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Expressão de GFP - células GHOST Manual Virologia Prática Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas HIV-2ALI; JM Azevedo Pereira resultados não publicados 3ª Edição Lisboa 2008 Este manual foi elaborado com o objectivo de dar apoio às aulas práticas da cadeira de Virologia do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Aqui são abordados vários temas relacionados com o diagnóstico laboratorial das infeccões virais. Para algumas das infeccões virais mais importantes, são aprofundados os conceitos e procedimentos usados nesse diagnóstico. Docentes: José Miguel Azevedo Pereira (Professor Auxiliar da FFUL) Contacto: Telf: 217946400; ext: 266 e-mail: miguel.pereira@ff.ul.pt home page: http://web.mac.com/jmiguelap/Entrada_geral/Entrada.html http://www.ff.ul.pt/paginas/jazevedo/Site/Welcome.html Quirina Santos Costa (Assistente da FFUL) Contactos: Telf.: 217946200; ext: 226 e-mail: quirina.c@ff.ul.pt home page: http://web.mac.com/santoscostaq/santoscostaq/Santos-CostaQ.html Abreviaturas usadas: Ac- Anticorpo Ag- Antigénio CMSP- Células mononucleadas do sangue perifé- rico CMV- Citomegalovirus DNA- Ácido Desoxirribonucleico EBV- Vírus Epstein-Barr EIA- Ensaio imunoenzimático HHV-8- Herpes vírus humano tipo 8 HIV- Vírus da Imunodeficência Humana HPV- Vírus do Papiloma Humano HSV- Vírus Herpes Simplex HTLV- Human T-cell Lymphotropic Virus IF- Imunofluorescência IHA- Inibição de hemaglutinação LCR- Líquido céfalo-raquidiano ME- Microscopia electrónica PCR- Polymerase chain reaction RFC- Reacção de fixação do complemento RIA- Ensaio imuno-radioactivo RNA- Ácido Ribonucleico RSV- Vírus Respiratório Sincícial TTV- Transfusion Transmited Virus VZV- Vírus da Varicela-Zona Índice I- Métodos de diagnóstico em Virologia 4 1- Métodos directos 4 2- Detecção de anticorpos específicos (serologia) 12 3- Cultura de células eucariotas 15 II- Diagnóstico da Infecção por HSV 17 1- Características gerais 17 2- Diagnóstico 19 III- Diagnóstico da Infecção pelo citomegalovirus (CMV) 21 1- Características 21 2- Diagnóstico 21 IV- Diagnóstico da Infecção pelo vírus da rubéola 25 1- Características 25 2- Síndroma de Rubéola congénita 25 3- Diagnóstico laboratorial 25 V- Diagnóstico da Infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) 28 1- Características 28 2- Diagnóstico da infecção pelo HBV 28 VI- Diagnóstico da Infecção pelo HIV 32 1- Características 32 2- Organização genómica 32 3- Ciclo replicativo 33 4- Patogénese da infecção 35 5- Diagnóstico da infecção pelo HIV 35 6- Principais problemas no diagnóstico da infecção pelo HIV 39 7- Outros marcadores de diagnóstico e monitorização da infecção 40 8- Métodos usados na monitorização e prognóstico da infecção: 40 9- Quantificação da carga viral 41 Anexos 43 Perfil serológico de uma infecção crónica pelo VHB 43 Perfil serológico de uma infecção aguda pelo VHB 43 4 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira Duma forma geral, os métodos de diagnósti- co usados no diagnóstico de viroses humanas podem ser agrupados em duas categorias di- ferentes: os métodos directos e os métodos indirectos. Nos métodos directos pretende-se identificar, na amostra clínica, a presença do vírus ou de componentes desse vírus. Assim, englobam-se nesta categoria a microscopia electrónica (ME), a cultura viral, a detecção de antigénios virais (Ag) e a detecção do ácido nucleico viral. Nos métodos indirectos pesquisa-se a presença de anticorpos específicos para um determinado vírus (serologia). Este tipo de métodos consti- tuem a maioria das técnicas executadas num laboratório de virologia, uma vez que a maioria das infecções virais pode ser diagnosticada por este tipo de métodos. O diagnóstico serológico de uma infecção viral pode ser feito detectando a presença ou a subida do título de anticorpos específicos para um determinado vírus. Esta detecção envolve, normalmente, os anticorpos da classe IgG ou a totalidade de anticorpos cir- culantes presentes (IgG+IgM). Em alguns casos é igualmente possível detectar-se a presença/ subida de anticorpos da classe IgM. As técnicas disponíveis para a detecção e quantificação de anticorpos são: Ensaios imunoenzimáticos (EIA: ELISA, • ELFA, etc.) Ensaios radioimunológicos (RIA)• Aglutinação• Western-blot• Recombinant immunoblot assay (RIBA)• Imunofluorescência• Fixação de complemento• Inibição de hemaglutinação• 1- Métodos directos 1.1. Detecção de antigénio viral A principal vantagem destes métodos é a rapi- dez com que o resultado é obtido. No entanto, na maior parte dos casos, trata-se de técnicas que envolvem a correcta interpretação das ob- servações feitas, o que torna os resultados me- nos objectivos. A sensibilidade e especificidade são igualmente menores quando comparadas Figura 1- Célula epitelial infectada pelo HSV-1 detectada por IF Figura 2- Antigénio pp65 do CMV detectado nos núcleos de neutrófilos do sangue periférico detectado por IF Figura 1- Célula epitelial infectada pelo HSV-1 detectada por IF Figura 2- Antigénio pp65 do CMV detecta- do nos núcleos de neutrófilos do sangue periférico detectado por IF I- Métodos de diagnóstico em Virologia 5 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira com outras técnicas. Está muito dependente da qualidade da amostra clínica. São ainda técni- cas não automatizadas que envolvem a inter- venção frequente do operador. Exemplos de detecção de antigénios como mé- todo de diagnóstico de viroses: detecção de células infectadas por RSV, ou adenovirus, em aspirados naso-faríngeos ou bronco-alveolares; detecção de HSV (Figura 1) ou VZV em zaraga- toas de lesões cutâneas (exemplos em que se utiliza a técnica de imunofluorescência); detec- ção de rotavirus ou adenovirus nas fezes (por reacção de aglutinação de partículas de látex); detecção de antigénio p24 do HIV no soro ou plasma (antigenémia); detecção de antigenémia pp65 do CMV (por métodos imunoenzimáticos - EIA). 1.2. Microscopia electrónica (ME) As partículas virais são detectadas e identifica- das com base na sua morfologia. A sua princi- pal vantagem reside no facto de ser possível vi- sualizar directamente a partícula viral. Desta forma é possível examinar a amostra sem que para tal seja necessário o conhecimento prévio dos possíveis agentes causais, em contraste com outros métodos que usam células (cultura celular) ou sondas específicas (PCR, detecção de antigénio, detecção de anticorpos). Figura 3- Partículas virais de Adenovirus pre- sentes nas fezes A rapidez é outra das vantagens da ME, poden- do por isso ser usada em diagnóstico virológico rápido. No entanto, exige que na amostra clíni- ca existam partículas virais em quantidade sufi- ciente para poderem ser visualizadas (105-106 partículas virais/ml). Devido a isso, a sua sensi- bilidade é baixa, podendo, no entanto, ser aumen- tada utilizando a imuno-microscopia electrónica (IME), onde são usados anticorpos específicos do vírus a pesquisar, por forma a aglutinar as partículas virais, tornando-as mais fáceis de vi- sualizar e reconhecer. Para além da sua baixa sensibilidade, a ME tem como desvantagem ser uma técnica dispendiosa, quer na aquisição do equipamento, quer na sua manutenção e utili- zação, exigindo pessoal devidamente treinado. Devido a isso, e ao facto dos métodos de de- tecção de antigénios e de diagnóstico molecu- lar, se terem tornado mais fiáveis, sensíveis e económicos, fizeram com que cada vez menos se utilize a ME como método de diagnóstico. Ac- tualmente a ME é usada no diagnóstico de gas- trenterites virais a partir das fezes (rotavirus, adenovirus - Fig 3, astrovirus, calicivirus, etc). Menos frequentemente pode ser usada para a detecção de vírus em lesões cutâneas, como por exemplo o HSV ou o HPV. Figura 4- Corpos de Negri (setas) presentes no citoplasma de um neurónio infectado com o vírus da raiva 1.3. Detecção de corpos de inclusão A replicação viral provoca, por vezes, alteraçõeshistológicas (corpos de inclusão) nas células in- fectadas in vivo. Estas alterações podem ser 6 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira características ou não-específicas. Os corpos de inclusão, observáveis por microscopia óptica nas células presentes na amostra clínica, são basicamente conjuntos de partículas virais que estão a ser produzidas pela célula infectada no núcleo ou no citoplasma. Exemplos de corpos de inclusão são os corpos de Negri (Fig. 4) e os corpos de inclusão citomegálicos, encontrados nas infecções pelos vírus da Raiva e pelo CMV (citomegalovirus), respectivamente. Embora pouco sensível e específica, a identificação his- tológica dos corpos de inclusão pode, ainda as- sim, ser útil no diagnóstico de algumas viroses, em conjunt com outros métodos mais específi- cos e sensíveis. 