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83 CAPÍTULO 6 Aloimunização O termo aloimunização corresponde a produção de anticorpos quando ocorre a exposição do indivíduo a antígenos não próprios. Existem inúmeros casos, entre eles merece destaque a transfusão de sangue incompatível (aloimunização eritrocitária) e em mulheres grávidas, cujos fetos passam a expressar em suas células do sangue antígenos apenas de origem paterna e podem entrar em contato com o sangue circulante da mãe durante a gestação ou no parto. A aloimunização eritrocitária merece especial atenção diante das consequências que podem acometer o paciente receptor do sangue. Neste caso, pacientes que receberam alguma transfusão de sangue, e tenha sido exposto a antígenos não próprios, o sistema imunológico desenvolve células de defesa para os antígenos reconhecidos. Assim, trata-se de uma resposta imunológica contra antígenos eritrocitários desconhecidos, o que leva à sensibilização em transfusões de sangue. São produzidos aloanticorpos antieritrocitários, destinados à destruir os antígenos dos�sistemas�Rh,�Kell,�Du�y�e�Kidd�das�c�lulas�do�doador,�o�que�pode�levar�a�hem�lise.� Seu desenvolvimento está associado à idade do paciente, número de transfusões recebidas e diferenças antigênicas entre pacientes e doadores. Entre as complicações deste fato incluem o risco de infecções por vírus e bactérias e a aloimunização. Esta por sua vez limita a disponibilidade de hemácias compatíveis, aliado ao risco de hemólise em grandes percentuais e até mesmo hemólise tardia. A anemia falciforme é uma doença hereditária comum no Brasil, sendo caracterizada pela substituição da hemoglobina A (HbA) normal, por meio de uma mutação de ponto (GAG>GTG) no gene da globina beta. Mutação que implica na substituição de um ácido glutâmico por uma valina da cadeia beta, e consequentemente a presença de alterações morfológicas e físico-químicas na hemoglobina, uma hemoglobina anormal denominada hemoglobina S (HbS). Quando diagnosticado, o paciente pode ser tratado com o recebimento de transfusões sanguíneas, que podem desencadear problemas secundários como a aloimunização eritrocitária. Esta ocorre quando há produção de anticorpos direcionados contra antígenos das hemácias do doador, sendo consideradas como non self, uma vez que não estão presentes nas suas hemácias. Tal fato torna a transfusão sanguínea extremamente arriscada, o que restringe disponibilidade de 84 UNIDADE IV │ INTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS bolsas de concentrados de hemácias compatíveis em transfusões subsequentes, além de aumentar as chances de ocorrência de hemólise. Vizzoni e Moreira (2017) descrevem que, quanto maior o número de transfusões feitas, principalmente em pacientes com doenças agudas e/ou atendidos em emergências médicas, mais o organismo se torna sensível a produzir anticorpos. Sendo uma correlação determinada pelo fato de que quanto maior o número de transfusões, maior a possibilidade de exposição a antígenos não próprios aos portadores de anemia falciforme e, consequentemente, maior o risco de aloimunização. Diante do exposto torna-se imprescindível a realização de fenotipagem dos grupos sanguíneos, de ambas as partes, doador e receptor (portadores de anemia falciforme) para assim evitar a aloimunização e complicações hemolíticas. Desse modo, pacientes devem receber concentrado de hemácias com fenótipo compatível, a fim de evitar reações transfusionais hemolíticas. Outra patologia caracterizada pela aloimunização é a doença hemolítica do perinatal (DHPN), na qual ocorre a reação de anticorpos maternos contra os antígenos presentes nos eritrócitos fetais. Este ataque ocorre devido a presença de incompatibilidade sanguínea a antígenos das hemácias presentes no feto (Rh+) e ausentes na mãe (Rh-). Figura 71. Desenho esquemático da doença hemolítica do recém-nascido. Mulher Rh- (dd) Organismo materno fabrica anticorpos anti-Rh Mulher sensibilizada produz muitos anticorpos anti-Rh Passagem de anticorpos anti- Rh para a circulação fetal Passagem de hemácias fetais (Rh+) para o sangue Criança Rh+ Parto Segunda gravidez Criança Rh+ Primeira gravidez Fonte disponível em: <http://obstetriciasembioquimica.blogspot.com/2014/10/isoimunizacao-da-mae-por-sistema-ab0-e. html>. Acesso em: 7 junho 2019. 