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Um Amor Fora-da-Lei - Theresa Michaels

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Copyright © 1995 by Theresa DiBenedetto
Publicado originalmente em 1995 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá.
Título original: Once an Outlaw
Copyright para a língua portuguesa: 1998
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Resumo:
A saga de três irmãos em busca do amor e da liberdade!
A última coisa da qual Logan Kincaid se lembrava era de estar cavalgando, sob identidade falsa, com um bando de foras-da-lei. Não fazia a mínima idéia de como fora parar na cama de Jessie Winslow, onde se recuperava lentamente. Sabia apenas que, enfim, encontrara a mulher de seus sonhos.
Jessie estava determinada a vencer por si mesma, até o dia em que encontrou aquele estranho, na soleira de sua porta, à beira da morte. O misterioso pistoleiro nem sequer confiava nela o bastante para lhe revelar o sobrenome, mas Logan fora o único homem que descobrira a chave para seu coração solitário!
Autor:
THERESA MICHAELS é uma novaiorquina que mora no sul da Flórida com o marido e filha, a última de uma prole de oito, e três gatos adotados. Seu ávido interesse em História e a crença no poder do amor aparecem unidos em seus livros. Ela recebeu do Romantic Times o prêmio dos críticos pelo melhor romance sobre a Guerra Civil, o prêmio National Reader's Choi​ce pela melhor série histórica e o prêmio B. Dal​ton Bookseller pela série histórica mais vendida. Quando não está escrevendo, gosta de viajar e aumentar sua coleção de frascos de perfume, es​tilo vitoriano, além de procurar o"duende" capaz de desvendar os segredos de seu computador.
2º livro - Série Desbravadores
Um Amor Fora-Da-Lei
Theresa Michaels
CAPÍTULO I
Fúria. Frustração. Fracasso. A mais perfei​ta síntese das sensações que abalavam Lo​gan Kincaid.
Irônico pensar que ele estivesse ajudando a roubar o dinheiro destinado ao pagamento dos trabalhadores da Mina de Prata. Irônico, porque a mina era uma das inú​meras propriedades pertencentes à sua família, no ter​ritório do Arizona.
O sol inclemente transformara o riacho seco num ver​dadeiro forno e o suor lhe escorria abundante sob o cha​péu. Não se dera ao trabalho de cobrir o rosto com a bandana, pois a barba de dois dias bastava para disfarçar suas feições. Nesses últimos meses quase não tivera opor​tunidade de se barbear e os pêlos cerrados provocavam coceira.
Conhecido como Lucky pelos bandidos a quem se as​sociara, e que agora se apossavam do dinheiro destinado aos mineiros pela quarta vez em poucas semanas, de repente ele sentiu um frio na espinha. Diferentemente do irmão mais jovem, Tyrel, Logan nem sempre pressen​tia a aproximação de problemas.
A paisagem desolada não revelava vestígios de vida, além do pequeno grupo de homens parados junto à carroça.
Segurando firme as rédeas de seu cavalo, inquieto por causa do calor excessivo, Logan mantinha os olhos fixos em Tallyman, ex-escravo e desertor do exército, que se ocupava em acomodar o dinheiro roubado em dois pares de alforjes. Terminado o serviço, Tallyman arremessou um dos pares para Monte Wheeler, quem dava as ordens, e prendeu o outro na própria sela.
Os cinco homens contratados para fazer o transporte do dinheiro haviam sido facilmente dominados e, desti​tuídos das armas, botas e chapéus, permaneciam cercados por três dos bandidos. Desconfiado, Logan observou aten​to Billy Jack Mulero, um tipo perigoso em cujas veias corria sangue mexicano e apache. Os olhos injetados dei​xavam claro que o mestiço estivera mascando brotos de mescal outra vez.
Blackleg, à direita de Billy Jack, notou a preocupação de Logan e fez um sinal quase imperceptível para que ele continuasse atento aos movimentos do comparsa. Até então, depois de quatro assaltos, ninguém fora morto. Por alguma razão, os bandidos não queriam mortes. Po​rém ninguém se dava ao trabalho de impedir que Billy Jack provocasse os cinco homens, ou se aproveitasse de seu estado vulnerável. Havia muitas maneiras de deixar alguém morrer lentamente.
Tinham sido necessários seis meses para que Logan conseguisse se infiltrar no bando e sentia-se furioso por ainda não haver descoberto quem estava por trás dos assaltos e dos roubos de gado, duas pragas que assolavam o império dos Kincaid.
A frustração crescente o corroía por dentro. Não era apenas uma questão de perder minério de prata, dinheiro e gado. Seu orgulho não suportava o fracasso da tentativa de desmascarar o inimigo da família.
A voz grave de Zach Romal se uniu à de Billy Jack nos insultos aos prisioneiros. Sabendo-se observado, Lo​gan manteve o olhar fixo no mais jovem dos guardas, visivelmente abalado pelas ameaças dos criminosos. Como gostaria de que Monte desse o sinal de partida.
Cada um dos assaltos anteriores tinha transcorrido sem problemas. Apesar de nunca haver uma data certa para que o pagamento dos empregados fosse efetuado, ou o minério recolhido, o bando ao qual se juntara sempre sabia a data e o local exatos onde as transações seriam feitas. Tamanha exatidão só podia ser fruto de um co​nhecimento prévio de cada um dos passos de Conner Kincaid. Portanto, o informante era alguém muito pró​ximo à família. Alguém a quem já destinara uma bala de seu revólver.
Sentindo o medo emanar dos cinco guardas no instante em que Zach brandiu o chicote, Logan pensou em dar um fim no bandido. Mas proteger aqueles homens ino​centes seria trair sua verdadeira identidade e pôr todo o plano a perder.
Entretanto, precisava fazer algo. Não assistiria, im​passível, à tortura de pessoas indefesas.
- Ei, Monte, arrebanhe logo esses cayuses. Estou en​charcado de suor sob esse sol forte e...
- A quem diabos você está chamando de cayuse? - Billy Jack o interpelou, ríspido.
- Você, rapaz. - Logan sorriu, a mão apoiada de leve sobre o coldre. Cayuse designava um cavalo selva​gem, nativo da região. Pequeno e irritadiço, não era nada confiável. Além de imprevisível. Uma descrição que cabia perfeitamente em Billy Jack Mulero e Zach Romal.
Zach atirou a cabeça para trás e riu, cortando o ar com o chicote.
- Lucky está certo. Estamos perdendo tempo.
Monte fitou o homem a quem conhecia como Lucky.
- Alguma coisa o está incomodando?
- Pode apostar que sim. Sinto problemas se aproxi​mando a passos largos. Já temos o que queríamos, não é? O que estamos esperando? - Apesar de saber que não devia pressionar Monte, Logan insistiu. O instinto lhe dizia que era hora de sumir dali.
Num movimento súbito, um dos guardas se jogou sobre a boléia da carroça. Tallyman o fuzilou sem que o pobre tivesse chance de apanhar o rifle escondido sob o assento.
A visão do corpo do companheiro, inerte, libertou os outros do torpor causado pelo medo terrível. Urrando de ódio, os quatro guardas restantes se lançaram sobre Billy Jack. Então o inferno desabou. Antes que Monte pudesse gritar para que debandassem, mais um dos guardas foi morto. Durante o breve conflito, Logan esteve do lado oposto de Blackleg, que atirava a esmo, levado pela total selvageria.
Uma dor intensa no ombro o fez vacilar, como se o estivessem perfurando com ferro em brasa. Ele agarrou a crina do cavalo com uma das mãos, para manter o equilíbrio, e se lançou numa correria desabalada, atra​vessando o leito seco do riacho sem nada enxergar.
- Você acha que ele está morto, Kenny?
- Não sei. Aqueles homens levaram suas botas e ar​mas. Se estiver morto, não vai precisar dessas coisas. - Levaram o cavalo também.
- É - A voz de Kenny Styles, tão mais vivido do que seus treze anos, soou cheia de pesar. - O fato é que não podemos simplesmente deixá-lo aqui. Os abutres virão. Vamos, Marty. Vamos enterrá-lo como fizemos com nossos pais.
- Estou apavorado. Apavorado de verdade, Kenny.
- Eu já lhe disse. Gente morta não pode lhe fazer nenhum mal. Pare de chorar e me dê sua mão. - Não era fácil para Kenny tomar conta de um garotinho de apenas sete anos. Não quando ele fora o caçula de sua família. Mas agora tinham apenas um ao outro e nunca iria admitir que ficar de mãos dadas com Marty o forçava a colocar de lado os própriosmedos.
Saindo de trás das pedras, onde haviam se escondido tão logo ouviram o ruído de cavalos se aproximando, Ken​ny manteve o rifle firme numa das mãos e o primo junto de si. Há quatro meses viviam completamente sós.
Ainda mantendo uma certa distância, observaram o corpo inerte do desconhecido, a quem os companheiros tinham roubado antes de partir.
- Ele é grande demais, Kenny. Vamos ter que cavar e cavar a noite toda para conseguir enterrá-lo.
- A terra é macia o suficiente. Não vai levar muito tempo. Podemos cavar ao redor do corpo. Assim não te​remos que movê-lo.
- Kenny?
- O que foi?
- Ele parece perigoso... - O garotinho deu um passo à frente e se inclinou para enxergar melhor. – Gente morta sangra?
- Como é que eu vou saber? - Usando a coronha do rifle como pá, Kenny entregava-se à árdua tarefa que se impusera.
- Você acha que ele tem dinheiro?
- Não sei. E não me importo. Não temos uso para dinheiro. Não há nada o que comprar por aqui. Pare com essas tolices e venha me ajudar, Marty.
- Eu estava só perguntando. Você é que está nervoso. E temos uso para o dinheiro sim. - O menino endireitou os ombros e mordeu os lábios. - Podemos dá-lo para aquela viúva.
- Nunca a prejudicamos, garoto. Sempre deixamos algo em troca do que tiramos. Na semana passada foi um peixe fresco, para compensar a galinha que você es​tava louco para comer. Agora pare de reclamar e me ajude a cavar o buraco.
A única maneira de Marty cavar era ajoelhando-se, o que o colocaria muito perto do morto. Perto demais. Só de pensar nessa proximidade sentia o estômago queimar. Não queria passar mal ali. Ainda lembrava-se da última vez em que vomitara. Kenny ficara louco de raiva por ter sujado as roupas.
- Você não vai vomitar de novo, não é?
- Como é que você sempre sabe?
Suspirando, Kenny interrompeu o trabalho por alguns instantes, os olhos escuros cansados além de seus anos.