1.4. Detecção do genoma viral Os métodos baseados na detecção do genoma viral, são igualmente conhecidos como méto- dos de biologia molecular. Embora estes méto- dos tenham, nos últimos anos, aumentado de importância no contexto do diagnóstico viral, o papel desempenhado por eles na rotina labora- torial é ainda pequeno, quando comparado com os outros testes convencionais. Os testes clássicos de detecção do genoma viral englobam as técnicas de dot-blot e de Southern-blot os quais dependem do uso de sondas marcadas (com radioactividade ou com enzimas) específicas do DNA/RNA a pesquisar (por hibridação da sonda com a sequência alvo). A especificidade depende das condições usadas durante o processo de hibridação. A sensibilida- de destas técnicas é, em geral, idêntica à obser- vada para os testes convencionais. As técnicas mais recentes, tal como a polymera- se chain reaction (PCR), a ligase chain reaction (LCR), a nucleic acid based amplification (NAS- BA), e branched DNA (bDNA), dependem todas elas de alguma forma de amplificação, seja do ácido nucleico a pesquisar, seja do próprio si- nal emitido pela reacção final. Destas técnicas a mais sensível e a que mais usos tem tido no diagnóstico virológico é o PCR. Teoricamente, pela técnica de PCR é possível amplificar-se uma única cópia de DNA alvo presente na amos- tra clínica. Devido a esta extrema sensibilidade, a execução desta técnica traz consigo alguns problemas, o maior dos quais tem a ver com a possibilidade de contaminações, uma vez que basta a presença duma quantidade mínima de DNA contaminante para se obter um resulta- do falsamente positivo. Por outro lado, a detec- ção por PCR de DNA de um determinado vírus, não significa necessariamente que se esteja na B A Figura 5- Exemplo de reacção de hibridação in situ. A- Detecção de células infectadas com o vírus do papiloma humano numa amostra obtida do colo do útero; B- Detecção de células infectadas com o HHV-8 numa amostra de uma lesão do Sarcoma de Kaposi Figura 5- Exemplo de reacção de hibridação in situ. A- Detecção de células infectadas com o vírus do papiloma humano numa amostra obtida do colo do útero; B- Detecção de células infectadas com o HHV-8 numa amostra de uma lesão do Sarcoma de Kaposi 7 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira presença real duma patologia. Casos como a detecção de genomas virais identificados como sendo do vírus da hepatite G ou do TTV (transfu- sion transmited virus) não permitem, por si só, fazer a respectiva associação com qualquer es- tado patológico agudo ou crónico. Também nos casos de infecções por vírus que se mantêm latentes no hospedeiro, a detecção de genoma viral a nível celular, não implica necessariamen- te que esteja a ocorrer uma manifestação pato- lógica desse vírus. Dentro deste grupo de testes há ainda a refe- rir os que utilizam as reacções de hibridação in situ (Fig. 5). Neste caso a integridade da célula é mantida, sofrendo somente uma permeabili- zação de forma a permitir a entrada da sonda molecular marcada com uma enzima. Uma vez que a estrutura celular e tecidular são manti- das, permite quantificar o número de células in- fectadas e quais os tipos de células, ou compar- timentos celulares, onde o genoma viral existe. 1.5. Isolamento viral O isolamento de vírus a partir de amostras clí- nicas constitui um importante método de diag- nóstico de infecções virais. Este pode ser conse- guido por inoculação das amostras clínicas em células eucariotas mantidas em cultura in vitro, ou, em alternativa, por inoculação em animais ou ovos embrionados. Estas duas últimas alter- nativas são usadas somente em casos muito particulares, devido principalmente à maior di- ficuldade na sua manutenção. Assim, este tipo de método utiliza quase sempre culturas de cé- lulas mantidas in vitro. As células eucariotas variam muito quanto à sua susceptibilidade aos diferentes vírus. É de importância crucial a escolha da(s) célula(s) mais susceptíveis para um determinado vírus suspeito de estar presente numa determina- da amostra (dependendo dos sinais clínicos). Além disso, a amostra deverá ser enviada ao laboratório o mais rapidamente possível após a colheita. Depois de recebida a amostra, esta é inoculada em diferentes tipos de culturas celulares depen- dendo dos vírus supostamente envolvidos. Este inóculo é mantido durante pelo menos 1 hora até ao máximo de 16-18 horas (overnight). As células são mantidas a 37ºC em estufa com at- mosfera controlada (5% CO2). As culturas celulares podem ser de diferentes tipos. Assim podemos classificá-las quanto ao modo de cultura ou quanto ao tipo de células. Quanto ao modo de cultura, as células podem ser classificadas como células em suspensão ou células em monocamada. As primeiras, como o nome indica, crescem não aderentes ao suporte sólido, dispersas no meio de cultura. As segundas crescem aderentes às paredes internas do frasco de cultura ou outro suporte sólido. Esta característica está dependente da origem das células: se as células, in vivo, exis- tirem em suspensão (células sanguíneas por exemplo) mantêm essa característica in vitro. Se in vivo as células formarem tecidos ou ór- Figura 6- Exemplos de efeitos citopáticos (ECP) induzidos por alguns vírus. Da esquerda para a di- reita: ECP do HSV-1, HIV-2 e RSV 8 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira gãos sólidos, existindo aderentes entre si, man- terão essa propriedade in vitro. Quanto ao tipo de células, estas podem ser clas- sificadas como células primárias, células secun- dárias e células contínuas (ver mais adiante no texto). 1.5.1. Detecção dos vírus em cultura Após inoculação da amostra, e após o tempo necessário para que a replicação viral ocorra, a detecção de replicação viral nas células ino- culadas pode ser feito pela visualização do efei- to citopático (ECP - Fig 6). Com esse objectivo, as culturas inoculadas devem ser observadas diariamente. Regularmente também, o meio de cultura deve ser mudado por forma a manter as células em crescimento e em bom estado fisiológico. Alguns vírus, no entanto, não induzem o apa- recimento de ECP. Nesses casos tem que se recorrer a técnicas de detecção alternativas. Uma dessas técnicas é a hemadsorção. Esta técnica baseia-se no facto de alguns vírus (in- fluenza e parainfluenza, por exemplo) induzi rem a expressão de hemaglutininas, de origem viral, na membrana da célula infectada. Desta forma, a célula adquire a capacidade de fixar hemácias na sua membrana. Nesta técnica, o meio de cultura é removido e as células são incubadas com uma suspensão de hemácias a 4ºC ou à TA durante 30 minutos. A suspensão de hemácias é removida e o tapete celular é ob- servado ao microscópio. Caso exista hemadsor- ção (Figura 7), as hemácias vão ficar aderentes a algumas células (células infectadas e por isso expressando hemaglutininas virais). Alternativamente, a presença de vírus em cul- tura pode ser feita recorrendo à técnica de he- maglutinação ou à técnica de interferência viral. No primeiro caso, pesquisa-se a presença de proteínas com capacidade de aglutinar hemá- cias de espécies animaisespecíficas (humanas tripsinizadas, de pombo, etc.). Essas proteínas são pesquisadas no sobrenadante da cultura infectada pondo em contacto esse sobrenadan- te com uma suspensão de hemácias em placas com cúpulas de fundo em V. Caso existam he- maglutininas, as hemácias ficam em suspensão não se concentrando no fundo da cúpula (vérti- ce do V). Os resultados possíveis estão repre- sentados na Figura 11. A técnica de interferência viral é usada nos ca- sos em que nenhuma das anteriores técnicas pode ser usada. O seu princípio baseia-se no facto de haverem determinados vírus que inter- ferem com a replicação de outros que se mul- tiplicam nas mesmas células, impossibilitando estes últimos de fazerem o seu ciclo replicativo. O sistema vírus-célula é portanto constituído por um tipo de células e por dois vírus: o vírus que se pretende detectar (vírus A que é inter- ferente) e o vírus indicador (vírus B). Este últi- mo terá de ser capaz de induzir um ECP claro e rápido. Caso na cultura celular inoculada existir o vírus A, ele vai impedir que, após inoculação posterior do vírus B, este possa fazer o seu ci- clo de replicação e por isso não apareça o ECP esperado. Caso não exista o vírus A na cultura, a inoculação do vírus B irá resultar no apareci- mento do ECP esperado e característico. Este procedimento é obviamente mais laborioso e, como já foi dito só é usado em casos particula- res em que nenhuma das técnicas anteriores é passível de ser utilizada. Além disso, impõe a conhecimento presuntivo de qual o vírus que deverá estar presente em cultura para que a escolha do vírus B possa ser convenientemente feita. Essa suspeita baseia-se em vários parâ- metros dos quais os mais importantes são: tipo de sintomatologia, amostra biológica usada e o facto de se verificar a ausência de ECP. 1.5.2. Identificação dos vírus em cultura A identificação presuntiva de um vírus em cultu- ra pode ser feita com base no seu ECP, na ca- pacidade de induzir hemadsorção e no tipo de Figura 7- Exemplo de um resultado positi- vo pela técnica de hemadsorção. Reparar na acumulação de hemácias junto de algu- mas células (seta) 9 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira célula onde esse vírus foi capaz de se replicar (susceptibilidade celular). No entanto, para a identificação cabal e objectiva do vírus em ques- tão, torna-se necessário recorrer a técnicas como a imunofluorescência, imunoperoxidase, neutralização, inibição da hemaglutinação, mi- croscopia electrónica e eventualmente a técni- cas de biologia molecular (amplificação, clona- gem e sequenciação do genoma viral). 1.5.3. Vantagens e desvantagens do isola- mento e cultura do vírus in vitro A principal vantagem do isolamento viral, no âmbito do diagnóstico viral, é a especificidade e a capacidade de usar os vírus obtidos para futuras caracterizações. No entanto esta téc- nica tem várias desvantagens: necessidade de existirem linhas celulares adequadas em cultu- ra, laboratório devidamente apetrechado para a manipulação de amostras contendo vírus pa- togénicos, pessoal devidamente treinado, cus- tos elevados. Além disso, as culturas celulares são, devido aos meios de cultura extremamente ricos que são utilizados, facilmente contaminá- veis por bactérias e/ou fungos. 10-5 10-6 10-7 Figura 9- Métodos das placas. Foram inoculadas as diluições 10-5, 10-6 e 10-7; as placas formadas em cada diluição são visíveis após adição do corante vermelho neutro 1.5.4. Cultura viral com centrifugação Um dos avanços mais importantes, no diagnós- tico rápido das infecções virais, foi a aplicação da centrifugação à cultura viral tradicional. Esta técnica baseia-se no facto de se conseguir au- mentar a eficiência de infecção (infecciosidade) de alguns vírus quando, após inoculação da amostra, se submete as culturas a uma força centrífuga de baixa velocidade. As células assim tratadas são incubadas, 24-48 horas depois da inoculação, com anticorpos monoclonais mar- cados, específicos de antigénios precoces do ví- rus suspeito de estar presente na amostra bio- lógica inoculada (presumido a partir dos sinais clínicos e do tipo de amostra colhida). Um dos melhores exemplos de aplicação desta técnica é o diagnóstico precoce da infecção pelo CMV (citomegalovirus). Neste caso a amostra é ino- culada numa cultura de fibroblastos humanos (Fig.8). 