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l II paborges Caixa de texto paborges Caixa de texto \Qr ': sEMANT [0 flGtlNTEGIMENTtl Um Estudo Enunclatluo da [esrliuacão Eduardo Guimaráes tri r T J¡ É. 1\. /'å$s p*4 we ,# èpEDALUS-Acervo-FE ililil lil ilIilil til til ilil flil til til Iilil til til þ tl I 2" EÞIçAO flIr20500076472 \ 71052 paborges Caixa de texto .4 30/11/11 R$10,87 Copyright @ Eduardo Guimarães Indices para catálogo sistemático: PONTES EDITORES |1 P. Arlindo Joaquim de Lemos, 133313100-451 Campinas Sp Brasil Fone (19) 3252.6011 Fax (19)32s3.0769 ponteseditores@ponteseditores. com. br 2005 Impresso no Brasil Ernesto Guimarães Capa: Eckel Wayne sores da pontes Editores Dados Internacionais de Catatogação na publicação (CIp) Câmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil Guimarães, Eduardo Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo da designação / Eduardo Guimarães _ Curnpinu., õp ,Pontes, 2" edição, 2005. Bibliografia. ISBN 85-71 I3_161_9 l. Lingüistica 2. Nomes de rua 3. Nomes geográficos 4. Nomes pessoais 5. porruguês _ semântica i. iit"l" 02-007 5 cDD-469.2 SUMARIO APRESENTAÇÃO ..... TNTRODUÇÃo.......... C¡piruto I ENTiNCIAçÃO B ACONTECTMENTO ... Ctpiruro II O NOME PRÓPRIO DE PESSOA C,qpírurc III NOMES DE RUA It CtpÍrurc IV NOMES DE RUA E O MAPA COMO TEXTO C,qpiruro V NOMES DA CIDADE C¿pirurc VI A CIDADE E OS NOMES DE ESPAçO .... CONCLUSÃO ....... BIBLIOGRAFIA... 5 7 l' Designação : Estudo enunciativo : Semântica : português : Lingüística 469.22. Nomes ; Sentido : Semântica : português , fi.rgi;Lìi"u +Ol.Z 11 -J -t ..43 59 69 ..91 95 77a Ll ry c? ,l l¡ 0b t¿ , êÐl '{,/'"/ I V".í . # {:} r }T t: 5 ç: 11 t L * r * li " d. { }, y }, "''?.3 { aJluw paborges Caixa de texto paborges Caixa de texto paborges Caixa de texto APRESENTAÇAO Como para todo semanticista, a questão da relação das palavras com o mundo sempre rondou meus interesses. Esta questão se pôs para mim pela via dos estudos argumentativos. Para esta posição o sentido das expressões lingüísticas não é referencial, ou seja, não pode se apresentar a partir do conceito de verdade. Neste sentido, as expressões lingüísticas significam no enunciado pela relação que têm com o acontecimento em quefuncionam. Coloco-me deste modo, numa posição materialista, junto com aque- les que não tomam a linguagem como transparente, considerando que sua relacão com o real é histórica. A partir do início dos anos 90 do século XX, ou seja, há pelo menos dez anos, {ediquei-me ao estudo das questões relativas ao domínio da de- signação e referência na linguagem. Inicialmente meu interesse se deveu ao estudo da questão da cidadania nas constituições brasileiras. O que me levou a analisar a designação de palavras como cidadão e república nos diversos textos constitucionais da história do Brasil, motivo de viírios tex- tos publicados nestes últimos 10 anos. Neste momento desenvolvi uma primeira abordagem da questão dos nomes próprios e de sua relação com os nomes comuns. Estes estudos eu os apresentei, no início dos anos 90, em cursos na Pós-graduação de Lingüística do Instituto de Estudos da Lingua- gem da Unicamp. Isto produziu, desde então, o envolvimento de outras pes- soas nesta via de reflexão enunciativa para os problemas da designação. Neste período meus contatos com outros países da América Lati- na e com a lJnemat, em Cáceres, me levou a refletir mais especifica- mente sobre as relações do Brasil com a América Latina, e sobre as relações das línguas do Brasil (reflexão que venho fazendo como mem- bro do Projeto História das Idéias Lingüísticas no Brasil: Ética e Polí- tica de Línguas). Isto fqi decisivo para a melhor configuração do con- ceito de espaço de enunciação. 5 Envolvido nos projetos do Laboratório de Estudos Urbanos da Unicanp, levei este meu interesse para os estudos das palavras da cida- de: cidade, município, comarca, rua, nomes de ruas, etc. E aqui a questão dos nomes próprios acabou por assumir um lugar muito significativo. Neste livro estarão presentes muitos aspectos deste percurso, pelo qual espero poder contribuir para uma reflexão sobre os nomes e seus sentidos configurada no interior de uma concepção enunciativa e históri- ca da linguagem. INTRODUÇAO Colocar-se na posição do semanticista é inscrever-se num domínto de saber que inclui no seu objeto a consideração de que a linguagem fala de algo. Pour outro lado, não há como pensar uma semântica lingüística sem levar em conta que o que se diz é incontornavelmente construído na linguagem. E no espaço conformado por estas duas necessidades que procura- rei configurar o que é para mim uma semântica do acontecimento. Ou seja, uma semântica que considera que a análise do sentido da linguagem deve localizar-se no estudo da enunciação, do acontecimento do dizer' Por outro lado, considerando aprópriaoperação de análise, tomar o ponto de vista de uma semântica lingüística é tomar como lugar de observação do sentido o enunciado. Deste modo, saber o que significa uma fornia é dizer como seu funcionamento é parte da constituição do sentido do enunciado. Mas para mim, considerar o processo no qual uma forma constitui o sentido de um enunciado é considerar em que medida esta forma funciona num enunciado, enquanto enunciado de um texto. Ou seja, não há como considerar que uma forma funciona em um enunci- ado, sem considerar que ela funciona num texto, e em que medida ela é constitutiva do sentido do texto. Deste modo, procuro ttilizar aqui o que Benveniste (1966)t consi- derou como o movimento intregrativo de uma unidade lingüística. Para ele esta relação (integrativa) dá o sentido da unidade. Ou seja, o sentido de um elemento lingüístico tem a ver com o modo como este elemento faz parte de uma unidade maior ou mais ampla. Vê-se que ao fazer este uso da relação integrativa, a despeito de Benveniste ter dito que ela não per- mitia passar do limite do enunciado, estou dizendo que há uma passagem do enunciado para o texto, para o acontecimento, que não é segmental' E esta é a relação de sentido. 76 l. Em "Os Níveis da Análise Lingüística" Tratar a enunciação, coloca de saída a questão do sujeito que enun- cia, e assim a questão do sujeito na linguagem. E para os meus propósi- tos isto deve levar a uma recolocação do lugar dos estudos da enunciação num espaço distinto do que eles tiveram ou têm ainda em certas de suas formulações. Para mim o tratamento da enunciação deve se dar num es- paço em que seja possível considerar a constituição histórica do sentido, de modo que a semântica se formule, claramente, como uma disciplina do campo das ciências humanas, fora de suas relações com a lógica ou a gramática pensadas ou como o matematizável ou como uma estrutura biologicamente determinada. Este trabalho mantém assim um diálogo com domínios como a filo- sofia da linguagem, notadamente a teoria dos atos de fala, apragmâtica, a semântica argumentativaz. Por outro lado mantém também um diálogo decisivo com a Análise de Discurso tal como praticada no Brasil3 e que se organiza e desenvolve a partir dos trabalhos de Pêcheux. Mais especificamente, tomo a enunciação como um acontecimento no qual se dá a relação do sujeito com a língua. A questão é como descre- ver e analisar esta relação. Ao lado de tratar o sentido tal como acima exponho, vou considerar a questão do político na linguagem, tômando como lugar de reflexão o domínio da semântica, mais especificamente o domínio dos estudos da enunciação. Isto quer dizer que para mim enunciar é uma prática política em um sentido muito preciso, que procurarei apresentar a seguir, no pri- meiro capítulo. Tanto a noção de político, que vou fazer operar aqui, quanto minha concepção de sentido são pensadas historicamente e não como uma açãoparticular numa situação particular. Como objeto específico de reflexão vou estudar a designação, constitutiva do sentido dos nomes. De um lado tratarei de nomes pró- prios, ou seja, nomes que se apresentam como nomes de objetos úni- cos. Para isso vou deter-me no estudo dos nomes próprios de pessoa e dos nomes de ruas. Quero, ao tomar estes objetos de análise, enfren- tar diretamente, em análises específicas, nomes que poderiam levar, com alguma facilidade, a uma concepção segundo à qual estes nomes funcionam meramente por suas relações com os objetos únicos que nomeiam. 2. NestalinhadefiliaçãolembroBréal(1897),Bally(1932),Benvenisre(1966, 1974),Ducrot (1972,1973,1984); Austin (1962),Grice(1957,t96j), Seæle (1969); entre ourros.3. Tal como ap¿rece na obra de E. Orlandi (ver, por exemplo, Orlandi (1983,1990,1992, t996,1e99)). Por outro lado vou me ocupar do estudo de um conjunto de nomes comuns, que procurarei, de alguma forma, ligar à problemática dos no- mes próprios aqui estudados. Vou estudar a designação de nomes como cidade, nrunicípio, contarca, rua, ruela, nxorro. O centro de meu interesse é o estudo do funcionamento dos nomes, e especificamente da designação. Para configurar o que considero designação vou distinguir esta palavra num conjunto de palavras muitas vezes usadas umas pelas outras, ou distinguidas de modos diferentes dependendo do autor ou da posição de cada um. Nonteação, designação, referência, denotação, por exemplo, e palavras correlatas, são muitas vezes usadas como sinônimas e às vezes como diferentes. Basta ver como denotaçcn pc/le ser usada como sinônima ou não de designnção e referênclc. Vou aqui usar designação como distinta de nomeação e de referência (denotação). Anomeação é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe um nome (não vou aqui discutir este processo). A designação é o que se poderia chamar de signifìcação de um nome, mas não enquanto algo abs- trato. Seria a significação enquanto algo próprio das relações de lingua- gem, mas enquanto uma relação lingüística (simbólica) remetida ao real, exposta ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na história. É neste sentido que não vou tomar o nome como um palavra que classifica objetos, incluindo-os em certos conjuntos. Vou considerar, tal como con- sidera Rancière (1992), que os nomes identificam objetos. Hipótese que me intereqsafortemente tanto para os nomes comuns, como para os no- mes próprios> como se verá. A referência será vista como a particulari- zação de algo na e pela enunciação. Se, do ponto de vista da filosofia e da lógica, a consideração da linguagem diz respeito a que é preciso saber como uma expressão lin- güística se relaciona inequivocamente com aquilo que ela significa (refe- re), para a lingüística, e especificamente para a semântica lingüística, a questão não é necessariamente essa. Para a semântica lingüística o que interessa é saber, no que diz res- peito à relação da linguagem com as coisas, como ao dizer algo fala-se das coisas. Ou seja, a questão não é ontológica mas simbólica. Não pode- mos esquecer de lembrar aqui que no nascimento da lingüística moderla Saussure separou de modo absoluto estas duas questões (a lingüística e a da relação com as coisas). De certo modo pode-se ver, no que diz respeito à relação da lin- guagem com o mundo, um debate diretamente afetado pela lógica. E os problemas são consiilerados segundo tragamdificuldades próprias para as hipóteses de unicidade e existência vindas desta disciplina. 