- Você fica pálido e começa a suar. Daqui posso ver como está tremendo. Mas eu não estou com medo. E você quer ser como eu, não é? - Notando o garotinho con​cordar com um aceno de cabeça, insistiu: - Então fique calmo e comece a trabalhar.
Assobiando, Kenny retomou o trabalho, pondo-se a ca​var perto dos pés do homem, a coronha do rifle se mo​vendo cada vez mais rápido. E quase desmaiou de susto quando um dos pés do morto se mexeu. Imediatamente sentiu o coração disparar e o corpo se ensopar de suor. Vários segundos se passaram antes de se convencer de que deveria ter atingido o pé com o rifle.
Abalado, Kenny inspirou fundo, sabendo que não podia fraquejar, que devia ser forte. Simplesmente não tinha o direito de fugir correndo dali, como qualquer criança de sua idade. Era em momentos como esses que mais se ressentia da obrigação de cuidar de Marty. Se estivesse sozinho, seria fácil desaparecer e fingir que jamais havia visto um cadáver antes.
Mas não estava só. Não fugiria, deixando Marty en​tregue à própria sorte.
- Ken-Kenny?
- Que foi agora?
Porém o menino parecia incapaz de falar. Apenas balançava a cabeça para frente e para trás, tremendo descontroladamente.
Relutante, Kenny olhou na direção para onde o primo apontava. Foi o bastante.
- Caramba! Para trás, Marty! Afaste-se dele! O ho​mem ainda está vivo!
Dominado pelo pavor, o garotinho não conseguia mover um músculo.
- O que... o que nós vamos fazer?
- Oh, droga! Não sei.
- Não po-podemos deixá-lo mo-morrer!
- Diabos! - Kenny praguejou baixinho. Não tinha a mínima idéia de como tratar de um ferimento no ombro, que sangrava de forma abundante. O homem iria precisar de um médico. Iria precisar de cuidados e remédios. Iria precisar... A viúva! Isso mesmo! Ótima idéia! Entretanto não queria ficar ali sozinho enquanto Marty fosse bus​cá-la. Tampouco seria sensato deixar o primo só, na com​panhia de um moribundo. Droga! O que fazer?
- Ken-Kenny? Acho que ele está gemendo!
- Se está voltando a si é porque sente dor.
Num movimento instintivo, Kenny ergueu o rifle e se colocou em posição de atirar, esforçando-se para manter as mãos firmes. Oh, Deus, estava apavorado!
- Ouça com atenção, Marty. Há apenas uma coisa a fazer. Vamos levá-lo para a casa da viúva. Não podemos abandoná-lo aqui, pois acabará morrendo. Corra até a carroça e pegue a colcha de minha mãe.
- Mas e se ela não o quiser?
- Apenas um cabeça-mole feito você faria uma per​gunta tão boba. A viúva é uma mulher, não é? Meu pai sempre dizia que. tudo o que uma mulher deseja é ter um homem que tome conta dela. E a viúva está sem homem há quase um ano. Pode acreditar em mim. Ela ficará tão feliz que se esquecerá de que a temos roubado. Vamos, Marty, mexa-se. Vá buscar a colcha e traga Pee​ Wee também.
Jessie Winslow sabia ser,pura perda de tempo abrir a caixa de estanho que servia de cofre. Infelizmente o dinheiro não iria aparecer num passe de mágica. De qual​ quer maneira, ergueu a tampa assim mesmo.
O sol forte da tarde se derramava sobre a mesa de madeira, tornando ainda mais avermelhadas suas mãos calejadas pelo trabalho. Desanimada, colocou de lado a lista das provisões essenciais de que necessitava para chegar ao fim do verão e manter a pequena fazenda.
Dentro do cofre guardava a certidão de casamento, a escritura da fazenda, que Harry fizera questão de lhe dar de presente, e uma bolsinha de veludo já bem gasta. A pulseira de prata com pingentes, herança da mãe, fora vendida, assim como os poucos objetos de valor que pos​suíra. Seu irmão, Greg, ficaria furioso quando soubesse que ela vendera a pulseira, além dos dois cavalos que ele lhe dera.
Ela olhou ao redor do pequeno chalé. A cadeira de balanço, junto à lareira, fora a única coisa que trouxera consigo quando deixara a aldeia de Kripplebush. Não que sentisse saudade dos arredores de Nova York. Nunca pudera chamar a casa da tia, onde vivera durante alguns anos, de lar. Não tivera motivos para permanecer ali depois que a tia morrera e sua única prima tampouco demonstrara vontade de que o fizesse. Greg e a esposa, Lívia, a receberam de braços abertos no novo território do Arizona, porém se sentira quase como uma intrusa, atrapalhando a vida do casal.
Talvez por isso mesmo tivesse se casado com Harry. Lembrava-se de que Greg era contra o casamento, mas ela, levada pela teimosia e acreditando haver encontrado alguém com quem partilhar os mesmos sonhos, não dera ouvidos aos argumentos do irmão. Entretanto não tar​dara a se desiludir. Harry logo mostrara não ter interesse algum em cuidar de uma fazenda e por mais que lhe implorasse para não deixá-la só, tudo em que o marido conseguia pensar era na possibilidade de encontrar ouro nas montanhas Superstition. Sempre prometendo ser a última vez, Harry passava semanas inteiras nas monta​nhas, convencido de que um veio estava à sua espera.
Talvez ele tivesse encontrado mesmo ouro. Jessie ja​mais saberia. Certo dia, o cavalo do marido o trouxera para casa, ardendo em febre. Ele morrera sem nem sequer perceber onde estava.
Irritada, Jessie deu um basta nas lembranças e pro​curou se concentrar nos problemas atuais.
Era uma mulher de trinta anos, dona de um pedaço de terra e sem um centavo no banco. Vendera tudo o que possuíra de valor, à exceção do revólver de Harry.
E da aliança de casamento.
Num gesto cansado, ela ergueu a mão e contemplou o anel, fino e gasto, que pertencera à mãe de seu marido durante quase quarenta anos.
Recordava-se de que se sentira feliz no dia em que aquela aliança fora colocada no seu dedo. Nunca mais a tirara. Porém, se fosse sincera consigo mesma, ad​mitiria que ainda a usava não por uma questão de sentimento, e sim como uma maneira de se proteger de avanços indesejáveis.
Todo domingo, depois do culto religioso, do qual nunca participava, costumava receber a visita de David Trainor, viúvo e única pessoa em Apache Junction que acreditava não ter sido ela quem matara Harry. Os dois se sentavam num banco, do lado de fora do chalé, e tomavam limonada, mantendo sempre uma distância respeitosa.David jamais entrara em sua casa. Como se ela não possuísse a fazenda mais isolada da região e como se os boatos a seu respeito já não bastassem.
Não podia culpar David, contudo sua insistência no que era apropriado, ou não, costumava irritá-la. Enquan​to usasse a aliança, estava certa de que ele não teria coragem de cortejá-la abertamente. Essas visitas dura​vam exatos sessenta minutos, durante os quais David consultava o relógio a intervalos regulares. No domingo anterior, antes de partir, comentara que ela completaria um ano de luto no final daquele mês.
Não tinha dúvidas de que David a pediria em casa​mento então. Tratava-se de um homem gentil e atencioso, porém não o amava. Ele havia tido dois filhos com a primeira esposa e mais dois com a segunda. Não sentia o menor desejo de se tornar a terceira sra. Trainor.
Todavia não podia negar que casar-se com David ser​viria para pôr um fim nos boatos maldosos, segundo os quais matara Harry para ficar com a mina de ouro.
Como gostaria de que Harry houvesse mesmo achado ouro. Muito ouro. E não apenas aquelas pepitas minús​culas que usara para pagar o funeral do marido, o que dera início ao falatório.
Se não estivesse numa situação tão desesperadora, tal​vez pudesse rir ao pensar no que passaria pela cabeça de Silas Beeson quando o procurava no armazém para trocar os ovos por alguma outra mercadoria. Ele sempre parecia estar à espera de ser pago com ouro.
Desta vez não iria desapontá-lo. Pedindo perdão a Deus, Jessie fechou os olhos e tirou a aliança do dedo.
Se ia mesmo vendê-la, deveria usar o dinheiro para comprar a passagem que a levaria de volta à casa do irmão. A melhor solução para seus problemas.
Mas parte de si se rebelava contra essa idéia. Não estava pronta para abrir mão da fazenda, para abandonar seus sonhos e o pouco que lhe pertencia de fato.
O Senhor iria providenciar.
- Deus há de me prover sempre - ela murmurou abrindo os olhos, lembrando-se dos pequenos presentes que costumava encontrar na soleira de sua porta. Ver​dade que também perdera uma ou duas galinhas, além de vários ovos. Porém seu benfeitor desconhecido a pro​vera com peixe fresco, coelho e até carne de veado.
O espírito forte, que desabrochara nessa terra árida, reviveu. De algum modo, encontraria uma solução para seus problemas.
De repente, um ruído estranho lhe chamou a atenção.
Como se alguém estivesse batendo numa das paredes do chalé. Talvez fosse seu benfeitor, com mais um de seus presentes inesperados.
Jessie levantou-se e caminhou até a porta, erguendo a pesada tranca. Trancar o chalé se tornara um hábito depois que encontrara uma cobra venenosa dormindo so​bre o tapete da lareira.
Contudo, nada a preparara para tamanha surpresa.
- Oh, meu Deus! - Ela inspirou fundo e levou a mão ao peito, os olhos percorrendo imediatamente os arredores. Se era essa a idéia que seu benfeitor fazia de um pre​sente, preferia não recebê-lo.
A última coisa de que precisava em sua vida era deum homem.
Um homem ferido, ainda por cima!
Escondido atrás de algumas pedras, a uma distância segura, Kenny vibrava de satisfação.
- Eu lhe disse, Marty. A viúva ficou tão emocionada, que está chorando de alegria. Agora ela arrumou um homem.
CAPITULO II
Logan não queria abrir os olhos. Abrir os olhos, mover-se, voltar à consciência ser​viria apenas para escancarar a porta que conduzia à dor. Uma dor ainda mais intensa do que o latejar constante de cada parte do corpo. Acordar seria como pôr sal na ferida.
Porém havia certos odores que o atraíam. Leves, quase imperceptíveis. Perfume de flores frescas e lençóis ma​cios. Claro que devia estar delirando, pois fazia muito tempo que não experimentava os pequenos confortos a que estava acostumado.
Tentado a descobrir se estava sonhando, ou não, ele abriu os olhos e tornou a fechá-los imediatamente. Acer​tara quanto à dor. Assim, esperou alguns instantes antes de voltar a abri-los, desta vez com cautela. Nada de mo​vimentos súbitos.
