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Artigo Direito Penal Econômico

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A COLABORAÇÃO PREMIADA EM UMA PERSPECTIVA OBJETIVA 
THE AWARDED COLLABORATION IN AN OBJECTIVE PERSPECTIVE
Jânia do Couto Michirefe
RESUMO
O problema trazido para este artigo versa sobre o esvaziamento da Lei n.º 12.850/2013 quanto à ausência de diretrizes normativas para instrução do processamento da oferta de colaboração premiada. O objetivo do trabalho foi realizar uma análise objetiva da Lei, e verificar a importância da normatização de procedimentos e do estabelecimento de parâmetros objetivos para nortear as partes no trato das negociações, desde a oferta do acordo até o sentenciamento da colaboração premiada. Para elaboração deste artigo, foi escolhida a abordagem qualitativa por meio de pesquisa básica e descritiva utilizando-se dos métodos hipotético e dedutivo. Foram coletados dados e informações provenientes de revisão bibliográfica e de consultas realizadas em sítios eletrônico governamentais e em plataformas de artigos acadêmicos. Também foram analisadas duas decisões do Supremo Tribunal Federal, a QO na Pet 7074-DF e o HC 127.483-PR. Nesse sentido, observou-se que a normatização de procedimentos, com critérios objetivos de proporcionalidade e de imputação, é medida que impõe segurança jurídica às partes que conduzirão as tratativas da colaboração premiada. 
PALAVRAS-CHAVE
Teoria da Imputação Objetiva. Ausência de normatização de procedimentos. Lei n.º 12.850/2013. Acordo de Colaboração Premiada. 
ABSTRACT
The problem brought to this article is the emptying of Law no. 12.850 / 2013 regarding the absence of normative guidelines to instruct the processing of the award-winning collaboration offer. The objective of the study was to carry out an objective analysis of the Law and to verify the importance of standardization of procedures and the establishment of objective parameters to guide the parties in the negotiations, from the offer of the agreement to the sentencing of the awarded collaboration. For the elaboration of this article, the qualitative approach was chosen through basic and descriptive research using hypothetical and deductive methods. Data and information were collected from bibliographic review and from consultations carried out at government e-sites and academic article platforms. Also, two decisions of the Federal Supreme Court were analyzed, the QO in Pet 7074-DF and HC 127.483-PR. In this sense, it was observed that the standardization of procedures, with objective criteria of proportionality and imputation, is a measure that imposes legal certainty on the parties that will lead the negotiations of the awarded collaboration
Keywords: Theory of Objective Imputation. Lack of standardization of procedures. Law no. 12.850 / 2013. Awarded Collaboration Agreement.
Introdução
A discussão sobre a intervenção penal estatal nas liberdades da pessoa remonta desde os contratualistas, exemplificado no contrato de submissão de Thomas Hobbes, e permanece nos dias de hoje. [1: CALDAS, Gustavo Rocha. Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau: Leviatã, Dois Tratados Sobre o Governo, O Contrato Social. 02/2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/63999/thomas-hobbes-john-locke-e-jean-jacques-rousseau-leviata-dois-tratados-sobre-o-governo-o-contrato-social>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
O Brasil encontra seus limites delineados na Carta Constitucional promulgada em 1988. Nesse aspecto, é certo que um Estado Constitucional deve buscar a convivência pacífica e livre entre as pessoas, sempre guiado pelo respeito à essência dos seres humanos. O direito penal e o direito processual penal funcionam como instrumento de solução de conflitos, cuja atuação somente é legítima se respeitar as garantias constitucionais do cidadão. [2: BRASIL. CRFB 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
A norma serve ao Estado, então, como um vetor, pois dirige e orienta seus cidadãos, e, nesse sentido, deve estar consolidada em aspectos fundamentais, calcadas em indicações claras, de forma que o comportamento humano seja dirigido dentro dos limites da Carta Constitucional. 
No viés dogmático, a teoria imputação objetiva dedica-se ao estudo da importância da normatização de procedimentos e do estabelecimento de parâmetros objetivos para a correta instrumentalização e pela legitimação do poder de punir. A legalidade e a racionalização do poder punitivo do Estado estão justificadas na promessa de garantia dos direitos individuais.[3: CALLEGARI, André Luís. Teoria Geral do Delito e da Imputação Objetiva. -3. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Editora Atlas, 2014.]
Não obstante, novas medidas de controle social são apresentadas à sociedade, por vezes por meio de regulamentação normativa. O cenário exige dos Estados cooperação internacional para prevenir e combater de forma eficaz essa nova realidade de enfrentamento à criminalidade organizada transnacional. 