1.5.5. Titulação de um vírus Em Virologia, existem dois métodos para quan- tificar (titular) uma suspensão viral: o método das placas e o da diluição limite. Método das placas: Baseia-se no princípio de que um vírus, ao infec- tar uma célula e ao ser transmitido às células vizinhas, irá provocar a morte a essas células. Estas células mortas serão visualizadas, após adição de um corante vital (vermelho neutro). As células susceptíveis ao vírus a titular são pos- tas em cultura, numa placa de Petri ou numa cúpula de dimensões apropriadas, e usadas quando tiverem numa densidade correspon- dente à sub-confluência. A suspensão viral a titular é diluída sucessi- vamente, num factor de diluição 1:10 e cada Figura 8- Exemplo do resultado obtido pela técnica de cultura com centrifugação. Uma cultura de fibroblastos humanos (MRC-5) foi inoculada com uma amostra contendo CMV, submetida a centrifugação e incuba- da com anticorpo monoclonal para o anti- génio precoçe do CMV, pp72, marcado com fluoresceína Figura 9- Métodos das placas. Foram inocula- das as diluições 10-5, 10-6 e 10-7; as placas formadas em cada diluição são visíveis após adição do corante vermelho neutro 10 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira uma das diluições será inoculada numa placa individualmente. Na prática, serão inoculadas somente as diluições mais prováveis de darem uma leitura adequada (por exemplo as diluições 10-5, 10-6 e 10-7). Após a inoculação as células inoculadas são inundadas com meio de cultu- ra contendo agarose, por forma a favorecer as infecções célula-célula e não permitir a difusão das partículas virais entretanto formadas. Ao fim de algum tempo (variável consoante o tipo A diluição correspondente à TCID 50 está localizada entre as diluições 10-5 e 10-6 (83% e 17%, respectivamente). Para se calcular essa diluição recorre-se à formula de interpolação: % de infecção > 50% - 50% % de infecção > 50% - % de infecção < 50% No caso do exemplo será: 83 - 50/83-17 = 33/66 = 0,5 O valor encontrado é multiplicado pelo negativo do log10 do factor de diluição, que no caso do exemplo dá igual a -1, ficando por isso -1 x 0,5 = -0,5 O log10 da diluição que corresponde à TCID 50 é obtido adicionando o valor obtido anteriormente ao valor do log10 da diluição acima dos 50%. Ou seja: -5 + (-0,5) = -5,5 Ou seja, a diluição correspondente à TCID 50 é igual a 10-5,5 e portanto o título da suspensão é 105,5 TCID 50 Diluição viral Nº de culturas infectadas/ inoculadas Total acumulado de culturas infectadas Total acumulado não infectadas Taxa de infecção Percentagem infectadas 10-4 5/5 10 0 10/10 100% 10-5 4/5 5 1 5/6 83% 10-6 1/5 1 5 1/6 17% 10-7 0/5 0 10 0/10 0% Tabela 1- Esquema do cálculo da TCID50 por inoculação de células susceptíveis de vírus), é adicionado o corante vermelho neu- tro que irá corar de vermelho as células vivas e manter incolor as células mortas (Figura 9). O cálculo da concentração de partículas virais é feita usando a diluição que melhor contagem apresentar (nem demasiado elevada nem bai- xa demais). Nessa, serão contadas as zonas de morte celular (denominadas placas), e multipli- cadas pelo inverso da diluição usada como inó- culo (exº: 50 placas na diluição 10-5, correspon- 11 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira de um título de 50x105 ou seja 5x106). Há ainda que ter em conta o facto de o título ser dado em PFU (plaque forming units; ou UFP, unidades for- madoras de placas) por mililitro. Assim sendo, ter-se-à ainda que multiplicar o resultado pelo inverso da fracção de mililitro que foi usada(se só se inoculou 0,1 ml, terá que se multiplicar por 10 para se ter o valor por mililitro; ou seja, no exemplo dado anteriormente, ficará como resultado final: 5x107 PFU/ml). Método da diluição limite: Neste caso calcula-se a diluição que provoca a infecção em 50% das culturas inoculadas (TCID 50 ou dose infectante 50%). A suspensão viral é diluída sucessivamente (factor de diluição 1:10 normalmente) e as diferentes diluições são inoculadas individualmente em culturas de células susceptíveis. Para cada diluição, e ao fim do tempo adequado à replicação viral, vai-se observar qual o número de culturas inoculadas que apresentam sinal de infecção (por pesquisa do ECP, por exemplo). O objectivo é identificar aquela diluição para a qual se conseguiu infec- tar metade das culturas inoculadas. Constrói-se assim uma tabela onde vão figurar o número de culturas infectadas e não infectadas para cada diluição, bem como os totais acumulados de cul- turas infectadas e não infectadas para uma das diluição (Tabela 1). Os cálculos a realizar, para se calcular a TCID 50 estão também esquema- tizados na Tabela 1. Este método é mais labo- rioso mas tem a vantagem de poder ser usado mesmo em vírus que não induzam a morte ce- lular, a qual, como foi referido, é a marca que, no método das placas nos permite quantificar o título da suspensão viral em estudo. 1.5.6. Linhas celulares susceptíveis No diagnóstico baseado no isolamento dos vírus in vitro, bem como na sua titulação, é importan- te a escolha das células sobre as quais se vai Vírus Exemplos de Células Susceptíveis Herpes Simplex (HSV) Vero, Hep-2 Varicela-Zona (VZV) Células diplóides humanas (HEK, HEL) Citomegalovirus (CMV Fibroblastos humanos (MRC-5 Adenovirus Hep-2, HEK Poliovirus MK, BGM, LLC-MK2, Vero Coxsackie B MK, BGM, LLC-MK2, Vero Echovirus MK, BGM, LLC-MK2 Influenza A e B MK, LLC.MK2, MDCK Parainfluenza MK, LLC-MK2 Papeira MK, LLC-MK2, HEK, Vero Respiratório Sincícial (RSV) Hep-2, Vero Rinovirus HEK, HEL Sarampo MK, HEK Rubéola Vero, RK13 Tabela 2- Exemplos de alguns vírus possíveis de serem isolados in vitro e algumas células usadas para o seu isolamento. 12 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira inocular a amostra. Na Tabela 2 apresentam-se alguns exemplos de linhas celulares possíveis de serem usadas para vários vírus. Quando o ví- rus é novo, ou seja em que a experiência é ainda restrita, deve-se seguir a norma de se utilizar in vitro as células mais prováveis de serem as células-alvo in vivo. Convém ainda realçar que, sempre que possível deverão ser usadas célu- las primárias ou secundárias, pois são essas as que mais próximas estão da situação in vivo. 2- Detecção de anticor- pos específicos (serolo- gia) O diagnóstico baseado na detecção de anticor- pos específicos, constitui a maioria dos ensaios de rotina em viroses humanas. Baseia-se no facto de, após a exposição a um antigénio, o sis- tema imunológico responder com a produção de anticorpos específicos para esse antigénio. Os primeiros anticorpos a aparecerem são da classe das IgM, seguidos dos anticorpos da classe IgG. No caso de uma reinfecção, o nível das IgM específicas poderá aumentar, enquan- to que as IgG aumentam significativamente. Existem vários tipos de técnicas serológicas. Nalgumas delas é possível descriminar a pre- sença de IgM e de IgG (caso das técnicas EIA e RIA), enquanto que noutras somente é possível avaliar a presença da totalidade dos anticorpos (fixação do complemento, inibição da hemaglu- tinação). De igual forma, a sensibilidade e espe- cificidade dos métodos varia significativamente. Assim os métodos EIA e RIA são em geral mais específicos e sensíveis do que as técnicas de fixação do complemento (FC) ou inibição da he- maglutinação (IHA). 2.1. Critérios para o diagnóstico duma primo-infecção Um aumento significativo do título de anti-• corpos específicos (IgG ou totais) entre uma amostra colhida durante a existência de sin- tomas (fase aguda) e a convalescença. Os principais problemas deste tipo de critério é a definição de subida significativa e o facto de ser um diagnóstico retrospectivo. Presença de IgM: é uma forma rápida • de detectar uma primo-infecção, no entan- to a detecção específica de IgM é por vezes difícil de se conseguir devido a reacções cruzadas/interferência (factor reumatói- de), presença de IgM devido a reinfecções e ainda devido à persistência das IgM vários meses/anos após a infecção primária. Seroconversão: definida como sendo a • evolução duma situação de ausência de anti- corpos para uma outra onde esses anticor- pos passam a estar presentes. Uma única amostra com título elevado • de IgG (ou anticorpos totais): método muito pouco fiável pois não permite confirmar se se trata duma infecção primária, reinfecção ou vacinação. 2.2- Critérios para o diagnóstico duma reinfecção/reactivação Na maior parte dos casos é difícil de distinguir uma reinfecção de uma reactivação, e, em certas circunstâncias, estas de uma infecção primária. Embora seja verdade que em muitos casos não é primordial distinguir uma primo- infecção de uma reinfecção, outros há em que essa distinção é fundamental. É o caso da infec- ção pelo vírus da rubéola (ver capítulo referen- te ao diagnóstico por este vírus mais adiante) durante o primeiro trimestre da gravidez, onde uma primo-infecção está associada a um alto risco de mal-formações enquanto que a reinfec- Figura 10- Evolução dos níveis de anticorpos em consequência de uma primo-infecção e rein- fecção. De notar que, na reinfecção, as IgM podem estar ausentes ou presentes transito- riamente a baixas concentrações. 13 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira ção não está. Em geral, durante a reinfecção/reactivação, ocorre um aumento rápido dos níveis de IgG com ausência, ou presença de níveis muito bai- xos, de IgM (Figura 10). 