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Mario Ariel González Porta - A Filosofia A Partir De Seus Problemas. Didática E Metodologia Do Estudo Filosófico

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Prévia do material em texto

F ILO SÓ FICAS
MflRIÜ ARIEL 
GONZALEZ PORTA
A F IL O S O F IA A P A A T IR 
D E S E U S P R O B L E M A S
L E I T U R A S ^ FILOSÓFICAS
L E I T U R A S 99 FILOSÓFICAS
Aristóteles e o logos, Barbara Cassin 
Aristóteles no século XX, Enrico Berti
Arte, política e educação em Walter Benjamin, Matha D ’Angelo 
Ceticismo, Charles Landesman 
Da natureza, ]osé Gabriel Trindade Santos
Despertar da consciência na civilização medieval (O), Marie-Dominique Chenu
Diálogos com a cultura contemporânea, W.AA
Epicteto e a sabedoria estoica, Jean-Joël Duhot
Eric Weil e a compreensão do nosso tempo, Marcelo Ferine
Estudos de ética e filosofia da religião, Francisco Javier Herrero
Filosofia a partir de seus problemas (A), 3a ed.,
Mario Ariel González Porta
Filosofia da ciência — introdução ao jogo e a suas regras, 1 Ia ed., Rubem Alves
Filosofia da natureza (A), Jacques Maritain
Foucault e a fenomenologia, Marcos Alexandre Cornes Nalli
Foucault, simplemente — textos reunidos, Salma Tannus Muchail
Ler Platão, Thomas A. Szlezák
Metáfora viva (A), 2a ed., Paul Ricoeur
Movimento sofista (O), G. B. Kerferd
Nietzsche e Freud — eterno retorno e compulsão à repetição,
Rogério Miranda de Almeida 
Niilismo (O), Franco Volpi 
Ofício do filósofo estóico (O), Rachel Gazolla 
Ordem do discurso (A), 13a ed., Michel Foucault 
Para não 1er ingenuamente uma tragédia grega, Rachel Gazolla 
Quatro lições sobre a ética de Aristóteles, Marcelo Perine 
Que é a filosofia antiga? (O), 2a ed. Pierre Hadot 
Razões de Aristóteles (As), 2a ed., Enrico Berti 
Saber dos antigos — terapia para os tempos atuais, 2a cd.,
Giovanni Reale
Sete lições sobre o ser, 3a ed., Jacques Maritain 
Sobre o político de Platão, Cornelius Castoriadis 
Sócrates, Denis Huisman
Sócrates ou o despertar da consciência, Jean-Joel Duhot 
Sócrates, o feiticeiro, Nicolas Grimaldi 
Tempo em Platão e Aristóteles (O), Rèmi Brague 
Tempo e razão — 1.600 anos das Confissões de Agostinho,
Carlos Arthur A. Nascimento 
Transformação da filosofia, vol. 1, 2a ed., Karl-Otto Apel 
Transformação da filosofia, vol. 2, Karl-Otto Apel 
Vontade de crer (A), William James
Mario Ariel González Porta
A FILOSOFIA A PARTIR 
DE SEUS PROBLEMAS
Didática e metodologia 
do estudo filosófico
Edições Loyola
D ireção: Pe. Fidel García Rodriguez, SJ 
E dição: Marcos Marcionilo 
Preparação: Gisele Molinari 
D iagramação: Telma dos Santos Custódio 
Revisão: Carlos Alberto Bárbaro 
Joseli Nunes Brito 
Maurício Balthazar Leal
Edições Loyola
Rua 1822, ne 347 - Ipiranga *
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP
© (11) 6914-1922
(3 ) (11) 6163-4275
Home page e vendas: www.loyola.com.br 
Editorial: loyola@loyola.com.br 
Vendas: vendas@loyola.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode 
ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma dou 
quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia 
e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de 
dados sem permissão escrita da Editora.
ISBN: 978-85-15-02579-4
3a edição: fevereiro dc 2007
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2002
Para Rodrigo
Agradecimentos
A Lúcio Prado, Pedro Monticelli e ao implacável Ernesto 
Giusti, que leram a primeira versão deste texto.
A Jean Siqueira, que fez a primeira tradução, e a Gisele 
Molinari, que, com sua infinita paciência, ajudou-me a des­
cobrir as melhores opções textuais em cada caso.
Nota Prévia
Para facilitar a leitura, estabelecemos alguns critérios com 
respeito aos destaques e referências usados no texto:
a) termos que designam conceitos-chave para o traba­
lho são escritos em negrito na primeira vez em que 
são empregados no contexto no qual são relevantes.
b) títulos de obras e palavras estrangeiras aparecem sem­
pre em itálico.
c) as remissões a outras partes do texto foram assinala­
das com o número da Parte, seguido dos números do 
capítulo e da seção (por exemplo: Ia, 1, 1.1).
Sumário
Agradecimentos................................................................................ '
Nota prévia...................................................................................... 8
Introdução....................................................................................... 13
Finalidade do livro.................................................................. 13
Estrutura temática.................................................................. 15
I a Parte
A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
C apítulo 1 - As diversas relações possíveis com a filosofia 21
1.1. Ensinar filosofia e ensinar a filosofar.......................... 21
1.2. As diversas relações possíveis com a filosofia........ 22
C apítulo 2 - Os momentos essenciais do 
“modo filosófico de pensar” ...................................................... 25
2.1. A primeira imagem da filosofia................................... 25
2.2. “O problema” como momento essencial do pensar
filosófico (tema, problema, questão, pergunta)...... 26
2.3. Existem “problemas filosóficos”? ................................. 31
2.4. A tese............................................................................... 32
2.5. O argumento e a fundamentação................................ 36
9
2.6. Questões de sistematicidade intrafilosófica............ 38
2.7. -Resumo: resultados e perspectivas........................... 39
C apítulo 3 - Afinal, o que é filosofia?
Primeiros elementos para uma resposta............................... 41
3.1. Introdução..................................................................... 41
3.2. O conceito de racionalidade...................................... 42
3.3. A filosofia como culminação da racionalidade....... 44
3.3.1. Filosofia e esclarecimento............................ 44
3.3.2. Filosofia e intersubjetividade........................ 45
3.3.3. Filosofia e algoritmo...................................... 46
3.3.4. Filosofia e reflexividade............................... 46
3.4. Filosofia, cultura e sociedade.............................. 49
Capítulo 4 - 0 texto ............................................................ 51
4.1. Como se lê um texto filosófico?.............................. 51
4.2. A compreensão do tex to ........................................... 53
4.2.1. O que é “entender” um texto?.................... 54
4.2.2. Por que às vezes não entendo e o que devo
fazer quando isso acontece?........................... 57
4.2.3. Como sei se entendi “corretamente”? ......... 59
4.3. A análise do texto ...................................................... 62
4.3.1. Retradução semântico-gramatical: explicitação
exaustiva dos recursos puramente lingüísticos . 63
Excurso......................................................... 64
4.3.2. Retradução técnica: substituição de definições 65
4.3.3. Taxonomia semântica: tipologia dos
conteúdos presentes no texto.................. 67
4.3.4. Retradução lógica........................................ 69
4.3.5. Modalização veritativa da tradução alcançada 71
4.3.6. Entender e interpretar: para uma nova
versão do texto ........................................... 73
C apítulo 5 - 0 contexto...................................................... 77
5.1. Texto e contexto..................................................... 77
5.2. A historicidade do pensar..................................... 78
5.2.1. O status quaestionis................................. 81
10
5.2.2. A recepção......................................................... 82
5.2.3. O “avanço direcionado” da história da filosofia 84
5.3. A reconstrução do problema.................................. 85
5.3.1. A reconstrução racional do problema.......... 87
5.3.2. A reconstrução histórica do problema......... 88
C apítulo 6 - 0 não-textual....................................................91
6.1. A noção de "texto”: texto e escrita........................ 91
6.2. Falácia da harmonia hermenêutica preestabelecida 94
6.3. Redimensionamento do “texto” como instrumento 
de aprendizagem e estudo filosófico, assim como
da própria filosofia...................................................... 95
6.4. A atividade filosófica.................................................. 97
6.5. As modalidades não-textuais da atividade filosófica 98
6.6. Texto e tradição viva. O mestre e a escola............ 101
2a Parte
EXEMPLOS
C apítulo 1 - O problema da C rítica da razão pura.......... 107
1.1. Introdução........................................................................ 107
1.2. O problema crítico ........................................................ 107
1.2.1. O problema teórico...... .'................................... 108
1.2.2. O problema prático........................................... 118
1.3. O caminho da solução.................................................. 120
1.3.1. A solução do problema prático...................... 120
1.3.2. A solução do problema teórico...................... 123
1.3.3. Coincidências e diferenças entre as soluções
das questões prática e teórica ....................... 127
1.4. O lugar de Kant na história da filosofia ................. 127
C apítulo 2 - 0 problema da “filosofia das formas simbólicas” 129
2.1. Introdução........................................................................ 129
2.2. Os pressupostos............................................................. 130
2.2.1. O idealismo alemão........................................... 130
2.2.2. O neokantismo................................................... 131
2.3. Cassirer e a filosofia das formas simbólicas............ 137
2.3.1. Introdução......................................................... 137
2.3.2. A filosofia cassireriana das matemáticas
e da física......................................................... 137
2.3.3. O problema das ciências do espírito........... 140
2.3.4. A filosofia das formas simbólicas.................... 142
2.3.5. Estudo comparado de algumas formas
simbólicas.......................................................... 151
2.4. A modo de conclusão: o pluralismo e o problema
da objetividade............................................................. 153
C apítulo 3 - A unidade da filosofia contemporânea do ponto
DE VISTA DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA......................................... 157
3.1. Introdução..................................................................... 157
3.2. Período metafísico....................................................... 159
3.3. Período transcendental................................................ 160
3.4. A filosofia contemporânea......................................... 162
3.4.1. A filosofia analítica.......................................... 162
3.4.2. Fenomenologia-hermenêutica......................... 166
3.4.3. Uma aproximação sistemática da questão da
unidade do pensamento contemporâneo na 
perspectiva da história da filosofia............... 172
3.5. Consideração final....................................................... 178
Introdução
Finalidade do livro
Este livro se propõe um fim essencialmente prático, e 
será por sua utilidade que terá de ser julgado; se ajudar 
aqueles aos quais se dirige, terá cumprido o seu objetivo. 