Em meio a dificuldades em individualizar e atribuir responsabilidades, o controle do risco escapa ao seu próprio domínio, e como consequência acaba por não conseguir individualizar a responsabilização dos ataques à sobrevivência comunitária. 
Essa nova realidade social, que exige ampliação das medidas de enfrentamento ao crime organizado e certa modernização nos mecanismos de prevenção e repressão à macrocriminalidade, acaba por promover a expansão dos espaços de consenso, dando lugar à consolidação de uma justiça criminal negocial, que, por meio do instituto de colaboração premiada, vem para minimizar a tensão existente entre Estado e cidadão, ou seja, entre autoridade e liberdade. [4: MENDES, Soraia da Rosa (Org.). A delação/colaboração premiada em perspectiva. Organização Soraia da Rosa Mendes. Brasília: IDP, 2016. 118 p. ]
Nesse quadro de preocupação internacional com a expansão de novas formas de criminalidade, com o crescimento de grupos criminosos organizados, e com o avanço tecnológico, o Brasil, pressionado pela comunidade internacional, em 02/082013, promulgou a Lei n.º 12.850/2013, onde definiu organização criminosa e dispôs sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. [5: BRASIL. Planalto. Lei n.º 12850, de 03 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
A colaboração premiada encontra-se descrita no art. 3º, inciso I da Lei n.º 12.850/2013 como o primeiro de sete outros restantes meios de obtenção de prova. Trata-se de uma técnica especial de investigação criminal. O Estado necessita das informações que colaborador tem a oferecer, e o cidadão, cuja situação criminal no momento é desfavorável, vislumbra a colaboração premiada como meio de defesa, eis que há expectativas de que o instituto possa contribuir na melhoria da sua situação.[6: ______. Supremo Tribunal Federal - STF. Habeas Corpus 127.483/PR, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 04.02.2016. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
Todavia, neste contexto de expansão da justiça criminal negocial, exemplificada na inserção do instituto da colaboração premiada no processo penal brasileiro, é possível verificar certa ausência de regulamentação sobre os aspectos procedimentais quanto à formalização do instrumento do acordo de colaboração premiada. 
É importante ressaltar que o tratamento reservado ao combate à criminalidade não deve ser pautado por reações midiáticas, mas sim por meio da observação de regras culturais de comportamento, de forma que seja possível entender o processo de construção de determinada realidade social, devendo, portanto,serem considerados os aspectos pessoais e integrativos de seus cidadãos. Assim, novas formas de controle social devem coadunar com as balizas constitucionais, de forma que sejam realmente medidas robustas de enfrentamento à criminalidade organizada transnacional. [7: BRASIL. Planalto. Decreto n° 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm >. Acesso em: 7 jul. 2019.]
Tem-se percebido a adoção de alternativas que muitas vezes não coadunam com as normas processuais vigentes. Ocorre que o caminhar processual acaba por demonstrar que soluções emergenciais para questões complexas não são a melhor opção em um ordenamento que prima pelo devido processo penal constitucionalmente dirigido.[8: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal, 2ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thompson Reuters. Brasil, 2018. p.15.]
É possível constatar na jurisprudência essa problemática de questão negocial processual penal, principalmente, nos precedentes proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente nas ações: QO na Pet 7074-DF, de relatoria do Min. Edson Fachin, e no HC 127.483-PR, de relatoria do Ministro Dias Toffoli.[9: ______. Supremo Tribunal Federal - STF. QO NA PET 7.074. Trib. Pleno, rel. Min. Edson Fachin, j.29.06.2017. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314255643&ext=.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2019. ][10: ______. Habeas Corpus 127.483/PR, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 04.02.2016. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
Nessa toada, faz-se necessário análise de dispositivos da Lei n.º 12.850/2013, e, paralelamente, de teses firmadas pela jurisprudência, para que, assim, seja possível extrair a correta compreensão do contexto em que se dá o processamento do acordo de colaboração premiada, e conseguinte, verificar a importância de normatizar procedimentos e de estabelecer parâmetros objetivos para nortear as partes no trato das negociações, desde a oferta de acordo até o sentenciamento da colaboração premiada. 
A construção dogmática e jurisprudencial do acordo de colaboração premiada como consequência ao esvaziamento da Lei n.º 12.850/13
Além de estar prevista de forma esparsa em outras leis especiais, como a Lei n.º 8.072/90, a Lei n.º 9.613/98, a Lei n.º 11.343/06 e a Lei n.º 9.807/99, a colaboração premiada encontra-se disposta em Tratados Internacionais, como a Convenção de Palermo, também denominada Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, e a Convenção de Mérida, chamada de Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.[11: BRASIL. Planalto. Decreto n° 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 8 jul. 2019.][12: ______. Decreto n° 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 8 jul. 2019.]