Que diabos de lugar seria aquele? O instinto lhe dizia estar a salvo, pelo menos por enquanto. Fora colocado numa cama limpa, com um travesseiro sob a cabeça dolorida.
Com certeza não estava no paraíso, ou não sentiria dor. Tampouco fora parar no inferno. Recordava-se de Santo haver jurado, entre risadas, que o diabo daria uma verdadeira fiesta para recebê-lo, quando chegasse a hora. Assim, só podia concluir que continuava vivo. Vivo e sob os cuidados de alguém.
Mas, de quem?
Uma pergunta que precisava ser respondida. Certa​mente não se encontrava na companhia do bando. Afinal, Monte era o único que conhecia o significado da palavra limpeza.
A dor e o desconforto eram tamanhos, que Logan fechou os olhos, obrigando-se a se acalmar até que parte da tensão o abandonasse. Lutar para responder as perguntas que o atordoavam não lhe faria o menor bem. Repouso, sim, iria ajudá-lo.
Entretanto, apesar dos esforços para relaxar, imagens do acontecido à beira do riacho seco voltavam-lhe à men​te. Lembrava-se do tiro, depois, de uma pancada na ca​beça. Então, a escuridão.
E essa mesma escuridão ameaçava engolfá-lo novamente.
Não, não podia se entregar àquele sono sem sonhos. Não podia se permitir descansar, apesar da dor, apesar da necessidade de curar as feridas do corpo. Precisava descobrir onde estava e quem desempenhava o papel do Bom Samaritano.
A cama macia e o perfume do quarto tinham um toque inegavelmente feminino. Mas não era possível. Como uma mulher tivera condições de movê-lo?
De repente, um cheiro gostoso de canja de galinha inundou o ar. Faminto, ele abriu os olhos devagar e virou a cabeça para o lado, o movimento simples desencadeando uma verdadeira explosão no interior do crânio.
Piscando várias vezes, tentou erguer a mão e esfregar os olhos, para enxergar melhor. Em vão. Mover a cabeça já fora esforço suficiente.
Um raio de sol prendeu sua atenção. Porém era o raio de sol mais esquisito que jamais vira. Parecia se erguer do chão, em curvas suaves arredondadas.
Nunca em sua vida, Logan se sentira assim. Vulne​rável, desamparado. Por isso, a raiva era tão grande.
Amparando-se numa força de vontade descomunal, pro​curou se sentar na cama. Atitude imprudente. A dor di​lacerante na cabeça se estendeu até o ombro e o quarto começou a girar. Deixando escapar um gemido, tornou a apoiar a cabeça no travesseiro.
- Graças a Deus! Você acordou!
O raio de sol falava! Talvez tivesse mesmo morrido e ido para o céu. Agora esse anjo da misericórdia vinha confortá-lo.
Infelizmente, as palavras seguintes do anjo se encar​regaram de destruir essa idéia absurda.
- Depressa, antes de desmaiar outra vez, diga-me quem você é e de onde veio. Vou até a cidade passar um telegrama para que alguém venha buscá-lo.
Diabos, nunca esperara ser bem recebido nos portões do paraíso, mas tampouco imaginara ser posto para fora depois de ter chegado tão longe. Que anjo aquela criatura estava se revelando...
- Lo... - Ele parou, lutando contra as ondas de dor. Não podia dizer a uma desconhecida quem era de fato. Não podia confiar em ninguém. Sentindo a boca seca, passou a língua pelos lábios e fechou os lábios, vencido pela exaustão.
- Sede? Claro que sim. Fique bem aí.
Como se pudesse se mexer. Em que diabos se metera desta vez?
Ela estava de volta em questão de segundos, trazendo um copo com água. Depois de beber até se fartar, Logan recostou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos.
- Melhor? - Jessie perguntou. - Pode falar agora?
Não tinha mais dúvidas. Não se tratava de um anjo, mas de uma megera. A imagem de raio de sol lhe ocorrera por causa dos cabelos. Partidos no meio e puxados para trás. Uma cascata castanha-aloirada. O vestido amarelo reforçara a noção. Talvez, se a ignorasse, ela acabaria indo embora dali e dando-lhe sossego.
- Não desmaie outra vez - Jessie pediu, observando-o atentamente. A primeira impressão que tivera do desconhecido permanecia a mesma. Alto, musculoso e letal. Como um animal selvagem.- Com certeza você é capaz de me dizer seu nome, não é? Ou de onde veio? O que lhe aconteceu? - Aborrecida porque não obtinha respostas, ela mordeu o lábio inferior, num gesto inconsciente.
Devia controlar a vontade de estender a mão e arrumar a mecha de cabelos castanhos, quase negros, caída sobre a testa do estranho. Enquanto limpara a ferida, e ele estivera inconsciente, já o havia tocado e acariciado, embora timidamente. Fora difícil resistir ao apelo do corpo atlético e das feições viris, que sugeriam uma natureza implacável.
- Não foi muito difícil adivinhar que você esteve metido num tiroteio e num assalto. A questão é que ainda não consegui me decidir se você foi roubado, ou se praticou o roubo. - As palavras haviam sido cuidadosamente escolhidas para provocar uma reação e vendo-o fitá-la de frente soube que atingira o objetivo. 
- Ah, parece que enfim consegui sua atenção!
O homem deixou escapar um som estranho, misto de gemido e resmungo. Uma resposta sim, porém, não a que ela desejava ouvir.
- Você passou a noite inteira na minha cama - Jessie comentou, numa tentativa de estimular confidências. - Não quer saber quem sou? Não vou machucá-lo. Fique tranqüilo, você não está correndo perigo.
Observando-o atentamente, Jessie. o viu relaxar as mãos. Talvez o tivesse pressionado além da conta, pensou. Uma pessoa debilitada pela perda de sangue não podia ter vontade de conversar. Entretanto, tudo o que queria era se livrar daquela presença indesejada.
- Você gostaria de tomar um pouco de canja de ga- linha? Está quase pronta.
Para seu pesar, Logan descobriu, repentinamente, ter outra necessidade mais urgente. Devagar, abriu os olhos e fitou a mulher. Nem anjo, nem megera, concluiu afinal.
Mas como abordar o assunto? Não se tratava de algo sobre o qual se falasse com naturalidade. Que diabos! Se pudesse se levantar...
- Alguma coisa errada? Você está com sede outra, vez?
Nenhuma resposta. Jessie mordeu os lábios, pensativa.
- Precisamos descobrir um modo de você se comunicar comigo, já que não pode falar. Ou não quer-acrescentou, envolvendo-o num olhar cheio de suspeita. 
- Talvez pu​déssemos tentar dessa maneira... Abrir os olhos significa "sim", fechá-los "não". Acha que será capaz?
Logan não fechou os olhos. A dor lacinante na cabeça melhorara ligeiramente, porém o ombro continuava em fogo. Sua boa samaritana era bastante alta para uma mulher, o rosto dotado de uma beleza comum, sem nada de extraordinário, as formas do corpo exuberantes.
- Você tem um vasilhame qualquer?
A voz baixa e rouca pegou-a de surpresa.
- Ah, então você pode falar. - Jessie, que se debru​çara sobre o desconhecido para ajeitar o travesseiro pela enésima vez, afastou-se. - Bem, claro que tenho um vasilhame. Eu não lhe disse que estava cozinhando?
- Que esteja vazio.
- Vazio - ela repetiu, o olhar se fixando na altura das coxas masculinas. Engolindo em seco, abaixou-se depressa e retirou o urinol de sob a cama. Então, saiu correndo.
- Volte aqui! - Agora não tinha dúvidas. Estava nas mãos de uma megera, determinada a torturá-lo. Como diabos iria usar o urinol sem ajuda?
Jessie correu sem parar até o curral, o embaraço inicial dando lugar a um profundo sentimento de culpa. Não deveria ter fugido como uma virgem de dezesseis anos, envergonhada diante dos fatos simples da vida. O homem estava ferido. Oh, Deus, como pudera ser tão insensível?
Ela se debruçou sobre a cerca e escondeu o rosto nas mãos. Não, não era uma mulher cruel. Admitia que agira mal ao deixá-lo sozinho. Se tivesse um pingo de coragem, marcharia de volta para o chalé e enfrentaria seu hóspede indesejado. Deveria se desculpar, além de tentar achar uma explicação razoável para sua atitude. Não agira da​quela maneira movida apenas pelo receio de estar metida numa situação imprópria.
Ao sentir focinho de sua égua tocá-la de leve no braço, virou-se para acariciá-la.
- Oh, Adorabelle, que confusão! Agora serei obrigada a voltar para casa e encará-lo.
O velho animal relinchou, como se confirmasse os te​mores da dona.
- Mas essa é minha casa. Não tenho nada do que me desculpar. Sou uma mulher independente e já não preciso dar satisfações dos meus atos a ninguém.
Jessie continuou repetindo aquelas palavras, como se fossem uma ladainha, até entrar no quarto.
Encontrá-lo caído de bruços no chão aumentou seu remorso.
Imediatamente correu para junto dele e tomou o rosto pálido nas mãos, implorando para que o estranho dissesse alguma coisa.
Ele suava frio, as feições másculas contraídas. A culpa se tornou ainda maior.
- Desculpe-me. Por favor, desculpe-me. Vou ajudá-lo a voltar para a cama.
À exceção do curativo no ombro, o peito do desconhecido estava inteiramente nu e Jessie sabia não ter outra al​ternativa a não ser tocar a pele bronzeada para ajudá-lo a se levantar.
- Seja forte - ela murmurou, sem saber a quem tentava acalmar.
Por um momento, Logan pensou fingir ter desmaiado outra vez. Porém, o tom arrependido da mulher, o toque suave das mãos e o fato de não ser capaz de se mover sozinho, forçaram-no a abrir os olhos.
- Estou vivo. Fui tocado e senti...
- Senhor! - Jessie retirou a mão imediatamente. Logan a ignorou, mesmo tendo percebido que suas pa​lavras haviam sido mal interpretadas. 
- Então você é uma daquelas. 
- Uma daquelas?
- Sem muita experiência com homens.
- Se por acaso está insinuando que sou uma solteirona mal-humorada, considere-se enganado. Sou uma senhora. - Jessie colocou a mão esquerda bem diante do rosto de Logan. - Vê? Esta aliança é o símbolo de que um homem encontrou valor suficiente em mim para querer se casar. E já que você se encontra numa posição delicada, em que depende de minha boa vontade, é melhor ter cuidado com o que diz.
- Certo, senhora. Seu marido... ah.., está por perto?
- A resposta é óbvia. Não. A propósito, ter esse tipo de conversa no chão é ridículo. Hora de se levantar.