E claro que pressuposições teóricas de todo tipo e natureza 
estão presentes no que se segue, sendo discutíveis enquan­
to tais. A fim de evitar que as propostas degradassem em 
receitas rígidas, não pude deixar de explicitar tais pressu­
postos em alguma medida, sobretudo enquanto se referiam 
à idéia de filosofia. Não obstante, não está no centro do 
meu interesse neste texto discuti-los, fundamentá-los ou 
polemizar com outros pontos de vista, senão, simplesmen­
te, por um lado, expô-los e, por outro, exemplificá-los. Em 
nenhum momento me propus a oferecer uma “teoria” dos 
temas tratados, mas apenas uma reflexão, que, ao temati- 
zar uma práxis efetiva, possibilitasse seu partilhamento. 
Creio, contudo, que o exposto não é tão polêmico a ponto 
de não suscitar uma aprovação, ainda que parcial, de um
leitor de boa vontade que possua conhecimentos filosóficos 
não-escolares.
Meu objetivo não foi escrever uma “introdução à filoso­
fia” para pessoas que nunca tiveram contato com essa disci­
plina, e que procuram uma primeira aproximação a ela. Cer­
tamente, o presente livro não é compreensível por qualquer 
leitor. Trata-se de um livro “básico”, mas não de uma “intro­
dução” de utilidade universal. Ele pressupõe um contato já 
presente com a filosofia (seja autodidata ou acadêmico) bem 
como, correlativamente, a experiência de uma certa frustra­
ção na busca de um acesso à “ingrata” que nos exige tanto 
esforço e nos recompensa com tão pouca generosidade. 
Quando o escrevo, tenho em mente um aluno de graduação 
que já sobreviveu a seus decisivos primeiros anos, um de 
pós-graduação cônscio de uma formação inadequada ou até 
um professor que experimenta desconforto com os resulta­
dos obtidos. Para esse grupo heterogêneo de leitores, as li­
nhas que seguem podem poupar algum tempo e esforço.
Este livro tampouco é um “manual” que tenha por obje­
tivo oferecer uma síntese ou sistematização de informações 
fundamentais. O que aqui se propõe é uma perspectiva de 
acesso à filosofia, centrada em explicitar de modo instrumen­
talmente efetivo como podem ser melhorados o estudo e o 
ensino dessa disciplina. Uma vez que ensino e aprendizagem 
são correlatos, é possível entender as linhas que seguem tanto 
como uma metodologia do estudo filosófico quanto como 
uma didática do ensino da filosofia, ainda que, ao mesmo 
tempo, também sejam muito menos do que isso. Aqui não se 
responde a todas as perguntas, nem se toma posição com 
respeito a todos os assuntos usualmente compreendidos pelas 
disciplinas mencionadas. Em nenhum momento me propus a 
escrever um “tratado” (nem de didática, nem de metodologia 
filosófica), mas apenas esboçar uma abordagem acerca das
I 4 | In t r o d u ç ã o
duas questões. Trata-se, unicamente, tanto num caso como 
no outro, da fixação primeira e provisória de uma perspectiva 
básica, a respeito da qual se diz tanto quanto necessário e tão 
pouco quanto possível, optando-se por explicitá-la mediante 
a sua aplicação a casos concretos.
O princípio que rege a perspectiva proposta (e do qual 
todo o resto são variações) é extremamente simples, tanto 
que, por momentos, creio que é por isso que tende a ser 
passado por alto. O objetivo primordial do ensino e da apren­
dizagem da filosofia é “entendê-la”. Ora, ela tem fama de 
difícil, obscura e, inclusive, arbitrária. Pois bem, grande par­
te das dificuldades usuais em sua compreensão deve-se ao 
não entender o “problema” do qual a filosofia trata1. Por tal 
motivo, proponho-me a oferecer uma opção à didática e 
metodologia do estudo filosófico com base no seguinte prin­
cípio: a compreensão do problema deve constituir o núcleo 
essencial, o eixo, tanto do ensino quanto da aprendizagem da 
filosofia. Não é possível “entender” filosofia se não se enten­
de “o problema” abordado por um filósofo. Entretanto, o 
“problema” tende a ser pressuposto ou simplesmente igno­
rado, sem que se dedique esforço específico algum para 
esclarecê-lo. Não poucas vezes, no lugar da sua explicitação 
aparece um rótulo vazio (“o ser e o devir” etc.).
Estrutura temática
Este texto contém duas partes claramente diferentes. 
Na Ia Parte (seis capítulos) explicita-se a idéia central pro­
posta e se estabelece reflexivamente o princípio básico já 1
1. Ou melhor, do qual um determinado filósofo ou uma determinada 
obra tratam.
In t r o d u ç ã o | I 5
mencionado (sem pretender, repito, argumentar ou provar 
suas implicaçõesteóricas); na 2a Parte (três capítulos), ofe­
recem-se três exemplos que procuram evidenciar como tal 
princípio pode ser operacionalizado em casos singulares. 
Como este é um livro que não versa primariamente sobre 
certos conteúdos, mas sobre o método de sua aquisição, é 
claro que ele possui uma flexibilidade temática intrínseca, a 
qual, não obstante, tampouco é sinônimo de absoluta arbi­
trariedade.
O capítulo 1 da 2a Parte oferece o exemplo de um 
pensador que, ao mudar o problema filosófico fundamental, 
muda também a própria idéia de filosofia. A escolha de 
Kant, para tanto, tem secundariamente por objeto eviden­
ciar que é de fato possível explicar de modo simples “o 
problema” de um autor tradicionalmente considerado difícil, 
abrindo, a partir de tal explicação, caminho a um estudo 
posterior gratificante. Uma vez escolhido Kant como exem­
plo de pensador "clássico”, optou-se por continuar, no capí­
tulo seguinte, com um outro autor que tivesse como pressu­
posto a virada crítica, de forma a poder exemplificar o caso, 
extremamente comum, de um problema construído sobre os 
supostos de uma tradição. O escolhido foi um neokantiano: 
Ernst Cassirer. Novamente aqui existe um motivo comple­
mentar na escolha. Cassirer não tem fama de incompreen­
sível como Kant. Todos “entendem” seu texto. Lamentavel­
mente, todos entendem coisas diferentes. Essa situação não 
é, de fato, tão-só culpa de seus leitores. Cassirer possui um 
estilo literário envolvente e fluido, porém impreciso do pon­
to de vista conceituai, proporcionando, por tal motivo, uma 
excelente oportunidade para o exercício do nosso método. 
O estudo do “caso Kant” e do “caso Cassirer” evidencia, 
como princípio geral, que em filosofia não há autores “fá­
ceis”, senão que há aqueles difíceis de ler e aqueles difíceis
16 | Introdução
depois de lidos. O capítulo 3 da 2a Parte, finalmente, mostra 
em forma sucinta como se aplica a perspectiva proposta à 
história da filosofia em geral. Com tal fim, parto do que 
suponho sabido pelo leitor e o confronto com uma forma de 
ordenação um tanto diferente da que creio lhe seja usual. O 
ganho ali será possibilitar uma visão unitária da filosofia 
contemporânea.
A forma de tratamento dos exemplos oferecidos nos 
capítulos 1, 2 e 3 da 2a Parte obedece ao critério de qual seja 
o mínimo necessário para que alguém com inteligência mé­
dia, e certa familiaridade com a disciplina, possa entender 
um determinado problema filosófico. Isso não quer dizer, 
contudo, que eles sejam “fáceis” e não exijam ser lidos com 
atenção, atenção que deve ser tanto maior quanto menor for 
a formação do leitor. Trata-se, certamente, de textos “introdu­
tórios”, mas não simplificadores; de textos “básicos”, mas 
não triviais. Trata-se, assim mesmo, de textos proposital­
mente enxutos, que respeitam com rigor o princípio de re­
duzir a exposição a um mínimo essencial. Essa brevidade 
mostra que é possível explicar problemas filosóficos não só 
de modo claro, mas também “econômico”.
“O problema da Crítica da razão pura" foi inicialmente 
publicado pela revista Integração (USJT), com o título “Uma 
aula sobre Kant”, e constitui uma versão sem alterações de 
uma palestra oferecida no ano de 1999 no curso de “Intro­
dução à Filosofia” do Cogeae da PUC-SP, encontrando in­
tensa difusão através da versão html da referida revista. O 
texto sobre Cassirer foi publicado na revista Ethica, da Uni­
versidade Gama Filho do Rio de Janeiro. Uma versão subs­
tancialmente mais extensa e complexa do texto sobre a 
unidade da filosofia contemporânea foi publicada pela revis­
ta Reflexão, da UNESP.
Introdução | I 7
l g Parte
A FILOSOFIA 
E SEUS PROBLEMAS
Capítulo 1
As diversas relações 
possíveis com a filosofia
1.1. Ensinar filosofia e ensinar a filosofar
E bem sabido que Kant, em citadíssima passagem, afirma 
que não se pode ensinar filosofia, mas apenas ensinar a filo­
sofar. O filósofo de Königsberg quer dizer outra coisa do que 
geralmente se lhe atribui; assim, por exemplo, ele jamais 
entenderia por filosofia “história da filosofia” (algo que hoje 
seria para nós uma primeira identificação). A oposição que lhe 
interessa é entre uma ciência constituída como um conjunto 
de verdades e uma atividade da razão. Como a filosofia não 
é a primeira, mas propriamente a segunda, não há aqui o que 
ensinar no sentido de uma transmissão de conteúdos.