8 9 Diante, por exemplo, de nomes como Super-homem, unicórnio em frases como o unicórnio não existe, ou se admite que estes nomes têm sentido, e assim se é levado a considerar como não tendo valor de verdade uma frase claramente verdadeira, ou admite-se que estas ex- pressões não têm nelas nenhum sentido, e tudo que uma expressão referencial faz é, numa dada frase, denotar um objeto. Ou seja, toda a significação é redtzida à referênciaa. No entanto nada impede que tenhamos, como lingüistas, que res- ponder como se pode falar de alguém, que não é um jogador de tênis, dizendo o jogador de ránis. Assim como é perfeitamente possível falar de uma mesma coisa usando expressões como meu carro e aquele carro da esquerda, ao mesmo tempo em que a segunda expressão pode ser usada para falar de um carro que não é meu e a primeira, em princípio, não. Um outro aspecto importante aqui. O que significa dizer qlue o nome próprio não tem sentido (tal como diz Russell)? Esta é uma solução que esfâligada ao referencialismo e empirismo de sua posição e assim leva a pensar que à linguagem cabe só indicar (de modo transparente) as coisas existentes. Esta solução não considera que as coisas existentes são referi- das enquanto significadas, e não simplesmente enquanto existentes. E é isso que tomar a questão pela lingüística permite considerar. E, assim, a partir do fato semântico de que as coisas são referidas enquanto significadas e não enquanto simplesmente existentes, podemos conside- rar que é possível referir porque as coisas são significadas e não simples- mente existentes. Podemos referir algo com a palavra pedra porque a linguagem significa o mundo de tal modo qte identificd os seres em vir- tude de significá-los. E é isso que torna possível a referência a um ser particular entre os seres assim identificados. É este tipo de questão que queremos discutir ao estudar aqui a designação. 4. Esta discussão se dá entre, por exemplo, as posições de Frege e Russell. C¡pírurc I ENUNCIAÇAO E ACONTECIMENTO A enunciação, enquanto acontecimento de linguagem, se faz pelo funciönamento da língua. Inscrevo minha posição numa linha de filiações próximas que passa por Benveniste (1970), em "O Aparelho Formal da Enunciação",paraquem a enunciação é a língua posta em funcionamen- to pelo locutor, e por Ducrot (1984), em "Esboço de uma Teoria Polifônica da Enunciação",paÍaquem a enunciação é o evento do aparecimento de um enunciado. Para mint' a questão é como tÍatar a enunciação como funcionamento da língua sem remeter isto a um locutor, a uma centralidade do sujeito. Dois elementos são decisivos para a conceituação deste aconteci- mento deJinguagem: a língua e o sujeito que se constitui pelo funciona- mento da'lírigua na qual enuncia-se algo. Por outro lado, um terceiro elemenio decisivo, de meu ponto de vista, na constituição do aconteci- mento, é sua temporalidade. Um quarto elemento aindaé o real a que o dizer se expõe ao falar dele. Não se trata aqui do contexto, da situação, tal como pensada na pragmática, por exemplo. Trata-se de uma materialidade histórica do real. Ou seja, não se enuncia enquanto ser físico, nem meramente no mundo físico. Enuncia-se enquanto ser afetado pelo simbólico e num mundo vivido através do simbólico. 1. ACONTECIMENTO E TEMPORALIDADE Considero que algo é acontecimento enquanto diferença na sua pró- pria ordem. E o que caracterizaa diferença é que o acontecimento não é um fato no tempo. Ou seja, não é um fato novo enquanto distinto de qualquer outro ocorrido antes no tempo. O que o caracteriza como dife- rença é que o aconteciryento temporaliza. Ele não está num presente de 10 5. Ver Guimarães (1989 e 1995) 11 um antes e de um depois no tempo. O acontecimento instala sua própria temporalidade: essa a sua diferença. Antes de falar de como se dá a temporalidade do acontecimento, gos- taria de recusar aqui a posição benvenistiana6, segundo à qual o tempo da enunciação se constitui pelo locutor ao enunciar. Ou seja, o presente do acontecimento não é, para mim, como quer Benveniste, o tempo no qual o locutor diz eu e enuncia, a partir do qual se organizam um passado (um antes) e um futuro (um depois), constituindo-se assim, a partir do Eu, uma linha de sucessividade. O que quero dizer é que não é o sujeito que temporaliza, é o acontecimento. O sujeito não é assim a origem do tempo da linguagem. O sujeitoé tomado na temporalidade do acontecimento. E o que é esta temporalidade? De um lado ela se configura por um presente que abre em si uma latência de futuro (uma futuridade), sem a qual não há acontecimento de linguagem, sem a qual nada é significa- do, pois sem ela (a latência de futuro) nada hâ aí de projeção, de interpretável. O acontecimento tem como seu um depois incontornável, e próprio do dizer. Todo acontecimento de linguagem significa porque projeta em si mesmo um futuro. Por outro lado este presente e futuro próprios do acontecimento fun- cionam por um passado que os faz significar. Ou seja, esta latência de futuro, que, no acontecimento, projeta sentido, significa porque o aconte- cimento recorta umpassado como memorável. A temporalidade do acontecimento constitui o seu presente e um depois que abre o lugar dos sentidos, e um passado que não é lembran- ça ou recordação pessoal de fatos anteriores. O passado é, no aconteci- . mento, rememoração de enunciações, ou seja, se dá como parte de uma nova temporalização,tal como a latência de futuro. É nesta medida que o acontecimento é diferença na sua própria ordem: o acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido, nãohâ acontecimento de lingua- gem, não há enunciação. Tomemos para ilustrar nosso ponto de vista o índice de uma revista. Vou utilizar aqui uma parte do índice da Revista Vejade l7 de janeiro de 2001, especificamente sua Seção Brasll: São Paulo Justiça Congresso A doença marca as aparições públicas de Covas............36 Caso do ktlau abre a discussão sobre a prisão especial...39 Sucessão napresidência da Câmara e do \enado...............40 6. Benveniste (1974a),"A Linguagem e a Experiência Humana" Municípios Fórunt Minas Gerais Igreja Acre CPI Receila Privatização P reþitos deixarant as cfula.des deperutdas.......................42 O s anticapitalistas se reúnem no 9ul............................44 A tenente diz que não está mais com 1tanm........45 Boctlo sobre rcnuatce afasta patlre de paróquia clique.,46 O plano paranlatar o governador Jorge Vana.........47 P e r g unt a s hil ári as do s de p utatlo s s o b re fut e b o1....... 47 Decreto escatxcara o sigilo bancário........................48 Umnegócio da China..... .....................49 Uma análise tradicional deste índice procuraria observar seu aspec- to meramente informativo. Ou seja, o índice diz ao leitor quais são as matérias da revista e em que páginas elas estão. Do meu ponto de vista há aí bem mais do que isso. De um lado as matérias aparecem como sendo de uma seção específica, "Brasil", entre outras ("Internacional, Geral, Economia e Negócios, Guia, Artes e Espetá- culos"). Sem utilizar aqui categorias de análise específicas, podemos dizer que o que se diz na primeira coluna do índice pode ser considerado como o dizer de um locutor que categoriza os espaços da revista, ao passo que a segunda coluna é um dizer de um locutor que toma os títulos de matéria (á enunciados por outros locutores) e indica suas páginas iniciais. Deste modo o presente do acontecimento deste índice é o tempo em que o locutor da formulação do índice atribui uma matéria a uma certa categoria, categoria que aí est{ como um passado neste acontecimento, que se apresenta como um rememoiado, que faz significar de um cerlo modo, e não de outro, o título da matériae amatéria. E tudo isso projeta sentidos futuros, sentidos capazes de movimentar, inclusive, outras enunciações. Por exemplo: Municípios Prefeitos deixaram as cidades depenadas O que aqui se rememora como categoria para amatéria (Municípi- os) faz o título projetar como sentidos (futuridade do acontecimento), entre outros, a) as cidades como sinônimo de municípios; b) a irresponsabilidade das administrações das cidades como própria dos municípios brasileiros; e c) um sentido de generalizaçã'o da irresponsabilidade neste nível de governo: o município como lugar da irresponsabilidade (o que sem dúvida localiza a atenção do leitor de um modo muito