Apesar da língua afiada, as mãos transpiravam gen​tileza ao ampará-lo pelos braços. Com dificuldade, Logan conseguiu se apoiar nos joelhos. Certamente. ela com​preendia o quanto aquele simples esforço lhe custava, porque não fez menção de apressá-lo, mas esperou até que se sentisse firme o suficiente para ficar de pé, embora continuasse sustentando-o. Quando,enfim, Logan voltou a ser acomodado na cama, ambos ofegavam.
Jessie arqueou os ombros e massageou as costas, sen​tindo os músculos se contraírem.
- Conseguimos! - exclamou, pensando que, apesar da aparência doente, o desconhecido era bem pesado.
Sentindo-se como um peixe que ficara fora d'água durante vários minutos, Logan conseguiu apenas mover um dedo.
Ao erguer as mãos para ajeitar os cabelos desalinha​dos, Jessie notou manchas úmidas sob as axilas. Morti​ficada, embora não entendesse bem por quê, uma vez que o estranho estava de olhos fechados, ela abaixou os braços e falou a primeira coisa que lhe veio à mente.
- Graças a Deus a ferida não recomeçou a sangrar. É verdade que pus bastante ungüento de piche e...
- Piche? Você colocou piche em mim? - Longan cerrou os dentes com força, ainda sem abrir os olhos. - Lady, não sou nenhuma maldita árvore a ponto de receber en​xerto. Sou um maldito homem. - Será que a mulher era cega para não ver a diferença?
- Você, com certeza, é um maldito homem. Posso ver perfeitamente que se trata de um espécime teimoso, que não saberia reconhecer o que é bom para si mesmo nem se sentasse em cima e fosse mordido na... na... bem, em algum lugar! Além de macho, está ferido. Odeio ser ob​rigada a lembrá-lo, mas para um homem que depende dos meus cuidados, você é muito apressado ao tirar con​clusões. É óbvio para mim, como uma mulher, que você, sendo um maldito homem, palavras suas, não minhas, não conheceria os muitos usos para o piche.
Oh, Deus! Aquela criatura tinha gosto por palavras ácidas. Pelos céus! Piche? De onde diabos ela surgira? Provavelmente acabaria morrendo quando deveria estar sendo tratado.
- Depois que conseguiarrastar seu corpo embrulhado na colcha...
- O quê? - Logan arregalou os olhos. Apesar de seu estado vulnerável, foi tomado pela raiva e frustração.
- Eu... disse - Jessie fez questão de repetir vagaro​samente -, que precisei arrastar seu corpo embrulhado numa colcha.
- Já ouvi essa parte, lady. - Maldição! Lembrava-se da pancada na cabeça. Lembrava-se de ter recobrado a consciência sob um sol escaldante. Mas, estava certo de que ninguém o tinha coberto com uma colcha.
Tratava-se de um ato de bondade. E bondade era uma palavra desconhecida para os bandidos com quem caval​gara. Bastava pensar em como o tinham abandonado ao ser ferido.
Ou será que não o tinham ferido propositadamente? Haveriam, de alguma maneira, descoberto sua verdadei​ra identidade?
Não. Não era possível. Se fosse o caso, se soubessem quem ele era de fato, o teriam matado de uma vez e não apenas o largado no meio do nada para morrer aos poucos.
- Devo interpretar seu silêncio como um pedido para que eu continue? - Jessie indagou impaciente, batendo os pés no chão.
- Sim. Vá em frente, lady, e me conte tudo.
Ela olhou para os céus, como se pedisse ajuda, e sus​pirou fundo. Uma pessoa não muito gentil, essa que cru​zara seu caminho. Mas imediatamente arrependeu-se do pensamento pouco caridoso. Pondo-se no lugar do desco​nhecido, podia imaginar o quanto aquela situação toda causava ansiedade. Sem dúvida tamanho mau humor de​via ser fruto dos ferimentos e da confusão mental em que o pobre coitado se encontrava, sem ter idéia de como fora parar ali.
Como se lesse seus pensamentos, Logan perguntou:
- Foi seu marido quem me achou?
- Não. - Uma resposta que deixava muito a desejar. Jessie estudou o teto, as paredes de madeira e até o assoalho de tábuas corridas. Então fixou o olhar sobre a penteadeira, tendo o cuidado de evitar o espelho.
Nesses poucos minutos, descobriu que seu hóspede era até bastante paciente. Ele apenas aguardou. É verdade que não deixou de fitá-la nem um segundo sequer, porém não disse uma palavra.
Melhor medir as palavras antes de responder deta​lhadamente, decidiu. Mostrar a aliança de casada fora uma maneira de se proteger e também, admitia, de pura vaidade feminina. A pouca vaidade que lhe sobrara depois dos desencantos do passado. Sabia ser uma mulher de aparência comum, sem nada de especial. Sabia também que suas formas exuberantes não correspondiam ao pa​drão de magreza excessiva, ditado pela moda atual. Lem​brava-se de que os poucos homens que a tinham cortejado, quando ainda morava com a tia, não se mostravam muito inclinados a elogiá-la, pelo contrário.
Num gesto inconsciente, Jessie ergueu o queixo, como se desafiasse a tudo e a todos. Não era obrigada a tolerar nada de ninguém. Muito menos desse homem.
- Então - Logan falou, quando os olhares de ambos voltaram a se encontrar -, foi você quem me encontrou, lady?
- Meu nome é sra. Winslow. E já lhe disse que o achei na soleira de minha porta.
- Ainda é um pouco cedo para o Natal:
- Esteja certo de que não o considero um presente, senhor.
Jessie resistiu à tentação de explicar sobre seu ben​feitor anônimo, mas acabou se calando. Embora o estra​nho não carregasse nenhuma arma consigo, sem dúvida tratava-se de um homem de temperamento forte, alguém acostumado a dar ordens. A sensatez a aconselhava a não entrar em maiores detalhes.
Logan, que continuava a fitá-la, ia ficando cada vez mais fascinado pela maneira como ela mordiscava o lábio inferior, a pele sensível presa entre dentes pequenos e brancos. A sra. Winslow não era tão calma quanto queria se fazer passar. Todavia, na sua posição delicada, de hóspede indesejável, não podia pressioná-la, exigindo respostas e ex​plicações, ou acabaria sendo posto dali para fora.
- Então, ah, senhora...
- Sim?
- Diga-me o que seu marido pensa de minha perma​nência aqui.
Por um longo instante, Jessie ficou em silêncio. A vida inteira odiara mentiras e pessoas capazes de dizê-las. Harry havia sido um mentiroso contumaz. Sempre pro​metendo que aquela seria a última vez em que gastaria dinheiro comprando mapas que se revelavam falsos. Pro​metendo que seria a última vez em que iria garimpar. Que sempre estaria ao lado dela para protegê-la. Rá! Os homens e suas mentiras!
- Teremos que esperar para descobrir o que meu ma​rido pensa - ela respondeu com voz insegura, pois não estava acostumada a mentir.
Apesar de se sentir desconfortável com sua omissão sobre a própria identidade, ainda assim Logan não podia suportar que alguém lhe mentisse.
- Oh, lady, você é boa nisso, mas não boa o suficiente. Teremos que esperar para descobrir o que seu marido pen​sa? Pois há tempos um homem não põe os pés aqui dentro.
Se sua cabeça não doesse tanto, Logan teria rido, ven​do-a perder a fala.
- Peguei você, lady!
CAPÍTULO III
Jessie revirou-se na cama improvisada pela terceira vez. As colchas grossas, dobradas ao meio, não eram suficientes para protegê-la da aspereza do chão. Ainda fumegava de ódio por não ter sabido lidar com a situação. Passara a falar somente quando neces​sário, embora esse silêncio exagerado não se revelasse eficaz. Recusara-se a admitir a verdade. Não que isso parecesse ter importância aos olhos de seu hóspede.
O homem a intimidava.
Fora ridículo considerá-lo indefeso, apesar de ferido. O fato é que detestava se sentir intimidada. Toda sua vida estivera sob a influência de pessoas dominadoras. Agora que estava livre, ou estivera até o estranho apa​recer, não aceitaria ser subjugada novamente.
Odiava que um desconhecido lhe houvesse mostrado o quanto se enganara.
Ele lhe dissera chamar-se Logan.
Logo depois de ter lhe agradecido pela canja, pelos cuidados recebidos e por ela lhe ter cedido a cama.
Até parecera sincero.
Não, nada de amolecer, Jessie.
Não estou amolecendo, apenas fazendo uma observa​ção, pensou, procurando se justificar. O estranho tinha um sorriso simpático, que iluminava as feições viris. Im​possível negar que se tratava de um tipo bonito, atraente...
Era melhor dormir. Se fosse capaz.
Como poderia um homem conseguir dormir com al​guém se remexendo no chão, na sala ao lado, a cada trinta segundos? Esse não era o único motivo que man​tinha Logan acordado, mas preferia se concentrar nos ruídos ao redor do que na dor terrível no ombro.
Sua samaritana afirmara não haver nenhuma bala alojada ali. Dissera também que a ferida sangrara pro​fusamente. Até lhe mostrara a camisa ensangüentada, que fizera questão de lavar e costurar. Então ela se re​colhera num silêncio acintoso, quando fora pega mentindo sobre a existência do marido.
Ainda não compreendera por que continuava pensando na sra. Winslow, quando tinha assuntos mais urgentes necessitando de sua atenção.
. Havia algo diferente na maneira como ela enfrentava seu olhar, no modo como erguia o queixo, desafiadora.
Não lhe faltava vigor, vivacidade.
Vigor era excelente qualidade... num cavalo. Sempre apreciara mulheres dóceis, acomodadas e bem magras. Novamente sua anfitriã fugia à regra. Além de ter uma língua afiada, o corpo de curvas exuberantes fugia aos padrões atuais.
Pare de pensar no corpo dela.
Imagine o que aquela mulher de temperamento tão rígido não diria se um homem se atrevesse a tomar certas liberdades.
Será que existira mesmo um sr. Winslow? Lembrava-se de como ela reagira quando confrontada com a verdade. Simplesmente ficara de boca aberta. Aliás, uma boca carnuda, deliciosa, feita para sorrir. Que pensamento absurdo!
Pelo que conseguira ver do chalé, chegara facilmente à conclusão de que não havia um homem morando ali há anos, se é que algum dia houvera. Não existia um item sequer na casa, fosse de decoração, ou peça de ves​tuário, que lembrasse uma presença masculina.
Pensativo, Logan passou a mão pelo rosto barbado. Sentia-se mais forte, depois dos dois pratos de canja.
- Senhor?
A voz dela, vinda de dentro da escuridão, o surpreendeu.