2.3- Limitações do diagnóstico seroló- gico A utilidade do diagnóstico serológico vai depen- der do vírus em questão. Assim: Para vírus como os da rubéola ou da he-• patite A, o aparecimento dos sinais clínicos coincide com o desenvolvimento de anticor- pos. Desta forma, a detecção de IgM ou títu- los de IgG aumentados no soro do indivíduo, indica uma infecção activa Noutros casos, no entanto, os sinais clí-• nicos surgem antes do aparecimento dos anticorpos. É o caso dos vírus responsáveis por infecções respiratórias ou por diarreias. Nestes casos, o diagnóstico serológico será sempre retrospectivo e por isso sem inte- resse prático. Outros vírus provocam o aparecimento • de manifestações clínicas muitos meses/ anos após a seroconversão. Servem de exemplos para esta situação o HIV e o vírus da raiva. Nestes casos a simples presença de anticorpos é suficiente para fazer um diagnóstico definitivo, excepto nas situações em que esses anticorpos possam ter sido transmitidos passivamente (caso da trans- missão vertical do HIV). Em casos de infecções localizadas, como • por exemplo as lesões herpéticas a nível la- bial ou genital, podem não induzir uma res- posta humoral significativa Ocorrência de reacções cruzadas entre • vírus devidas a identidades antigénicas (por exº: HSV/VZV) que podem levar a falsos re- sultados positivos Ocorrência de falsos positivos devido a • anticorpos interferentes: frequente em do- entes com Lupus Eritematoso disseminado ou com mononucleose infecciosa. Indivíduos imunodeficientes podem ter • uma resposta humoral ausente ou muito reduzida. Em indivíduos que sofreram transfusões • de sangue, podem existir anticorpos devido à transferência passiva desses anticorpos a partir do dador. 2.4- Presença de anticorpos no LCR Numa pessoa saudável, poucos ou nenhuns an- ticorpos devem ser detectados no LCR. Em situ- ações de meningite ou encefalite, poderão ser produzidos anticorpos específicos do vírus em causa. A presença de anticorpos no LCR diz-se que é significativa quando a razão entre o título deanticorpos no soro e no LCR é inferior a 100. No entanto, isto só é verdade se a barreira he- mato-encefálica estiver intacta (o que frequen- temente deixa de ser verdade numa meningite ou encefalite). Caso contrário os anticorpos do soro podem passar facilmente para o LCR. O mesmo se passa quando a colheita do fluido espinal tiver sido feita com a ocorrência de he- morragia. Nesse caso o LCR virá contaminado com sangue, o que invalida a interpretação da razão de anticorpos sangue/LCR. Uma forma de comprovar a não contaminação do LCR com sangue (seja por compromisso da barreira he- mato-encefálica, seja por má colheita) é pesqui- sar, no LCR, a presença de anticorpos específi- cos para um vírus para o qual toda a população tenha sido vacinada (papeira, sarampo, rubéo- la...). Caso não tenha havido contaminação com sangue, a presença de anticorpos no LCR será muito baixa ou nula. 2.5- Testes usados na detecção de an- ticorpos específicos 2.5.1- Reacção de fixação do complemento (RFC) A RFC é um testes simples, rápido e que exige pouco equipamento e reagentes. A sua utiliza- ção é cada vez menor, tendo gradualmente sido substituído por testes mais sensíveis e específi- cos (EIA e RIA). Este teste consiste em duas re- acções antigénio-anticorpo (Ag-Ac) sucessivas, uma das quais (a segunda) serve de teste indi- cador. A primeira reacção, entre um antigénio viral conhecido e titulado e o soro em estudo, ocorre na presença de uma quantidade pré-de- terminada de complemento. Este complemento 14 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira irá ser removida ou “fixada” pelo complexo Ag- Ac eventualmente formado. A segunda reacção Ag-Ac consiste na junção de hemácias de car- neiro e hemolisina (também esta previamente titulada). Quando este sistema indicador é adi- cionado à primeira reacção, as hemácias serão lisadas somente na presença de complemento livre (não “fixado” pela primeira reacção Ag-Ac. Desta forma indirecta ficamos a saber se na amostra de soro em estudo existiam Ac espe- cíficos do Ag usado. Exige a titulação prévia do antigénio, complemento e hemolisina usados. 2.5.2- Reacção de inibição da hemaglutinação (IHA) Vários vírus possuem a capacidade de aglutinar hemácias de algumas espécies de mamíferos e de aves (Fig. 11). A espécie cujas hemácias são aglutinadas depende do vírus. Exemplos de vírus que possuem hemaglutininas são: influen- za, parainfluenza, adenovirus, rubéola, flavivirus, e algumas estirpes de picornavirus. O princípio deste teste baseia-se no facto de, caso existam Ac específicos do vírus em estudo (com capa- cidade hemaglutinante), estes Ac irão impedir a hemaglutinação por parte do Ag. Tal como a RFC, a IHA é um teste simples e que requer muito pouco equipamento/reagentes. É mais sensível que a RFC mas menos do que o EIA ou o RIA. Diluições sucessivas do soro em estudo (1:10, 1:20, 1:40, 1:80, ...) são postas em con- tacto com uma quantidade constante e pré-de- terminada de hemaglutinina viral. Em seguida é adicionada uma suspensão de hemácias. Caso existam Ac no soro em estudo, estes irão ligar- se ao Ag específico (com capacidade hemaglu- tinante), impedindo que este aglutine as hemá- cias presentes. Uma vez que este ensaio envolve a diluição sucessiva do soro, permite quantificar qual a maior diluição, desse mesmo soro, para a qual ainda se verificou a inibição da hemaglu- tinação. O inverso dessa diluição corresponde ao título de anticorpos específicos para o vírus Figura 12- Microplaca de um ensaio de ELISA: as cúpulas coradas indicam reacções positivas; as incolores revelam a ausência de anticorpos nas amostras testadas. Figura 11- Reacção de hemaglutinação. Na au- sência de hemaglutininas livres, as hemácias sedimentam no fundo da microplaca. Caso es- sas hemaglutininas estejam presentes, irão aglutinar as hemácias impedindo a formação do “botão” devido à sua sedimentação 15 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira em estudo (exº: maior diluição=1:160, logo o título=160). 2.5.3- Métodos imunoenzimáticos (EIA) e imu- no-radioactivos (RIA) Baseiam-se na formação de complexos Ag-Ac e posterior detecção destes complexos pela adição de um segundo Ac marcado enzimati- camente (EIA) ou radioactivamente (RIA). No segundo caso, quanto maior o número de com- plexos Ag-Ac formados maior a quantidade de radioactividade presente. No primeiro caso, a quantidade destes imuno-complexos irá deter- minar a quantidade de enzima presente e esta por sua vez irá degradar em maior quantidade o substracto adequado, entretanto adicionado à reacção, donde resulta um composto corado. Assim, quanto maior a intensi dade da colora- ção, maior a quantidade de enzima e, portanto, maior a quantidade de complexo Ag-Ac forma- dos no início (Fig 12). Os métodos EIA e RIA apresentam maior sensi- bilidade, maior especificidade e são mais práti- cos de executar, tendo ainda a vantagem de se- rem automatizáveis, com benefícios em termos de diminuição de erros de execução, de maior objectividade e rapidez e de permitir uma me- lhor organização do laboratório. 3- Cultura de células eucariotas As culturas celulares em virologia são funda- mentais, na medida em que permitem a multi- plicação in vitro dos vírus presentes nas amos- tras biológicas. São, por isso, um elemento fundamental em todos as técnicas virológicas que envolvam o isolamento (no diagnóstico das infecções virais) ou a propagação (estudos de caracterização fenotípica) de vírus. Tratando-se de vírus causadores de patologias no ser humano, as células a utilizar têm de ser necessariamente eucariotas (os fagos multi- plicam-se em células procariotas). As células eucariotas são muito mais difíceis de manter em cultura do que as células procariotas. Elas exigem meios de cultura muito ricos e são, por isso, muito susceptíveis à contaminação por mi- croorganismos como as bactérias e fungos. Duma forma simples, podemos distinguir as culturas celulares de três formas: pela forma como se propagam in vitro, conforme a sua morfologia e consoante o tipo de células. 1- Quanto à forma de propagação, as culturas celulares podem-se classificar em: Culturas em suspensão: as células cres-• cem sem estarem aderentes entre si ou ao suporte sólido (paredes interiores do frasco de cultura ou outro recipiente onde estejam a ser cultivadas) Culturas em monocamada: crescem • aderindo ao suporte sólido e entre si. Estas células necessitam, para serem transferi- das para outro suporte sólido, de serem dis- sociadas entre si e do suporte sólido onde se fixaram. Os métodos de dissociação se- rão referidos mais adiante. 