particular). Constitui-se no índice o que é o presente para esta edição daVeja- Não há nada nele que relacione necessariamente uma matéria desta edi- ção com qualquer outra da semana anterior. O presente aínão é um de- 12 13 pois da semana anterior, nem o passado é um antes da semana em ques- tão, nem o futuro é aqui a semana posterior àquela em que se está. Neste sentido diria que a significação do índice é uma instrução7 de como saber de que trata a revista, onde isto está, e das conseqüências dos sentidos aí tratados. O índice não é uma mera indicação de onde algo .z está. E uma indicação que passa pelo sentido que o acontecimento cons- truiu. Deste modo o índice é uma instrução de como interpretar tanto um modo de chegar à matéria, como a própria construção de algo como notí- cia, que para ser notícia é constituído por uma temporalidade específica. Esta caracterização datemporalidade do acontecimento não coincide, portanto, com o tempo do ego que diz eu,que chamo aqui locutors. A confì- guração do Locutor no acontecimento é a de que ele é a origem do dizer e assim da temporalidade. Diria que Benveniste limitou-se a tratar desta repre- sentação. Deste modo a temporalidade do acontecimento da ennciaçãotraz sempre esta disparidade temporal entre o tempo do acontecimento e a repre- sentação da temporalidade pelo Locutor. Esta disparidade significa direta- mente a inacessibilidade do Locutor àquilo que enuncia. O locutor não estií onde a enunciação signifìca sua unidade (tempo do Locutor). Assim o Locutor está dividido no acontecimento. E está dividio por- que falar, enunciar, pelo funcionamehto da língua no acontecimento, é falar enquanto sujeito. Para caracterizar este aspecto recorro, neste pon- to, à posição da análise de discurso paraa qual o sujeito que enuncia é sujeito porque fala de uma região do interdiscurso, entendendo este como uma memória de sentidos. Memória que se estrutura pelo esquecimento de que já significa (Orlandi, 1999). Ser sujeito de seu dizer, ser suj eito, é falar de uma posição de sujeito. Esta tomada de posição teórica dá um sentido bem específico e forte à consideração de que o acontecimento de linguagem não se dá no tempo, nem no tempo do locutor, mas é um acontecimento que temporaliza: uma temporalidade em que o passado não é um antes mas um memorável recortado pelo próprio acontecimento que tem também o futuro como uma latência de futuro. O sujeito não fala no presente, no tempo, embora o locutor o represente assim, pois só é sujeito enquanto afetado pelo interdiscuro, memória de sentidos, estruturada pelo esquecimento, que faz alíngua funcionar. Falar é estar nesta memória, portanto não é estar no tempo (dimensão empírica). 7. UsoaquianoçãodeinstruçãoapafirdosentidoquelhedáO.Ducrot(1984),emboranão de maneira absolutamente igual. 8. Mais à frente vou ratil de modo mais específico das figuras da enunciação (locutor, enunciador, etc), ao falar da cena enunciativa. O acontecimento em que se fala é, do meu ponto de vista, espaço de temporalização. Nesta medida o passado no acontecimento é uma rememoração de enunciações por ele recortada, fragmentos do passado por ele representados como o seu passadoe. A questão para mim é poder descrever como se dá este aconteci- mento de linguagem, como ele se constitui. E o que faremos mais à frente ao falar de cena enunciativa e espaço de enunciação. Antes vou caracte- rizar o que é para mim o político. 2. O POLITTCO: DTSTRIBLIçÃO DE DESIGUALDADES E A AFIRMAÇÃO DE PERTENCIMENTO Colocando-me no domínio das posições materialistas vou considerar o político como algo que é próprio da divisão que afeta materialmente a linguagem e, para o que me interessa aqui, o acontecimento da enunciaçãolO. Começo por considerar o modo como Rancière (1995) caracteiza as abordagens do político nafilosofia.Para ele estas abordagens tratam do que ele chamou a arqui-política, a para-política e a meta-política. A primeira (a arqui-política) temsua configuração no pensamento platôni- co e, segundo Rancière, transforma a política em organização. Isto se enuncia emPlatão em afirmações diretivas como "é necessário fazer seu próprio trabalho" que aparecia já como um artifício retórico que formu- lava a suþqissão do povo à distrìbuição ordenada dos papéis sociais. A política é neste caso mentira. Cabia à arqui-políticaanular a "falsa polí- tica", a democracia, pela constituição da República. A para-política, qrue aparece na formulação de Aristóteles que não aceitaadescaracterização da política feiø por Platão, integra e neutraliza o conflito entre pobres e ricos, entre interesses opostos. A política é neste caso aparência e ela encontra seu fim na pacificação social. Se, por exemplo, o govemante está diante da possibilidade de um levante popula¡ então ele devefazer como se governasse para o povo, neutralizando assim o conflito. 9. É preciso não confundir a memória de sentidos (memória discursiva: interdiscurso) do passado no acontecimento (memorável de enunciações recortado pela temporalização do acontecimento). O que procuro é desenhar a articulação, no quadro que aqui proponho, entre o interdiscurso e o acontecimento. 10. Lembro aqui duas posições a respeito do político e da política que se desenvolveram no domÍnio do materialismo e com as quais minha posição guarda relações evidentes. De um lado a consideração do político como conflito, tal como Orlandi (1990) apresenta em Terra à Vsta, e de outrq a consideração da política como disse¿so tal como apresenta Racière (1995) em In méÍentenl¿. Evidentemente que estas duas posições não são iguais. Valho-me aqui de um debate que se instala de pronto entre elas pa-ra formular o que segue. l4 15 A meta-política denuncia o excesso das injustiças e das desigualda- des relativamente ao que a política enuncia. Ou seja a meta-política de- nuncia as mentiras da política, de modo que para ela a política é a mani- festação da falsidade. Isto leva ameta-políticaaatacar direitos formula- dos por instituições sustentadas no conceito de soberania, já que para esta posição tudo o que vem do político é falso. Assim estes três modos de conceþr o político o tomam como apráti- ca do falso ou do aparente e assim procuram organizá-lo, ou integrá-lo ou denunciá-lo. Como então considerar o político? Ele não é nem o falso nem o verdadeiro. Procuro assim, a seguir, caractenzâ-lo fora destas concep- ções negativas, para que possamos tratar do político como fundamento das relações sociais, no que tem importância central a linguagem. Deste modo importa, antes de ir à frente, uma observação: o político não é o que se fala sobre a igualdade, sobre os direitos, etc. Colocar-se neste lugar é também e ainda conceber o político negativamente, por tratá-lo como o lugar do en- godo, da, na melhor das hipóteses, doce mentira. O político, ou a política, é para mim caracterizado pela contradição de uma normatividade que estabelece (desigualmente) um divisão do real e aafrmação de pertencimento dos qge não estão incluídos. Deste modo o político é um conflito entre uma divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento. Mais importante ainda para mim é que deste ponto de vista o político é incortornável porque o homem fala. O homem está sempre a assumir a palavra, por mais que esta lhe seja negada. Esta concepção nos leva a algumas considerações aparentemente contraditórias em princípio. O Político está assim sempre dividido pela desmontagem da contradição que o constitui. De tal modo que o estabele- cimento da desigualdade se apresenta como necessária à vida social e a afirmação de pertencimento, e de igualdade, é significada como abuso, impropriedade. Esta desmontagem é o esforço do poder em silenciarrr a contradição, na busca de um político como ação homogeneizadora que ora se esgota no administrativo, ora naquilo que Racière chamou de po- lícia, e que ele opöe à política. Tomemos aqui um exemplo. Em uma reunião de um colegiado uni- versitário em que se discute a demissão de um aluno de seu posto de estagiário há um embate que sintetizo: a) A adminstração, em nome da decisão do funcionário que demitiu o aluno, diz que aquele estava autorizado afazê-lo baseado nas regras 11. No sentido que este conceito tem para Orlandi (1992). que regem a assiduidade dos funcionários. Aqui já poderíamos refletir sobre esta divisão do real feito pelas designações que, no caso, ora categorizam alguém como aluno, ora como funcionário. b) Um outro aluno, que defende o aluno/funcionário demitido, con- tra-argumenta, incessantemente, durante algo como duas horas ou mais, que a questão não é se o aluno seu colega (aluno estagiário) deveria ser demitido de seu posto enquanto funcionário, mas que ele o foi sem que lhe fosse assegurado um direito mínimo, consignado na declaração uni- versal dos direitos do homem, o de apresentar sua defesa. O que temos aqui? De um lado a afirmação de uma distribuição de papéis, desigualmente, onde alguns podem fazer coisas e outros devem obe- decê-las, distribuição feita pela adminsitração, e de outro a afirmação de pertencimento do aluno à categoria do humano na qual todos têm o direito igual de se defender de qualquer acusação. Cafegoiadaqual, no sentido que ele lhe dá, o aluno estagiário está sendo retirado. Esta afirmação de pefencimento, por precisar se repetir como eco por um longo período de discussão, significa a sua falta de sentido no acontecimento. Ou seja, afirmar o direito é neste acontecimento sem sentido, para aqueles que falam do lugar da normatividade, por mais sentido que a afirmação do aluno tenha para ele e o demitido (a Declaração Universal dos Direitos do Homem não é aqui memorável). Está-se diante, neste caso, do funcionamento da contradição própria do político, e de tal modo, neste acontecimento, que o esforço enunciatiyo do aluno defensor do colega é tomado sem sentido, e sua enunciação por mais que afirme o pertencimento do aluno à categoria do humano, não consegue aí significá-lo, pela sopreposição "gloriosa" do adminstrativo, e do homogêneo. O Político é para mim não o dizer normati- zado da adminstração, nem simplesmente a afirmação de pertencimento do aluno. E a contradição que instala este conflito no centro do dizer. Ele se constitui pela contradição enfre a normatividade das instituições sociais que organizam desigualmente o real e a afrmação de peftencimento dos não incluídos. O político é a aftrmação da igualdade, do pertencimento do povo ao povo, em conflito com a divisão desigual do real, para redividi-lo, para refazêlo incessantemente emnome do perlencimento detodos no todos. Com esta concepção de político voltamos à consideração dos aspec- tos enunciativos. Com ela pretendemos uma melhor configuração do po- lítico na linguagem. . O acontecimento de linguagem por se dar nos espaços de enunciação é um acontecimento políticot2. Ou seja, a constituição da temporalidade t6 12. TraIei desta questão em Guima¡ães (2000a). t7 do acontecimento se faz pelo funcionamento da língua enquanto numa relação com línguas e falantes regulada por uma deontologia global do dizer em uma certa língua. 