- Já lhe disse para me chamar de Logan.- Logan, então. Se não consegue dormir, posso lhe preparar uma excelente poção para dor de cabeça.
- Eu não percebi estar fazendo tanto barulho a ponto de acordá-la.
- Oh, e não me acordou! Estive pensando...
Ele não gostou do tom da última frase.
Jessie ignorou o silêncio continuado e foi em frente.
- Você nunca me disse o que estava fazendo nessa região. Nunca explicou como levou o tiro. Não acha que me deve alguns esclarecimentos?
- Não tenho muita certeza de onde estou. 
- Fique calmo e pense numa saída. Depressa.
- Estamos nos arredores de Apache Junction.
Ao norte da mina. Logan não se recordava de os ban​didos terem ido tão longe assim antes. Talvez em busca de um novo esconderijo? Ou, finalmente, chamados para um encontro com o homem por trás de todos os assaltos, com o verdadeiro chefe? Maldição! Ser obrigado a ficar ali deitado, feito um bebê indefeso, enquanto suas per​guntas precisavam de respostas.
De repente, o ar tornou-se carregado de tensão.
- Alguma coisa errada? - ele perguntou, desejando ter uma arma.
- Você não ouviu? - O quê?
- Os ruídos lá fora. Aposto que o problema é no ga​linheiro outra vez.
Jessie caminhou até a porta, já segurando uma velha arma nas mãos.
- Você vai sair?
- Não vejo ninguém mais por aqui disposto a proteger minha propriedade. E preciso das galinhas. - Mas...
Porém Jessie não lhe deu ouvidos. Simplesmente abriu a porta do chalé e saiu para dentro da noite.
- Maldição! Maldição! - Não conseguia parar de pensar em quem poderia estar lá fora. Não havia tempo a perder. Era bem possível que Monte Wheeler houvesse voltado para se certificar de sua morte.
E aquela mulher maluca saíra. Sozinha.
Cerrando os dentes, Logan levantou-se devagar e caminhou até a porta, lutando contra a dor excruciante. Porém, antes que tivesse chance de abri-la, um tiro ecoou no ar.
- Maldita seja! Ela ainda vai acabar sendo morta!
De repente, a porta foi aberta num arranco e Jessie entrou correndo. Apenas para tropeçar em Logan.
Os dois caíram no chão nos braços um do outro. Por um instante, Logan perdeu a respiração, a cabeça a ponto de explodir. Então, desfiou uma dezena de impropérios.
- Oh, desculpe-me. Eu não queria... - Jessie jogou a arma para o lado, o barulho estridente rompendo o silêncio repentino. - Aqui, deixe-me ajudá-lo.
Na tentativa desajeitada de se mover, ela apenas tor nou mais íntima a posição em que se encontravam, as pernas coladas às do estranho, o rosto pousado sobre o peito forte. Oh, talvez seu peso o estivesse machucando, pressionando o ombro ferido. Com redobrado cuidado, ergueu a cabeça e o tórax.
- Graças a Deus! Você... estava me sufocando.
Talvez ele estivesse se sentindo mais à vontade, con- tudo a posição de ambos, se antes parecera imprópria, agora se tornara indecente.
- Ouça, lady, você precisa se mexer.
- E eu não sei?! Vou me virar para a direita enquanto você vai para a esquerda. Certo?
- Sim.
Jessie deslizou o tórax para a direita. E se sentiu gelar. Alguma coisa muito quente havia tocado seu seio, através da camisola. Alguma coisa macia demais para ser o nariz do estranho. Então... só podia ser a boca.
- Cerejas maduras - Logan murmurou.
- O quê?
- Comece a se mexer, lady.
- Sim. É o que estou fazendo. - Jessie moveu-se depressa, o coração batendo descompassado. Haviam sido os lábios dele, sim. Por um instante, desejou estender a mão e tocar onde havia sido beijada. Beijada? Devia estar imaginando coisas.
Oh, não, não estava não! Cerejas maduras, pois sim!
- No que você atirou?
- Atirei na direção do galinheiro. - Se ele a tivesse mesmo beijado...
- Isso não faz sentido. - Logan sabia que não devia ter se aproveitado da situação. Não, não se aproveitara. E que o mamilo estivera tão perto. Jessie percebera o que acontecera, ou não teria deixado escapar aquele som rouco, quase um gemido. Como se não pudesse acreditar no que ele havia feito.
Será que deveria dizer algo? Jessie balançou a cabeça. Não podia. Simplesmente não podia dizer uma palavra.
- Você está bem? Não se machucou lá fora, não é?
- Não. - Aquilo pelo menos era verdade. Estivera tão furiosa, que mal sentira as pedras pontiagudas sob os pés descalços, ou o frio cortante. Um calor repentino a envolveu de alto a baixo. O desconhecido se importara o suficiente para perguntar. Não se recordava de nin​guém, à exceção do irmão e da cunhada, demonstrar preo​cupação quanto à sua segurança.
De alguma maneira, não se surpreendeu quando Logan tomou suas mãos nas dele. Sentia-se mais calma agora, os pensamentos mais claros. Ambos continuavam deitados de costas no chão. Devia ser sua a iniciativa de se le​vantar, porém era tão reconfortante estar ao lado de uma pessoa, depois de tantos anos de solidão. Até então não se dera conta do quanto ansiava pela presença de alguém.
Enquanto isso, Logan travava uma batalha silenciosa. O corpo exausto exigia repouso, mas a mente insistia na necessidade de obter respostas.
- Isso já aconteceu antes?
- Algumas vezes. Tudo começou poucos meses atrás. - Havia uma outra coisa de que devia se lembrar, porém não conseguia focalizar o pensamento.
A tensão se esvaiu como por encanto. Então não era Monte, ou qualquer um dos outros, que voltara à sua procura. Logan desejou ter forças o bastante para se mo​ver. O chão era duro e o ombro doía terrivelmente. A porta continuava aberta. E não podia se esquecer da pres​são daquele corpo sobre o seu...
A escuridão e o silêncio da noite criavam um clima de certa intimidade, levando Jessie a fazer confissões.
- Das outras vezes, não fiquei assustada. Mas esta noite, juro que ouvi alguma coisa rosnar para mim. Isso nunca aconteceu antes.
- Rosnar? - Havia preocupação em sua voz.
- Bem, não tenho certeza absoluta. Aconteceu tão depressa. Quando ouço as galinhas cacarejarem, em geral vou lá fora e dou um tiro para o ar. É o bastante para espantar quem estiver por perto. Galinhas assustadas significam falta de ovos no dia seguinte. Só espero que outra galinha não tenha sumido.
- Se você ainda está preocupada, posso dar uma olha​da nos arredores. - Logan sabia que seu oferecimento era ridículo. Se mal tinha condições de ficar de pé, como agüentaria vistoriar as cercanias?
Jessie partilhava os mesmos pensamentos. Mas, sa​biamente, guardou suas conclusões para si. Não havia por que apontar o óbvio.
- Acho que o melhor lugar para você agora é a cama. Seja lá o que for que tenha perturbado as galinhas, já se foi, ou estaríamos ouvindo o galo.
- Sabe, não me sinto confortável com a idéia de você dormir no chão. Deite-se na cama e eu me ajeito no...
- Você não pode. Isto é, não vou permitir que se ar​risque a pegar um resfriado. Assim enfraquecido, acabará tendo febre.
Pesarosa, Jessie se desvencilhou das mãos que a pren​diam e se levantou, rezando para que a visão noturna de Logan não fosse muito boa. Tolice se preocupar com isso agora, mas sua camisola já estava gasta de tanto ser lavada e sentia-se exposta. Porém não pôde se furtar à obrigação de ajudá-lo a se erguer.
Logan fitou a mão estendida durante alguns segundos, desejando recusar. Jamais precisara do auxílio de mulher alguma para se levantar, entretanto recusar seria abusar de sua condição física já tão debilitada.
Ele inspirou fundo e se preparou para absorver a dor. Segurando a mão feminina, ergueu-se.
Jessie teve que ampará-lo para que não caísse, tomado por uma súbita vertigem. Enlaçando-o pela cintura, le​vou-o até a cama.
Apesar do ar frio da noite, o corpo masculino exudava calor. Até então, não pensara muito na sensação de tocar a pele bronzeada. Contudo, naquele momento, tudo em que conseguia pensar era na textura dos músculos rígidos e salientes. Com o coração aos pulos, procurou ignorar o fogo que a consumia à simples contemplação daquele peito nu. Harry nunca fora para a cama nu, ainda que parcialmente. Tampouco se lembrava de o marido, algum dia, tê-la encorajado a tocá-lo.
O instintolhe dizia que Logan não apenas encorajaria uma mulher a tocá-lo, mas esperaria que fosse assim, nos momentos de intimidade.
Jessie, não comece a alimentar pensamentos absurdos.
Ele é o tipo de homem que não fixa raízes e estará pronto para partir dentro de poucos dias. É melhor ter isso em mente.
Ela afastou-se da cama e trancou a porta do chalé, antes de voltar a deitar-se.
- Você é uma mulher corajosa, sra. Winslow - Logan falou depois de alguns minutos de silêncio. 
- Acho que, no final das contas, tive sorte.
O último comentário do estranho não fazia o menor sentido. Assim, decidiu ignorá-lo.
- Boa noite, Logan. E meu nome é Jessie. De algum modo, sra. Winslow soa muito formal agora.
- Jessie, então. - Ele sorriu para si mesmo. Jessie. O nome lhe caía bem. Incrível que estivesse se entretendo com esse tipo de pensamento, quando a dor no ombro alcançara níveis insuportáveis.
Não podia se esquecer de que seu trabalho ainda não chegara ao fim.
Mas ela estremecera quando os corpos de ambos ti​nham se tocado.
A idéia o agradava imensamente.
Sem que pudesse evitar, Logan experimentou uma pon​tada de desejo, embora soubesse não ter nenhum direito de se sentir assim. Sua permanência ali era transitória, além de estar extremamente enfraquecido, mal se agüen​tando de pé. Se fosse começar qualquer coisa, Jessie seria obrigada a ajudá-lo a cada passo.
Apesar de a possibilidade ser bastante atraente, de​veria partir tão logo estivesse em condições de enfrentar a estrada.
Tinha contas a acertar com Monte e o resto do bando. Além de o haverem abandonado, roubaram seu cavalo, seu revólver e rifle, além do cinturão com fivela de prata. E sempre fora muito apegado ao seu cavalo e às suas armas.
Um homem gostava de ter por perto aquilo que lhe agradava.
Como, por exemplo, a mulher desejada.
De onde, diabos, aquele pensamento havia surgido? Será possível que ainda estivesse pensando em Jessie?