2- Quanto à sua morfologia as células podem-se classificar em: Epiteliais: com morfologia poligonal• Fibroblásticas: com morfologia fina e • alongada Outras: com outros tipos de morfologias • (células sanguíneas, nervosas, musculares, etc.) Figura 13- Células MRC5; fibroblastos de pulmão hu- mano; são usadas para, por exemplo, isolar e propagar o CMV 16 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 3- Quanto ao tipo de células as culturas celula- res podem-se classificar em: Células primárias: constituem o melhor • sistema celular uma vez que permitem a re- plicação de um maior número de vírus e são aquelas que mais se assemelham às células in vivo, constituindo, por isso, o modelo mais próximo desse sistema. São células normais, obtidas directamente de animais. Permitem um número muito limitado de passagens (1 a 2). Têm inibição de contacto: uma vez justapostas, param de se dividir. Para além disso são difíceis de manter em quantidade suficiente. Exemplos de culturas de células primárias: linfócitos humanos. Células secundárias: São obtidas ori-• ginalmente a partir de um dador animal e, se as condições de cultura forem as ideais, podem-se dividir e crescer durante algum tempo in vitro (entre 50-100 gerações ou passagens). No entanto, elas não têm a ca- pacidade de se dividirem e crescer indefini-damente e eventualmente, ao fim de algum tempo, as suas características alteram-se e acabam por entrar em senescência e morrem. Os factores que controlam a ca- pacidade de propagação destas células in vitro estão relacionados com o grau de di- ferenciação das células - em geral, as célu- las mais diferenciadas são mais difíceis de manter em cultura do que as células menos diferenciadas (menos especializadas). Exem- plo de cultura de células secundárias: célu- las MRC5 (Fig 13) - fibroblastos humanos obtidos a partir do pulmão e que em geral conseguem atingir as 60-70 gerações. Células contínuas: Também denomina-• das (erradamente) de células imortalizadas, as células contínuas têm a capacidade de crescerem indefinidamente in vitro, desde que as condições de cultura sejam as ade- quadas. Também são denominadas células transformadas uma vez que as suas carac- terísticas fisiológicas normais foram altera- das. Em geral são obtidas a partir de tecidos neoplásicos (cancros, linfomas, leucemias) ou, alternativamente, são o resultado da transformação in vitro de células normais através, por exemplo, da infecção com ví- rus com capacidade transformante (EBV, HHV-8, HTLV, etc). Estas células caracteri- zam-se por, em geral, terem perdido a “ini- bição por contacto”, isto é, quando duas células adjacentes se tocam, continuam a dividir-se, ao contrário do que acontece nas células normais em que esse facto sinaliza as células para pararem de se dividir. As cé- lulas HeLa (Fig. 14) são um exemplo de cé- lulas contínuas. Estas são células epiteliais obtidas dum carcinoma do colo do útero e estão infectadas com o vírus do papiloma humano tipo 18 (HPV 18). Figura 14- Células HeLa; células epiteliais obtidas a partir dum carcinoma do colo do úte- ro; são usadas, nomeadamente, no isolamento e propagação do HSV 17 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 1- Características gerais A infecção pelos vírus Herpes simplex (HSV) é das infecções virais de maior prevalência na po- pulação mundial. Existem dois serotipos: HSV-1 e HSV-2. São vírus com genoma DNA, da famí- lia Herpesviridae, possuindo cerca de 50% de homologia na sua sequência nucleotídica. Esta identidade leva à ocorrência de reacções cru- zadas entre os dois tipos de antigénios. Apesar disso, é possível identificar e diferenciar os dois serotipos recorrendo a técnicas de detecção de anticorpos (no soro ou plasma) ou de anti- génios (directamente nas células de lesões her- péticas). A transmissão ocorre por contacto com as mu- cosas infectadas, principalmente se existirem escoriações ou quebras de continuidade da pele e mucosas, durante as relações sexuais e durante o parto. A disseminação do vírus ocor- re por migração centrífuga das partículas vi- rais através dos nervos sensoriais periféricos. Na porta de entrada, na derme e na epiderme, ocorre o processo de replicação, e as partícu- las virais são transportadas pela terminação nervosa até ao núcleo dos neurónios sensitivos. Conhece-se menos a sucessão de eventos a partir desse ponto. Em alguns casos, ocorre a infecção com replicação viral e morte celular. Em outros, o vírus fica em estado de latência (Fig. 15). Os factores envolvidos nos mecanis- mos de persistência do HSV e a sua reactiva- ção periódica permanecem por esclarecer. Figura 15- Latência ao nível dos gânglios ner- vosos do trigemio, associada à infecção oro- labial pelo HSV Após o primeiro contacto com o HSV (primo- infecção), podem surgir sinais e sintomas envolvendo lesões nas mucosas. A duração dos sintomas, a infecciosidade das lesões e a possibilidade de complicações durante a pri- mo-infecção é maior do que nos episódios de Figura 16- Exemplo de lesão oro-labial causada por HSV-1 Figura 17- Exemplo de lesões vulvares causadas pelo HSV-2 II- Diagnóstico da Infecção por HSV Figura 16- Exemplo de lesão oro-labial causa- da por HSV-1 Figura 17- Exemplo de lesões vulvares causa- das pelo HSV-2 18 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira reactivação. A gengivoestomatite aguda é a ma- nifestação mais comum das primo-infecções, as quais ocorrem mais frequentemente entre 1 e 4 anos de idade. O herpes labial e as úlceras da córnea (queratites herpéticas) são as manifes- tações clínicas mais frequentes nos casos de reactivação. As manifestações clínicas e a evolução da in- fecção dependem da idade, da localização, do estado imunológico do paciente e do tipo anti- génico do vírus. A exposição ao sol (luz ultravio- leta), a imunossupressão e traumas cutâneos podem levar à reactivação. Ocasionalmente, várias estirpes do mesmo subtipo viral podem ser detectadas num mesmo paciente, princi- palmente nos imunodeficientes (doentes com SIDA ou transplantados). Este facto sugere a possibilidade de poder haver infecção exógena por diferentes estirpes virais. A infecção pelo HSV tipo 1 (HSV-1) é, em ge- ral, adquirida mais cedo do que a do tipo 2 (HSV-2). Cerca de 90% dos adultos com idade de 50 anos, apresenta anticorpos contra HSV-1. Nas populações socio-económicas mais desfavore- cidas, esta percentagem é encontrada na fai- xa etária dos 30 anos. Os anticorpos contra o HSV-2 não são normalmente detectados até a puberdade. As taxas de prevalência desses anticorpos correlacionam-se com o início da Figura 18- Esquema das possíveis localizações e manifestações clínicas das infecções pelo HSV-1 e HSV-2 vida sexual activa, o que distingue este vírus do HSV-1. A percentagem de indivíduos com anti- corpos para o HSV-2 aumentou 30 pontos nos últimos 12 anos nos Estados Unidos. Numa avaliação obstétrica, 25% da população estu- dada tinham anticorpos para o HSV-2; destes, apenas 10% apresentavam história clínica de lesões genitais. Cerca de 50% dos adultos he- terossexuais, com vida sexual activa, apresenta anticorpos positivos, sendo a taxa 5% maior en- tre as mulheres. O HSV tipo 1 está associado a uma variedade de infecções envolvendo lesões mucocutâneas orolabiais (Fig. 16), oftálmicas, meningoencefá- licas, podendo eventualmente causar lesões vis- cerais e genitais, enquanto o HSV tipo 2 (HSV2) está associado a infecções genitais sexualmen- te adquiridas (Fig. 17). Ambos os tipos podem causar lesões nas diferentes localizações, e os sinais clínicos são idênticos (Fig. 18). Tanto o HSV-1 como o HSV-2 podem ser respon- sáveis por lesões mucocutâneas primárias em qualquer localização. A duração e a intensidade da infecção não dependem do serotipo envolvi- do. No entanto, o tipo de vírus e a localização da primo-infecção podem afectar a frequência e a probabilidade das recidivas. Estudos recen- tes demonstram que tanto a frequência como a probabilidade são maiores quando a infecção é causada pelo HSV-2. A infecção genital por Figura 18- Esquema das possíveis localizações e manifestações clínicas das infecções pelo HSV-1 e HSV-2 19 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira HSV-2 ocorre com uma frequência oito a dez vezes maior que a infecção genital por HSV-1. Por outro lado, a infecção oral-labial por HSV-1 ocorre mais frequentemente do que a infecção oral-labial por HSV-2. A probabilidade de reacti- vação da infecção causada pelo HSV-2 é duas vezes maior. Em indivíduos imunocompetentes, a infecção limita-se às localizações mucocutanêas e aos gânglios sensoriais. Em indivíduos imunodefi- cientes, as lesões causadas tanto pela primo- infecção como pelas reactivações tendem a ser mais extensas e a persistir por muito mais tem- po do que nos indivíduos imunocompetentes. Nesses pacientes, o quadro é grave, geralmen- te com comprometimento esofágico, pneumoni- te intersticial e infecção disseminada com com- prometimento visceral. A infecção pelo HSV-2 é um tipo de infecção oportunista importante em indivíduos infectados pelo HIV. Calcula-se que até 90% desses indivíduos estejam coinfecta- dos com o HSV-2. Num pequeno número de casos, a infecção pelo HSV pode levar a uma encefalite viral com danos neurológicos severos.O HSV, principal- mente o do tipo 1, pode causar encefalite em adultos pela reactivação dos vírus latentes. As infecções mais agressivas, com risco de vida, são a perinatal e as que ocorrem em indivídu- os imunodeficientes, em particular os doentes com SIDA. Existem dados que demonstram que os pacien- tes que apresentam uma infecção primária mais agressiva e não tratada têm índices mais elevados de recorrência a longo prazo. As respostas imunológicas, humorais e celula- res manifestam-se nas primeiras semanas e persistem por toda a vida. Embora não possu- am capacidade neutralizante, induzem o apare- cimento de manifestações clínicas mais atenua- das e apresentam reacções cruzadas entre os dois subtipos. 