E um mérito kantiano o haver chamado a atenção sobre 
a diferença entre “ensinar conteúdos filosóficos” e “ensinar a 
filosofar”1. Sem embargo, sua distinção introduz mais proble-
1. E, pelo menos de modo indireto, mas genericamente, entre o "conteú­
do filosófico” e o "pensar filosoficamente”.
mas que soluções. Kant supõe que é possível ensinar a filoso­
far, ainda que, a partir de seus pressupostos, não seja óbvio 
que isso possa ser “ensinado” e em que sentido o seja. Por 
outro lado, a pergunta principal fica de pé: se o ensinar filo­
sofia nos remete ao ensinar a filosofar, o como se filosofa e o 
como se ensina a filosofar ainda estão por ser esclarecidos.
1.2. As diversas relações possíveis com a filosofia
Filosofar não é a única relação que se pode manter com 
aquilo que chamamos de “filosofia”. Por tal razão, devemos 
distinguir as seguintes perguntas:
1. Como se “filosofa”, ou seja, como se produz filosofia 
“original”?
2. Como se pensa “filosoficamente”, ou em que consis­
te the philosophical way o f thinking (“o modo fi­
losófico de pensar”)?
3. Como se investiga em filosofia com os critérios aca­
dêmicos de rigor?
4. Como se investiga em história da filosofia?
5. Como se ensina filosofia?
6. Como se estuda filosofia?
7. O que é, propriamente, “ensinar filosofia”?
8. O que é, propriamente, “estudar filosofia”?
E óbvio que a forma de responder às perguntas acima 
depende, em última instância, da forma de responder à 
pergunta básica:
9. Afinal de contas, o que é “filosofia”?
No que se segue, nossa análise se concentrará em 5, 6, 
7 e 8; algumas reflexões a respeito de 1, 2, 3, 4 e 9 serão, 
todavia, imprescindíveis.
“Filosofar” é um verbo que indica tanto uma atividade 
como seu produto. Conseqüentemente, há dois sentidos para
22 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
a pergunta "como se filosofa?”. Em um deles, trata-se de 
determinar como se tornar um filósofo original, apontando- 
se um certo resultado; no outro, como podemos nos apro­
priar do philosophical way of thinking, e alude a uma forma 
específica de proceder intelectual.
Agora, se por “filosofar” entendemos produção de “co­
nhecimento filosófico ‘original’” e, inclusive, “de qualidade” 
(seja lá o que isso signifique), tal dádiva está certamente 
reservada a poucos mortais. “Como se forma um filósofo?”, 
nesse sentido, é uma pergunta tão pouco suscetível de res­
posta quanto a de como se forma um pintor ou um poeta. 
Talvez a única coisa que se possa é estabelecer de modo 
empírico algumas condições prováveis.
Se a primeira pergunta permanecerá sempre sem ser 
resolvida, é possível dar uma resposta concreta à segunda. 
Deixando de lado a valoração acerca da qualidade, não ape­
nas os filósofos filosofam, mas também outros que jamais 
produziram um pensamento “original”. Comum a ambos é o 
exercício de um tipo de atividade intelectual que chamamos 
“filosófica”. Todas as formas de relacionar-se com a filosofia 
supõem em última instância (para serem frutíferas) a pre­
sença deste tipo de atividade. Isso nada tem a ver com ditos 
usuais como o de que todo homem é por natureza um filó­
sofo ou que as crianças filosofam. Refiro-me a um sentido 
mais exigente. Trata-se da capacidade de uma reflexão siste­
mática, metódica e (em maior ou menor medida) autônoma 
sobre certos problemas. Sem ela, jamais há filosofia em 
nenhum sentido, nem sequer no mais despretensioso de 
entender um texto.
Existem diferentes tiposde trabalho filosófico, modos 
heterogêneos de relacionar-se com a filosofia. No entanto, 
não estão desvinculados, pois há entre eles uma identidade 
básica no “modo de pensar”, de forma tal que constituem
As DIVERSAS RELAÇÕES POSSÍVEIS COM A FILOSOFIA | 23
um contínuo que se direciona a um grau crescente de “cria­
tividade”. Entre investigação e docência, trabalho acadêmico 
e produção filosófica, filosofia e história da filosofia, não há 
— necessariamente — um hiato absoluto nem, muito me­
nos, uma contradição. Mas em que consiste o philosophical 
way of thinking presente em todos eles?
24 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
Capítulo 2
O s momentos essenciais do 
"modo filosófico de pensar”
2.1. A primeira imagem da filosofia
Para quem não se dedicou a um estudo sistemático da 
filosofia e tem um contato primário com essa disciplina, a 
impressão de um certo caos é inevitável. A filosofia é vista 
como um espaço onde reina o capricho, podendo cada um 
dizer o que quiser. Seu caráter não-empírico é entendido 
como pura arbitrariedade, quando não como confusão crô­
nica. Porém, essa impressão é falsa: a filosofia não é um 
caos de pontos de vista incomensuráveis, nem consiste sim­
plesmente em possuir certezas. Trata-se de ter opiniões 
sobre certos temas bem definidos e sustentá-las em algo 
diferente de uma convicção pessoal; mais ainda, o núcleo 
essencial da filosofia não é constituído de crenças temati- 
camente definidas e racionalmente fundadas, senão de pro­
blemas e soluções.
25
2.2. “O problema" como momento essencial do pensar 
filosófico (tema, problema, questão, pergunta)
Se o público em geral não entende o que os filósofos 
fazem e crê que cada um simplesmente diz o que quer, isso 
se deve, em grande medida, ao fato de que não entende o 
problema ou, mais ainda, não toma consciência da existên­
cia de um problema. Esse é o dado da equação que tende 
a faltar e o motivo essencial da impressão de arbitrarieda­
de. O que o filósofo diz é tomado como “mero dizer”, co­
mo “irresponsável afirmar”, passando-se por alto seu origi­
nário caráter de “solução”. No entanto, a filosofia possui 
problemas, sendo a unidade dinâmica interna desses pro­
blemas o que está na base da multiplicidade e da mudança 
de temas e opiniões. Quando não há problema tampouco 
há filosofia.
A lista dos problemas filosóficos está sempre incompleta 
e submetida a constante revisão. Não existe, por assim dizer, 
um catálogo deles fixado por uma instância externa à pró­
pria filosofia, e do qual ela poderia se servir. Os problemas 
da disciplina — e isso por sua própria natureza — não estão 
ali prontos, esperando simplesmente que o pensador os tome. 
A sua construção (e não tão-só e em primeira linha a sua 
resposta) é parte essencial do trabalho filosófico.
O primeiro passo para entender filosofia é sempre esta­
belecer o problema. Diante de um filósofo particular, deve­
mos começar pela pergunta “qual é o problema por ele pro­
posto?” e, eventualmente, “por que ele o formula dessa ma­
neira?”. Entender um autor é ver sua filosofia como resposta 
“ao” problema que ele se coloca. Isso vale para qualquer filó • 
sofo, sem exceções. Do mesmo modo que pergunto qual é o 
problema de Husserl nas Investigações lógicas, devo perguntar 
qual é o problema de Heidegger em Ser e tempo, ou qual é o
26 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
problema de Nietzsche em Assim falou Zaratustra2. Às vezes 
os filósofos colocam diferentes problemas em diferentes obras. 
Geralmente, quanto mais os entendemos mais percebemos 
que problemas à primeira vista desconexos são apenas aspec­
tos de um só3. Por isso não devemos só nos perguntar qual é 
o problema de Heidegger em Ser e tempo, mas também qual 
é “o” problema de Heidegger.
A compreensão do problema opõe-se à mera reunião de 
informações. Por “informações” não entendo unicamente da­
dos biográficos e/ou históricos, mas também “saberes” acerca 
do que o filósofo “diz”. Estudar filosofia não é possuir um 
conjunto de “saberes” a respeito do autor. Posso ter muitos 
“saberes” sobre Kant, Hegel ou Wittgenstein (saber, por exem­
plo, que Kant afirma que espaço e tempo são intuições, que
2. Vários leitores das primeiras versões deste texto expressaram estra­
nheza diante de minha afirmação, consciente e intencional, de que também 
em Nietzsche existe um "problema”. Por momentos pensei escrever um ca­
pítulo da segunda parte mostrando como minha tese também vale no caso de 
um autor como Nietzsche. Entretanto, logo compreendi que, desta forma, o 
texto corria perigo de não encontrar um fim, pois com base no mesmo critério 
outros exemplos poderiam ser considerados necessários. Por tal motivo, me 
limito a observar:
1. Na reflexão nietzschiana existe conteúdo, coisa que não acontece na maioria 
dos nietzschianos adolescentes, os quais não passam do modismo estilístico.
2. O problema de Nietzsche é evidenciar que da absoluta negação de toda trans­
cendência não se segue o pessimismo ou o niilismo como conseqüência "neces­
sária”, para o qual grande parte do esforço consiste em explicitar o que a 
transcendência significa. A impossibilidade de toda transcendência não tem 
que ser propriamente provada, senão explicitada. Na medida em que expli­
citamos, descobrimos o fenômeno da alienação e, com ele, o caminho para a 
resposta: justamente a negação da transcendência possibilita ao homem assu­
mir seu caráter criador e, deste modo, dar a si mesmo valores e sentidos.
3. Pode-se estabelecer em Nietzsche uma distinção, paralela à kantiana, entre 
“pré-crítico” e “crítico", a qual deve ser fixada em torno ao diferente trata­
mento do pessimismo e à ruptura com Schopenhauer.
3. Para o conhecedor é óbvia a inspiração, bergsoniana desta idéia; jus- 
tamente por isso solicito que não se a identifique.
Os MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR” | 27
Hegel nega a existência das coisas em si, ou que Wittgenstein 
defende a teoria pictórica da proposição) e, não obstante, não 
ser capaz de fixar o problema desses autores; nesse caso, 
apesar de todos os meus esforços, simplesmente não os en­
tendi. O estudo da filosofia não deve se dirigir a “saber” o que 
os filósofos “dizem”, mas a entender o que dizem como so­
lução (argumentada) a problemas bem definidos.