Não, precisava dar um basta nessas tolices. Não per​mitiria que pensamentos ridículos interferissem no an​damento dos planos traçados.
Uma tentativa de mudar de posição terminou em frus​tração. Odiava dormir de costas. Seus irmãos costuma​vam fazer brincadeiras sobre seu jeito de dormir. De bru​ços, braços e pernas espalhados, ocupando os quatro can​tos da cama. Porém as brincadeiras tinham cessado de​pois de seu irmão mais novo, Ty, cansado das ordens de Conner, haver saído de casa, com rumo desconhecido.
Esse sempre fora um ponto de atrito entre Logan e Con​ner. Seu irmão mais velho jamais se entregara às aventuras tão comuns aos rapazes, nunca tendo acompanhado os dois irmãos numa bebedeira de sábado à noite, por exemplo. Todavia Conner era firme como uma rocha e não se esquecia das promessas que lhe eram feitas.
Não tinha dúvidas de que o irmão ficaria preocupa​díssimo se não entrasse em contato com ele logo. Conner tampouco ficaria satisfeito quando soubesse que havia levado um tiro e perdido seus pertences.
Ainda podia ouvir os avisos do irmão no dia em que deixara a fazenda. "Consiga aquilo que você vai atrás, mas não morra tentando."
Bem, não acabara morrendo graças à Jessie Winslow. Entretanto, ainda não pusera as mãos na informação que procurava.
Mas, a última coisa que pretendia, era se dar por ven​cido. Não iria voltar para casa com o rabo entre as pernas.
Descobriria uma maneira. De algum modo, resolveria o enigma.
- O que aconteceu, Kenny? Você disse que ela ficaria feliz em ter um homem, não foi? Como é, então, que ela atirou em você? Como?
- Lá vem você e suas perguntas outra vez. Será pos​sível que não consegue parar de falar? - Kenny, mais assustado do que gostaria de admitir, esfregou o dedão inchado. Imaginara que a viúva estaria tão entretida cui​dando do homem ferido, que teria tempo de roubar alguns ovos e talvez até uma galinha. Ela quase o matara de susto quando surgira no meio da noite, com aquela arma enorme, e atirara para o ar. Na sua aflição, ele acabara fechando a porta do galinheiro no próprio dedo, além de ter deixado cair os dois ovos que conseguira apanhar.
Subindo na carroça, que lhes servia de moradia, Kenny decidiu não contar a Marty sobre o homem que vira va​gando pelos arredores do chalé da viúva. Não valia a pena assustá-lo. Também não queria ouvir mais pergun​tas para as quais não possuía respostas.
Talvez, Kenny pensou apagando a lanterna e se ajei​tando para dormir, não houvessem deixado apenas um homem ferido na soleira da porta da viúva. Talvez lhe tivessem levado um punhado de problemas.
CAPÍTULO IV
Logan, Jessie decidiu dois dias depois, devia levar uma vida aventureira. E perigosa também. Bastava se lembrar das pequenas cicatrizes que vira espalhadas pelo corpo atlético. Embora ainda não houvesse recuperado o uso completo do braço, o ferimento no ombro estava cicatrizando rapidamente. Terminando de trocar o curativo, logo cedo naquela manhã, decidira que já não seria necessário usar o ungüento de piche. Água e sabão seriam suficientes para afastar o risco de infecção.
Felizmente não ocorrera mais nenhuma tentativa de roubo no galinheiro, Jessie pensou enquanto alimentava as galinhas e recolhia os ovos. Também não conseguia parar de pensar no quão pouco sabia a respeito de Logan, à exceção de certos gostos pessoais.
Ele não era exigente para comer. Sempre educado, fa​zia questão de elogiar as refeições e a maneira atenciosa como estava sendo tratado. Cumprimentos sinceros, disso não tinha dúvidas. Alguém lhe ensinara boas maneiras quando criança. Logan gostava de café forte com muito açúcar e quando fora informado de que o açúcar acabara, desculpara-se pela indelicadeza.
Tratava-se de um homem acostumado a fazer as coisas por si mesmo. Aceitar ajuda no desempenho de tarefas simples o incomodava. Ter descoberto que ele não espe​rava ser servido a fizera enxergá-lo sob uma nova luz. Seu irmão era o único outro homem, com quem se rela​cionara, que não considerava as mulheres escravas.
Jessie atirou mais um punhado de grãos para as ga​linhas, certificou-se de que o portão estava bem trancado e caminhou para o celeiro, dizendo-se que essa curiosi​dade a respeito de Logan precisava ter fim.
Deixando o balde com a ração no chão, ela separou uns poucos montes de feno para Adorabelle. Já não podia mais adiar a ida à cidade para a venda da aliança. Tam​pouco podia adiar uma cavalgada até o vale para vistoriar seu pequeno rebanho. Anotando mentalmente as priori​dades, dirigiu-se ao curral.
A porta do chalé estava aberta, porém não havia sinal de Logan. No dia anterior, levada por uma decisão mo​mentânea, abrira o baú onde guardava uns poucos per​tences de Harry. Agora Logan possuía algumas camisas e calças para usar, além de um par de botas apertadas. Infelizmente, nenhuma das peças lhe caía bem, conside​rando Harry ter sido mais baixo e mais pesado.
A única coisa que não tivera coragem de dar ao seu hóspede fora a arma que pertencera ao marido. Algo pa​recia impedi-la.
Adorabelle, impassível, esperava a atenção da dona. Logan a chamou.
- A água está fervendo.
- Estarei aí num instante - Jessie respondeu. Como se esquecera de que prometera barbeá-lo?
Caminhando vagarosamente para casa, ela acrescen​tou "limpeza" à lista de características que o definiam.
Sentado junto à mesa, diante de uma bacia de água e tendo a navalha e a toalha à mão, Logan a aguardava. 
- É muita gentileza sua se dar ao trabalho de me fazer esse favor, Jessie. Tentei me barbear sozinho, mas descobri que é uma tarefa para duas mãos.
- Não me atrapalha em nada. Se fosse um transtorno, não teria me oferecido. 
- Oh, Deus, por favor, guie minha mão! Não o deixe perceber que jamais barbeei um homem antes.
O apito da chaleira a avisou de que já era tarde para arrependimentos. Que fosse o que Deus quisesse.
Logan ansiava se ver livre da barba. Porém, bastou um olhar para o rosto de Jessie, para se esquecer de tudo.
Quanto mais tempo passava ao lado daquela mulher, menos controletinha sobre suas próprias reações. Mesmo algo simples, como observá-la se mover ao redor da mesa, era suficiente para distraí-lo do que quer que estivesse pensando, ou fazendo.
E eram reações espontâneas, inexplicáveis. Jessie não flertava com ele. Às vezes se perguntava se ela sabia como fazê-lo. Entretanto, a surpreendera observando-o algumas vezes, um brilho sensual, embora inconsciente, no olhar.
Quando Jessie lhe dera os pertences do marido morto, deixara de questionar a existência de um sr. Winslow. Porém, quanto mais tempo permaneciam juntos, mais se surpreendia com a dificuldade que uma mulher, que já fora casada, demonstrava para lidar com aquela intimi​dade forçada. Não fazia sentido.
Lembrava-se de seus pais e de Santo e Sofia, empre​gados fiéis da fazenda. Sempre percebera sussurros e olhares significativos trocados entre marido e mulher, segredos íntimos partilhados. Não que esperasse Jessie dividir segredos, ou olhares especiais com ele. Mas ela dava a impressão de não saber como reagir a um simples cumprimento sobre uma refeição bem preparada, ou sobre as pequenas coisas que procurava fazer para deixá-lo confortável.
Uma vez que nunca cortejara uma mulher, e tampouco pretendia começar agora, Logan sabia que o sensato seria manter a curiosidade sob controle. Dentro de uma se​mana, ou um pouco mais, estaria pronto para partir.
Jessie, já percebera, não era uma mulher a quem se levava para a cama e depois abandonava.
Além de tudo, ela fizera questão de deixar entrever não estar à procura de outro marido, ou de um homem para um relacionamento fugaz.
Se a urgência de terminar o trabalho que começara não fosse tão intensa, aceitaria de bom grado o desafio personificado por Jessie.
De repente, Logan notou que ela o observava, a toalha nas mãos.
- Está mesmo pronto, ou mudou de idéia?
- Estou pronto. - Será que fora impressão sua, ou Jessie teria preferido que ele desistisse da empreitada? - Tem certeza de que sabe como barbear um homem?
- Claro. Basta ensaboar a pele e usar a navalha muito cuidadosamente.
Ao sentir as mãos femininas lhe tocarem o rosto, Logan fechou os olhos. Não gostava de imaginar quantas vezes Jessie devia ter tocado o marido dessa forma. Era uma sensação estranha. Por que diabos se importava? Seria diferente se ela fosse sua mulher...
Ao vê-lo de olhos fechados, Jessie soube que seu toque o agradava. De pé atrás de Logan, tentava evitar que seus seios roçassem as costas largas, porém não tardou a perceber o quanto aquela posição era desajeitada.
- Você não vai se mover, não é? - ela perguntou, apanhando a navalha. 
- Oh, Deus, por favor, mantenha minha mão firme!
Fitando-a, Logan negou com um gesto de cabeça.
- Bom. Muito bom. Agora feche os olhos outra vez e deixe tudo comigo.
Mentalmente, Jessie reviu os gestos feitos pelo irmão e por Harry, quando se barbeavam. Inspirando fundo, pôs-se a trabalhar.
Tocando-o bem de leve, raspou primeiro os pêlos da face esquerda, o leve tremor das mãos traindo o nervo​sismo de que era vítima. Nunca imaginara um dia dividir essas pequenas intimidades com um homem. Um homem que mal conhecia por sinal.
Erguendo o queixo de Logan, repetiu os movimentos ascendentes que se lembrava de ter visto o marido fazer, tendo o cuidado de retirar o excesso de sabão da lâmina sempre que necessário. Com o passar do tempo, foi se tornando mais e mais confiante. Cumprindo a palavra, Logan não se mexera. Entretanto era difícil ignorar a proximidade de seus corpos.
- Preciso que mova a cabeça um pouco para o lado, ou será difícil barbear a região do lábio superior. Isto é, se você não quiser manter o bigode.
- Pode raspar tudo. - Logan abriu os olhos ao sentir que ela hesitava. - O que foi?
- Sua posição não está correta. Talvez se ficasse de frente para mim...
Jessie afastou-se no instante em que ele se virou para fitá-la, as pernas abertas.
- Melhor assim?