3. ESPAçO DE ENTTNCTAçAO Considerar a configuração do acontecimento, tal como fizemos em 1., coloca uma relação por todos os aspectos decisiva: a relação entre a língua e o falante, pois só há línguas porque há falantes e só há falantes porque há línguas. E esta relação não pode ser tomada como uma relação empírica do tipo: em uma cerla situação as pessoas faldm na língua x, em outra, na língua y. Por exemplo, no Brasil se fala Português, na França, Francês, etc. Ou ainda, no Paraguai se fala o Espanhol e o Guarani. Esta relação entre falan- tes e línguasinteressa enquanto um espaço regulado e de disputas pela pala- vra e pelas línguas, enquanto espaço político, poftanto. A língua é dividida no sentido de que ela é necessariamente atravessada pelo político: ela é normativamente dividida e é também a condição para se afirmar o pertencimento dos não incluídos, a igualdade dos desigualmente divididos. Os falantes não são os indivíduos, as pessoas que falam esta ou aquela língua. Os falantes são estas pessoas enquanto determinadas pelas línguas que falam. Neste sentido falantes não são as pessoas na atividade físico- fisiólogica, ou psíquica, de falar. São sujeitos da língua enquanto constituí- dos por este espaço de línguas e falantes que chamo espaço de enunciação. Deste modo considero que o falante, tal como o conceituo, é uma categoria lingüística e enunciativa. Neste ponto diferencio minha posição da de Ducrot. Mas num sentido muito preciso. Primeiro devo dizer que concordo que o falante, tal como Ducrot o conceitua (como figura físico- fisiológica e psíquica), não é um personagem da enunciação. Minha dife- rença está em que considero que o falante não é esta figura empírica, mas uma figura política constituída pelos espaços de enunciação. E nesta medida ela deve ser incluída entre as figuras da enunciação. Os espaços de enunciação são espaços de funcionamento de lín- guas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços "habitados" por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer. São espaços constituídos pela equivocidade própria do aconteci- mento: da deontologiat3 que organiza e distribui papéis, e do conflito, indissociado desta deontologia, que redivide o sensível, os papéis soci- 13. Tomo aqui esta noção a partir da formulação que lhe deu Ducrot (1972) em Dire et ne pas Dire. ais. O espaço de enunciação é um espaço político, no sentido em que considerei há pouco o político. Tomemos um exemplo. O que éfalar Porluguês na América Latina hoje?ta Primeiro aspecto: é falar uma língua oficial de um Estado, que nesta medida está numa relação de convivência e de disputa na América Latina com o Espanhol, também língua oficial de vários Estados vizi- nhos do Brasil15. Segundo aspecto. Consideremos, por exemplo, um fato como a de- rivação que em Português forma palavras como cces.rar. Esta palavra, tal como deletar e tantas outras, entra no Português do Brasil por uma relação com o Inglês. Se tomamos acessar, podemos vê-la como um derivado de acesso, o que seria perfeitamente possível em virtude dos procedimentos de deri- vação da Língua Portuguesa. Mas é preciso ver aítambém, mesmo neste caso (o caso de deletar envolve o fato de que não hâ delet emPortuguês), que ûcessar é um derivado em Português de to acess do Inglês. Estamos diante de uma divisão tal que o espaço de enunciação do Português do Brasil inclui uma relação com o Inglês. Em outras palavras, o espaço de enunciação do Português é também ocupado pela língua inglesa. Tomemos um outro exemplo interessante. Houve, durante umpe- ríodo recente, em Campinas, um estabelecimento comercial cujo nome era Center Frutas Broto. Estamos aqui diante de um procedimento de nomeação há, já algtmtempo em funcionamento no Brasil. O qu'e témos nesta nomea çã,o? Elase constrói por uma relação dire- ta entre falante e as línguas portuguesa e inglesa. Não simplesmente por- que há empréstimo de uma palavra, center, ou porque se construiu um nome com uma frase inglesa, o que seria também um simples emprésti- mo. Estamos diante de um embate em que o falante está divido por sua relação com duas línguas: veja como a presença do center não define a sintaxe nem como inglesa nem como portuguesa: no primeiro caso seria Broto Frutas Center e no segundo Center de Frutas Broto. Há algo em frutas (Português) que impede a primeira construção, e há algo em center (é uma palavra "emprestada" com sua sintaxe) que impede a segunda construção. Ou seja, esta nomeação se dá num espaço de enunciação em que o Inglês fornece modelos ao Português. Mas este modelo não se cum- 14. Vou retomar e ampliar, segundo a especificidade desta pergunta, uma análise que fiz em "Política de Línguas na Améria Latina" (Guimæães, 1997) sobre o espaço de enunciação latino-americano. 15. Para não me ater muito na questão da disputa, podemos lembrar, por exemplo, a prática de incompreensão dos falantds de Espanhol relativamente ao Português, oposta à prática de brasileiros com o espanhol. 18 19 pre completamente porque ele é refeito pelo embate das línguas na rela- ção com o falante no espaço de enunciação. Um outro caso deste tipo, com uma configuração diversa, é o nome de um outro estabelecimento do mesmo gênero, em um outro bairro de Campinas: Cambuí Fruit Center. Neste caso o falante está tomado, no espaço de enunciação, pela língua que não é a sua. Nesta medida não se pode deixar de levar em conta que línguas como Português e Espanhol não são, no espaço de enunciação latino- americano, legítimas tal com a língua inglesa, que tem, neste espaço com o Português e o Espanhol, uma legitimidade especial, notadamentepara relações internacionais de um certo tipo: comércio, ciênciar6, etc. Não estou aqui levando em conta um conjunto de tantos outros problemas extremamente relevantes, como, por exemplo, no Brasil se falam ainda em torno de 150 línguas indígenas, várias línguas européi- as e orientais, aí incluindo o Espanhol, notadamente em regiões de fron- tefta.Há no Brasil, inclusive, índios que falam Espanhol preferencial- mente. Dada a descrição acima, com a devida ressalva, podemos dizer que o espaço de enunciação latino-americano caracteriza-se por uma disputa pela palavra regulada por umâ distribuição de papéis que colo- ca brasileiros e latino-americanos dos demais países como falantes que excluem a língua do outro e incluem o Inglês como "língua franca", mesmo que uma pessoa em particular não a fale. A questão aqui não é individual. Neste espaço, trabalhar o ensino do Português do Brasil nos países vizinhos e do espanhol no Brasil é um modo de redividir o espaço para torná-lo cadavezmais sul-americano e cada vez menos norte-americano ou europeu, ao lado de trabalhar a resistência ao avanço do Inglês, notadamente o americano, como língua de todos. É uma resistência a um certo tipo de monolingüismo. Não se trata aqui de uma atitude quixotesca e sem conseqüências como aquela que busca proibir o uso de palavras estrangeiras no Porluguês. A questão política é noutro lugar, inclusive porque os espaços de enunciação são espaços, divididos desigualmente, de disputa pela palavra. Podemos tomar a questão do espaço de enunciação através de uma outra pergunta: o que é falar Português no Brasil? Sem dúvida que o primeiro aspecto que devemos considerar é que o Português é alíngta oficial do Estado Brasileiro, e é, nesta medida, a língua nacional do I 6. Tratei deste aspecto específico de uma política de línguas em "Produção e Circulação do Conhecimento sobre Lite¡atura e Linguagem" (Guimarães, 1999a). Brasil. Ou seja, é elemento de identificação de sujeitos enquanto cida- dãos do Estado. Mas falar Português no Brasil é falar uma língua que são várias. Assim a relação dos falantes com a língua está regulada por uma relação com a língua do Estado, enquanto uma língua, a língua (una) do Estado: gramatizadatl,normatizada. Está por outro lado regu- lada pelo fato de que há regiões em que se fala, por exemplo, [mutjo] (como em Cuiabá), e outras em que se fala [muito]. Regiões em que se fala [maI] (como em Piracicaba, São Paulo) e regiões em que se fala [mar]. Consideremos, para os efeitos desta argumentação, que estes poucos fatos sejam todas as diferenças existentes que temos neste espa- ço enunciativo. Não há igual direito adizer [mutjo] ou [muito], ou [mai] e [mar]. O direito à palavra é distribuído de talmodo que ele é um para os que dizem [muito] e [mar] e outro para os que dizem [mutjo] epala os que dizem [mai]. Assim falar Português é estar afetado por estas divisões que caracterizamo