O instituto da colaboração premiada está inserido no campo internacional como mecanismo consensual, apto a promover maior celeridade no processamento de novos delitos, por meio de espaços de oportunidade e negociação, sendo utilizados, inclusive, por cortes supranacionais.[13: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal, 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thompson Reuters. Brasil, 2018. p. 37-38]
No campo interno, sua constitucionalidade foi tema no Supremo Tribunal Federal, e sua fundamentação é encontrada em decisões homologatórias de acordos de colaboração premiada firmados por aquela Corte. Nesse sentido, segue parte do voto do Ministro Teori Zavascki, Relator da Pet 5.244/DF: 
A constitucionalidade da colaboração premiada, instituída no Brasil por norma infraconstitucional na linha das Convenções de Palermo (art. 26) e Mérida (art. 37), ambas já submetidas a procedimento de internalização (Decretos 5.015/2004 e 5.687/2006. Respectivamente), encontra-se reconhecida por esta Corte (HC 90688, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Primeira Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-04 PP-00756 RTJ VOL-00205-01 PP-00263 LEXSTF v. 30. n. 358. 2003. p. 389-414) desde antes da entrada em vigor da Lei 12.850/2013, que exige como condição de validade do acordo de colaboração a sua homologação judicial que é deferida quando atendidos os requisitos de regularidade, legalidade e voluntariedade.[14: BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. HC 90688. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000228869&base=baseMonocraticas>. Acesso em: 8 jun. 2019.]
Nesse contexto de expansão dos espaços de consenso, a colaboração premiada inseriu-se no ordenamento brasileiro. Trata-se de técnica especial de investigação, pertencente ao campo da justiça criminal negocial. Vejamos: 
[...] A justiça criminal negocial (ou consensual) define-se como: “[...] modelo que se pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes – acusação e defesa – a um acordo de colaboração processual com o afastamento do réu de sua posição de resistência, em regra impondo encerramento antecipado, abreviação, supressão integral ou de alguma fase do processo, fundamentalmente com o objetivo de facilitar a imposição de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que caracteriza o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do processo penal com todas as garantias a ele inerentes.[15: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal. 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thompson Reuters. Brasil, 2018. p. 23.]
O instrumento do acordo foi disposto no corpo legal no sentido de instrumentalizar o processamento da colaboração premiada. Em referência à natureza jurídica do instituto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual, no qual o Estado-acusador, em troca de informações valiosas para a persecução penal oferece ao colaborador vantagens, podendo requerer ao judiciário o perdão judicial, a redução da pena, ou sua substituição por restritiva de direitos. 
Nesse sentido: 
[...] o seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração. Evidenciando tratar-se de um negócio jurídico processual, a nova lei de regência da colaboração premiada expressamente se refere a um “acordo de colaboração” e às “negociações” para a sua formalização (art. 4º, § 6º, da Lei 12.85 0/13) .[16: BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. AG.REG. No Inquérito 4.619 Distrito Federal. MS 35693. O acordo de colaboração premiada constitui negócio jurídico, cuja conveniência e oportunidade não se submetem ao crivo do Estado-juiz. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=748275194>. Acesso em: 8 jul. 2019. p. 3.]
Em que pese não tratar de rol taxativo, constam do artigo 6º, de forma bem simplista, como exigência normativa, que o acordo contenha o relato da colaboração e possíveis resultados, a declaração de aceite das partes e as respectivas assinaturas, e as medidas de proteção, se necessárias. A opção legislativa foi por estabelecer poucos requisitos. Faltam à lei orientações indispensáveis norteadoras do processo.
Percebe-se pela leitura da norma dificuldades em extrair quaisquer orientações sobre como se dá o regramentoe o processamento das tratativas. No artigo 5º, somente é mencionado que após a celebração do acordo, (§7º), ele seguirá para homologação, (§9)º, e posteriormente remetido para sentenciamento pelo judiciário, (§11). 
Ou seja, iniciadas as primeiras conversas entre as partes da colaboração, verifica-se o esvaziamento da Lei. Não consta no texto da Lei normas de procedimento, capazes de oferecer clareza e segurança jurídica às partes, durante as tratativas, eis que até o momento somente há possibilidade, e não a certeza, de se chegar ou não a um acordo de colaboração premiada. 
É certo que o acordo de colaboração premiada dá-se em etapas. Inicia-se pela negociação entre as partes, seguida formalização do acordo. Depois, o Ministério Público remete o acordo ao juiz para homologação, e, por fim, é proferida a sentença judicial, contendo a devida correlação entre os benefícios negociados e à aferição do cumprimento dos termos pelo colaborador. Nesse sentido:
Desse modo, a realização de colaboração do acusado à persecução penal em troca de benefícios deve respeitar o regime procedimental determinado pela Lei 12.850/2013, com suas etapas definidas, em caráter geral, como negociações, formalização, homologação, colaboração e sentenciamento.[17: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal. 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thompson Reuters. Brasil, 2018. p. 86.]