Ela concordou com um aceno de cabeça, apesar de achar que a situação piorara. Teria que ficar de pé entre as pernas de Logan! Porém, se ele parecia não ver nada de errado com o fato, tampouco demonstraria o quanto aquilo a incomodava.
No momento em que deu um passo à frente, Logan a segurou pelos quadris.
- O que você está fazendo?
- Apenas mantendo-a firme, Jessie. Essa navalha é tão afiada, que eu só perceberia haver sido cortado quan​do começasse a sangrar.
- Eu não o cortei!
- Não. Mas prefiro não correr riscos.
- Se estava tão preocupado com a possibilidade de ter a garganta cortada, por que sugeriu que eu o barbeasse? - A ironia das palavras era evidente e intencional.
- Porque a barba coçava e eu não podia resolver o problema sozinho.
- Então deixe-me terminar o. serviço. - Jessie o se​gurou pelo queixo com uma das mãos, a respiração al​terada refletindo a tensão de que era vítima. Quando, enfim, deu o trabalho por encerrado, limpou a navalha na toalha vagarosamente, esforçando-se para disfarçar o embaraço.
A boca de Logan era firme e sensual. Gostaria de vê-lo sorrir... Oh, Deus, que tolice era essa? Nunca fora o tipo de mulher capaz de reparar em bocas masculinas!
- Esqueceu-se de barbear algum ponto?
- O quê? - Os olhares de ambos se encontraram. Jessie teria pulado para trás se ele ainda não a segurasse pelos quadris.
- Você está olhando tão fixamente para minha boca, que pensei ter ficado alguma área sem barbear.
- Não. Não, eu não estava olhando nada. - Porém ela não fez menção de se mover.
Logan teve vontade de mergulhar naqueles olhos enor​mes e descobrir os segredos escondidos nas profundezas escuras.
- Acho melhor você me soltar. - Jessie fechou os olhos, isolando-se do mundo.
- E se eu não quiser?
- Não creio que esteja falando sério.
- Temos vivido juntos há quase uma semana... - Quatro dias. Apenas quatro dias.
- Certo. Quase uma semana. Você não se sente nem um pouco curiosa em saber como seria me beijar? Jessie ficou rígida. Como Logan podia suspeitar que pas​sava noites inteiras acordada, imaginando? Minta, minta desesperadamente, ela pensou aflita.
Um silêncio carregado de expectativas se estendeu du​rante vários minutos. Ao vê-la assim, tão quieta, Logan perguntou-se se não deveria soltá-la. Porém, gostaria de dizer-lhe que essa curiosidade o estava enlouquecendo. Mas Jessie não lhe dava chance. Permanecia imóvel, ofe​gante e um pouco temerosa.
- Eu não iria machucá-la. Nunca machuquei mulher alguma.
A voz profunda foi um verdadeiro bálsamo sobre seus nervos tensos. Numa reação instintiva, ela estendeu as mãos e pousou-as de leve sobre os ombros fortes. Por que ele simplesmente não a beijava, se queria tanto fazê​-lo? Por que se dava ao trabalho de pedir? Porque assim você se torna cúmplice, uma voz interna sussurrou.
E você quer muito beijá-lo, não é verdade, Jessie? Mal pode conter a ânsia.
Sim. Oh, Deus, sim!
Entretanto, não era direito.
- Jessie?
Ela não o respondeu. Não queria falar nada. Queria ficar de olhos fechados como uma covarde, ignorando o apelo das próprias sensações. Mas seu corpo traiçoeiro a envolvia num calor intenso. O mesmo calor que come​çara a sentir no momento em que esse estranho entrara em sua vida. O instinto lhe dizia que os lábios dele seriam deliciosamente gentis, se o permitisse beijá-la.
- Jessie, ouça-me. - Logan queria muito que ela abrisse os olhos. Sua mãe sempre dissera que os olhos eram o espelho da alma. Todavia, não pretendia pres​sioná-la. - Corrija-me se eu estiver errado. Ao que me parece, você não está mais de luto pela morte de seu marido, ou ainda lamentando profundamente a perda. Não estou lhe pedindo que me fale sobre ele, ou sobre seu casamento. Porém creio ter o direito de saber se você continua a amá-lo.
Já não era possível se esconder do mundo. Enfrentando o olhar penetrante de Logan, ela se armou de coragem.
- Por que você quer saber? Não está me cortejando. Não está me pedindo em casamento. Tudo o que você queria era um beijo. Isso não lhe dá nenhum direitode me fazer perguntas. - Desta vez, quando Jessie tentou se afastar, ele não a impediu. – Com licença, tenho o gado para cuidar.
Apanhando o chapéu de feltro, ela parou junto à porta. Sem se voltar para fitá-lo, falou apenas:
- Já não estou de luto pela perda de Harry.
Ainda chateado por não ter sabido como tratá-la, Logan levou alguns instantes até entender o comentário. Mas Jessie já havia saído.
Poderia ter ido atrás dela. Porém o instinto o acon​selhava a deixá-la só por enquanto. Não seria justo pressioná-la.
Logan tampouco queria começar a se questionar sobre esse desejo insano de beijá-la. Talvez estivesse entediado, sem ter o que fazer. Não, isso não era-verdade. Bastava olhar ao redor do chalé. Havia trabalho suficiente ali dentro para manter um homem ocupado durante meses.
Depois de inspecionar a pequena despensa, Logan teve a confirmação daquilo que suspeitava. Jessie estava em dificuldades financeiras e, no momento, ele não tinha como ajudá-la. Recebê-lo em casa, alimentá-lo, com cer​teza esgotara suas últimas reservas.
Empoleirados no alto de uma árvore, Kenny e Marty observaram Jessie se afastar, montada na velha égua.
Quando ela se afastara o suficiente para não ouvi-los, Kenny fez sinal para que descessem.
- Agora você fique aqui de guarda, Marty.
- Mas o homem continua dentro da casa. Ele pode atirar em você, como a viúva o fez.
- Você viu tão bem quanto eu que ele não sai do chalé. Desta vez vou conseguir pegar a galinha. Espe​re-me aqui. - Kenny caminhou na direção do celeiro e então virou-se. - Se o homem sair, assobie como lhe ensinei, Ok?
- Ok.
Apesar de todas as suas palavras corajosas, Kenny aproximou-se do galinheiro com cautela. Há semanas não chovia e suas botas afundavam na poeira espessa, dei​xando marcas fundas. Apreensivo, olhou na direção do chalé, mas não havia ninguém a vista.
Ainda assim, aguardou. Sentia algo estranho no ar. Ele limpou o suor da testa com a mão e chegou mais perto do galinheiro. Então tirou algumas minhocas do bolso e as atirou para o galo.
Enquanto o galo, numa revoada de penas negras e verdes, avançava sobre as minhocas alegremente, Kenny correu para trás da pequena construção de madeira. Há meses descobrira uma prancha solta e era por ali que costumava entrar, espremendo-se devagar.
Quando estava para entrar no galinheiro, ouviu um ba​rulho, como se fosse uma pedra batendo em outra. Era muita falta de sorte que Marty tivesse se esquecido de assobiar.
Kenny virou-se lentamente, então ficou imóvel. Um ca​valeiro parara a menos de dez passos, Com o sol logo atrás do homem, era impossível lhe enxergar o rosto. Mas sem dúvida era o homem mais corpulento que jamais vira.
- Você aí, garoto. Seus pais estão em casa?
Ele ficou em silêncio. Sua boca e garganta estavam tão secas que poderia cuspir pó.
- Alguma coisa errada com você, garoto?
Incapaz de falar, Kenny balançou a cabeça, rezando para que o homem no chalé não os visse. Mas se não dissesse nada, com certeza o cavaleiro desconhecido iria até a casa e faria perguntas a seu respeito. Logo alguém viria e levaria Marty e ele embora dali. Não tinha outra alternativa a não ser arriscar-se. Armando-se de coragem, saiu da sombra.
- Meus pais não estão em casa agora. Eles... ah, foram até a cidade. Quer que eu dê água para seu cavalo, senhor?
- Quero apenas uma pequena informação.
Limpando as mãos cobertas de suor na calça, Kenny perguntou-se por que Marty não o tinha avisado, confor​me o combinado. Sorrindo para disfarçar o nervosismo, aproximou-se do cavaleiro.
- Farei o que for possível para ajudá-lo.
- Estou procurando um homem, garoto.
Num movimento inconsciente, Kenny pressionou os joelhos um de encontro ao outro. Tremia tanto, que se julgava a ponto de cair.
- Meu pai...
- Não creio que seja seu pai. O nome do homem é Lucky. A última vez em que o vi estava quase morto, porém não o achei no lugar onde o deixei.
- Oh, puxa!
- Por acaso você o viu, garoto?
Ele negou com um gesto de cabeça, os olhos fixos no estranho. Se Deus o ajudasse a escapar ileso daquela enrascada, jurava nunca mais roubar da viúva!
- Não vi nenhum estranho por aqui, senhor. E minha mãe não gosta que eu converse com pessoas desconhe​cidas. Tenho tarefas a cumprir.
Zach Romal aproximou-se ainda mais do menino.
- Você não mentiria para mim, não é?
- Não tenho motivos para mentir, senhor. Você disse que ele estava quase morto. Talvez os abutres o tenham pego, ou um gato selvagem. Talvez... ele tenha ido para a cidade. Para Apache Junction.
Tudo o que Kenny conseguia fazer era continuar olhan​do para aquele rosto sombrio. Sentia-se apavorado de​mais para agir de outra forma. Quando visse Marty, iria lhe dar uma boas palmadas por não tê-lo avisado.
Sem mais uma palavra, Zach pressionou o cavalo com as esporas e afastou-se a galope.
Kenny lutou contra a urgência de fugir dali correndo. Tinha a impressão de que suas pernas não seriam capazes de levá-lo muito longe. Também ofegava tanto que parecia já haver corrido dezenas de quilômetros. Seria impossível saber quanto tempo permaneceu junto ao galinheiro, imó​vel, o sol escaldante queimando-lhe a pele. De repente, uma sensação estranha o fez se virar.
Agora sim, entendia o que seu pai quisera dizer quando afirmara que alguém pode ser pego entre a cruz e a espada.
À sua frente estava o homem de quem, com a ajuda de Marty, salvara a vida. O homem pelo qual o cavaleiro perguntara.
CAPÍTULO V
- Quem é você, garoto?
Lembrando-se ainda muito bem das surras que levara a mãe por mentir, Kenny deu um passo para trás. Apesar de a mãe estar morta, acreditava que seria punido de alguma forma por todas as mentiras que dissera até então. Não queria tornar as coisas piores para si mesmo, aumentando a cota de culpas.
- Responda-me - Logan exigiu. - E você quem anda roubando as galinhas e os ovos de Jessie?