2- Diagnóstico O isolamento viral em cultura de células eucario- tas é o método de referência para o diagnóstico e tipagem do HSV. O HSV pode ser detectado em cultura 2 a 8 dias após inoculação, mas, em vários casos, como nos de baixos títulos virais, convalescença das lesões ou lesões atípicas, o vírus pode não ser isolado. A sensibilidade do isolamento do HSV em cultura de células é de aproximadamente 105 partículas virais por mL. A detecção é em geral conseguida pela visuali- zação do ECP característico: arredondamento das células e formação de sincícios e ainda, após coloração com hematoxilina-eosina, pelo aparecimento de células apresentando uma in- clusão eosinófila intra-nuclear (Fig. 19). Actualmente, a reacção em cadeia da poli- merase (PCR) é o método mais sensível para o diagnóstico da infecção por HSV (Fig. 20). É altamente sensível (até 5 viriões por amostra), específica (98-100%), e pode identificar o genó- tipo e ainda permitir a quantificação viral. O PCR Figura 19- Exemplos de ECP induzido pelo HSV in vitro Figura 19- Exemplos de ECP induzido pelo HSV in vitro 20 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira quantitativo pode ser útil para a monitorização da resposta à terapia antiviral. Além disso, o ensaio realizado por PCR, permite o diagnóstico utilizando-se diferentes amostras como sangue, LCR, líquido amniótico e sangue fetal. O líquido amniótico poderá ser colhido a partir da 12ª semana até o final da gestação. No en- tanto, a altura ideal situa-se entre a 14ª e a 16ª semana. Em relação ao sangue fetal a altura Figura 20- Esquema da reacção de PCRFigura 20- Esquema da reacção de PCR ideal para essa colheita situa-se entre 18ª e a 22ª semana de gestação. Em alternativa, o diagnóstico das infecções por HSV pode ser feito recorrendo à técnica de imunofluorescência (Fig. 21 e Fig. 1 da pá- gina 3). Esta técnica é sensível e específica uma vez que se utilizam anticorpos monoclo- nais dirigidos para o HSV-1 e HSV-2. Esses anticorpos são marcados com um fluorocro- mo (FITC - isotiocianato de fluoresceína, por exemplo). Caso as células colhidas a partir da lesão estejam infectadas, vão expressar an- tigénios virais que serão reconhecidos pelos respectivos anticorpos marcados. Assim, as células infectadas irão apresentar fluorescên- cia enquanto que as não infectadas manter- se-ão não fluorescentes (Fig. 21). Esta técnica exige no entanto um particular cuidado na obtenção da amostra, uma vez que o que se pretende obter nessa amostra são células da base da lesão. É por isso ne- cessário retirar previamente, com uma zaragatoa de algodão, os possíveis “contaminantes” e só depois proceder à co- lheita de células da lesão propriamente dita com o recurso a uma zaragatoa abrasiva (em plástico com reentrâncias). Este cuida- do na colheita é particularmente importante em lesões situadas no colo do útero, onde as células de descamação e outras, devem ser cuidadosamente retiradas, antes da colheita, por forma a evitar-se os resultados falsamen- te negativos (devidos à má colheita). Figura 21- Imunofluorescência em células não infectadas (esquerda) e infectadas pelo HSV-1 (direita). Fluorocromo usado: FITC; a cor vermelha das células não infectadas deve-se ao uso do contra-corante, azul de Evans Figura 21- Imunofluorescência em células não infectadas (esquerda) e infectadas pelo HSV-1 (direi- ta). Fluorocromo usado: FITC; a cor vermelha das células não infectadas deve-se ao uso do contra- corante, azul de Evans 21 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 1- Características O CMV pertence à família Herpesviridae, sub-fa- mília Betaherpesvirinae, podendo ser também denominado por HHV-5. Encontra-se largamen- te distribuído na espécie humana. Dados dos EUA apontam para que 50-80% da população, com mais de 40 anos, possua anticorpos para este vírus. A sua prevalência é maior quanto mais baixo for o nível sócio-económico das po- pulações. A transmissão ocorre por via vertical (durante a gestação, no trabalho de parto ou no aleita- mento), ou por contacto com líquidos biológicos onde o vírus pode estar presente, nomeada- mente: urina, saliva, sangue, sémen e fluidos va- ginais. Para além disso a transmissão também pode ocorrer em consequência de transfusões ou transplantes de órgãos (Fig. 22). Na maior parte dos casos, a infecção pelo CMV está associada à ausência de sintomatologia ou a situações benignas, podendo em alguns ca- sos ocorrer um síndroma mononucleósico com febre ou ainda hepatite. Após esta infecção primária, o vírus fica latente podendo sofrer re- activações ao longo da vida do hospedeiro. No entanto, em certos grupos de risco, a infecção urina, saliva in utero, parto, aleitamento, saliva esperma, fluidos vaginais, saliva mãe infantário criança adolescente adulto transfusão transplante urina, saliva relações sexuais Figura 22- Esquema das vias de transmissão da infecção pelo CMV pelo CMV pode tornar-se extremamente preo- cupante. Exemplos destes grupos são os imuno- deficientes e a mulher grávida, esta última pelo risco de poder transmitir a infecção ao feto. Durante a gravidez, o maior risco para o feto provém de uma primo-infecção (Fig. 23). Nas situações em que já tenha ocorrido uma infec- ção por CMV no passado (reactivações), o risco para o feto é praticamente nula. Ainda dentro da infecção mãe-filho, é de referir que o risco maior está associado à infecção congénita (ad- quirida durante a gestação). As infecções peri- natal (trabalho de parto) ou pós-natal (aleita- mento) estão, em geral. associadas a situações de muito menor gravidade para a criança. 2- Diagnóstico O diagnóstico da infecção pelo CMV é feito re- correndo a várias técnicas: Detecção de anticorpos por reacção • imunoenzimática (ELISA) Detecção de antigénio viral (pp65) por • IF Cultura do vírus in vitro em fibroblastos • humanos Detecção do genoma viral por PCR• III- Diagnóstico da Infecção pelo citomegalovirus (CMV) 22 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira A detecção de anticorpos pode ser feita quer para as IgG quer para as IgM. A detecção de IgM é em geral problemática visto que podem ocorrer falsos positivos (devido por exemplo à presença de factor reumatóide) ou falsos nega- tivos. Por outro lado, as IgM podem manter-se em circulação por vários meses (anos, eventu- almente), podendo conduzir a falsas interpre- tações relativamente ao momento da primo- infecção. Há a acrescentar ainda o facto de, em alguns casos de reactivações, poderem surgir, de novo, IgM em circulação, conduzindo a falsas interpretações de primo-infecções. Por outro lado, a presença de IgG no recém nascido não tem qualquer significado, visto elas terem sido adquiridas passivamente a partir do sangue materno. Também nas crianças, a pes- quisa de IgM pode conduzir a interpretações erróneas, uma vez que a sua ausência pode ser somente devido à imaturidade do seu sistema imunológico e não à real ausência de uma pri- mo-infecção. Por tudo isto, o uso da detecção de anticorpos específicos para o CMV (IgG ou IgM) carece de uma cuidadosa interpretação. Mais recente- mente, a quantificação do grau de avidez das IgG revelou-se extremamente útil como auxiliar da interpretaçãodos dados serológicos uma vez que permite, com alguma segurança, des- criminar as infecções antigas (há mais de 3 meses) das mais recentes. Pode-se assim con- firmar, ou não, a existência de uma possível pri- mo-infecção recente, o que, a verificar-se numa mulher grávida, constitui um grave risco para o feto devido à possibilidade de ocorrer uma in- fecção congénita. No contexto do diagnóstico da infecção por CMV na mulher grávida, há dois pontos de ex- trema importância que convém aqui realçar: Somente a infecção congénita apresen-• ta um risco elevado para o recém-nascido Somente a primo-infecção apresenta ris-• co para o recém-nascido Daí que o intuito do diagnóstico vise, por um lado, averiguar da presença ou não de uma primo-infecção recente, e por outro, localizar a infecção durante o período de gestação ou fora dele. O diagnóstico de uma infecção pelo CMV pode ser feito: No período pré-natal (durante a gesta-• ção), recorrendo ao sangue da mulher grá- vida e pesquisando a presença de IgG e IgM. Pretende-se nesta fase identificar uma pos- sível infecção primária. Caso se suspeite de uma primo-infecção • pelo CMV, essa suspeita terá de ser confir- mada recorrendo ao Western-blot para as IgM e à avidez das IgG. No período pré-natal recorrendo à am-• niocentese para confirmar a infecção fetal, através da técnica de PCR ou cultura viral. De notar que, apesar de poder ter ocorri- Figura 23- Esquema mostrando as consequências de uma infecção primária na mulher grávida Infecção primária durante a gravidez 40% fetos infectados 60% fetos não infectados 10% recém-nascidos sintomáticos A maioria afectando o SNC, surdez, icterícia, trombocitopénia, hepatoesplenomegália 90% recém-nascidos assintomáticos; dos quais cerca de 10-20% apresentam surdez, atraso mental a médio prazo 23 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira do uma primo-infecção na grávida, isso não significa forçosamente que tenha havido in- fecção fetal (40% de possibilidades; ver Fig. 23). No período pós-natal precoce (até às 3 • semanas de vida do recém-nascido), recor- rendo ao sangue ou (mais frequentemente) à urina do recém-nascido. As técnicas neste caso serão a pesquisa de IgM no soro (pou- co sensível), ou de preferência a cultura viral ou PCR a partir das células do sedimento urinário. No período pós-natal tardio (após as 3 • semanas de vida), recorrendo às mesmas técnicas referidas anteriormente e, caso o resultado aponte para um infecção do recém-nascido, a pesquisa do genoma viral por PCR no sangue dos Guthrie Cards, com vista a distinguir uma eventual infecção con- génita de uma infecção adquirida após ou durante o parto. Assim e em esquema, com as possíveis inter- pretações (ver também as Figuras 24 e 25): A- Diagnóstico serológico pré-natal (também aplicável a outros grupos para além das mulhe- res grávidas); exemplos de situações prováveis: Urina Negativo Positivo Sem infecção por CMV Guthrie card - PCR Negativo Positivo Infecção perinatal Infecção congénita Figura 24- Esquema do procedimento a seguir no diagnóstico pós-natal, no caso da amostra ser co- lhida após as 3 primeiras semanas de vida IgM-/IgG+• IgM-/IgG-• IgM+/IgG- • IgM+/IgG+• B- Diagnóstico pós-natal Métodos Isolamento do vírus (método de referên-• cia) PCR• Amostra• Urina• Saliva• Sangue• Quando: nas 3 primeiras semanas de vida C- Diagnóstico pós-natal tardio (após as 3 se- manas de vida; Fig. 24) Amostra: Sangue (Guthrie cards)• Método: PCR (pesquisa de DNA viral)• Teste de avidez das IgG: O teste de avidez das IgG é usado, como já foi referido, para distinguir infecções que ocorre- ram à menos de 3 meses das que ocorreram há mais tempo. Baseia-se no facto de os anticor- 24 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira pos recentemente formados, terem uma me- nor afinidade para os respectivos antigénios, do que os que resultam de infecções mais antigas. Esta diferença de afinidade pode ser