Se nossa tese é correta, então o conceito de uma filosofia 
puramente descritiva é uma contradição de termos. E certo 
que (como, segundo dizem, alguma vez alguém disse) toda 
filosofia deve estar referida à “experiência”. Outra questão, 
no entanto, é se o mero descrever a experiência alguma vez 
constituiu uma filosofia. Existem de fato filosofias que pre­
tenderam ser puramente “descritivas”, como, por exemplo, a 
fenomenologia. A análise husserliana da intencionalidade apre­
senta-se como não sendo mais que uma espécie de “inventá­
rio” de um certo estado de coisas. E, todavia, uma “feliz 
casualidade” que tal análise solucione tantos problemas, sem 
se propor problemas que se evidenciam como tais, quando 
observamos as dificuldades do conceito brentaniano de inten­
cionalidade e sua discussão subseqüente? Que a “teoria” da 
intencionalidade, assim como qualquer outra “teoria” filosófi­
ca, também é solução a problemas, põe-se de manifesto se 
observamos que há critérios para se estabelecer o que são 
boas e más teorias sobre o fenômeno intencional. Isso não 
significa que o descrever adequadamente não seja um fator 
decisivo na “solução”, reformulação e, inclusive, dissolução do 
problema original. Certamente, ele pode desempenhar um 
papel preponderante em vários sentidos; o que não pode é 
eliminar o problema enquanto tal (reduzindo, assim, uma tese 
filosófica a uma mera descrição). A filosofia não é um discur­
so descritivo. Toda descrição é para ela apenas um eventual 
problema a ser desenvolvido.
28 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
O não atentarao problema degrada o ensino ou o estu­
do filosófico a um contar ou escutar histórias. Tal tendência 
é tão forte que se assemelha a um vírus contra o qual parece 
não existir campanha preventiva eficaz. E comum, quando 
se pergunta aos alunos em que consiste a contribuição de­
cisiva de Hume ao problema da causalidade, obter-se como 
resposta que é o derivar a causalidade do hábito. Aqui temos 
um bom exemplo de redução de uma filosofia a uma tese, 
na qual não se considera o problema. A afirmação de que o 
nexo causal surge do hábito é uma resposta que esqueceu 
sua pergunta. O aporte de Hume se reduz, por conseguinte, 
ao ter “visto” (e descrito adequadamente) algo que outros 
pensadores não viram. Descrever um fenômeno, contudo, 
não é resolver um problema. Hume parece ser “um rapaz 
sem problemas”. Obviamente, isso está muito longe de ser 
verdade. Hume descobre o caráter não-racional do princípio 
de causalidade, ou seja, que ele não é suscetível de demons­
tração. Uma vez que isso fica claro, então, já que de fato 
dispomos de tal princípio, aparece a pergunta: de onde ele 
surgiu? Para responder a esta pergunta é que é elaborada a 
teoria do hábito, a qual ocupa, portanto, um lugar sistemá­
tico subordinado: ela substitui o inviável embasamento ra­
cional por uma explicação psicológico-causal.
Os exemplos poderiam multiplicar-se. A dificuldade em 
se entender a diferença entre a priori e inato e a tendência 
a continuar reduzindo um ao outro, mesmo quando se é 
advertido de sua radical heterogeneidade, evidenciam outros 
modos de se apresentar a mesma questão básica (decorren­
te, em última instância, do esquecimento do problema): 
reduzir a um discurso descritivo um outro tipo de discurso 
absolutamente diverso. A filosofia não pode (mais precisa­
mente, não deve) ser “contada”; ensinar filosofia não é “con­
tar histórias”. Existe uma diferença categorial entre a histó­
Os MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR” | 29
ria dos três porquinhos e o Discurso do método. Nem Des­
cartes é uma espécie de “Prático”, nem o gênio maligno uma 
espécie de “lobo mau”.
O problema de uma teoria filosófica é algo diferente tan­
to de seu tema como de toda “questão”. O tema é aquilo do 
que ou sobre o que o autor fala. Contudo, o autor fala sobre 
algo e diz alguma coisa a respeito, a saber, sua tese. Distinga­
mos, então, aquilo do que fala daquilo que diz a respeito; por 
exemplo, posso falar do conhecimento ou da verdade, e dizer 
que a verdade é o evidente ou que consiste no acordo entre 
pensamento e realidade etc. Em ambos os casos, trata-se apenas 
de “informações” que não determinam problema algum. Em 
português é fatídico o hábito acadêmico de falar da “ques­
tão”. Na linguagem comum, uma “questão” não é senão uma 
pergunta; um “questionário”, uma lista de perguntas. Em seu 
uso acadêmico, porém, o termo perde seu caráter interroga­
tivo e se torna extremamente vago. Em algumas (poucas) 
ocasiões, “questão” é usada como sinônimo de conceito: a 
“questão” do belo em Kant pode significar o conceito do belo 
em Kant. Na maioria dos casos, entretanto, “a questão” faz 
referência propriamente ao tema, um tema que, em tal caso, 
por sua vez, não é fixado, mas apenas aludido. Assim, por 
exemplo, se diz que Kant trata da “questão da metafísica” e 
Heidegger da “questão do ser”. Mas em que consiste “a ques­
tão da metafísica” e em que medida considerá-la pode nos 
ajudar a entender Kant? Se, à primeira vista, parece que Kant 
toma algo preexistente (e claramente definido) de um certo 
“reservatório”, uma mínima análise deixa patente que o clichê 
oculta aqui a mais absoluta vaguidade. Com a “questão do 
ser” o estado de coisas é ainda mais grave: os autênticos pro­
blemas desaparecem em uma nebulosa.
Uma vaga vivência de insatisfação, por mais intensa que 
seja, não basta para que tenhamos um problema filosófico.
3 0 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
Ela pode ser o primeiro passo (e geralmente é), mas o que 
define o filósofo é o fato de que ali onde o entendimento 
comum se contenta com tal insatisfação (e crê, eventual­
mente, que ela, enquanto pura “resistência”, já é o pensa­
mento de um problema) o filósofo a conduz à forma de uma 
pergunta explícita bem definida e, por tal motivo, suscetível 
de resposta.
Por conseqüência, o critério mínimo para decidir se es­
tamos ou não diante de um problema é a possibilidade de 
formulá-lo como uma pergunta gramaticalmente completa. 
Isto não quer dizer que toda pergunta:
a. é uma pergunta filosófica;
b. fixa o problema enquanto tal (sem degradá-lo a um 
novo saber);
c. fixa o problema suficientemente4;
d. e que nem sequer basta prestar atenção à pergunta 
que um autor explicitamente se faz em um texto 
para entender seu problema.
2.3. Existem “problemas filosóficos”?
Propusemos uma metodologia de estudo e uma didática 
da filosofia centradas na idéia de problema. Ora, afirmar que 
a fixação do problema constitui o momento essencial do 
trabalho filosófico supõe dar como concedido que ele é efe­
tivamente tal. Porém, isto está longe de ser óbvio. Com 
efeito, diz-se que a tarefa da filosofia não é responder per­
guntas, mas sim dissolvê-las, evidenciando que elas, em úl­
tima instância, carecem de sentido. Esta tese possui uma
4. Compreender o problema da Crítica da razão pura, por exemplo, não 
é saber que a pergunta dela é "como são possíveis juízos sintéticos a priori 
Pode-se “saber” isso e não haver entendido o problema.
Os MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR” | 31
sólida fundamentação e sua análise nos obrigaria a ir muito 
além. da questão limitada que agora discutimos. Não pode 
ser esse nosso objetivo. Apenas um ponto deve ser ressal­
tado, a saber, que, na dimensão restrita da qual aqui nos 
ocupamos, o que à primeira vista se apresenta como uma 
alternativa excludente se estabelece no seio de uma coinci­
dência básica: se o sem-sentido em questão não é mera­
mente o das teses filosóficas, senão o dos próprios proble­
mas, pelo menos no que concerne ao significado decisivo do 
problema, para definir o que a filosofia seja, há coincidência 
com o que temos afirmado. Mais ainda, uma vez que a 
filosofia, redimensionada mediante a crítica que considera­
mos, não é propriamente “teoria”, mas uma “atividade es­
clarecedora”, tampouco aqui é necessário assumir uma al­
ternativa excludente.
2.4. A tese
Diferenciaremos a seguir "proposição”, “proposição afir­
mada”, “tese”, “hipótese”, “tese a ser refutada” e “definição”.
A proposição é um enunciado capaz de ser declarado 
verdadeiro ou falso. No conjunto das proposições, podemos 
diferenciar dois grupos, o das afirmadas e o das não-afirma- 
das. Nem toda proposição é necessariamente afirmada. En­
tre as proposições afirmadas situamos a tese. Uma hipótese 
é um candidato a tese. A tese pode, eventualmente, se apre­
sentar, de início, como uma hipótese que se confirma pela 
ulterior argumentação. Dependendo do caso, o autor pode 
dedicar relativamente pouco espaço à sua tese, concentran­
do-se nas alternativas a serem negadas. Distinguir entre tese 
e definição merece cuidado especial: a maioria das defini­
ções são meramente nominais e, portanto, nem verdadeiras
32 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
nem falsas, não tendo sentido concordar ou discordar delas. 
Baseados no que foi dito anteriormente, afirmamos agora: 
ser uma proposição é uma propriedade que o enunciado 
possui “em si”; ser uma tese, hipótese ou definição é uma 
função que ele assume ou não conforme o contexto.
No caso do que poderíamos chamar de “teses filosófi­
cas”, elas cumprem, além das condições mencionadas, ine­
rentes a toda tese enquanto tal, uma terceira, a saber: elas 
são solução de um problema. O estabelecimento da tese 
principal de uma determinada obra depende, portanto, da 
correlativa fixação do seu problema básico.O que foi dito é muito simples, mas tudo indica que está 
longe de ser óbvio. Não é incomum situar a tese em um lugar 
privilegiado do saber filosófico, centrando nela o estudo do 
autor. Querer entender a tese filosófica sem o problema é, 
contudo, algo assim como querer entender a resposta sem a 
pergunta. A tese filosófica é, originária e essencialmente, res­
posta; ela só pode ser entendida em correlação com a pergun­
ta à qual responde. O ser-resposta não é parte de seu entorno 
pragmático contingente, mas de sua natureza lógica intrínseca; 
não é um acidente, algo que casualmente lhe acontece, senão 
que lhe é hermeneuticamente constitutivo.