A Lei delimita os participantes do acordo de colaboração premiada. Cada sujeito processual tem missão própria. Assim são partes aptas a participar das negociações para a formalização do acordo de colaboração o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, de acordo com o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
O juiz, em obediência ao princípio da imparcialidade, não participa das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo. Nos termos da Lei:
[...] § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. [...]
Não obstante, hodiernamente, é certo que o acordo de colaboração premiada não resta apenas como mero instrumento persecutório do Estado, a negociação jurídica criminal e processual da colaboração visa também a proteção das partes, consistindo o instituto em verdadeira estratégia de defesa. 
Assim, nessa perspectiva em que o Estado necessita das informações que colaborador tem a oferecer, o cidadão, cuja situação criminal no momento lhe é desfavorável, fomenta expectativas de que o instituto possa contribuir na melhoria da sua situação jurídica.
Um ponto que envolve o debate sobre a colaboração premiada diz respeito à qualidade da colaboração prestada pelo colaborador. A Lei especifica e define a colaboração premiada como um dos meios de obtenção de prova para instrumentalizar o combate às organizações criminosas. Nesse contexto, o artigo 3º da Lei traz uma relação de 07 (sete) incisos, descrevendo os meios de obtenção de prova que podem ser utilizados na investigação de organizações criminosas. Vejamos: 
[...] DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada; [...]
A colaboração premiada é instrumento especial de investigação criminal que busca a produção de elementos de prova. É o veículo que percorre o caminho e ao final revela as provas. Diferentemente seria se a legislação especial a designasse como meio de prova. O meio de prova tem como destinatário o juiz e é usado diretamente para formar a convicção do magistrado que avaliará o alcance e a concretude da evidência apresentada.[18: RODRIGUES, Joaquim Pedro de Medeiros. A colaboração premiada na perspectiva do julgamento do HC 127.483-PR. In: CALLEGARI, André Luís (Org.). Colaboração Premiada: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva 2019. p. 171-172.]
Outra questão que envolve o campo da ciência penal é a velha pergunta em um novo contexto normativo, nesse sentido: a palavra isolada tem valor condenatório? Da leitura da norma extrai-se o comando para que nenhuma sentença condenatória seja proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador. Diz a Lei: “[...] §16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
O Supremo Tribunal Federal também emitiu entendimento no mesmo sentido:
[...] Outrossim, o acordo de colaboração não se confunde com os depoimentos prestados pelo agente colaborador. 
Enquanto o acordo de colaboração é meio de obtenção de prova, os depoimentos propriamente ditos do colaborador constituem meio de prova, que somente se mostrarão hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a ser corroborados por outros meios idôneos de prova. [...].[19: BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Habeas Corpus 127.483/PR, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 04.02.2016. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
Nesse aspecto podemos afirmar que as revelações colaborativas extraídas das oitivas constantes de acordo de colaboração premiada, isoladamente, não possui força suficiente para sustentar uma sentença condenatória.
Não obstante, a preservação na integridade do procedimento do instituto é exigência que se amolda ao ordenamento jurídico. A segurança jurídica nos procedimentos do acordo requer a confidencialidade e a boa-fé das partes. 
Faz-se necessário ressaltar que o destinatário do acordo de colaboração premiada é o judiciário, quanto maior for a cognição dos termos do acordo, maior segurança terá o magistrado ao verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade quando da homologação da negociação. 
Assim, resta claro que sem higidez nos critérios que nortearão as primeiras conversas, as partes acabam por dar início ao processamento de negociação da colaboração premiada às escuras. Nessa seara, o colaborador segue sem a certeza de que as informações oferecidas ao Parquet, consideradas aptas desde a construção, passando pela homologação, continuarão nessa qualidade até haja o sentenciamento do acordo de colaboração premiada.
