudança, da qual é, ao mesmo tempo, fator e produto (MACHADO, 2002, p. 47). Quais seriam os caminhos para adaptar a educação para as exigências da sociedade e, ao mesmo tempo, garantir o respeito e a inclusão de todos? Como superar o descompasso entre a sociedade, o mercado e a educação? Machado (2002) nos auxilia nessa reflexão ao afirmar a urgência do reconhecimento do caráter polissêmico da escola. Esse caráter implica na consideração dos significados diferentes atribuídos à escola por professores e alunos e que variam de acordo com a cultura. Diante desse contexto, pode-se reconhecer como educação multicultural aquela que preserva as características culturais hegemônicas de uma sociedade, reconhece a existência do multiculturalismo, incentiva comportamentos de solidariedade e reciprocidade entre as culturas, demonstra as injustiças resultantes da assimetria cultural e adota um projeto pedagógico voltado para a interculturalidade e o combate à discriminação (MACHADO, 2002). UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 160 5 CAMINHOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO Superar os desafios apresentados até aqui nos leva a compreender a relevância de uma educação democrática, consciente de sua função social e, de fato, inclusiva, respeitando a diversidade dos sujeitos que ocupam posição nesse processo. Para iniciar nossa reflexão sobre democratização da educação, leia com atenção a tirinha a seguir: FIGURA 38 - DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: CONSTRUÇÕES SOCIAIS E PRECONCEITO FONTE: Disponível em: <https://sortimento.files.wordpress.com/2014/07/armandinho.png>. Acesso em: 15 nov. 2016. Na concepção de Zabala (2002), o ensino possui uma função social. O que seria essa função social? Para o autor, a função social está relacionada ao tipo de pessoa que se quer formar e, consequentemente, ao tipo de sociedade que se quer construir. Toda a estrutura escolar está adequada a uma função, incluindo questões como a seleção do currículo. Tal afirmação coloca luz na responsabilidade que a escola possui em relação à sociedade. Contudo, reconhecer essa responsabilidade não significa que a escola deve abraçar sozinha a tarefa de educar. Da mesma forma que a escola não é um espaço isolado, mas um espaço dinâmico e recebe influências de diferentes esferas que compõem a sociedade, a educação é tarefa que envolve a escola, mas também o Estado, a família e a sociedade. EDUCAÇÃO, RAÇA E GÊNERO: RELAÇÕES IMERSAS NA ALTERIDADE Nilma Lino Gomes As relações raciais na sociedade brasileira são o pano de fundo sobre o qual se localiza o sujeito deste artigo: a mulher negra e professora. Os resultados desta pesquisa trazem como contribuição para o campo da educação o relato, as lembranças, a prática e a reflexão de professoras negras, discutindo a forte presença da questão racial e de gênero na escola. Esses mesmos resultados nos apontam o quanto os educadores e as educadoras encontram-se desatentos ao fato de que a educação, a raça e o gênero são relações imersas na alteridade. É preciso compreender que os sujeitos envolvidos no processo educacional – professores, professoras, alunos, alunas, pais e mães – 161 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA constroem diferentes identidades ao longo de sua história de vida e profissional. A escola é um dos espaços que interfere, e muito, no complexo processo de construção das identidades. O tempo de escola ocupa um lugar privilegiado na vida de uma grande parcela da sociedade brasileira. Esse tempo registra lembranças, produz experiências e deixa marcas profundas naqueles que conseguem ter acesso à educação escolar. Tais fatores interferem nas relações estabelecidas entre os sujeitos e na maneira comoesses veem a si mesmos e ao outro no cotidiano da escola. [...] FONTE: GOMES, Nilma Lino. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 6/7, p. 67-82, jan. 2010. ISSN 1809-4449. Disponível em: <http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1862/1983>. Acesso em: 8 nov. 2016. Retomando a questão da função social, percebe-se que no decorrer da história a educação serviu para reproduzir e legitimar padrões sociais. Seria ingênuo pensar outra coisa. Qualquer sistema tende a se conservar e se reproduzir. A reprodução de uma ordem social estabelecida é a finalidade natural dos sistemas educativos, e o modo como esses se concretizam, um reflexo das necessidades da sociedade para se manter. Quando uma sociedade se denomina democrática, pode colocar- se e deve fazê-lo – como melhorar e transformar para alcançar uma sociedade mais justa –, mas a lógica do sistema é manter privilégios daqueles grupos sociais que ostentam o poder (ZABALA, 2002, p. 46). Percebemos aqui a legitimação e reprodução dos padrões sociais no decorrer da história e o paradoxo que a educação representa nesse contexto. A escola de uma sociedade democrática deve promover a transformação para uma sociedade justa, mas acaba reproduzindo os padrões de exclusão existentes. Logo, é preciso compreender que a diversidade está entrelaçada no universo da educação e, por não configurar uma relação específica, deve ser contemplada no processo de formação inicial e contínua do professor. Afinal, quando se prepara um profissional de qualidade, a educação democrática é fundamental. Em seu livro “10 novas competências para ensinar”, Philippe Perrenoud (2000) elabora um roteiro com domínios de competências que podem nos auxiliar nesse caminho: organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar a progressão das aprendizagens; conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho; trabalhar em equipe; participar da administração da escola; informar e envolver os pais; utilizar novas tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; e administrar sua própria formação contínua. Entre as competências mencionadas acima, destacamos a concepção e evolução dos dispositivos de diferenciação. O professor deve administrar a heterogeneidade presente em seu grupo de alunos, ampliar os processos de gestão da turma, fortalecer uma relação de apoio em especial àqueles alunos que mais precisam de atenção para superar suas dificuldades, bem como fomentar uma relação de apoio e incentivo entre os alunos (PERRENOUD, 2000). UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 162 LEITURA COMPLEMENTAR OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo escolar ou universitário, e aliás, não está concentrado no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas aborda problemas específicos para cada um desses níveis que precisam ser apresentados, porque dizem respeito aos setes buracos negros da educação completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos, que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações da formação dos jovens que, evidentemente, se tornarão cidadãos. O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Por quê? Porque, naturalmente, o ensino dá conhecimento, fornece conhecimento, saberes. Porém, nunca se ensina o que é o conhecimento, apesar de ser muito importante saber o que é o conhecimento, tendo em vista que nós sabemos que o problema-chave do conhecimento é o erro e a ilusão. Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria delas contém erros e ilusões, mesmo quando pensamos 20 anos atrás e constatamos como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção em que os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, e esse código binário transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro e isto é transformado em percepção, logo, a percepção é uma reconstrução. Tomemos o exemplo da percepção constante que é a imagem do ponto de vista da retina: as pessoas que estão perto parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois, à distância, o cérebro não registra e reconstitui uma dimensão idêntica para todas as pessoas, assim como os raios ultravioleta e infravermelho que nós não vemos, mas sabemos que eles estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade, e toda tradução comporta o risco de erro, como dizem os italianos, “tradotore/traditore”. [...] O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Por quê? Porque nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar, e é evidente que as disciplinas de toda ordem que ajudaram o avanço do conhecimento são insubstituíveis, o que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis, isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade, é preciso ter uma visão que possa situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, é mais a capacidade de colocar o conhecimento no contexto. [...] 163 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie, mas estamos em uma sociedade e a sociedade está em nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se imprime em nós. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo nós acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo- sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária. Eu creio que se pode fazer convergir todas as ciências sobre a identidade humana. Um certo número de agrupamento disciplinar vai favorecer esta convergência. [...] O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender? A palavra compreender vem de compreendere em latim, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, quer dizer, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. A compreensão humana vai além disso, porque na realidade ela comporta uma parte de empatia e identificação, o que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisando as lágrimas no microscópio, mas porque sabe-se do significado da dor, da emoção, por isso é preciso compreender a compaixão, que quer dizer sofrer junto, é isto que permite a verdadeira comunicação humana. No entanto, há os verdadeiros inimigos da compreensão, porque não existe a preocupação de ensiná-la. [...] O quinto aspecto é a incerteza, apesar de ensinar-se só as certezas: a gravitação de Newton, o eletromagnetismo. Atualmente, aciência abandonou determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza da microfísica às ciências humanas. [...] O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX, que começou, na verdade no século XVI, com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade, esse fenômeno que estamos vivendo hoje em que tudo está conectado é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar. [...] O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem entre culturas e na natureza humana. Existe um aspecto individual, social e genérico, diria de espécie, uma espécie de trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética, a ética que corresponde ao ser humano desenvolver e, ao mesmo tempo, uma autonomia pessoal - as nossas responsabilidades pessoais - e desenvolver uma participação social - as responsabilidades sociais - e a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum. [...] UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 164 Estes são os sete saberes necessários para ensinar, não digo isso para modificar programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas temos que integrá-las, reuni-las umas às outras em uma ciência, como as ciências estão reunidas, por exemplo, as ciências da Terra, a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia, todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da Terra. Penso que tudo deve estar integrado, para permitir uma mudança de pensamento que concebe tudo de uma maneira fragmentada e dividida e impede de ver a realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes. E, hoje, que o planeta já está ao mesmo tempo unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano para que possamos superar esse estado de caos e iniciar, talvez, a civilizar a Terra. FONTE: MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002. 