espaço de enunciação da Língua Portugue- sa no Brasil. Não estamos aqui considerando todo um conjunto mais complexo de questões como o fato, jâ referido antes, de que se falam no Brasil inúmeras línguas indígenas e diversas línguas européias e orien- tais. Isto me leva a dizer que, do ponto de vista que aqui assumo, uma língua náo é variável, no sentido em que esta noção é tomada pela sociolingüística quantitativa. Para mim uma línga é dividida, de tal modo que ela é uma e é dife- rente dissd. d esta divisão diz respeito exatamenteã relação dos falantes com a língua, de tal modo que os falantes se identificam exatametne por essa divisão. No caso do nosso pequeno exemplo, há os falantes que se identificam pela divisão da língua que os faz dizer [mutio] de um lado ou [muito] de outro. E esta divisão é marcada por uma hierarquia de identidades. Ou seja, esta divisão distribui desigualmente os falantes segundo os valores próprios desta hierarquia. E aqui pode-se ver como a Escola, entre outras instituições e instrumentos, é fundamental na configuração do espaço enunciativo de uma língua nacional, no nosso caso o Português. Ou seja, a Escola é fundamental no modo de dividir os falantes e sua relação com a língua. E estar identificado pela divisão da língua é estar destinado, por uma deontologia global da língua, a poder dizer certas coisas e não ou- tras, a poder falar de certos lugares de locutor e não de ouÍos, a ter certos interlocutores e não outros. 20 17. No sentido que tem gramatizaçáo para Auroux (1992). 2I Por exemplo, aquele que é identificado por falar lmutjo] ou [mai] pode falar cotidianamente para seus familiares, amigos, colegas, habi- tantes de sua cidade, mas não pode falar como locutor-jornalista, na tele- visão, para os telespectadores. Mesmo que estejamos considerando a te- levisão na região de Cuiabá e Cáceres, no Estado de Mato Grosso, de um lado, ou de Piracicaba e Itu, no Estado de São Paulo, de outro. Ele só poderá fazê-lo se aparecer como um personagem e não como um apre- sentador. Ou seja, ele pode ser na mídia só o locutor-cuiabano, o locutor- piracicabano. Aparecer como personagemé aparecer como locutor cita- do na fala do locutor-jornalista que ele não pode ser. Este tipo de questão é extremamente importante para dar um sentido muito fofte ao modo como estamos considerando a divisão do Locutor que, ao desconhecer que fala de um lugar social, desconhece que seus lugares de fala foram dividos e interditados. Operar sobre e contra este desconhecimento é o próprio do político no acontecimento de linguagem. Antes de terminar estas considerações sobre o político quero reto- mar as distinções entre arqui-política, para-política e meta-política.Dina, ao retomá-la, que uma abordagem sociolingüística quantitativa, enquan- to tal, opera com o conceito de parh-política, jâ que suas descrições distribuem para cada um o que é seu, neutralizando o conflito por um procedimento descritivo do que é de cada um. Ao lado disso ela pode operar por acréscimo, não exatamente por seu dizer científico, como meta- política, como forma de denunciar a distribuição do que é de cada um para cada um. Ou seja, ou ela integra o conflito ou pode falar sobre ele. O Espaço de enunciação é assim decisivo para se tomar a enunciação como uma prática política e não individual ou subjetiva, nem como uma distribuição estratificada de características. Falar é assumir a palavra nes- te espaço divido de línguas e falantes. É semp.e, assim, uma obediência e/ou uma disputa. Se é que se pode falar em simples obediência. Enunciar é estar na língua em funcinamento. E a língua não funciona no tempo, mas pelas relações semiológicas que tem. A língua funciona no acontecimento, pelo acontecimento, e não pela assunção de um indivíduo. Neste sentido, diríamos, a enunciação se dá por agenciamentos es- pecíficos da língua. No acontecimento o que se dá é um agenciamento político da enunciação. Neste embate entre línguas e falantes, próprio dos espaços de enunciação, os falantes são tomados por agenciamentos enunciativos, configurados politicamente. A noção de agenciamento da enunciação está aqui a partir do que Deleuze e Guattari (1980) colocam em Mille Plateaux, ao caracteiza- 22 rem a enunciação a partir da conceituação que Ducrot (1972) faz dos atos ilocucionais. A diferença é que para mim este agenciamento é políti- co. Ou seja, não é que ele é coletivo, como um "acordo" de um grupo. Ele é, para mim, afetado politicamente por se dar segundo os espaços de enunciação. 4. A CENA ENTINCIATIVA Diante da concepção de político acima exposta é decisivo tratar de como se dá a assunção da palavra. Diremos que ela se dá em cenas enunciativas. Uma cena erumciativa se carac|enza por constituir modos específicos de acesso à palavra dadas as relações entre as figuras da enunciação e as formas lingüísticas. Este conceito aparece definido pela primeiravez emTexto e Argu- mentação (Guimarães ,1987), quando estudei as mudanças que levaram o embora de expressão adverbial a conjunção. Cenas são especificações locais nos espaços de enunciação. A Cena enunciativa é assim um espaço paftictlarizado por uma deontologia específica de distribuição dos lugares de enunciação no acon- tecimento. Os lugares enunciativos são configurações específicas do agenciamento enunciativ o para "aquele que fala" e "aquele para quem se fala". Na cena enunciativa "aquele que fala" ou "aquele para quem se fala" não qãopessoas mas uma configuração do agenciamento enunciativo. São lugares constituídos pelos dizeres e não pessoas donas de seu dizer. Assiméstudá-la é necessariamente considerar o próprio modo de consti- tuição destes lugares pelo funcionamento da língua. Esta distribuição de lugares se faz pela temporalização própria do acontecimento. Neste sentido a temporalidade específica do acontecimento é fundamento da cena enunciativa. Na continuidade do que vimos colocando desdeTexto e Argumenta- ção, podemos considerar que assumir a palavra é por-se no lugar que enuncia, o lugar do Locutor que vou chamar de Locutor (com maiúscu- la), ou simplesmente Lr8. L é então o lugar que se representa no próprio dizer como fonte deste dizer.E desta maneira representa o tempo do dizer 1 8. Como se verá no que segue, retomo aqui o que Ducrot chamou de polifonia da enunciação, aprofundando a diferença que eujá apresentavaemTexto e Argumentação, pela conside- ração do locutor enquanto pessoa como socialmente constituído. Isto me levou a, inclusi- ve, usar de maneira diferepte os termos locutor e enunciador que Ducrot distingue e que também distingo, mas já ntrm outro quadro de categorias, onde procuro caracterisa¡ não a multiplicação das figuras da enunciação, mas sua divisão. 23 como contemporâneo deste mesmo L, e assim representa o dizer como o que está no presente constituído por este L. Mas esta representação de origem d o dizer, na sua própria represen- tação de unidade e de parâmetro do tempo se divide porque para se estar no lugar de L é necessário estar afetado pelos lugares sociais autorizados afalar, e de que modo, e em que língua (enquanto falantes). Ou seja, para o Locutor se representar como origem do que se enuncia, é preciso que ele não seja ele próprio, mas um lugar social de locutor. Tomemos um exemplo inicial. Se o Presidente da República, ou um Governador de Estado Decreta X, ele ofaz não porque alguém se dá a si ser a origem do que Decreta, mas porque enquanto Presidente (falante de Português) ele pode se dar como origem daquilo qlue Decreta, ou melhor, do próprio ato de decretar. O que signifìca dizer que assumir a palavra para decretar só é possível na medida em que o Locutor, que se dá como origem dodecre- to, só o é enquanto constituído como um lugar social de locutor, ou seja, o locutor-presidente que fala em Língua Portuguesa. Em outras palavras, o Locutor só pode falar enquanto predicado por um lugar social. A este lugar social do locutor chamaremos de locutor-x, onde o locutor (com minúscula) sempre vem predicado p9r um lugar social que a variável x representa (presidente, governador, etc). Assim é preciso distinguir o Locutor do lugar social do locutor, e é só enquanto ele se dá como lugar social (locutor-x) que ele se dá como Locutor. Ou seja, o Locutor é díspar a si. Sem esta disparidade não há enunciação. Deste modo, no acontecimento de enunciação há uma disparidade constitutiva do Locutor e do locutor-x, uma disparidade entre o presente do Locutor e a temporalidade do acontecimento.re Esta distinção pode ser diretamente mostrada, no caso do ato de decretar, pelo próprio modo de dizer o decreto, que se dá em formas do tipo "O Presidente da República, no uso de suas atribuições, decreta...". Neste caso o Locutor está diretamente separado do locutor-x que decreta. O Locutor é sempre locutor-presidente, locutor-índio, locutor-consumi- dor, locutor-jornalista, etc. No caso do decreto, o locutor-presidente é falante da Língua Portuguesa. Ou seja, não há decreto do presidente a não ser emLíngua Porluguesa. Esta configuração do espaço de enunciação, pela exclusão de qualquer outra língua, está diretamente regulada pela definição da Língua Portuguesa como língua do Estado Brasileiro. Neste lugar de inseparabilidade da língua e do Estado está o ponto da máxima resistência a outras línguas, o Inglês por exemplo, que pode até ser língua 19. Lembro aqui Ranc.ière (1992), qe numa análise enunciativa do discurso da história, diz que o sujeito falante é anacrônico. 