- Não roubei nada. E um comércio justo. Pergunte a ela. Vá perguntar à viúva se não deixo sempre algo em troca.
- Nós dois sabemos que ela não está em casa, garoto. Ouvi o que você falou ao cavaleiro. Muito obrigado. Foi você quem me encontrou e me trouxe para cá? - Apesar da pergunta, Logan sabia que o menino não poderia ter empreendido aquela tarefa sozinho.
- Talvez. - Kenny virou-se e pôs-se a correr.
- Espere! Não fuja, menino. Não vou machucá-lo. - Logan saiu correndo também, embora com dificuldade por causa da dor no ombro. Ainda não se recobrara do choque de olhar pela janela do chalé e descobrir Zach. Por que diabos o bandido fora parar ali?
Percebendo que o homem o seguia, Kenny correu com redobrado vigor, os olhos fixos na árvore onde deveria estar Marty. O problema é que não conseguia enxergá-lo.
-Marty? Onde está você? - ele indagou num sussurro furioso.
- Aqui em cima.
Sabendo que não haveria tempo de esperar o primo descer, Kenny não teve outra alternativa a não ser subir na árvore também, escondendo-se da melhor maneira possível no meio da folhagem.
- Por que você não assobiou me avisando? Quase fui pego.
- O homem no cavalo. Ele era um deles. Fiquei com medo.
- Ok. Ok. Agora fique quieto. Quieto de verdade.
Olhando por entre os galhos, Kenny notou que o es​tranho tinha parado. Imediatamente prendeu a respira​ção, temendo fazer qualquer barulho.
Logan estudou os arredores com calma. Além das pe​dras e arbustos, havia uma árvore alta, a copa frondosa podendo servir de esconderijo perfeito para um menino. Não queria assustar a criança, tampouco podia deixar escapar a chance de obter algumas respostas. De uma coisa não tinha dúvidas. Apesar da magreza excessiva, dos cabelos compridos e aparência maltratada, o menino era inteligente e astuto.
- Se estiver me ouvindo, garoto, quero lhe agradecer por ter salvo minha vida. Também ficaria grato se me avisasse, caso visse aquele homem pelas redondezas outra vez.
Vários segundos se passaram sem que Logan obtivesse resposta, ou escutasse algum som. Talvez devessevoltar para o chalé. Sentia-se como se houvesse passado o dia inteiro tentando domar um touro bravio. Cada parte do corpo doía terrivelmente. E pensar que se imaginara pronto para partir. Gostasse ou não da idéia, continuava preso ali.
Quando já estava quase chegando em casa, uma idéia assustadora lhe ocorreu. Jessie saíra e Zach aparecera, como se fosse algo combinado. Não, que absurdo... Mas ouvira conversas sobre um lugar nas montanhas, um lu​gar seguro, e isolado também, onde não se faziam per​guntas aos homens que lá se escondiam.
Jessie envolvida com foras-da-lei? Se tivesse forças su​ficientes, daria boas risadas. Se sua vida não estivesse em jogo... se Zach não houvesse aparecido tão subita​mente... O que diabos estaria o bandido procurando? A menos que Jessie lhe mentira sobre tê-lo encontrado na soleira da porta, apenas com a roupa do corpo. Ou quem sabe fora o garoto quem lhe roubara os pertences? Ficara sem o cavalo, o rifle e o revólver. Até o cinturão com fivela de prata lhe fora tirado. Lamentava tremenda​mente a perda do cinturão. Mandara fazer um para dar de presente a Ty, no aniversário do irmão. Gostara tanto, que resolvera encomendar mais dois. Um para si, outro para Conner.
Com certeza o golpe que recebera na cabeça lhe afe​tara as idéias, ou não estaria tão preocupado com um cinturão perdido, quando tantas coisas mais sérias exi​giam sua atenção.
Mas se ocupar com esses detalhes o impediam de pen​sar em Jessie e em seus possíveis envolvimentos.
A visão da cerca, onde mantinha o gado, recentemente reforçada com galhos novos a preocupou.
Durante os últimos meses não ficara assustada com o roubo de ovos, ou com a perda de dois cobertores que estendera no varal para secar, depois de lavá-los. Apre​ciara o que recebera em troca, em geral coelhos e peixes, e julgara um comércio justo.
Porém, a cerca restaurada significava que alguém des​cobrira o pequeno vale em sua propriedade. E a idéia a enchia de angústia.
Harry, tempos atrás, resolvera investir na criação de gado e comprara algumas cabeças. Entretanto não tar​dara a perder interesse na nova atividade, convencido de que seria necessário esperar muito até obter lucro.
Ela, contudo, descobrira ser extremamente prazeroso acompanhar o crescimento e a engorda das reses, ven​do-as pastar sob o sol forte do vale, à beira do riacho. Como tratava-se de uma criação bem pequena e, o local onde a mantinha ficava quase escondido, imaginara que os animais estivessem seguros.
Saber que alguém os espreitara, que alguém passara horas mexendo na cerca, a fazia sentir-se violada. Como se seu sonho pudesse ser esmagado num passe de mágica, como se seu futuro estivesse nas mãos de terceiros.
Ela tornou a contar as cabeças, certificando-se de que nenhuma rês fora roubada. Podia perder ovos e galinhas, mas não o sonho de ter um rebanho. Somente assim haveria chances de, um dia, ver esse pedaço de chão transformado numa fazenda de verdade, ainda que pe​quenina. Se não acreditasse nessa possibilidade, seria obrigada a admitir derrota. Então só lhe restaria vender tudo e resignar-se a morar com Greg e Lívia. Não que os dois não fossem recebê-la de braços abertos. A questão é que ainda não se sentia pronta para desistir.
Primeiro teria que parar de ser tão ingênua. Bastava pensar em como aceitara Logan em sua casa e o permitira ficar sem obrigá-lo a responder às suas perguntas. Con​tinuava sem saber de onde o estranho viera e em que circunstância fora baleado.
Pessoas eram baleadas o tempo todo. Não havia lei no território. A última vez em que David a visitara, ele deixara um exemplar do Arizona Star, de quatro meses atrás. Assaltos a bancos e a trens, ataque de Apaches, roubos de gado. A violência parecia imperar.
Não tinha ninguém a quem culpar a não ser a si mesma por não haver exigido explicações de Logan. Precisava encarar os fatos: temia o que pudesse ouvir.
Não queria que Logan passasse a ter um significado especial em sua vida. Não queria se importar com nin​guém. Mas estava só há tanto tempo, que seria mentira afirmar não sentir nada...
Será que Logan a considerava uma tola crédula? Talvez o fosse mesmo...
E talvez seu benfeitor anônimo tivesse feito mais do que reforçar a cerca. Talvez, ao tentar proteger seu gado, tivesse baleado alguém. Logan.
Porém, se essa linha de raciocínio fosse verdadeira, então por que Logan fora deixado na soleira de sua porta?
- Por quê? - ela murmurou, olhando ao redor. - Quem é você? Onde você se esconde? E por quê, oh, por que você me escolheu?
Quando a égua a tocou de leve no braço, com o focinho, Jessie falou alto:
- Se eu lhe fizesse essas perguntas, Adorabelle, as respostas seriam as mesmas. Ou seja, nada.
Recordava-se das histórias que Harry costumava lhe contar, sobre os homens com quem ocasionalmente se encontrava, nas suas andanças em busca de ouro.
Às vezes dividia um acampamento com um deles, às vezes via outros apenas de passagem. Entretanto, uma coisa permanecia. Nomes, se acaso eram ditos, pouco re​velavam sobre um homem, ou seu passado.
Como Logan. Se Logan fosse mesmo o nome dele.
Mas nem todos os homens que vagavam pelas montanhas Superstition estavam em busca de ouro, feito Harry. Alguns fugiam de uma tragédia, outros da lei, ou, simplesmente, haviam nascido para andar sem rumo pelo mundo.
Assim como nem todos os homens tinham tendência a praticar atos violentos. Uma das características que a atraíra em Harry fora o temperamento gentil. Seu irmão, por exemplo, era uma pessoa dura, porém justa, e que não se envergonhava de revelar um lado terno.
E Logan...
Não, não se deixaria envolver pelos sentimentos se​cretos que Logan, tão facilmente, encorajara a vir à tona. Ou seria parte do jogo dele?
Nervosa, Jessie puxou a barra do vestido, que se pren​dera na cerca, e montou, tomando o caminho de casa.
Quem quer que a estivesse espionando, poderia muito bem haver atirado em Logan para avisá-lo de que deveria manter distância do lugar.
Quanto mais se aproximava de casa, mais essa sus​peita quanto à natureza do ferimento de Logan ganhava força. Iria confrontá-lo e exigir explicações de uma vez por todas. Determinada, desmontou perto do curral. Quando estava para começar a retirar os arreios e a sela de Adorabelle, Logan abriu a porta do chalé.
Jessie o fitou por um longo instante. O rosto bem bar​beado deveria ter suavizado a expressão daquele olhar, porém não foi o que acontecera. De pé junto à soleira da porta, os olhos semicerrados, ele nunca lhe parecera tão imponente e perigoso.
Talvez confrontá-lo com suas suspeitas não fosse o me​lhor caminho a seguir. -
- Tem certeza de que esse animal é mesmo um cavalo?
- Adorabelle me leva aonde- preciso ir. Não o vejo com nada melhor. Aliás, não o vejo com absolutamente nada.
Fora a coisa errada a dizer. Agora Jessie lhe dera as costas, os lábios carnudos transformados numa linha seca. Odiava vê-la retirar a sela da égua e colocá-la sobre a cerca sem poder ajudá-la. Nunca estivera numa posição semelhante, incapaz de executar qualquer esforço físico.
- Consegui pôr um pouco de feijão para cozinhar - ele comentou, pensando em como fora dificil separar os grãos e prepará-los para o cozimento com apenas uma das mãos.
Jessie, que se ocupava em tirar as luvas de couro, não parecia muito interessada em comida.
- Fico satisfeita que tenha encontrado algo de útil para fazer.
- Maldição! - Não era apenas a expressão do rosto delicado que se alterara. O veneno e o sarcasmo embu​tidos nas palavras femininas deixava claro que Jessie estava se preparando para um duelo verbal, sem se im​portar com as conseqüências.
- Não pragueje. - Ela voltou a atenção para a égua, coçando-a atrás das orelhas antes de remover o cabresto. Adorabelle tinha uma natureza tão dócil que mal se mo​via, aguardando cada procedimento com paciência.
Calmamente, Jessie pôs-se a escovar o pêlo da égua, aparentemente desinteressada da presença masculina. Entretanto, mesmo vestindo

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