Nessa perspectiva, é possível afirmar que o esvaziamento da Lei dá azo para que o instituto de colaboração ainda permaneça sem oferecer segurança jurídica ao colaborador, pois a ausência de regramento sobre o tema, desde a promulgação da Lei em 2013, tem contribuído para que a evolução do instituto da colaboração premiada ganhe robustez somente por construção doutrinária e jurisprudencial. Nas palavras de Vasconcelos:
[...] para realizar uma análise real do procedimento da colaboração premiada no processo penal brasileiro, almejando enfrentar tais questionamentos, mostra-se totalmente insuficiente o mero exame do texto legislado (fundamentalmente, da Lei 12.850/2013). A prática que se realiza no judiciário tem extrapolado em muito o regramento previsto, rompendo, em grande medida, com o respeito à legalidade .[20: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal, 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thompson Reuters. Brasil, 2018. p. 18-19]
Exemplificando a título de argumento, é possível afirmar que em caso de esvaziamento normativo do bem jurídico a ser tutelado, não há o que se falar em punição estatal. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 96007/SP, entendeu como atípica a conduta dos membros da Igreja Renascer em Cristo, vez que não existiria a previsão do crime de organização criminosa na legislação penal brasileira. Nesse sentido:
TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formale material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.
(STF - HC: 96007 SP, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 12/06/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 07-02-2013 PUBLIC 08-02-2013) .[21: BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Habeas Corpus 96.007 São Paulo. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24807847/habeas-corpus-hc-96007-sp-stf/inteiro-teor-12281150>. Acesso em: 9 jul. 2019.]
Do caso acima, verifica-se que normas devem ser orientadas por critérios objetivos de proporcionalidade e de imputação, eis que uma ordem normativa, mesmo que plenamente justificada, mas que não consegue dirigir a conduta das pessoas, em verdade, trata-se de uma norma carecedora de realidade social. A tipificação da norma necessita de legitimação, proporcionando clareza na intervenção estatal. Não há neste campo espaço para relativização. O regramento da punição de um comportamento deve estar claramente contido na descrição da norma. [22: JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo, Noções e Críticas. 6 ed. Porto Alegre, 2018. p. 9.]
Em uma concepção funcionalista sistêmica, a ideia de imputar o cometimento de um ilícito penal a alguém caminha no sentido de que, em verdade, estaria castigando aquele que, por adotar um ou mais comportamentos não permitidos, rompe com as expectativas sociais. O sistema gira em torno da legitimação da pena, e a negação da norma pelo autor não importa, pois a norma segue vigendo. A função social da pena é corrigir as expectativas que são violadas, eis que os cidadãos são portadores de papeis, portanto os comportamentos não permitidos encontram-se descritos no tipo. Sobre a culpabilidade:
[...] a culpabilidade é apenas outra designação para o prejuízo causado à vigência da norma pelo autor e, ao mesmo tempo, para a medida deste prejuízo, Trata-se, portanto, diretamente da manutenção (e não: melhoramento) da vigência da norma colocada em perigo pela conduta culpável e, por conseguinte, mediatizada pela proteção de bens, em outras palavras, a vigência da norma é, na verdade, o bem jurídico penal; sua manutenção passa diretamente pela pena. O bem denominado normalmente de “bem jurídico” – vida, saúde, liberdade, patrimônio etc. – é apenas um motivo para a norma, a representação de um fim.[23: ______. Proteção de Bens Jurídicos? Sobre a legitimação do Direito Penal. Porto Alegre, 2018. p. 45-48.]
Não obstante, a falta de direcionamento da Lei permitiu que acordos fossem celebrados sem a devida observância ao regramento normativo. O tema também foi debatido pelo Tribunal Pleno do STF, na votação da PET QO 7074. Nesse sentido, o senhor Ministro GILMAR MENDES expôs a seguinte preocupação atinente ao tema:
[...] Pretendo demonstrar, no curso da argumentação, que os parâmetros legais que deveriam reger os acordos nunca foram devidamente observados. Hoje, são cada vez menos lembrados. Criou-se um tipo de Direito Penal de Curitiba. Normas que não têm nada a ver com que está na lei. E, portanto, torna-se impossível o controle da legalidade. Pouco importa o que a Corte venha a decidir, porque certamente isso será mudado daqui a pouco, tendo em vista as más práticas que se desenvolveram.[24: BRASIL. Supremo Tribunal Federal - STF. QO NA PET 7.074. 29.06.2017. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314255643&ext=.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
Essa deficiência legislativa da Lei de Organizações Criminosas, que mantém a norma silente em muitos aspectos, acaba por gerar no agente colaborador mera expectativa de cognição. Todavia é preciso ter a certeza de que o esvaziamento da lei não trará ao colaborador mais prejuízos do que benefícios. Mister é a criação de parâmetros de negociação, a previsão de como dará seu processamento e o estabelecimento de hipóteses de rescisão. 