24 de ciência para cientistas brasileiros, mas não é a língua paraalegislação brasileira, não é a língua de um ato de decretar, por exemplo. Passemos para um outro aspecto da questão. Tomemos um enuncia- do do cotidiano como "eu prometo que vou a sua casa". Aqui parece se poder dizer que a promess a é do eu dado como origem da promessa, distin- to do eu devou, aquele que deverá cumprir a promessa. Ao contrário disso diria que neste caso a expressão da primeira pessoa em prometo é só a marca da representação da origem, marca que representa seu presente como o tempo d,o dizer. Ou seja, este eu é a representação de que não há lugar social no dizer.E, de um lado, a marca do desconhecimento do Locutor a propósito do lugar do qual fala: de amigo, de pai, de filho, de vendedor, etc. Ou seja, de que lugar pode prometer algo a alguém? Em outras palavras, o eu do Locutor é o eu que não sabe que fala em uma cena enunciativa. É assim'um eu que desconhece que fala de algum lugar. A tal ponto que se toma como a pessoa, meramente enquanto tal, que deverâ cumprir sua própria promessa. Aqui o lugar de Locutor se representa como lugar de dizer simplesmente. E neste caso tmlugar de dizer que se representa como individual20. Vou chamar este lugar de dizer de enunciador. Considerare- mos, no caso em análise, que se trata de um enunciador-individual. Ou seja, estamos diante de uma enunciação que se dá como independente da história pela representação desta individualidade a partir da qual se pode falar. O enunciador-individual, enquanto um lugar de dizer, trazum aspec- to especílçopara isto que estamos chamando lugares de enunciação.E a representação de um lugar como aquele que está acima de todos, como aquele que retira o dizer de sua circunstancialidade. E aofazer isso repre- senta a linguagem como independente dahistória. Um outro lugar de dizer, que se apresenta como o apagamento do lugar social, é o do enunciador-genérico. Pensemos aqui em ditos popu- lares como "Qugm semeia vento colhe tefnpestade". Neste caso o Locu- tor também simula ser a origem do que aqui se diz. Mas o que aí se diz é dito, não de um lugar individual, independente de qualquer contexto, mas é dito do lugar de um acordo sobre o sentido de repetir o dito popular. O que se diz é dito como aquilo que todos dizem. Um todos que se apresenta como diluído numa indefinição de fronteiras para o conjunto desse todos. O enunciador se mostra como dizendo com todos os outros: se mostra como um indìvíduo que escolhe falar tal como outros indivíduos, uma outra forma de se apresentar como independente da história. 20. Isto significa dizer que as æorias dos atos de fala têm operado sobre um desconhecimento fundamental, o de que um aïo de linguagem não é uma ação individual, é a constituição de um sentido, por um agenciamento enunciativo específico. 25 Ainda um outro caso. Quando se faz uma afirmação sem qualquer modalização como "Todas as pessoas morrem", o enunciador, ao se apre- sentar como o lugar do dizer, apresenta-se como quem diz algo verdadei- ro em vinude da relação do que diz com os fatos. O que esta representa- ção significa? Significa a identificação do lugar do enunciador com o lugar do universal. Ou seja, um lugar de dizer que se apresenta como não sendo social, como eslandofora da história, ou melhor, acima dela. Este lugar representa um lugar de enunciação como sendo o lugar do qual se diz sobre o mundo. O enunciador-universal é um lugar que significa o Locutor como submetido ao regime do verdadeiro e do falso. Este lugar é próprio do discurso científico, embora não seja exclusivo dele. A afirma- ção acima, por exemplo,náo é exclusiva do discurso científico. Consideramos, então, que a cena enunciativa coloca em jogo, de um lado, lugares sociais do locutor, papéis enunciativos como locutor- brasileiro, locutor-presidente, locutor-jornalista, locutor-professor, lo- cutor-índio, locutor-consumidor, etc. O Locutor não se apresenta senão enquanto predicado por um lugar social distribuído por uma deontologia do dizer. De que lugares sociais é possível dizer o que se diz e deste modo? Por outro lado, a cena enunciativá coloca em jogo, também, lugares de dizer quie estamos aqui chamando de enunciadores. E estes se apresen- tam sempre como a representação da inexistência dos lugares sociais de locutor. E embora sempre se apresentem como independentes da história ou fora da história, são lugares próprios de uma história. Temos então enunciadores como: enunciador-individual, quando a enunciação repre- senta o Locutor como independente da história; enunciador-genérico, quando a enunciação representa o Locutor como difuso num todos em que o indivíduo fala como e com outros indivíduos; enunciador-univer- sal, quando a enunciação representa o Locutor como fora da história e submetido ao regime do verdadeiro e do falso. 5. ENUNCIAçAO, REESCRITURA, TEXTUALIDADE Como dissemos anteriormente, para nós o sentido de uma expressão pode ser analisado como seu modo de integração num enunciado, en- quanto elemento de um texto. Deste modo, a relação integrativa é vista aqui como uma relação não segmental. A seguir procuro constituir um modo de operar esta relação. Vamos, para nosso estudo da designação, observar a relação entre designar e nomear, de um lado, e de designar e referir, de outro. Ou seja, o modo de nomear, o agenciamento enunciativo específico da nomeação é elemento constitutivo da designação de um nome. Da mesma maneira que as referências feitas com um nome, ou as referências feitas por ou- tros nomes, como substitutivos do nome, em um texto, são também ele- mentos constitutivos da designação No caso da relação entre designação e nomeação, o que se deve observar é uma relação entre enunciações, entre acontecimentos de lin- guagem. Num acontecimento em que um certo nome funciona a nomea- ção é recortada como memorável por temporalidades específicas. Para o estudo dos nomes próprios vamos tormar este aspecto como fundamento de nossa análise. No caso da relação entre designação e referência, o que se deve buscar é como um nome aparece referindono texto em que ocoffe. Assim é funda- mentalobservar como o nome eslá relacionado pela textualidade com outros nomes ali funcionando sob a aparência da substituibilidade. Neste caso os conjuntos de modos de referir organizados em tomo de um nome são um modo de determináJo, de predicálo. E neste sentido é que constituem a de- signação do nome em questão. Chamo a atenção aqui para o fato de que, deste ponto de vista, arelação de predicação a que me refro aqui se dá por sobre a segmentalidade, ou seja, por sobre as fronteiras dos enunciados. Para enfrentar este último tipo de análise, apresento a seguir o que venho considerando como um processo de reescritura2t próprio, para mim, das rplações de textualidade. Com este tipo de análise vou estudar um conjunto de designações de nomes comuns. Para caracterizat aqtú o procedimento da reescrituração retomo a aná- lise que fiz do os no texto da Constituição do Império do Brasil na seqüência "São cidadãos Brasileiros 1" Os que no Brasil tiverem nascido..." Esta análise (Guimarães,I99Ia) mostra pelo menos duas possibili- dades de interpetação do os: uma anafórica e outra dêitica. Ela mostra como, ao estabelecer um ponto de interpretação no texto (os) relativa- mente a outro (o antecedente do os), o que se tem é uma falta de relação unívoca entre estes dois pontos. De acordo com esta análise, considero que procedimentos como anâfora, catâfora, repetição, substituição, elipse, etc, são procedimen- tos de deriva2z do sentido próprios da textualidade. O que significa di- zer qtJe é este processo que constitui o sentido destas expressões, bem 21. Cf. Guimarães (1999b). 1 22. A palavra deriva deve ser tomada no sentido que the deu Pêcheux (1983) em Di.scurso. Estrutura ou Acontecimento. 26 2l como que não há, texto sem o processo de deriva de sentidos, sem reescrituração. Esta deriva enunciativa incessante é que constitui, a um só tempo, os sentidos e o texto. O interessante desta deriva é que ela se dá exatamente nos pontos de estabelecimentos de identificação de se- melhanças, de correspondências, de igualdade, de retificações. Quando uma forma se dá como igual/correspondente a outra (a anaforiza, a substitui, etc), o sentido está se fazendo como diferença e constitui textualidade. O procedimento de reescrituração no texto faz com que algo do texto seja interpretado como diferente de si. E analisar a desig- nação de uma palavra é ver como sua presença no texto constitui predinações por sobre a segmentalidade do texto, e que produzem o sentido da designação. O que pretendo dizer é que as questões tomadas como procedi- mentos de textualidade são procedimentos de reescritura. Ou seja, são procedimentos pelos quais a enunciação de um texto rediz insistente- mente o que já foi dito. Assim a textualidade e o sentido das expressões se constitui pelo texto por esta reescrituração infinita da linguagem que se dá como finita pelo acontecimento (e sua temporalidade) em que se enuncia. A reescrituraçãoéuma operação que significa, na temporalidade do acontecimento, o seu presente. A reescrituração é, a pontuação constante de uma duração temporal daquilo que ocoffe. E ao reescritrtrar, aofazer interpretar algo como diferente de si, este procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado. E o que ele atribui? Aquilo que a própria reescrituração recorta como passado, como memorável. No caso do exem- plo acima, na medida que o rs reescritura cidadãos, nos dá, pela inter- pretação anafónca, a preexistência do sentido de cidadão,que ao mesmo tempo é predicado pela sobreposição da interpretação dêitica, que coloca em circulação a preexistência do sentido de pessoa, de indivíduo. E esse movimento de predicação na duração do presente pelo memorável signi- fica porque projeta um futuro, o tempo da interpretação no depois do acontecimento no qual o reescriturado é refeito pelo reescriturante. Deste modo minha posição é radicalmente anticomposicional. Ou seja, o sentido de uma expressão não é construído pelo sentido de suas partes. O sentido é constituído pelo modo de relação de uma expressão com ouffas expressões do texto, tal como exemplifiquei acima a propósi- to de cidadão. Só assim se torna possível deixar intervir na descrição do sentido os rememorados que os diversos pontos de um texto recortam. Ou seja, a descrição do sentido não pode se limitar ao estudo do funcio- namento do enunciado. Este é parte da questão e não seu lugar. 