A atividade filosófica primária não é a afirmação ou 
negação de “teses em si”, mas sempre em seu vínculo com 
o problema5. A aparência de que o afirmar proposições é a 
atividade básica em filosofia é muito forte e se deve a que, 
inclusive para o próprio filósofo, o problema é dado como 
parte do legado histórico do qual ele nem sempre é plena­
mente consciente ou que, por ser-lhe óbvio, não considera 
necessário explicitar.
5. Poder-se-ia inclusive afirmar, como já fizemos acima ( I a, 2, 2.2), que 
a atividade filosófica básica é a própria formulação do problema.
Os MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR” | 33
A atenção ao problema não é necessária apenas para 
ente-nder um filósofo em particular, mas também para per­
ceber a dinâmica própria do movimento filosófico ao longo 
da história. Se nos atemos apenas à tese, o devir filosófico 
se torna uma mera sucessão de opiniões cujo caráter essen­
cial é o não poder decidir valores de verdade (um modo de 
ver que, como já indicamos [Ia 2, 2.1], é quase onipresente 
ao iniciante). Entretanto, não se pode entender filosofia se 
a reduzimos a uma seqüência de pontos de vista diversos, já 
que a exata fixação do problema é elemento essencial para 
precisar o sentido da própria tese.
Como regra geral, em filosofia não se contrapõe simples­
mente uma tese a outra. Quando o movimento filosófico é 
interpretado dessa forma, cria-se uma compreensão epidér­
mica dele. Ali onde, à primeira vista, parece haver uma mera 
oposição de teses, uma análise mais acurada mostra, não pou­
cas vezes, uma mudança na própria pergunta. Com muito 
menos freqüência do que se tende a acreditar, teses contra­
ditórias são soluções do mesmo problema. Mais do que sim­
plesmente negar uma tese e a contrapor a outra, o movimen­
to filosófico característico é a explicitação dos supostos tanto 
da tese quanto do problema, a qual termina conduzindo, não 
poucas vezes, à reformulação destes últimos.
O devir filosófico contém uma certa continuidade, um 
certo sentido, algo assim como uma sedimentação concei­
tuai. O pensamento anterior nunca é simplesmente negado 
ou esquecido; ele é sempre “superado” e “integrado” no 
posterior. O devir não suprime, mas supõe o anterior, e 
constrói sobre sua base de formas diversas6. E certo que 
muitos grandes filósofos pretenderam apagar tudo e come­
6. Em tal sentido, a história da filosofia está sempre contida na filosofia 
contemporânea.
34 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
çar do zero, mas sempre se tratou de pura ilusão. Caso tal 
fato prove alguma coisa, é só que grandes filósofos podem 
ser pequenos homens. A consideração da unidade que tese 
e problema compõem permite ver naquilo que, a princípio, 
parecia puramente descontínuo uma dinâmica interna e, in­
clusive, uma certa direção constitutiva daquilo que a filoso­
fia é. Que o trabalho filosófico essencial ao longo da história 
se concentra na inter-relação tese/problema, existindo nele 
uma continuidade e até uma direção, tem a ver com a pró­
pria natureza desse tipo de discurso: explicitar supostos é a 
forma primária na qual se manifesta o movimento reflexivo, 
característica básica do modo particular de racionalidade 
presente na filosofia (Ia, 3, 3.4).
Alguns exemplos talvez ajudem a iluminar diferentes 
aspectos do que foi dito:
1. Geralmente se estabelece o vínculo entre Kant e 
Frege a respeito da natureza da aritmética como se 
o segundo simplesmente negasse uma tese que o pri­
meiro afirma e afirmasse uma tese que o outro nega. 
Assim, enquanto para Kant os juízos aritméticos são 
sintéticos a priori, para Frege tais juízos são analíti­
cos. O simples opor de teses encobre aqui, todavia, 
o que é o verdadeiro assunto e que só pode ser 
adequadamente fixado no contexto de uma coinci­
dência básica: tanto Kant como Frege aceitam que os 
juízos aritméticos são “informativos”. Contudo, dado 
o conceito kantiano de analiticidade, um juízo analí­
tico não pode ser informativo. Daí surge o problema 
crítico: em que se sustentam os juízos aritméticos já 
que, por não serem analíticos, não podem fazê-lo na 
lógica? Daí, por outro lado, a solução kantiana me­
diante o recurso à “intuição pura”. Daí, finalmente, 
o problema de Frege: como um juízo analítico pode
OS MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR” | 35
ser informativo? Colocando as coisas desta forma,
- • vê-se com clareza que Frege não está meramente 
afirmando o que Kant nega, mas sim revisando seus 
supostos, supostos que, mediante o conceito de 
analiticidade, remetem, em última instância, à teoria 
da proposição e, por meio dela, à própria concepção 
de lógica.
2. Entendida como “mera” tese, a negação da mudança 
por parte de Parmênides parece ser mais uma daque­
las excentricidades tão peculiares aos filósofos. Todo 
aluno de graduação “sabe” que, “obviamente”, Herá- 
clito “está certo”. O que falta aqui é a adequada 
compreensão do problema do eleata e, sobretudo, a 
consciência de sua importância. Haver explicitado 
a própria idéia de Razão ao descobrir o princípio de 
identidade como o seu elemento primeiro e definidor 
e, inversamente, haver entendido o dito princípio 
como exigência básica de toda inteligibilidade, é jus­
tamente o aporte parmenidiano decisivo. Uma vez 
que se toma consciência disso, surge o problema de 
que todo tipo de mudança e alteridade constitui algo 
irracional. A solução de Parmênides é, por conse- 
qüência, não as reconhecer como reais. Dado que, 
por outra parte, os sentidos nos informam da exis­
tência de ambas, eles não podem nos brindar mais 
que pura aparência.
2.5. O argumento e a fundamentação
A tese é uma solução ao problema e implica um optar 
em que outras alternativas são descartadas. Tal optar parte 
da exigência de que a resposta seja “pertinente”, o que limi-
36 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
ta em boa medida toda arbitrariedade. Entretanto, é óbvio 
que isso ainda não basta. As vezes há várias respostas igual­
mente “pertinentes” para a mesma pergunta. Por que, então, 
o filósofo se decide por uma e não por outra? E aqui que os 
argumentos desempenham um papel essencial. O que legi­
tima a opção por uma determinada tese são os argumentos. 
Convém, portanto, determo-nos no conceito de “argumen­
to” e precisar o sentido no qual ele é um elemento essencial 
do philosophical way of thinking.
Entre filósofos de procedência analítica, costuma-se di­
zer que o discurso filosófico é “argumentativo”. No entanto, 
afirmar que a filosofia é discurso argumentativo pressupõe 
que ela é “solução de problemas”. O prioritário na ordem 
lógica é o estabelecimento do problema. Ele é suposto es­
sencial tanto da tese como dos argumentos que conduzem à 
sua aceitação ou ao seu rechaço.
Todavia, se por “argumentar” entendemos algo preciso, 
então ele consiste em uma inferência de valores de verdade. 
Uma vez aceita a definição anterior, segue-se que a idéia de 
“argumento” não esgota nem caracteriza suficientemente a ra­
cionalidade filosófica. Existem modos de “fundamentação” que 
não podem ser reduzidos a “argumentos” em sentido estrito. A 
diferença essencial entre ambos reside no elemento de 
reflexividade radical, necessariamente presenteem um caso, 
mas não no outro7. Um desses modos mencionados é a expli­
citação, a qual consiste em clarificar e precisar conceitos, teses, 
problemas e supostos de todos os tipos e gêneros. A análise 
lingüística ou semântica é um caso particular de explicitação8.
7. Poderíamos formular a mesma idéia estabelecendo o ponto essencial 
de outra forma, por exemplo distinguindo entre argumento e algoritmo.
8. A simples, simplíssima, distinção entre sentido e valor de verdade, 
lixada e desenvolvida nos últimos dois séculos, mostrou-se extremamente 
fecunda. Toda evolução filosófica ulterior (inclusive aquela que, eventualmente,
Os MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR” | 37
A idéia do filosofar como “discurso argumentativo” é 
uma boa descrição do que, de fato, muitos analíticos produ­
zem como filosofia, ou seja, partem irrefletidamente de 
problemas “dados” e refutam outros com um certo refina­
mento técnico. A filosofia, contudo, é algo diferente de um 
jogo de engenho. Ela não se limita a desenvolver conseqüên- 
cias de pontos de partida pressupostos.
A fundamentação (e argumentação) da tese nem sempre 
tem um caráter linear e facilmente reconstruível; às vezes 
ela assume formas muito refinadas. Em algumas ocasiões, 
entre os argumentos, encontra-se a derivação de conseqüên- 
cias. Toda tese contém conseqüências e também elas têm 
que ser verdadeiras. Teses são rechaçadas muitas vezes não 
por si mesmas, mas por suas conseqüências, outras vezes 
aceitas pelas conseqüências de sua eventual negação, porque 
se descartou toda outra alternativa etc. Não é incomum, por 
outra parte, que o principal “argumento” passe por uma 
explicitação dos supostos da tese rival, ou seja, aqueles que 
dão sentido ao problema, caso em que a argumentação da 
tese e a reformulação do problema terminam confluindo.
2.6. Questões de sistematicidade intrafilosófica
A filosofia possui, por sua própria natureza, um anseio de 
totalidade. “Totalização”, porém, não é necessariamente sinô­
nimo de unificação intra-sistêmica. O “sistema” não é mo­
a supere) deve partir dela. Ora, é curioso que justamente filósofos provenien­
tes de uma tradição que contribuiu de modo decisivo para estabelecer a dis­
tinção mencionada, constituindo-a no eixo de uma concepção do fazer filosó­
fico, possam, por momentos, reduzir sua tarefa a mostrar que se p é verda­
deira, então q é verdadeira. Querer contra-argumentar dizendo que a elucida­
ção do significado é justamente o modo principal da argumentação filosófica 
é brincar com as palavras. Pelo menos, deve-se conceder que se caracterizou 
o discurso filosófico de modo inexato.