posta em evidência se, durante a incubação do soro com os antigénios da fase sólida, estiver presente um agente desnaturante (ureia, normalmen- te). A presença deste composto, irá dificultar a formação dos complexos antigénio-anticorpo, diminuindo a quantidade de complexos forma- dos. No final, devido à redução de anticorpo li- gado, o resultado da reacção colorimétrica (ou outra, consoante o formato do teste usado) virá significativamente menor, quando comparado com a mesma incubação feita na ausência de ureia. A razão do valor da reacção na presença da ureia, sobre o valor na ausência desta será, caso a avidez dos anticorpos seja baixa, signifi- cativamente inferior a 1 (na realidade será infe- rior a 0,65). Desta forma é possível identificar os soros provenientes de indivíduos que tiveram uma infecção recente dos que tiveram uma in- fecção há mais tempo. O recurso ao teste de avidez das IgG no caso do CMV (e em geral em todas as infecções virais) tem interesse sempre que os testes serológi- cos apresentem resultado positivo ou duvidoso para IgM, com a presença óbvia de IgG especí- ficas. Para além do CMV, existem outras infecções virais nas quais se torna importante determi- nar a avidez das IgG para identificar infecções recentes: Rubéola• VZV• HSV• HHV 6• Parvovirus B19• HCV• EBV• Vírus do Sarampo• Figura 25- Esquema do procedimento a ter no caso de uma amostra de uma grávida apresentar IgM positiva IgM positiva (desconhecimento do estado imunitário antes da gravidez) Avidez IgG Compatível com Infecção Primária Recente <0,6 >0,8 Semanas de gestação Western- blot IgM Compatível com Infecção antiga Provável Infecção Primária Recente Pos Neg 0,6- 0,8 >12 <12 Figura 25- Esquema do procedimento a ter no caso de uma amostra de uma grávida apresentar IgM positiva 25 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 1- Características O vírus da Rubéola pertence à família Togaviri- dae, género Rubivirus. É um vírus com invólucro e genoma RNA de cadeia simples, polaridade positiva. Transmite-se por gotículas de saliva ou pelas secreções naso-faríngeas. O indivíduo infecta- do é contagioso 8 dias antes a 8 dias após o início dos sinais clínicos. O período de incuba- ção é de 14-21 dias (média: 15 dias), durante o qual ocorre a virémia e a disseminação do vírus. Os sintomas que estão em geral associados a esta infecção consistem em: erupção máculo- papulosa generalizada (Fig. 26), aparecendo em primeiro lugar na face e alastrando para o tronco e membros; artralgias e lifoadenopatias acompanhadas de febre moderada. Após esta infecção inicial (infecção primária ou primo-infecção) surgem anticorpos protecto- res. Apesar disso, as situações de reinfecção podem ocorrer, sendo estas, no entanto, em geral assintomáticas. Devido à presença de sintomatologia inespecífi- ca ou, na maior parte dos casos, à ausência de sintomatologia, o diagnóstico da infecção pelo vírus da rubéola só pode ser feito recorrendo aos dados laboratoriais. Estes envolvem a de- tecção de anticorpos específicos (IgM e IgG), isolamento viral e detecção do genoma viral por RT-PCR. 2- Síndroma de Rubéola congénita Durante a virémia, o vírus da rubéola pode, numa mulher grávida, atravessar a placenta e causar infecção fetal. Esta infecção ocorre em pratica- mente todos os casos numa situação de primo- infecção materna durante o primeiro trimestre de gravidez. Os riscos para o feto advêm dos mecanismos patogénicos envolvidos na infec- ção por este vírus: morte celular, aberrações cromossomais e paragem do ciclo celular. Este conjunto de acontecimentos é particularmente gravoso durante a fase de embriogénese (pri- meiro trimestre de gravidez), levando ao apare- cimento de graves mal-formações. A partir do primeiro trimestre, o risco de mal-formações decresce significativamente. Perante este cenário, é fácil perceber que o principal objectivo no diagnóstico da infecção pelo vírus da rubéola é o de identificar primo- infecções namulher grávida e de as localizar no período de gestação: primeiro trimestre, vs. segundo ou terceiro trimestre. 3- Diagnóstico laborato- rial Testes serológicos A detecção de anticorpos específicos constitui a base do diagnóstico do vírus da rubéola. Uma infecção recente pelo vírus da rubéola pode ser identificada por: Figura 26- Apresentação típica da erupção máculo-papulosa característica da infecção pelo vírus da rubéola IV- Diagnóstico da Infecção pelo vírus da rubéola 26 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira Detecção de IgM específicas• Aumento do título de anticorpos nos en-• saios de ELISA ou de IHA (inibição de hema- glutinação) Seroconversão (ausência de anticorpos • na primeira amostra; presença de anticor- pos numa segunda amostra) A acompanhar os testes serológicos é funda- mental obter o máximo de informação relativa- mente à data e tempo da possível exposição ao agente viral, bem como a data de início dos sin- tomas (caso haja sintomatologia). Uma história de vacinação anterior para o vírus da rubéola ou de testes anteriormente feitos, são também auxiliares importantes na interpretação dos da- dos serológicos. A amostra de sangue deve ser colhida o mais cedo possível após o possível contágio, ou o mais precocemente possível após o inicio dos sintomas. Desta forma, por comparação com uma segunda amostra colhida numa altura ade- quada, será possível por em evidência uma subi- da do título de anticorpos em IHA ou em ELISA. Esta segunda amostra (S2) deverá ser colhida, regra geral, 15 dias após a primeira (S1). Em alternativa, caso S1 tenha sido colhida ainda durante o período de incubação (menos de 15 após o possível contágio), dever-se-à colher S2 15 dias depois do início dos sintomas (ou 15 dias após o final do período de incubação no caso de se tratar de uma infecção assintomá- tica). O soro S1 deve ainda ser colhido o mais preco- cemente possível a fim de se poder observar um aumento nítido do título e anticorpos no soro S2. De referir a propósito que o título má- ximo do anticorpos é atingido ao fim de 3 dias a 3 semanas após o início dos sintomas, depen- dendo do hospedeiro (Ver Anexo). A pesquisa de IgM é um dado importante na identificação de uma primo-infecção. A sua in- terpretação, no entanto, requer algumas caute- las, principalmente se não houver dados relati- vos a duas amostras espaçadas no tempo (S1 e S2). Assim, há que ter em conta os seguintes dados: A duração em circulação das IgM é, em • geral, entre a 3 e as 6 semanas após o início dos sintomas, após o qual tendem a desa- parecer A sua presença pode ser detectada em • situações de reinfecções, embora com ní- veis baixos e transitoriamente Podem perdurar em circulação para • além do tempo normal Por tudo isto é necessário por vezes recorrer a testes adicionais a fim de confirmar uma pri- mo-infecção recente. Uma vez mais, e tal como acontecia com o CMV, o teste da avidez das IgG pode ser extremamente útil, uma vez que nos irá permitir distinguir infecções antigas de infecções recentes (ver capítulo respeitante ao diagnóstico do CMV). Isolamento viral Esta técnica é usada normalmente nos casos de diagnóstico pós-natal de uma infecção pelo vírus da rubéola. Com ela é possível identificar infecções congénitas (adquiridas durante a ges- tação) e determinar a duração da excreção do vírus pelo recém-nascido. A amostra (zaragatoa naso-faríngea) é inoculada em células RK13 ou SIRC. Alternativamente, pode ser inoculada em células Vero seguida de passagem para RK13 ou SIRC. O ECP é lento a aparecer e pouco per- ceptível, pelo que a identificação do vírus em cul- tura é, em geral, feito recorrendo a técnica de IF ou de hemaglutinação. Diagnóstico da infecção congénita O diagnóstico de uma infecção adquirida duran- te a gestação é feito, no recém-nascido, por: Presença de IgM específica no sangue • do cordão ou no sangue do recém-nascido (a possibilidade de contaminação com san- gue materno tem de ser cuidadosamente excluída) Detecção de IgG para além do tempo • normal de duração dos anticorpos mater- nos (para além dos 6 meses) Isolamento viral• O diagnóstico de uma infecção congénita pode ser feito ainda durante o período pré-natal, re- correndo às seguintes técnicas: Pesquisa de IgM no sangue fetal. No en-• tanto o feto não produz IgM em quantidade suficiente para serem detectadas antes da 22ª semana de gestação 27 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira Isolamento do vírus da rubéola a partir do • líquido amniótico Detecção do genoma viral ou de proteí-• nas virais a partir do líquido amniótico. Perfil serológico duma infecção pelo vírus da rubéola Primo-infecção Reinfecção 28 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 1- Características O HBV é um vírus com invólucro pertencente à família Hepadnaviridae, com genoma DNA, par- cialmente bicatenário. A infecção por este vírus pode apresentar-se clinicamente de duas formas: infecção aguda (com ou sem sintomatologia) e infecção cróni- ca (com ou sem sintomatologia). Uma infecção aguda pode ou não evoluir para uma infecção crónica, dependendo do tipo de vírus e, princi- palmente, da resposta imunológica do hospe- deiro. A transmissão ocorre por contacto com fluidos biológicos, nomeadamente, sangue, es- perma, fluidos vaginais, saliva e leite materno. Após um período de incubação longo (45-180 dias; em média: 60-90), surgem os sintomas que incluem icterícia (Fig. 27), fadiga, dores abdominais, perda de apetite, náuseas e vómi- tos. Estes sintomas resultam da destruição dos hepatócitos infectados, mediada pela resposta imunológica do hospedeiro (reacção inflamató- ria e resposta por linfócitos T-citotóxicos). Esta resposta imunológica vai, na maioria dos casos, ser suficiente para a resolução da infecção com eliminação do agente viral, convalescença e cura. No entanto, em cerca de 10% dos ca- sos, a resposta imunológica é menos vigorosa, dando origem a sintomas mais atenuados, e favorecendo a manutenção da infecção. Nes- tas circunstâncias não se dá a eliminação viral, havendo lugar ao surgimento de uma infecção crónica no seguimento da infecção aguda não resolvida. Esta infecção crónica pode conduzir a uma situação de hepatite crónica que, por sua vez, pode conduzir a cirrose hepática e a carci- noma hepatocelular. 