6. CENA ENTINCIATIVA E DIVISAO DO LOCUTOR Voltemos ao enunciado "O Presidente da República, no uso de suas atribuições, Decreta...". Se caracterizamos que o Locutor ai, enquanto lugar social, é o locutor-presidente, que figura de enunciador aí fala? Não parece ser um enunciador individual. Podemos dizer que se trata de um enunciador-universal. Ou seja, a enunciação do enunciado acima é um dizer que se apresenta como válido para todos e cada um e para todas as situações descritas no Decreta... O que aí se enuncia não se enuncia como independente da história, mas como fora da história, como válido para qualquer fato como aquilo que vai dirigir os fatos. Podemos dizer que o Locutor está aqui dividido por ser a um tempo o locutor-presidente e o enunciador-universal. O que isto coloca de saída é que o sentido da enunciação é produ- zido por esta divisão, por esta disparidade do Locutor a si. A questão está em como explicar esta divisão própria do Decreta, que seria dife- rente, por exemplo, de um caso em que o Presidente da República dis- sesse "Quem semeia vento colhe tempestade" (suponhamos que ele o tenha dito como comentário a uma ação política da oposição). Como poderíamos descrever esta enunciação? Diríamos que háraítmlocutor- presidente que fala do lugar de enunciador-genérico (não se trata, en- tão, de enunciador universal, como no caso anterior). Esta divisão se faz num aÇo4tecimento cuja temporalidade recorta uma memória de dizeres populares estereotipados. Uma enunciação como essa, ao pro- duzir esta nova divisão do Locutor, produz sentidos como "o Presiden- te ameaçou a oposição, acusou a oposição de semear vento, discórdia, etc", a partir de um dizer que não é só seu, mas é de todos. O locutor- presidente toma o enunciador-genérico como argumento para si. A sua voz é como avoz de todos, por isso ele fala com razão. E este enunciador- genérico produz aí o efeito de que ele não fala como presidente mas como um do todos, do povo. Como dissemos antes, esta distribuição de lugares se constitui pelo acontecimento por sua própria temporalização. Ou seja, no caso do De- creta-X a temporalidade do acontecimento enunciativo é o presente que ele (acontecimento) constitui e é uma memória, um passado de dizeres, que autoriza o Presidente decretar e decretar-x. Por exemplo, é preciso que x não tenha sido decretado, que x não diga o contrário de algo cons- titucional, etc. O decreta x tem como seu passado esta memória de leis, que aí está com o presente do acontecimento. Por outro lado, esta me- mória faz sentido no acontecimento porque para um depois nele pró- 28 29 prio. Ou seja, se o presente não inclui nele mesmo uma projeção de um depois nãohâ Decreta X, não há"1e7" senão para projetar um futuro de sentidos (de obrigações). 7. LUGARES DE ENUNCIAÇÃO E POSIÇÃO DE SUJEITO Este funcionamento do Locutor dividido pelo próprio jogo de se representar como idêntico a si, quando se lhe é díspare, é o processo pelo qual a enunciação apaga seu caráter social e histórico. Poderíamos per- guntar: por que o Locutor é significado no acontecimento como indepen- dente ou fora da história? Por que este colocar-se à margem da história se produz por este modo de representação dos lugares de dizer (enunciador) como apagamento do lugar social do locutor (locutores-x)? O que expli- ca estas divisões do Locutor que funcionam produzindo o apagamento do social e da história? Como colocamos antes, para nossoponto de vista, falat e fazer-se su- jeito é estar numa região do interdiscurso, de uma memória de sentidos (Orlandi, 1999). Assim ser sujeito é estar afetado por este esquecimento que se significa nesta posição. Deste modo a.representação do Incutor se consti- tui neste esquecimento e é isto que divide o Locutor e apaga o locutor-x. Voltemos ao caso do Decreta de um lado e ao caso do dito popular de outro. No primeiro caso o lugar social de presidente é apresentado como voz universal e o sujeito fala de uma região do interdiscurso (da posição de sujeitojurídico-liberal). Falar desta posição de sujeito e nesta cena enunciativadâ sentido ao apagamento das configurações sociais e assim às disputas, dissimetrias do dizer (os conflitos próprios do lugar social do locutor-x), pela representação do Locutor enquanto enunciador- universal. Já no caso do dito popular, o sujeito fala de uma ouÍa região do interdiscurso (posição de sujeito), a do senso comum. Posição que dá ao todos a sabedoria irrefletida pela qual o Presidente não se diz Presi- dente mas umdos que lhe são historicamente dissimétricos. As duas caracterizações acima poderiam levar a pensar que a figura do enunciador não énada mais do que uma repetição da questão da posi- ção do sujeito. Mas não é o caso. O enunciador-universal, por exemplo, pode ser o lugar do dizer de enunciações para as quais a posição do sujeito no interdiscurso é a do discurso jurídico-liberal, como no caso do Decreta X. Poderia ser, por outro lado, o lugar de dizer de enunciações em que o sujeito estivesse na posição de sujeito administrativo, ou cientí- fico. E estas diferenças levam a relações diversas entre o lugar de dizer e o lugar social do dizer. Da posição do discurso juídico e do discurso administrativo, o enunciador-universal pode ser o lugar de dizer que apa- ga o locutor-presidente. Mas este mesmo enunciador-universal pode ser o lugar que fala a partir da posição do discurso científico. O que pode tanto deslocar, por exemplo, Fernando Herinque Cardoso (que hoje ocu- pa a Presidência da República no Brasil) do lugar de locutor-presidente para o de locutor-sociólogo, como não. Nada impede que da posição de sujeito científico o lugar do dizer seja o enunciador-universal e o lugar social seja o de locutor-presidente. Tantas vezes o atual presidente mobi- lizou argumentações próprias da economia, da sociologia, etc, enuncian- do do lugar de presidente. Mas não deixa de ser interessante ver como falar do lugar do presidente apartir de uma posição do discurso científi- co é diferente de falar do lugar do presidente a partir de uma posição do discurso jurídico, como no caso do Decreta, ou de uma posição no dis- curso político, como no caso do dito popular "Quem semeia vento, colhe tempestade". E observe-se que o passado (memorável) do acontecimento é emcadacaso outro. 1i 30 3T Cnpfruro II O NOME PROPRIO DE PESSOA23 Tomemos agora o objeto de que nos ocuparemos de modo específi- co, o funcionamento da designação. Inicio pelo estudo da designação dos nomes próprios de pessoa. Pensar o nome próprio de pessoa nos coloca diante da relação nome/ coisa, na qual se considera que se está diante dos casos em que se tem um nome único para um objeto único. Por outro lado se coloca a questão de que há uma relação particular: o nome único é nome de uma pessoa úni- ca. Ou seja, estamos na situação em que o nome está em relação com aqueles que falam, que são sujeito no dizer. Isto por si só resignifica a questão darelação nome/coisa, na medida em que arelação é nome/pes- soa, nome/falante, nome/sujeito. Um dutfo aspecto importante a considerar é que a relação nome único/objeto único pode levar a uma hipótese de unicidade do nome. Vamos, neste capítulo, procurar discutir as questões acima a partir de uma posição enunciativa tal como acabamos de configurar. Como se verâ,, o estudo do nome próprio de pessoa leva a recolocar fortemente as questões relativas ao domínio que pensa arelação da linguagem com o mundo e como sujeito. Observaremos, inicialmente, os aspectos morfossinLáticos (um modo de construção) do funcionamento do nome próprio de pessoa e em segui- da seus aspectos semântico-enunciativos. 1. FUNCIONAMENTO MORFOSSINTÁTICO Se tomamos nomes próprios tal como os existentes na nossa socie- dade, encontramos nomes como: Getúlio Domelles Vargas, João Belchior 23. Esta seção retoma parte do que disse em'Designação e Processos de Enunciaçáo", de 7993, mimeo. Faz também parte, com algumas diferenças, de Guimarães (2000b). Cf. outros estu- dos sobre designação em Guimarães (1991a, l99Lb e 1993) JJ Marques Goularl, Antônio Cândido de Melo e Souza, Joaquim Mattoso Câmara Júnior João Café Filho. Nestes nomes, como em outros, vamos encontrar nomeações que se formam a partir da combinação de dois tipos de nome: Os nomes e os sobrenomes. Ou seja, temos uma classe de nomes como Getúlio, João, Belchiof Antônio, Cândido, Joaquim, e outra de nomes como Vargas, Marques, Goulart, Melo, Souza, Mattoso, Câmara, Café. Além disso temos nomes de uma terceira classe como Júnior e Filho. O que se observa é que o nome próprio de pessoa, que é apresentado como umnome único para uma pessoa única,é na verdade uma construção tal que um sobrenome determina lm nomeu. Por exemplo, Marques e Goulart determinam João Belchior. Há que se considerar aqui que nome e sobrenome podem ter uma relação de determinação interna através de um procedimento de aposição de um nome ou sobrenome ao outro. Voltemos à determinação do nome pelo sobrenome. Ela diz que este João Belchior é tmMarques Goulart. É dapamitiaMarques Goulart. Ou seja, o funcio- namento do nome próprio de pessoa é construído por uma determinação. Se observarmos, ainda, o funcionamento de nomes da terceira clas- se (Júnior, Filho), vamos ver que esteis palavras têm também um funcio- namento determinativo que se caracterizapor estabelecer uma distinção entre nomes iguais. Joaquim Mattoso Câmara Júnior é, o Joaquim dos Mattoso Câmara que é filho de um oatro Joaquim dos Mattoso Câmara. Ou seja, há uma constituição morfossintática do nome próprio de pessoa e ela se dá como relações de determinação que especificam algo sobre o que se nomeia. E estas relações são restrições que determinam o modo de nomear alguém. Um outro aspecto interessante a observar é que a relação entre o sobrenome e o nome se dá tanto por uma justaposição, como em Getúlio Dornelles Vargas quanto através de preposição, como é o caso de Antô- nio Cândido de Melo e Souza, em que o de liga Melo e Souza a Antônio Cândido. Aqui se observa também que os sobrenomes, quando mais de um, podem vir justapostos como em Mattoso Câmara, ou articulados por uma conjunção, como em Melo e Souza2s. As ligações entre o nome e o sobrenome podem se dar ainda com algumas variações como as que estão em Epitócio da Silva Pessoa, 24. Volta¡emos depois sobre esta questão da determinação, que do ponto de vista semântico- enunciativo é mais complexa e contém também a determinação do nome sobre o sobrenome. 