38 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
mento essencial do pensar filosófico (e muito menos o é a 
pedante exaustividade). Não obstante, boa parte do esforço 
de alguns filósofos está dirigida a ajustes na estrutura do edifício 
que constroem e daí, em tal sentido, à solução de um certo 
tipo de problemas que poderíamos denominar “imanentes". 
Esta tendência se intensifica nos períodos “epigonais”, quando 
as grandes idéias perdem sua força e potencial criativo. Ora, 
todo trabalho intra-sistemático não tem sentido em si mesmo, 
supondo, em última instância, um problema que, ainda que 
não livre de supostos, é extrínseco à própria sistematização.
2.7. Resumo: resultados e perspectivas
Resumamos os resultados alcançados até agora. Qualquer 
que seja o autor, sempre temos que fazer três perguntas:
a) qual é o problema? (e, dado que todo problema se for­
mula em uma pergunta, qual é, pois, a pergunta do 
autor?);
b) qual é a solução ou resposta? (ou seja, qual é a tese ou 
conjunto de teses que ele propõe?);
c) quais são os argumentos e fundamentos? (por que ele 
escolhe uma resposta e não outra?).
Entre estas três perguntas, a primeira é a decisiva e a 
que dá sentido às duas restantes. A questão intra-sistemáti- 
ca, enquanto derivada, não haverá de ocupar mais nossa 
atenção a partir de agora.
Afirmamos que a filosofia “tem problemas”, que é mo­
mento essencial do trabalho filosófico formulá-los e que, por 
tal motivo, tanto sua didática como sua metodologia de es­
tudo devem concentrar-se neles. Destacaremos agora, na di­
reção inversa, que se a fixação do problema é o objetivo 
primário da aprendizagem e do estudo da filosofia, isso ocor­
re porque ela é essencial para a própria filosofia.
Os MOMENTOS ESSENCIAIS DO “ MODO FILOSÓFICO DE PENSAR | 39
Capítulo 3
Afinal, o que é filosofia? 
Primeiros elementos para uma resposta
3.1. Introdução
A forma de entender o ensino e a aprendizagem da fi­
losofia remete a uma fixação do philosophical way of thinking. 
Os momentos fundamentais deste dependem, por sua vez, 
de como se concebe a filosofia. Pois bem, afinal de contas, 
o que é “filosofia”? Se, retomando o resultado do capítulo 
anterior, partimos da base que o problema é momento es­
sencial da atividade filosófica, as próximas perguntas são:
1. Por que ele ocupa esse lugar preponderante no pensar 
filosófico? Por que o fazer perguntas é para a filosofia 
e, em particular, para o seu devir, mais fundamental 
que (ou pelo menos tanto quanto) o respondê-las?
2. Existe algo que caracterize os problemas filosóficos 
enquanto tais, algum traço inerente a eles?
3. Por que os problemas filosóficos não são simples­
mente “dados”? Por que é necessário que sejam “cons­
truídos”?
A filosofia não é outra coisa que a consumação plena da 
racionalidade. Uma razão que não culmine em filosofia é 
uma razão mutilada; um discurso filosófico irracional, uma 
contradição de termos. Ora, o que é “racionalidade”?
3.2. O conceito de racionalidade
Se a filosofia é originariamente discurso racional, é im­
prescindível fixar em que ele consiste. E óbvio que a questão 
proposta não é suscetível de ser seriamente tratada em pou­
cas linhas; o que podemos, no atual contexto, é somente 
sublinhar alguns pontos de relevância prioritária:
a. Discurso (ou pensamento) racional não é sinônimo 
de discurso (ou pensamento) “lógico”.
A razão, certamente, não se opõe à lógica1, nem entra 
em conflito com ela, mas tampouco se identifica com ela. A 
lógica explicita a legalidade da razão, mas não a esgota, nem, 
portanto, consegue reduzi-la a um conjunto de regras. Dian­
te de toda regra, a razão segue estando “além”. Ela não pode 
ser “mecânica”. Todo algoritmo, na medida em que desen­
volve conseqüências a partir de supostos dados, não passa de 
um proceder “técnico”.
b. Racionalidade é “esclarecimento"
O discurso racional é esclarecedor; ele contém em si um 
movimento rumo ao esclarecimento. Razão significa transpa­
1. Por “lógica” entendo a ciência assim denominada usualmente.
42 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
rência, e a presença do opaco só pode ser razoavelmente 
indicada a partir do limite desta transparência. Aquele que 
apela ao opaco para limitar a “arrogância da razão” mostra 
a própria arrogância na sua (implícita) pretensão de ser 
capaz de chegar ao limite da transparência. Seu dogmatismo 
não é de modo algum menor do que aquele do qual acusa 
seu oponente. Ele não faz outra coisa que substituir um 
absoluto por outro, a saber, o absoluto da Razão pelo abso­
luto da não-Razão, sem assumir de modo conseqüente, en­
tretanto, o ponto de vista da finitude e sua imanência cons­
titutiva. Pretender chegar ao limite da Razão não é outra 
coisa que uma forma rancorosa de negar a própria finitude. 
A aspiração à transparência só tem sentido como “idéia” na 
acepção kantiana: um ser finito é sempre realização parcial 
da racionalidade.
c. Racionalidade é intersubjetividade
A intersubjetividade não é um atributo da razão, mas 
um momento integrante de seu conceito. Um discurso ra­
cional que não seja em princípio intersubjetivo (e, do mes­
mo modo, um discurso intersubjetivo que não seja em prin­
cípio racional) é uma contradiçãode termos. Agora, se racio­
nalidade implica intersubjetividade, um discurso intersubje­
tivo é, em seu limite ideal, estritamente universal.
d. Racionalidade é reflexividade
“Reflexividade” é qualidade primária da razão. Discurso 
racional, diferentemente de discurso algorítmico ou “intra- 
sistêmico”, é discurso reflexivo. A função esclarecedora da
A f in a l , o q u e é f il o s o f ia ? P r im e ir o s e l e m e n t o s p a r a u m a r e s p o s t a | 4 3
razão exige explicitar e tematizar todo suposto, o qual im­
plica um princípio de reflexividade radical que inclui a pró­
pria auto-reflexão.
3.3. A filosofia como culminação da racionalidade
3.3.1. Filosofia e esclarecimento
A filosofia é um esforço para pensar com clareza, para 
lançar luz na penumbra. O que diferencia o filósofo da maioria 
dos mortais não é que ele pensa mais coisas ou outras coisas, 
ou que as pensa de um modo especial2, mas sim que ele 
pensa, simplesmente, de um modo mais claro. Essa clareza 
não é um dom dos deuses, senão que resulta de árduo tra­
balho intelectual. O filósofo pensa de um modo mais claro 
porque aprendeu a pensar de forma disciplinada e precisa. 
Se a clareza é o objetivo, a diferenciação e a delimitação são 
seus instrumentos. “Pensar racionalmente” é, em boa medi­
da, separar, distinguir, diferenciar3.
Porque a filosofia é um discurso “esclarecedor”, a cla­
reza não é uma propriedade meramente desejável dele, mas 
parte essencial de seu próprio sentido. Uma filosofia vaga 
ou nebulosa é, simplesmente, filosofia de má qualidade.
2. As investigações dos últimos anos têm evidenciado o que se suspeita­
va: os filósofos não possuem um "terceiro olho”.
3. E usual escutar que a análise congela e isola as idéias. Nada mais 
injusto que isto. A análise não detém o pensamento, nem implica atomismo. 
Distinguir não é isolar, senão o primeiro passo imprescindível para estabelecer 
relações bem definidas. O todo é assim clarificado em cada uma de suas 
articulações. Quanto mais vinculadas se encontram duas idéias, mais necessá­
ria é a sua distinção. Em realidade, a análise só se opõe a confusão e vaguidade: 
pensamento confuso ou vago é aquele que não distingue onde é possível.
44 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
Um discurso confuso não é profundo, é apenas confuso. 
Confusão e vaguidade só podem ser admitidas como pri­
meiro estágio no caminho rumo a uma transparência ainda 
a ser alcançada. “Profundidade” é transparência. O niilismo 
conceituai, o vazio elegante, o impressionismo imagético, o 
apelo sinestésico, o malabarismo estetizante ou simples­
mente oco: tudo isto não é filosofia. Onde há verdadeira 
filosofia — e não somente moda cultural de feuilleton — o 
conteúdo está presente e, com ele, a necessidade de sua 
clarificação.
A tarefa esclarecedora não é privativa nem da epistemo- 
logia, nem da lógica (e ainda menos da análise da linguagem), 
mas inerente à filosofia enquanto tal; ela é própria também 
da estética e da teoria política. Nem o discurso filosófico 
sobre arte é artístico, nem o discurso filosófico sobre a po­
lítica é político; ambos são filosóficos: arte e política são seus 
objetos, não seus meios.
3.3.2. Filosofia e intersubjetividade
A filosofia é de princípio “compreensível”; ela não supõe 
intuições especiais, aptidões extraordinárias ou uma inteli­
gência fora do comum. Todo ser humano, enquanto ser ra­
cional, pode entender o discurso filosófico se reúne os pres­
supostos necessários para isso, ou, pelo menos, tem a pa­
ciência necessária para reuni-los4.
A intersubjetividade de princípio do pensamento filosófi­
co não está presente apenas no seu resultado, mas também no 
seu percurso construtivo. Ao contrário do que se tende a crer,
4. A ansiedade é inimiga da filosofia. O acompanhamento medicamentoso 
se torna, em alguns casos, recomendável.
A f in a l , o q u e é f il o s o f ia ? P r im e ir o s e l e m e n t o s p a r a u m a r e s p o s t a | 45
o pensamento filosófico é uma atividade coletiva, não indivi­
dual; a filosofia, um modo de práxis essencialmente social.