A ausência de parâmetros legais objetivos para o regramento das tratativas tem permitido a celebração de acordos sem o devido detalhamento das hipóteses de resolução do negócio jurídico da colaboração premiada. É necessário o preenchimento das lacunas da lei. Devem ser regulados de forma clara e objetiva os critérios que identificarão os comportamentos proibidos ao agente colaborador, ou seja, os riscos não-permitidos. É dizer:
[...] A realização da colaboração premiada deve se guiar por critérios pautados pela legalidade, com requisitos, pressupostos, abrangência, possíveis benefícios e obrigações previamente definidos em Lei. Nesse sentido, deve-se vincular a vontade do acusador e do julgador diante do mecanismo negocial, pois não há discricionariedade, mas submissão aso critérios normativos. ... Somente assim fomenta-se um modelo pautado na segurança e pela previsibilidade da negociação, garantindo um tratamento paritário entre os perseguidos pelo poder punitivo estatal.[25: ______. QO NA PET 7.074. Trib. Pleno, rel. Min. Edson Fachin, j.29.06.2017. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314255643&ext=.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
Por vezes a quebra de confiança entre as partes tem levado ao judiciário questões que envolvem rescisão por descumprimento dos termos de acordo de colaboração premiada. Seguindo esse entendimento, em 2018, a Procuradoria-Geral da República requereu, na QO na Pet 7003-DF, homologação da rescisão dos Acordos de Colaboração Premiada. Em sede de juízo de cognição próprio ao momento processual, o órgão ministerial afirma estarem presentes certeza de materialidade e indícios suficientes de autoria criminosa por parte dos agentes colaboradores capazes de ensejar o rompimento do negócio jurídico criminal processual. 
Nos termos do requerimento, a Procuradoria-Geral da República argumentou que os agentes colaboradores utilizaram informações relevantes que não foram divulgadas ao mercado, de que tinha conhecimento e da qual deveria manter sigilo. Para a Procuradoria, a informação seria capaz de propiciar aos agentes vantagem indevida. Nesse sentido, as palavras do órgão ministerial:
[...] 
No dia 16 de fevereiro de 2018, a PGR proferiu decisão em que rescindiu os acordos de colaboração premiada firmados em 03.05.2017 com Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva, por terem violado as respectivas cláusulas n° 26, alíneas 'a', 'b', 'c', 'd'e' e 'f e 25, alíneas 'a', 'b', 'c', 'd' e 'e', em razão, basicamente, das seguintes condutas: eles deixaram de comunicar ao MPF acerca de ato ilícito de que tinham conhecimento, praticado por Marcelo Miller enquanto ainda era Procurador da República, além de possivelmente terem praticado crime de corrupção ativa; e, apenas no caso de Wesley Batista, por também ter praticado, após a celebração de seu acordo, crime de insider trading, previsto no art. 27-D da Lei n. 6385, o qual é objeto da denúncia feita nos autos n. 0006423-26.2017.403.6181. [26: BRASIL. Ministério Público Federal – MPF. Petição n° 7.003/2018. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/PET7003_rescisodoacordoWESLEYeFRANCISCO.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2019. p. 01-02.]
Para o Ministério Público Federal, determinadas condutas adotadas pelo agente colaborador são contrárias à lógica dos acordos de colaboração premiada, que tem em seu núcleo central o princípio da confiança mútua e da boa-fé subjetiva e objetiva. Afirma a Procuradoria que houve deslealdade dos acusados. Afirma o Parquet:
[...] Consequência imediata da natureza negocial dos Acordos de Colaboração Premiada é a circunstância de que são regidos, em todos os seus aspectos, pelos princípios que informam o chamado devido processo legal consensual, dentre eles os da boa-fé objetiva e da lealdade. Estes doisprincípios, junto o com o princípio da autonomia da vontade, presidem a interpretação de todas a questões relacionadas aos Acordos de Colaboração Premiada. Nesta linha, a relação da teoria do adimplemento substancial com o instituto da colaboração premiada depende dos princípios da boa-fé objetiva e da lealdade. Por isso, a má-fé e a deslealdade afastam a incidência do princípio do adimplemento substancial, pois o descumprimento se deu em evidente afronta, pela parte faltosa, à boa fé objetiva e à lealdade. Em outras palavras, a conduta desleal ou de evidente má-fé por uma das partes do acordo de colaboração, da qual resulte o seu descumprimento parcial, é relevante o suficiente para afastar a alegação de que se trata de descumprimento de menor importância[...]. [27: ______. Petição n° 7.003/2018. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/PET7003_rescisodoacordoWESLEYeFRANCISCO.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2019. p. 24-25]
O plenário do Supremo Tribunal Federal pautou o caso para ser julgado no segundo semestre do corrente. Quando, então, o Tribunal Pleno apreciará acerca da validade daquelas colaborações. 
Não obstante, é importante reafirmar que, assim como a formalização e a homologação do acordo são exigências normativas, também é a rescisão, vez que reclama um processamento próprio como medida justa capaz de propiciar maior segurança jurídica no trato da colaboração premiada. No mesmo entendimento:
[...] 