85 INTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS │ UNIDADE IV A sensibilização da gestante se dá pelo contato com o sangue fetal (Rh+) com a circulação materna (Rh-), principalmente nas últimas semanas e, não raro, no trabalho de parto, o que desencadeia a produção de anticorpos maternos. Normalmente na primeira gestação não será evidenciado nenhuma complicação decorrente a esta sensibilização. No entanto, na segunda gestação (feto Rh+), os anticorpos produzidos são reativados e podem ultrapassar a barreira placentária e proporcionar a hemólise de hemácias fetais, caso o feto apresente o mesmo antígeno correspondente ao anticorpo que pode levar à hidropsia e ao óbito fetal ou neonatal. A aloimunização em gestantes ocorre devido aos antígenos D do fator Rh em 98% dos casos e 2% em função dos antígenos atípicos como Kell, E ou C. Na eventualidade do diagnóstico de aloimunização, a gestante deve ser encaminhada para centros de referência para o acompanhamento da gravidez. Como medida preventiva da sensibilização pelo fator Rh deve-se realizar a administração de imunoglobulina anti-D em mulheres gestantes com Rh negativo. Para prevenir tais complicações é necessário realizar a pesquisa de anticorpos irregulares por meio do Teste de Coombs indireto (Figura 72), no qual avalia o plasma sanguíneo, identificando os anticorpos nele presentes. É considerado positivo com título maior que 1/16 para anticorpo anti-D e qualquer valor para os demais antígenos, especialmente Kell. Caso o sangue paterno seja Rh positivo e heterozigoto para o antígeno em questão. Figura 72. Representação esquemática do Coombs indireto. TESTE DE COOMBS INDIRETO Amostra de soro contendo anticorpos (Ig’s) Amostra de sangue de um doador é adicionada ao tubo com soro (O+) Ig’s fixam-se nas hemácias do doador formando o complexo antígeno-anticorpo Soro de Coombs é adicionado (Anti-Ig humana) Aglutinação ocorre pois as Ig’s estão fixadas nas hemácias Teste positivo Fonte disponível em: <https://lh5.ggpht.com/_STDVFQGESJI/TWMze0Dul6I/AAAAAAAAB5k/7tB_SLbjtqI/coombs%20ind_ thumb%5B2%5D.jpg?imgmax=800>. Acesso em: 7 junho 2019. 86 UNIDADE IV │ INTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS Outra�opç�o���a�reali�aç�o�do�Coombs�direto�(Figura�73��que�permite�a�identi�caç�o� de anticorpos aderidos à superfície dos eritrócitos. Avalia de forma direta as células vermelhas do sangue, a presença de anticorpos ligados à hemácia e se esses são derivados do próprio sistema imune da pessoa ou recebidos por transfusão. Muito empregado no diagnóstico das anemias hemolíticas do recém-nascido (eritroblastose fetal), doenças autoimunes. Figura 73. Representação esquemática do Coombs direto. Amostra de sangue de um paciente com anemia hemolítica autoimune: eritrócitos Soro de Coombs é adicionado (anti-Ig humana) Aglutinação (anti-Ig + complexo Antígeno-anticorpo) Antígeno na membrana da célula Anti-eritrócitos Anti-Ig humana (Soro de Coombs) Legenda Teste positivo TESTE DE COOMBS DIRETO Fonte disponível em: <https://wss0271.files.wordpress.com/2011/08/coombs-dir.jpg>. Acesso em: 7 junho 2019. Como procedimento padrão para evitar a ocorrência da aloimunização, a gestante Rh- e recém-nascidos Rh+, após o parto ou evento obstétrico devem receber imunoglobulina anti-D em até 72 horas como proteçãocontra sensibilização.
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