3.3.3. Filosofia e algoritmo
A filosofia não é um discurso nem puramente inferen- 
cial nem puramente algorítmico. A redução da racionalidade 
ao “lógico” assemelha de tal forma a filosofia a outros modos 
de pensar, que chega a ameaçá-la com a perda de sua espe­
cificidade. Todo modo de racionalidade não-filosófico con­
tém algo de inercial: ele “aplica” a Razão. Na filosofia, pelo 
contrário, a Razão não é apenas aplicada, é “construída”; não 
há nada “mais alto”.
3.3.4. Filosofia e reflexividade
Por ser um discurso originariamente reflexivo, a filosofia 
é encarnação radical da razão. Diz-se que filosofar é pensar 
sem supostos. Essa tese é em si falsa, ainda que contenha 
um núcleo de verdade. Existem boas razões para crer que 
não é possível pensar sem supostos, e que nem sequer a 
filosofia o consegue. Porém, o que é certo é que o pensar fi­
losófico possui com a idéia de supostos uma relação sui 
generis: parte principal de sua tarefa é explicitá-los. Poder- 
se-ia dizer que a filosofia não ilumina aquilo que está em 
nossa frente, senão aquilo que fica a nossas costas.
Nossas crenças mais básicas são ao mesmo tempo as mais 
difíceis de explicitar. A dificuldade específica de compreen­
são da filosofia, dificuldade que, paradoxalmente, reside em 
boa parte na extrema simplicidade de seu modo de pensar, 
começa com o reconhecimento de que seus problemas são
46 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
efetivamente tais. The philosophical way of thinking é tão 
difícil por ser tão simples. Em um certo sentido, o filósofo se 
ocupa com a explicitação do óbvio. Na medida em que ele 
descobre o suposto como suposto, tematiza e problematiza o 
óbvio, descobrindo que neste se encerra uma dificuldade. 
Agora, se a filosofia é explicitação do óbvio, ela não é certa­
mente uma coleção de trivialidades. A tomada de consciência 
do óbvio encontra-se nos antípodas de toda ingenuidade.
A essencialidade do problema na filosofia não é um mero 
fato a ser constatado, senão uma necessidade que funde suas 
raízes na própria natureza do que a filosofia seja. Ela é a 
conseqüência do caráter primariamente reflexivo do discur­
so filosófico.
Se a existência de um problema é condição mínima do 
filosofar, nem todo problema faz um grande filósofo. Com 
respeito à relevância de um problema, há algo assim como 
critérios objetivos. Os grandes filósofos são os grandes proble- 
matizadores: eles descobrem um problema decisivo ali onde 
não se percebia nenhum.
A explicitação de supostos efetuada pela filosofia consu­
ma a reflexividade radical inerente à razão, sendo por inter­
médio desta que ela constitui seus problemas. O pensamen­
to filosófico é originariamente reflexivo. O filósofo jamais 
perde de vista o mundo; porém, isso é diferente de um 
permanente refazer a filosofia a partir da sua consideração 
direta ou de ignorar que ele só está dado ao pensamento 
como objeto a ser refletido. E por esse motivo, por derivar 
da reflexão, que o problema filosófico não é simplesmente 
dado, mas tem de ser “construído”. A explicitação de supos­
tos (e não apenas da tese, mas inclusive do problema ante­
rior) é o que conduz ao novo problema.
Descartes muda o conceito aristotélico de substância. 
Uma vez estabelecido seu novo conceito, ele se pergunta
A f in a l , o q u e é f il o s o f ia ? P r im e ir o s e l e m e n t o s p a r a u m a r e s p o s t a | 47
que substâncias há no mundo. Responde dizendo que há 
duas substâncias que são absolutamente heterogêneas: alma 
e corpo e, coloca assim a ulterior dificuldade de explicar 
como se relacionam. Tentar superar a mencionada dificulda­
de será o próximo movimento. Spinoza, radicalizando o 
conceito cartesiano, afirmará que só há uma substância e 
que alma e corpo nãosão mais que dois de seus atributos, 
entre outros; Malebranche, por sua vez, dirá que Deus cria 
permanentemente o mundo e, nesse sentido, a cada instante 
coloca de modo direto as substâncias em relação; Leibniz, 
insistindo na unidade como elemento definitório da substân­
cia, vai afirmar que existe uma harmonia preestabelecida 
entre elas; Berkeley, que só há uma substância, o espírito; 
Lamettrie, que só há uma substância, o corpo etc. Visto 
retrospectivamente, o que se opera ao longo desse movi­
mento é uma exploração sistemática de possíveis soluções às 
dificuldades do dualismo cartesiano. Se observamos mais 
detidamente, em todos os casos a nova tese não apenas se 
opõe à anterior, mas passa por uma revisão do próprio con­
ceito de substância. A validade deste, não obstante, perma­
nece fora de toda dúvida. O passo decisivo neste ponto será 
dado por Hume quando, em vez de tentar uma nova respos­
ta para o problema do vínculo entre as substâncias, estabe­
lece um questionamento de princípio quanto à legitimidade 
do próprio conceito de substância. Não se trata já de corrigi- 
lo, mas de abandoná-lo. Purgada por Hume, a questão alma- 
corpo deixa de ser metafísico-ontológica e passa a referir-se 
de forma exclusiva aos fenômenos. Contudo, ela não desapa­
rece totalmente, pois, ainda que neguemos o conceito de 
substância, físico e psíquico parecem ser incomensuráveis. 
Rebelando-se contra toda redução do segundo ao primeiro, 
mesmo aquela que pretende aceitar entidades psicofísicas,
48 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
Brentano afirmará a especificidade irredutível do físico e do 
psíquico enquanto fenômenos (com independência da ques­
tão de seu status substancial ou não). E óbvio que, em tal 
contexto, a dificuldade de dar conta da sua relação subsiste. 
Porém, se, retomando a inspiração spinozista, partirmos da 
unidade do físico e do psíquico (considerados agora enquan­
to fenômenos), parecerá então que tal dificuldade torna-se 
superável. Primeiramente Mach, sobretudo Natorp e, poste­
riormente, Scheler e Cassirer procurarão nessa direção. 
Teremos, agora sim, alcançado a solução definitiva do pro­
blema cujos estágios temos esboçado? De modo algum. Na 
realidade, a única coisa que fizemos foi reformular, em um 
novo nível, a dificuldade básica de todo “monismo”: não a 
união do diverso, mas a divisão do homogêneo. Se partirmos 
de uma unidade primitiva, os problemas não desaparecem, 
antes se deslocam para explicar como “do mesmo” surge 
“um outro”. A unidade fenomênica, portanto, longe de ha­
ver eliminado todo problema, simplesmente criou um novo. 
Na filosofia nunca chega o momento de dizer: "... e viveram 
felizes...”; para o trabalho reflexivo não há “redenção”.
3.4. Filosofia, cultura e sociedade
Porque a racionalidade é sempre tomada de consciência, 
a filosofia é essencialmente libertadora. Ela não dá novos 
grilhões. Uma cultura que não possua filosofia ou uma edu­
cação que não a ensine (e que, não obstante, pretendam 
valorizar o “espírito crítico”) não são mais que uma incoe­
rência. A filosofia cumpre uma função imprescindível no 
conjunto da cultura e, por isso, no seio da sociedade. Al­
guém tem que assumir essa função. Se não queremos que
A f in a l , o q u e é f il o s o f ia ? P r im e ir o s e l e m e n t o s p a r a u m a r e s p o s t a | 49
seja a filosofia, podemos lhe dar outro nome; o estado de 
coisas fundamental não se altera por isso. Isto implica, por 
outro lado, claro está, que quando o filósofo renuncia à sua 
tarefa, deixando de ser guardião da racionalidade, ele perde 
sua função social e a filosofia, sua legitimação como momen­
to necessário e irredutível da cultura.
5 0 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
Capítulo 4
O texto
4.1. Como se lê um texto filosófico?
Existem duas perspectivas possíveis sobre um texto — 
leitura e produção —, sendo que uma percorre o movimento 
inverso da outra. A produção de um texto tem como ponto 
de partida uma estrutura lógica que tenta se realizar numa 
forma literária. Produzir um texto é proporcionar uma for­
mulação literária adequada a uma certa estrutura lógica; ler 
um texto é efetuar o movimento inverso, ou seja, partir de 
uma certa estrutura literária e tentar chegar a uma estrutura 
lógica1. Os manuais de metodologia filosófica concentram-se 
na primeira perspectiva. Um manual de aprendizagem e en­
sino da filosofia deve se concentrar na segunda (Ia, 4, 4.3.1).
Há uma interação — embora esta não signifique identi­
dade ou implicação necessária — entre como se lê e como 
se produz um texto. Bons hábitos de leitura se refletem em 
uma produção satisfatória de texto, assim como vícios de
1. Mais adiante teremos que corrigir esta noção de “texto” à luz da 
proposta de uma distinção entre texto e escrita ( I a, 6, 6.1).
produção são quase sempre também de leitura. Dois deles 
são extremamente comuns: o “periodismo filosófico” e o 
“literaturicismo”.
1. Um texto filosófico não é uma narração na qual se 
contam coisas, porém não é nada fácil perceber que não o 
seja. Podemos ler a “dedução transcendental” como um pas­
seio pelo bosque no qual, em vez de árvores, se descrevem 
“estruturas transcendentais”. O que está errado aqui é a “an­
tecipação hermenêutica”, a própria categorização do que esta­
mos lendo. Um texto filosófico não contém “notícias”, pois 
sua finalidade não é transmitir “informações”2. Conseqüente- 
mente, a sua leitura tampouco pode consistir em informar-se 
ou a respeito do texto ou daquilo que ele diz, nem em infor- 
mar-se com o autor, nem em informar-se sobre o autor (o autor 
fala de..., diz que...). Ao texto lido como “fonte de informa­
ções” devemos opor o texto como “objeto de análise”.