25. Não deixa de ter interesse observar como a ortografia, Souza ou Sousa, por exemplo, faz parte destes mecanismos determinativos e identificadores. 34 Hermes Rodrigues da Fonseca. Nestes casos vê-se a ligação entre onome e o sobrenome feita por uma preposição e um determinante (artigo) as- simcomo uma ligação entre os sobrenomes, damesmaforma. Apresen- ça do artigo traz mais um aspecto das determinações que se podem dar na constituição do nome próprio Esta observação inicial já nos leva a considerar que o nome próprio de pessoa é, na nossa sociedade, uma construção em que relações semân- ticas de determinação constituem o nome, o que já nos afasta de posições estritamente referências ou cognitivas no estudo do nome próprio. Isto ficará mais claro ainda pelas análises que se seguem. 2. O FI.]NCIONAMENTO SEMÂNTICO-ENUNCIATIVO Antesde analisar aspectos específicos deste funcionamento, é pre- ciso observar que a nomeação de pessoas se dá no espaço de enunciação da Língua Oficial do Estado, aLíngtaNacional, como homogênea. Ob- serve, por exemplo, os nomes acima apresentados, e considere a incum- bência da autoridade responsável pelo registro de crianças em não aceitar nomes "fora de propósito". É pensando neste espaço de enunciação que vamos aqui observar como a nomeação constitui a designação de um nome próprio de pessoa. Consideraremos, nos textos nos quais se apre- senta, as relações do-funcionamento designativo do nome prórpio com as enunciaçÕeq de nomeação (nas quais um nome é atribuído a uma pessoa). Tomaremos para isso quatro aspectos. A) O ato de dar nome a uma pessoa, na nossa sociedade, pelos pais; B) Relativamente ao item A, o que nos diria o fato de que em cada época há nomes predominantes, que são mais usados? (Reportagem de jornal de cerca de quatro ou cinco anos dava conta de que o nome predo- minante naquele momento era Bruno, para os meninos); C) Por que alguém que foi nomeado a) Antônio Cândido de Melo e Souza é no uso corrente Antônio Cândido? b) Maximino de Araújo Maciel é Maximino Maciel? D) No serviço militar alguém que se charnaloão Roberto Rodrigues da Silvapde ser João ot Roberto ou Rodrigues ou Silva, e mesmo da Silva? A análise destes aspectos põe de início a questão sobre o funciona- mento do nome próprio que se constitui como a busca de uma unicidade. Ou seja, um nome para uma única pessoa. Unicidade que o funcionamen- to morfossintático mostraqlue é, em verdade, uma construção de relações lingüísticas e não uma relação diretaentre palavra e objeto. Como vimos, 35 um nome de pessoa é uma construção com determinações de um certo tipo. A questão interessante é procurar saber o que significa esta constru- ção de unicidade do nome próprio. Minha hipótese aqui é que esta unicidade é um efeito do funciona- mento do nome próprio como processo de identificação social do que se nomeia. Isto ganha contornos especiais e muito particulares no caso dos nomes próprios de pessoa porque neste caso o funcionamento do nome se dá no processo social de subjetivação. Ou seja, passa a ser uma questão do sujeito. Vamos, então, para refletir sobre esta questão fundamental, tomar os quatro aspectos há pouco colocados. 2. 1. Tomemos o caso A. Dar nome a uma criança é uma "obriga- ção" dos pais que a devem registrar. E é uma "obrigação" estabelecida pela lei (um conjunto de textos específicos), que obriga os pais a registra- rem um recém-nascido. Os pais devem solicitar ao cartório a emissão de uma certidão, um texto sustentado pela lei, que nomeia e inclui o nomea- do no Estado, com as obrigações e direitos advindos desta inclusão. Dar nome a uma pessoa se faz, então, do lugar da paternidade (locutor-pai) que se configura como um lugar socialbem caracteizado. Não é a pater- nidade biológica que interessa no processo, embora o direito coloque a relação biológica como elemento do lugar da paternidade. Mas os pais nomeiam como aqueles que escolhem, segundo querem, um nome. Te- mos, então, um enunciador-individual. A representação deste enunciador apaga a constituição do Locutor pela rede jurídica que o instala como pai, no espaço enunciativo da Língua Portuguesa, com certas obrigações de dizer (dar nomes aos filhos, por exemplo). Dar nome é, assim, identificar um indivíduo biológico enquanto in- divíduo para o Estado e para a sociedade, é tomá-lo como sujeito. Deste ponto de vista ganha interesse o funcionamento determinativo da cons- trução do nome próprio de pessoa. No caso de Antônio Cândido de MeIo e Souza, por exemplo, nomeá-lo é colocá-lo na relação social como o Antônio Cândido dos Melo e Souza. É colocá-lo na sociedade com uma identificação. 2.2.Yejamos o aspecto B. Ele mostra, claramente, que a "escolha,, do nome não é uma escolha. Sua "origem" não é nem o locutor-pai (lugar social) nem o enunciador-individual (lugar de dizer). O Locutor se repre- senta, na escolha do nome Bruno, como um enunciador-contemporâneo, que se caracteizapor enunciar tal como se "escolhe" enunciar num certo momento. Ou seja, a "escolha" do nome se dá segundo um agenciamento enunciativo específico. Este acontecimento de nomear recorta como me- moráveis os nomes disponíveis como contemporâneos, próprios de sua época. Assim se este enunciador apaga o lugar do pai, o signficia, ao mesmo tempo, como moderno. O processo enunciativo da nomeação pode, então, envolver lugares de dizer diferentes, o que diz respeito ao fato de que uma enunciação que nomeia pode estar citando enunciações diversas. No caso de Bruno há alguns anos, a enunciação do pai cita a enunciação daqueles que são tidos como modernos, engajados no seu presente. Lembremos também como muitas crianças chamaram-se Donizete, no Brasil, num celto mo- mento, por causa de um padre cujo sobrenome era Donizete. As nomea- ções dos pais citam as enunciações que nomearam tal padre Donizete. Isto se dá por um acontecimento que recorta uma outra memorialidade de nomes no espaço da contemporaneidade, o das celebridades. Em oposi- ção a isso se pode ter, e se tem, casos de pais que adotam nomes que parecem não estar disponíveis num certo momento. Neste caso são ou- tras as enunciações citadas. Esta questão mostra, ao mesmo tempo, que nas nomeações podem- se cruzar Íegiões diferentes do interdiscurso (posições de sujeito diferen- tes). No Caso do nome Bruno a posição de sujeito é a jurídico-liberal, no caso de Donizete cruzam-se duas posições de sujeito, de um lado a jurídi- co-liberal (aquela da qual se nomeia por obrigação do Estado) e de outro a posição de sujeito religioso. O agenciamento enunciativo específico é afetado pef a gremória do dizer, pelo interdiscurs o. A análise acima nos leva a dizer qtJe o nome determina, na constru- ção do nome de pes soa, o sobrenome. Se alguém é nomeado Donizete da Silva, o é por uma memorialidade de nomes célebres enunciada de uma posição de sujeito religioso. Assim Doni zete determina da Silva, na me- dida em que particulariza um da Silva a partr desta posição religiosa. Do mesmo modo que o da Silva, como qualquer sobrenome, ver o que disse em2.1 ,pafüøtlarizatmDonizete,quenáoé só este. São muitos os que naquele momento se chamaram Donizete, como em outro caso Brut - no. Estar num lugar enunciativo e nomear uma criança é particularizat um dos Silva, Melo, etc.E interessante observar aqui a articulação da temporalidade do acontecimento, um memorável contemporâneo de cele- bridades, e a posição de sujeito religioso no interdiscurso Mais uma vez a construção do nome opera enunciativamente no processo de identificação social do indivíduo. Um Donizete da Silva é tm Donizete que configura os da Sl/va, mesmo que o lugar do dizer (enunciador-individual) dpresente a nomeação como a escolha de um nome para particularizar um ser biológico específico. 36 37 2.3. Agora o aspecto C. Primeiro há que se registrar que ao lado da nomeação dos pais, há um processo de designação que se dá para alguém, a partir da enunciação dos pais, mas numprocesso de certa forma distinto. Deste modo o nome que é dado do lugar do pai é alterado no proces- so da vida social em que o indivíduo está e acaba por se reduzir, modifi- car. Por exemplo, Antônio Cândido de Melo e Souza torna-se Antônio Cândido por um trabalho enunciativo sobre a enunciação inicial que re- gistrou um nome para a pessoa. A mesma coisa se dâpara Maximino de Araújo Maciel que se toma Maximino Maciel. São outros lugares de enunciação que renomeiam o que se nomeou do lugar do pai. Este jogo de enunciar a partir de outras enunciações refazatemporalidade do primei- ro acontecimento, exatamente por tomáJo diretamente como o rememorado que o presente do segundo acontecimento modifica. Diríamos que há duas direções diferentes operando: em uma opera uma "individtalização",
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