2- Diagnóstico da infec- ção pelo HBV Uma hepatite começa por ser diagnosticada clinica e bioquimicamente (aumento das tran- saminases e bilirrubina). No entanto, devido às várias causas possíveis para essa hepatite, somente através do diagnóstico laboratorial é possível identificar o agente causal e, no caso das infecções provocadas pelo HBV, distinguir infecções agudas de infecções crónicas. O diagnóstico laboratorial da infecção pelo HBV baseia-se na detecção serológica de antigénios virais e dos respectivos anticorpos, bem como do DNA viral (constituinte do genoma viral). Os antigénios que são possíveis de detectar em cir- culação são: AgHBe e AgHBs; por parte dos an- ticorpos podem-se detectar: anti-HBs, anti-HBe e anti-HBc, (IgG e IgM). Vejamos as principais características de cada um destes marcado- res: 1- AgHBs: antigénio de superfície do HBV Juntamente com o DNA viral, é o primei-• ro marcador da infecção a ser detectável (2-6 semanas antes dos sintomas) A sua presença, juntamente com o anti-• corpo anti-HBc, indica infecção activa A sua persistência em circulação por • Figura 27- Icterícia devida a hepatite provocada por infecção pelo HBV Figura 27- Icterícia devida a hepatite provoca- da por infecção pelo HBV V- Diagnóstico da Infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) 29 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira mais de 6 meses após o início dos sintomas, indica uma infecção crónica Em contrapartida, a sua desaparição do • soro sugere a resolução da infecção com a consequente convalescença e cura. Esta desaparição ocorre, em geral, ao fim de 4-6 meses após o aparecimentodos sintomas e é seguida, após algumas semanas (por ve- zes meses), pelo aparecimento em circula- ção do respectivo anticorpo (anti-HBs). É produzido em grande quantidade, po-• dendo por isso existir em circulação não as- sociado a partículas virais. 2- AgHBe: antigénio de replicação viral É considerado um marcador de replica-• ção e de infecciosidade do HBV, indicando, a sua presença no soro, que se trata de uma hepatite activa Ag HBs Ag HBe Anti- HBc IgM Anti- HBc IgG Anti- HBe Anti- HBs DNA- HBV Interpretação + -/+ - - - - + Fase de incubação + + + + - - + Fase aguda + + - + -/+ - + Infecção crónica c/ replicação viral + - - + -/+ - + Infecção crónica c/ replicação viral (“mutantes do pré-core”)* + - - + -/+ - - Infecção crónica s/ replicação viral (portador assintomático) - - - + +/- - - Período de “janela” ou anti-HBs com título baixo - - - + +/- + - Imunidade após infecção pelo HBV - - - - - + - Imunidade após vacinação - - - - - - - Ausência de contacto prévio A sua presença está geralmente asso-• ciada com a detecção de DNA viral no soro. Aparece em circulação pouco tempo • após o aparecimento do AgHBs, e normal- mente antes do aparecimento dos sinto- mas. No caso de infecção aguda com reso-• lução, desaparece de circulação antes do AgHBs, dando-se a seroconversão para anti-HBe. Deriva do AgHBc por modificações pós-• tradução Nos indivíduos infectados por vírus com • mutações na região promotora do gene core e pré-core (denominados “mutantes do pré-core”), o AgHBe pode não ser detectado em circulação Tabela 3- Interpretação dos marcadores serológicos da infecção pelo HBV * Estes mutantes poderão prevalecer no início da infecção (estirpe infectante), ou serem seleccio- nados no decurso da infecção. Têm sido associados a situações mais graves como hepatites fulminan- tes, uma taxa mais elevada de cirrose e reactivações mais frequentes ao longo da infecção crónica. 30 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira Soro AgHBs Anti- HBc Anti- HBc Anti- HBs Anti- HBs Susceptível Imune devido a vacinação** Quatro interpretações possíveis* Imune devido a infecção natural Período de incubação Anti- HBc IgM Anti- HBs - Anti- HBs - Infecção crónica Infecção aguda Neg Neg Neg Neg Neg Neg Pos Pos Pos Pos Pos Pos * Convalescença de uma infecção aguda (período de janela); Infecção antiga (a sensibilidade do tes- te não é suficiente para detectar as baixas concentrações de anti-HBs); Susceptível (falso positivo para anti-HBc); Infecção crónica (níveis indetectáveis de AgHBs). ** Níveis protectores de anti-HBs pressupõem um título ≥ 10 mU/ml. O teste pós-vacinação deve ser efectuado 1-2 meses após a última (3ª) dose da vacina. Figura 28- Algoritmo do diagnóstico da infecção pelo HBV 31 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 3- AgHBc: antigénio do “core” É um antigénio intracelular que é detec-• tado nos hepatócitos infectados mas não no soro 4- Anti-HBs: anticorpo específico do AgHBs Marca a recuperação e resolução da in-• fecção pelo HBV, podendo persistir por toda a vida, conferindo imunidade protectora. Em cerca de 10% dos pacientes com he-• patite aguda pelo HBV não se desenvolve o anti-HBs (infecções crónicas) Pode coexistir com o AgHBs em situa-• ções excepcionais onde tenha havido lugar a sobre-infecção por subtipos diferentes de vírus. Deve estar presente após vacinação efi-• caz. 5- Anti-HBc: anticorpo específico do AgHBc IgM Predomina durante a fase aguda da in-• fecção É o primeiro anticorpo a ser detectado• Surge cerca de 1 mês após o apareci-• mento do AgHBs, desaparecendo, em geral, ao fim de 6 meses. Em geral a sua detecção significa uma • infecção aguda pelo HBV Pode, no entanto, persistir, em baixos tí-• tulos, nas infecções crónicas. IgG Não é indicador de imunidade, nem é in-• duzido pela vacinação Pode aparecer isoladamente durante o • período de “janela”, quando o AgHBs já não é detectado e o anti-HBs ainda não apareceu. Em certas circunstâncias pode ainda • surgir isoladamente muitos anos após a in- fecção crónica pelo HBV (quando o anti-HBs tem níveis indetectáveis) ou durante a infec- ção crónica quando o AgHBs apresente ní- veis abaixo do limite de detecção. 6- Anti-HBe: anticorpo específico do AgHBe Surge em circulação, nos casos de reso-• lução da infecção, antes do anti-HBs Pode persistir durante anos após a reso-• lução de uma infecção aguda por HBV Normalmente vem associado ao declínio • da infecciosidade e o seu aparecimento ge- ralmente corresponde à resolução da infec- ção activa 7- DNA-HBV: genoma do HBV Aparece no soro ao mesmo tempo ou • ligeiramente antes do AgHBs É o indicador mais sensível da replicação • viral activa Os doentes AgHBe+ são, por regra, po-• sitivos para o DNA-HBV, excepto os “mutan- tes do pré-core” que não possuem AgHBe Desaparece nos casos de infecção resol-• vida (auto-limitada). A tabela 3, apesar de não ser exaustiva em to- das as circunstâncias que podem estar envolvi- das numa infecção pelo HBV, dá uma ideia da complexidade de interpretação dos dados sero- lógicos resultantes de uma infecção pelo HBV. No entanto, a maioria dos casos de diagnóstico, poderão ser interpretados usando um algorit- mo mais simplificado (Fig. 28). Este algoritmo, convém realçar, não substitui a tabela anterior. Ver ainda o esquema duma infecção aguda e duma infecção crónica na secção Anexos. Definições de alguns termos usados na infec- ção pelo HBV: Hepatite B crónica: doença necro-infla-• matória crónica do fígado causada por uma infecção persistente pelo HBV. Esta hepatite crónica pode ser AgHBe+ ou AgHBe- Portador assintomático: Infecção persis-• tente do fígado pelo HBV sem doença ne- cro-inflamatória significativa associada. Têm AgHBs+ e AgHBe-. Hepatite B resolvida: também denomina-• da hepatite auto-limitada, indica a existência de uma infecção prévia pelo HBV sem evi- dência, no presente, de sinais virológicos, bioquímicos ou histológicos de infecção. 32 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 1- Características O vírus da imunodeficiência humana (HIV) per- tence à família Retroviridae, sub-família Ortho- retrovirinae e ao género Lentivirus. Existem dois tipos, HIV-1 e HIV-2, e são ambos os agentes causais do síndroma de imunodeficiência adqui- rida (SIDA). A estrutura da partícula viral (Fig. 29) revela a presença de um invólucro de natureza lipídica, onde se inserem duas proteínas de origem viral: a glicoproteína de superfície (SU) e a glicoprote- ína transmembranar (TM). A sua cápside tem um formato cónico, contendo no seu interior as duas moléculas de RNA genómico e várias enzi- mas necessárias ao ciclo replicativo viral, nome- adamente a retrotranscriptase (RT). Esta DNA polimerase RNA-dependente é característica de todos os retrovírus e sintetiza uma cadeia de DNA a partir de um molde de RNA. Figura 29- Esquema da partícula viral do HIV 2- Organização genómica A sua estrutura genómica (Fig. 30) revela uma organização complexa, com três genes estru- turais - gag, pol e env - que codificam para as proteínas que constituem a partícula viral. Para além destes, o genoma do HIV possui mais 6 genes, ditos reguladores ou acessórios, que codificam para proteínas importantes no ciclo replicativo viral: vif, vpr, vpu (só no HIV-1), vpx (só no HIV-2), tat, rev e nef. Finalmente, o geno- ma proviral é ainda composto por duas regiões não codificantes, iguais entre si, localizadas nas duas extremidades desse mesmo genoma. Es- sas regiões, denominadas LTR (Long Terminal Repeat), contêm, entre outros elementos, as regiões de ligação de factores de activação ce- lulares e virais, funcionando como regiões pro- motoras. VI- Diagnóstico da Infecção pelo HIV Figura 29- Esquema da partícula viral do HIV 33 Práticas de Virologia J. Miguel Azevedo Pereira 3- Ciclo replicativo Durante o seu ciclo replicativo, o HIV infecta cé- lulas que possuam na sua
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