165 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A noção de alteridade é importante para a prática pedagógica. Através da alteridade é possível compreender os processos de estranhamento e encontro com o outro que ocupam espaço na escola. • Os processos de estranhamento em relação ao outro representam, por um lado, a necessidade de proximidade e, por outro lado, a dificuldade em lidar com os sujeitos que possuem outras identidades e representações culturais. • Uma das formas mais comuns de classificar o outro na contemporaneidade é através dos padrões de consumo. • A diferença é parte constitutiva da nossa sociedade e não deve ser superada, mas sim reconhecida e valorizada, especialmente na escola. • Os principais desafios do professor e da escola diante das diferenças estão na superação da educação como padronizadora de normas, valores e comportamentos identitários e culturais. • O processo de ensino e aprendizagem é dinâmico e precisa reconhecer as diferentes formas de divisão social que compõem a estratificação social e as relações de poder e as lutas estabelecidas no espaço da dinâmica cultural. • A escola é reflexo da sociedade e, ao mesmo passo, contribui para moldar e manter padrões sociais. Por este motivo é imprescindível, na promoção da educação de qualidade, o reconhecimento dos desafios sociais e a contribuição na superação das injustiças e desigualdades sociais. 166 AUTOATIVIDADE 1 A escola e o ensino possuem uma função social. Tal afirmação remete à influência que a escola possui na dinâmica social e também a influência que a escola recebe das estruturas sociais. Partindo desse pressuposto, analise as afirmações e assinale com V para verdadeiras e F para falsas: ( ) Toda escola é adequada para uma função, incluindo a forma como realiza a seleção de seu currículo. ( ) A função social da escola a levou a reproduzir e legitimar padrões sociais includentes ao longo da história. ( ) A escola representa uma contradição nas sociedades democráticas, por reproduzir os padrões de diferenciação e exclusão social. ( ) A educação escolar representa o espaço da democracia e da autonomia social em nossa sociedade. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – V. b) ( ) F – V – F – V. c) ( ) V – F – V – F. d) ( ) V – V – F – F. 2 O contexto escolar com o qual nos deparamos hoje foi construído ao longo do tempo e carrega consigo características decorrentes das transformações sociais e culturais de nossa sociedade. A história da educação remete à manutenção e reprodução das desigualdades sociais presentes em nossa sociedade. Dessa forma, a história de nosso país é também parte da história da educação brasileira. Partindo desse pressuposto, avalie as afirmações a seguir: I - O sistema educacional brasileiro teve origem no século XX, com a expansão da industrialização por todo o território nacional. II – A escola do século XIX era considerada uma extensão da família e responsável pela socialização de valores morais. III – A escola do século XX está em descompasso com a sociedade, pois segue valorizando práticas como a memorização. IV – A escola ao longo do século XIX era considerada uma instituição de coesão por reforçar os imperativos sociais da época. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) As alternativas I e III estão corretas. b) ( ) A alternativa II está correta. c) ( ) Todas as alternativas estão corretas. d) ( ) As alternativas II e IV estão corretas. 167 3 A diversidade representa um desafio para a escola. Esse desafio se constitui nas relações que são estabelecidas entres os diferentes sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. O encontro de sujeitos tão diferentes usualmente promove um estranhamento. Partindo desse cenário, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O processo de estranhamento é natural e deve ser responsável pela criação de hierarquias sociais na escola. b) ( ) O encontro com o outro coloca em risco a manutenção da ordem escolar e deve ser negada a existência de valores culturais diversos daqueles escolhidos pela escola. c) ( ) O encontro com o outro deve ser construído através de uma conduta de familiaridade e não de agressividade. d) ( ) A educação deve promover a manutenção das normas e valores vigentes na sociedade independente do contato com outras culturas e identidades. 168 169 REFERÊNCIAS ALVES, Adriana de Carvalho. Revista Espaço Acadêmico. n. 168. Maio/2015. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/ article/viewFile/27671/14612>. Acesso em: 12 out. 2016. APPLE, Michel W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e gênero na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. BATALHA, Denise Valduga. 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