Trata-se de uma questão ainda incipiente a relativa ao “como se chegar a à rescisão do acordo de colaboração. 
[...] 
Contudo, deve-se considerar absolutamente insuficiente a realização de procedimento administrativo para a rescisão do acordo. ...o procedimento judicial apropriado para a rescisão do acordo deve ser rescisório, com oportunização para produção probatória, inclusive testemunhal, e não homologatório, de atuação judicial limitada. 
[...] 
Em síntese não basta o requerimento da autoridade que com o colaborador celebra o acordo para sua rescisão, nem mesmo a existência de procedimento administrativo com essa finalidade. É necessário o respeito às garantias processuais penais em um procedimento judicial para que se avalie a existência de responsabilidade do agente colaborador em eventual descumprimento do acordo e a extensão dessa responsabilidade.[28: CALLEGARI, André Luís. Colaboração Premiada: lições práticas e teóricas: de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019. p. 148-151]
Nesse sentido, ressaltamos que as hipóteses de rescisão devem constar dos termos do acordo homologado. E por isso, novamente, insistimos no estabelecimento de regras procedimentais por meio de regulamentação legal. Eis que nesse aspecto, a Lei deixa vazia várias considerações, restando ao colaborador, apenas, expectativas quanto o processamento da rescisão acordo de colaboração, de forma clara, é dizer:
[...] 
O simples fato de existência de pedido de rescisão do acordo, não pode deixar desprotegido o colaborador enquanto não houver manifestação do juízo competente, até porque o acordo poderá ser mantido desde que não se verifiquem as hipóteses de rescisão alegadas pelo Ministério Público. A segurança jurídica do instituto, aqui, está em jogo, e o abandono unilateral do colaborador não é a melhor opção jurídica enquanto não houver a decisão final sobre a rescisão. [29: ______. Colaboração Premiada: lições práticas e teóricas: de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019. p. 103]
Assim, em caso de suposta violação de uma ou mais cláusulas do termo, é necessário verificar se a conduta ensejadora da rescisão do acordo possui elementos que a une ao resultado apurado, ou seja, se há nexo de causalidade. [30: ______. Teoria Geral do Delito e da Imputação Objetiva. -3. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Editora Atlas, 2014. p.53.]
Dito de outra forma, é exigida a correta identificação entre o cumprimento das obrigações impostas ao colaborador no acordo homologado e a exata extensão de seu descumprimento. A análise da rescisão deve revelar em que medida ocorreu o descumprimento dos termos do acordo. Nessa toada, faz-se necessário diferenciar o cumprimento parcial das obrigações impostas ao colaborador no acordo homologado de seu descumprimento total. [31: CARVALHO, Marília Araújo Fontenelle de. Apontamentos sobre as hipóteses resolutivas da colaboração premiada. In: CALLEGARI, André Luís (Org.). Colaboração Premiada: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva 2019. p. 222.]
Sobre o tema:
[...] a decisão sobre a rescisão do acordo ou concessão dos benefícios não deve seguir parâmetros de “tudo ou nada”. Ou seja, não há somente opções extremas (concessão integral ou nenhum benefício). Se houver o cumprimento de grande parte das obrigações assumidas ou cometimento de atos reprováveis tangenciais ao cerne do acordo, como regra, é injusta e incompatível com a legislação atual a rescisão integral do pacto com a não concessão de qualquer benefício. ... deverão ser assegurados benefícios proporcionais à amplitude do cumprimento dos termos do acordo. [32: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal. 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thompson Reuters. Brasil, 2018. p. 289.]
Ante a inexistência de parâmetros na Lei para guiar o correto processamento do acordo da Colaboração Premiada, urge a necessidade de regulamentação de todas as etapas que compõe o instituto. Tudo, sempre, em obediência ao devido processo penal. A medida justifica-se pela necessidade em oferecer segurança jurídica adequada para cidadãos. Assim, Para tanto, faz-se necessário regulamentar de forma pormenorizada todas as etapas que compõe o instituto. 
Considerações finais
Ao final deste estudo, foi possível constatar existência de esvaziamento no âmbito de proteção da norma que definiu o crime de organizações criminosas, e dispôs sobre o instituto da colaboração premiada. A análise de dispositivos do corpo normativo da Lei permitiu constatar que a opção legislativa foi por estabelecer poucos requisitos ao acordo da colaboração premiada. Nesse sentido, percebe-se que faltam à lei orientações norteadoras que são indispensáveis à compreensão do processo.