2. Ler ou produzir um texto filosófico é algo essencial­
mente diferente de ler ou produzir um texto literário. Assim 
como muitas leituras não passam de uma apreensão pura­
mente literária do texto, muitos textos “filosóficos” não 
são outra coisa que meras peças literárias. Eventualmente, 
eles são textos “bem escritos”, “oportunos”, ou o que se 
queira, mas não efetuam uma verdadeira contribuição no 
âmbito da pesquisa ou do aprofundamento conceituai. A 
formulação literária não é em filosofia a finalidade, mas 
apenas uma ferramenta de comunicação. Elegância de esti­
lo é desejável, porém não é essencial, sendo aquilo que, 
caso necessário, deve ser sacrificado. A elegância de estilo, 
não poucas vezes, se constitui em inimiga do rigor e da
2. E por isso que pode haver revistas filosóficas melhores ou piores, mas 
não “sensacionalistas” .
52 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
precisão. Fragilidades, saltos, carências e lacunas podem ser 
mascarados literariamente.
Nível literário e nível lingüístico do texto não são a mes­
ma coisa. É provável que não exista pensamento sem lingua­
gem e que aquilo que temos chamado de estrutura “lógica” 
esteja essencialmente vinculado à estrutura lingüística. De 
qualquer forma, isso é diferente de dizer que a expressão 
literária é prioridade para o pensamento filosófico (e, muito 
menos, que a filosofia seja um gênero literário). E óbvio que 
um mesmo pensamento pode encontrar formulações literá­
rias diversas igualmente adequadas, assim como ordem de 
exposição e estilo, que são opções pessoais. Deveria ser óbvio, 
também, que um pensamento pode ser acabado, sutilmente 
elaborado e, não obstante, não lograr uma formulação literária 
satisfatória. Simples notas são capazes de conter idéias filo­
sóficas decisivas.
4.2. A compreensão do texto
Ainda que seja possível diferenciar, em princípio, entre 
os modos de abordagem do estudo da filosofia e do texto 
filosófico, existe entre ambos um vínculo estreito. A idéia 
condutora será aqui, novamente, a de problema.
O objetivo da leitura do texto filosófico deve ser, pri­
mordialmente, “entender”3. Isto não é óbvio, já que, de fato,há outros objetivos possíveis, como “informar-se”, “tomar 
conhecimento” ou “assumir posição” em relação ao escrito. 
O importante é que qualquer outro objetivo pressupõe com­
preender o texto, o que, como conseqüência, sempre é a
3. Uso os termos “entender” e “compreender” como sinônimos.
O t e x t o | 53
finalidade básica, parte analítica do próprio conceito de “lei­
tura, de um texto filosófico”. No entanto,
1. O que é “entender" um texto?
2. O que é o “entendido”?
3. Por que às vezes não entendo e que devo fazer quan­
do isso acontece?
4. Quais são os critérios para saber se entendo ou não 
do modo correto?
4.2.1. O que é "entender" um texto?
O termo “entender” possui um sentido subjetivo e um 
objetivo: no primeiro, ele é um sentimento de saber do que se 
trata, de não ter dúvidas; no segundo, uma habilidade intersub- 
jetivamente acessível e controlável, que pode assumir diferen­
tes formas em função de sua complexidade intelectual:
a) Entender é “compreensão literal”, é ser capaz de 
repetir o texto.
b) Entender é “parafrasear”, ou seja, ser capaz de efe­
tuar a reprodução não-literal do texto, substituindo 
alguns termos dele por sinônimos e equivalentes. Isto 
é o que usualmente se chama de “dizer com minhas 
próprias palavras”. No fundo, continuamos diante de 
uma repetição, na qual apenas foram introduzidas, 
de modo aleatório, algumas mudanças puramente 
literárias.
c) Entender é assimilação das regras que possibilitam a 
reprodução de estilo. Tanto na repetição textual como 
na paráfrase, não se produz nada novo. Existe, contu­
do, um terceiro sentido do entender objetivo que con­
serva essa característica de um modo “refinadamente 
perverso”. O leitor não pretende, neste caso, tão-só
54 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
reproduzir o texto enquanto peça literária, mas elabo­
rar um novo discurso que atinja o próprio conteúdo. 
A pretensa novidade, no entanto, é um engano ou 
uma ilusão. Muitos textos que, presumivelmente, es­
tão destinados a falar de um autor, na realidade, falam 
“como” ele. Seu resultado efetivo não é entender o 
texto, mas imitá-lo. Do mesmo modo que diferencia­
mos entre “tema” e “problema”, temos de diferenciar 
também entre “problema” e “estilo”. O objetivo da 
análise filosófica não é falar “como”, mas falar “de” 
Heidegger ou “de” Hegel, entendendo o que eles di­
zem como resposta a seus respectivos problemas. Tam­
bém Heidegger ou Hegel têm um problema; também 
Ser e tempo ou A ciência da lógica são resposta. E 
simplesmente uma desculpa preguiçosa dizer que a 
doutrina de um autor não admite nenhuma outra 
formulação literária que aquela que ele efetivamente 
emprega. Se fosse assim, então só se poderia falar 
“como” Heidegger ou “como” Hegel, em alemão, que 
não é o que de fato se faz.
d) O verdadeiro entender em sentido objetivo jamais se 
limita a reproduzir a literalidade do texto, senão que 
supõe uma independência em relação a ela, situando- 
se, por tal motivo, além de toda mera repetição, pa­
ráfrase e imitação. Entender é “traduzir”; ter enten­
dido um texto é ser capaz de poder oferecer uma 
“tradução” dele. No entanto, não é qualquer tradução 
que constitui um entender. Para que o seja, ela deve 
representar um ganho em relação ao original; deve ser 
mais explícita e, inclusive, se possível, mais clara e até 
mais precisa, que aquele. Justamente porque na tra­
dução se explicita o texto, todo texto tem, em prin­
cípio, infinitas traduções, não existindo uma que seja
O TEXTO | 55
definitiva. Finalmente, é minha capacidade de tradu- 
. zir o texto o que me permite “explicá-lo” a outros, ou 
seja, fazê-lo compreensível para Maria e João.
Se entender é traduzir, uma verdadeira tradução é capaz 
de “tornar comensurável”, dito de outro modo, de recodificar 
um texto escrito em uma linguagem para outra ou, eventual­
mente, para uma terceira linguagem comum a ambas, de 
forma tal a possibilitar a tematização de similitudes, identi­
dades, diferenças etc. Traduzir implica a possibilidade de 
retraduzir. Isto não quer dizer que exista algo assim como 
uma linguagem última, mas apenas afirmar que sempre são 
formuláveis linguagens comuns. Os mesmos problemas rea­
parecem de um lado e do outro do Rubicão, ainda que ves­
tidos em trajes diferentes. Fazer filosofia é poder mostrar as 
continuidades e identidades entre Frege e Husserl, não menos 
que entre Wittgenstein e Heidegger. No mundo das especia­
lizações é essencial não perder de vista que a filosofia foi e 
segue sendo uma. A razão desse fato é que a reflexão radical 
não pode ser “monádica” (compare-se Ia, 3, 3.3.2 e 3.3.4).
“O entendido” é o sentido do texto. Tal sentido nada 
tem a ver com intenções subjetivas do autor, senão que 
constitui uma unidade objetiva4. O autor ingressa no texto 
unicamente como “fator de finitude” que delimita a parte 
do universo da significação presente nele. Da perspectiva de 
um acesso finito a esse universo, o elemento da facticidade 
nunca pode ser desconhecido, porquanto é a partir dele que 
é possível fixar a significação “realizada”5. Entretanto, enten­
4. Peço ao leitor que não confunda a distinção entre o entender e o 
entendido com a distinção entre um sentido objetivo e um subjetivo do “enten­
der”. O entendido é sempre objetivo, o entender o é só às vezes. O conceito 
de “objetivo” presente em um caso e em outro não é exatamente o mesmo.
5. A historicidade é um modo básico de facticidade e está essencialmen­
te ligada à finitude ( I a, 5, 5.1 e 5.2).
56 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
der não é explicar (nem histórica nem psicologicamente) o 
texto: é explicitar o seu sentido; não o porquê, mas o que 
é dito.
O sentido do texto nunca está oculto ou para além do 
texto, mas presente nele, ainda que nem sempre de um modo 
explícito. O que o autor “queria dizer”, ele o disse.
4.2.2. Por que às vezes não entendo, 
e o que devo jazer quando isso acontece?
O não-entender é sempre superável; não há um não- 
entender que seja “de princípio” e remeta a uma espécie de 
incompetência “crônica”. Este fato, certamente, possui um 
aspecto encorajador: devemos confiar sempre em nossa ca­
pacidade de vencer as eventuais dificuldades de leitura. Ora, 
não se trata de promover no leitor uma espécie de “heroís­
mo intelectual” que não desiste diante do adverso. Trata-se 
de algo diferente. O não-entender sempre é superável devi­
do a que ele sempre tem um porquê: quando não se enten­
de, não se entende por alguma razão.
Em geral, o que se faz quando não se entende é simples­
mente voltar a ler. Este procedimento é, sem dúvida, reco­
mendável quando a dificuldade surgiu de uma mera falta de 
atenção. Não obstante, em outras situações extremamente 
comuns ele é cego. A atitude certa é sempre determinar 
com toda a precisão possível o que não entendo e, em segun­
do lugar, o porquê não entendo.
Uma importante causa do não-entender não diz respeito 
à filosofia, mas à falta de conhecimentos adequados da pró­
pria língua. Não é esse não-entender que nos interessa agora. 
O não-entender de natureza propriamente filosófica é, em 
geral, a conseqüência de que algo não está explicitado no
O TEXTO | 57
texto, ainda quando constitua sua premissa, ou, em termos 
mais -genéricos, de que, em realidade, não possuímos os 
pressupostos necessários. Em tal caso é recomendável sus­
pender de modo provisório a leitura do texto até possuir 
uma formação adequada. Ninguém ousaria tentar entender 
um tratado matemático sobre cálculo sem conhecer as re­
gras elementares da aritmética. Porém, algo assim é o que 
muitas vezes se pretende em filosofia. E pura perda de tem­
po insistir na leitura de textos para a compreensão dos quais 
ainda não se possui os pressupostos necessários. Se, mesmo 
assim, por um motivo contingente qualquer, não podemos 
deixar de procurar entender um texto específico,

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