Ante a expectativas de se chegar ou não a um acordo de colaboração premiada, e a incerteza do recebimento dos prêmios pactuados, a leitura dos dispositivos da legislação não esclarece as partes sobre possíveis caminhos da colaboração. Em sentido contrário, permanecem fundadas dúvidas do que é possível esperar no trajeto que vai desde as primeiras negociações até a resolução do negócio jurídico pelo sentenciamento.
Nesse aspecto, verifica-se que a Lei não faz um detalhamento mais pormenorizado do rito do processamento do acordo, na medida em apenas menciona a sequência do trâmite. Ou seja, que a após celebração do acordo ocorrerá a homologação, e, em seguida sua remessa ao judiciário para sentenciamento. Assim, esse esvaziamento na norma reforça dificuldades em extrair do texto orientações condutoras que possibilite o início das tratativas do acordo de colaboração. As etapas de todo o processo devem estar suficientemente detalhadas. 
Nessa toada, é possível afirmar certa emergência na definição de balizas da colaboração, no intuito de oferecer clareza e segurança jurídica às partes durante todo o processamento da colaboração premiada. 
O entendimento correto do processamento do instituto de colaboração premiada somente foi possível quando realizado em paralelo com o estudo doutrinário e jurisprudencial atinentes ao tema. Nesse sentido, foram analisada duas decisões do Supremo Tribunal Federal, a saber: QO na Pet 7074-DF, de relatoria do Min. Edson Fachin, e no HC 127.483-PR de relatoria do Min. Dias Toffoli. [33: BRASIL. Supremo Tribunal Federal - STF. QO NA PET 7.074. Trib. Pleno, rel. Min. Edson Fachin, j.29.06.2017. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314255643&ext=.pdf>. Acessoem: 08 jul. 2019. ][34: ______. Habeas Corpus 127.483/PR, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 04.02.2016. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 08 jul. 2019.]
É de conhecimento que conviver em sociedade, certamente implica na criação de riscos. Por outro lado, a exigência de regramento é medida apta a minimizar a produção de novos riscos. Assim, por meio da observação de tudo o que foi discutido naquelas ações, verificou-se que Tribunal Pleno pugna pelo preenchimento das lacunas da Lei. 
O início da colaboração dá-se pelas primeiras tratativas, quando da negociação entre as partes. Nesse interim, faz-se necessário pormenorizar o caminho exigido para a formalização do acordo, antes de sua remessa ao juiz para a devida homologação. Nesse aspecto, o esvaziamento normativo pode ser complementado por meio de regulamentação. 
Dessa forma, o estabelecimento de vetores, com a descrição correta de normas de conduta é medida que contribui para o aprimoramento do instituto da colaboração premiada, eis que quando do momento do sentenciamento da colaboração, o magistrado terá à sua disposição balizas para realizar a devida correlação entre os benefícios negociados e à aferição do cumprimento dos termos pelo colaborador.
Em um Estado constitucional não há espaço para lacunas ou antinomias. Faz-se necessário que o regramento das tratativas de colaboração premiada apresente às partes, - colaborador e Ministério Público, segurança jurídica no uso do instituto e também que seja capaz de oferecer clareza à sindicabilidade dos acordos pactuados.[35: BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. de Ari Marcelo Solon. 2. ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 85.]
Nessa toada, verifica-se que o estabelecimento de critérios objetivos de proporcionalidade e de imputação é medida que impõe segurança jurídica às partes que conduzirão as tratativas da colaboração premiada. Cabe ao Estado estabelecer quais são os valores elementares que o Direito Penal pretende proteger, e, por conseguinte, os bens jurídicos mais relevantes. De outro modo, é primordial que legislação indique quais são as realidades vitais, cuja diminuição prejudica ou, até mesmo, inviabiliza a vida dos cidadãos. Nesse sentido, o âmbito de proteção da norma incriminadora deve ser capaz de identificar: 
[...] qual a qualidade que deve ter um comportamento para que seja objeto da punição estatal [...], a penalização de um comportamento necessita, em todo o caso, de uma legitimação diferente da simples discricionariedade do legislador.[36: ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. 2 ed. Porto Alegre, 2018. p. 11.]
Nesse sentido, é importante observar que as investigações necessárias ao aprimoramento do instituto de colaboração premiada ainda não devem se encerradas. Faz-se necessário contínuo estudo para que se possa obter a cognição do instituto da colaboração premiada e a correta compreensão do processamento do acordo. Prima-se pela continuidade nos trabalhos de pesquisas acadêmicas, eis que na medida em que os resultados são obtidos, são apresentadas premissas teóricas capazes de proporcionar revisão de algumas práticas processuais. 
Nessa busca por respostas ante a incompletudes deixadas pela Lei de Organização Criminosas, primamos pela compatibilização do instituto da colaboração premiada com as garantias processuais consagradas no ordenamento brasileiro. 
Referências
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