Prévia do material em texto
INTRODUÇÃO A união estável é uma situação de fato. Por essa razão, o fato de você não ter qualquer documento sobre essa união não quer dizer que ela não exista. Ela poderá ser provada de várias formas: contas correntes conjuntas, testemunhas, disposições testamentárias, apólice de seguro, entre outras, vide §3º, do art. 22, do decreto 3.048, de 06/05/99. Claro que se você tiver um documento, principalmente, se se tratar de documento público, realizado em cartório, isso facilitará muito a vida dos conviventes, haja vista que a escritura pública faz prova plena e se presumem verdadeiros os fatos ali relatados, mas é importante que se frise que a escritura tem caráter meramente declaratório e não constitutivo. Isso quer dizer que se "a união estável existir, seu registro apenas refletirá um fato anterior. Já se não houver verdadeiramente uma união estável, o registro não passará de uma declaração falsa, pois não servirá para criá-la". Por fim, é bom que se esclareça que, após a decisão do STF, nas ADI 4.277 e ADPC 132, não há mais que se diferenciar união estável homo e heteroafetiva, devendo o tema ser tratado simplesmente como união estável. A união estável é um estado civil? Não. Trata-se, como dito acima, de uma situação de fato, que não alterará o seu estado civil. Os estados civis são: solteiro, desquitado, separado, divorciado e viúvo. A pessoa casada pode ter uma união estável? Sim, depois do advento do CC de 2002, não resta mais dúvida. A pessoa casada, mas separada de fato, pode constituir união estável, vide §1º, do art. 1.723, do CC. O que a nossa ordem civil veda são as relações simultâneas, por força do disposto no art. 1.727, também do CC. Qual é o tempo necessário para se configurar uma união estável? Antigamente, exigia-se o prazo de 5 (cinco) anos ou a existência de prole para se configurar uma união estável. Atualmente, esse prazo não existe. O critério dessa avaliação é subjetivo. Ou seja, de que forma você apresenta essa pessoa à sociedade e a vontade de se constituir família e enfim, os requisitos do art. 1723, do CC e que não haja nenhum impedimento constante do art. 1.521, do CC. Vale lembrar que, apenas para fins previdenciários, a lei 13.135/15 exige o prazo de 2 (dois) anos para se obter os benefícios previdenciários. No entanto, em se tratando de questão previdenciária, a motivação desse prazo é puramente econômica. Se eu não tiver nenhum documento, o que valerá em termos patrimoniais para a minha união estável? Caso não se tenha nenhum documento, valerá para aqueles conviventes a norma legal, prevista no art. 5º, da lei 9.278/96, ou seja, tudo o que for adquirido a título oneroso durante a união presumir-se-á que seja dos dois, meio a meio. Lembrando que os bens 1 recebidos por um dos conviventes por meio de doação, de herança, de sub-rogação de bens particulares ou de bens anteriores à união, não serão objeto de meação pelo outro companheiro, permanecendo como bens particulares. Qual a importância de ter um documento, ou seja, de se lavrar uma escritura pública de união estável? Apesar de a união estável ser uma situação de fato, a escritura é importante por oficializar alguns aspectos, em especial, o regime de bens aplicável à união. Se os companheiros vivem em união estável sem a elaboração de uma escritura pública ou se nela nada estiver estabelecido em relação ao regime de bens, na hipótese de dissolução da união serão aplicadas as regras da comunhão parcial. Se os conviventes quiserem que valha outro regime, é indispensável a lavratura da escritura com a indicação do regime de bens e de outros aspectos que os companheiros julguem relevantes. É importante também a escritura como meio de comprovação da existência da união, para fins de concessão de benefícios, inclusão dos companheiros como dependentes perante planos de saúde e órgãos previdenciários, pois a escritura pública é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena, de acordo com o art. 215, do CC brasileiro. Ademais, outra vantagem da escritura pública é que, se as partes perderem ou o documento for deteriorado, basta se dirigir ao Cartório onde aquela escritura foi lavrada e pedir uma nova certidão, que tem o mesmo valor do documento original, vide inciso II, do art. 425, do CPC. É indispensável que os companheiros convivam debaixo do mesmo teto para se configurar uma união estável? Não, desde há muito tempo foi editada a súmula do STF 382 (1964), que determina o seguinte: "A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato." Se eu quiser estipular outras regras patrimoniais para a minha união é possível? Sim, nesse caso, o aconselhável será fazer um documento, estipulando o regime patrimonial que os companheiros pretendem que seja instituído para a sua relação. Nossa legislação civil é bem flexível ao tratar de direitos patrimoniais privados, isso quer dizer que você poderá optar por um dos regimes patrimoniais de bens previstos no CC (como, por exemplo, comunhão universal de bens, separação absoluta de bens, participação final nos aquestos) ou optar por um regime misto, especialmente elaborado para aqueles conviventes. E se, depois de escolhido o regime patrimonial, os conviventes decidirem alterar o regime patrimonial. É possível? Diferentemente do que ocorre com o regime de bens no casamento, quando é necessária a autorização judicial para mudança de regime de bens, na união estável não se exige a autorização judicial, basta que se faça outro instrumento estipulando o novo regime patrimonial que regerá a relação daqueles conviventes. 2 Ressalte-se que direitos de terceiros estarão sempre resguardados, mormente, se a intenção dos companheiros tenha sido de lesar credores. Se eu tiver uma escritura pública de união estável, isso basta para eu requerer a inscrição do meu companheiro ou da minha companheira perante o INSS? Em termos previdenciários, o ideal é que se faça o requerimento de inclusão de dependente em vida, isso facilitará muito a vida do seu companheiro ou da sua companheira, após o seu falecimento. A lei 8.212, de 24/07/91, foi regulamentada pelo decreto 3.048, de 06/05/99, que no seu §3º, no art. 22, determina quais os documentos que poderão servir como prova da alegada união estável. Não basta a escritura pública. A escritura pública é uma forte prova, no entanto, não será a única. UNIÃO ESTÁVEL X CONCUBINATO Renato de Mello Almada "Companheira e Concubina – Distinção. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União Estável – Proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. (Ministro Marco Aurélio. Recurso Extraordinário nº 397.762-8 – Bahia)" Elogiável é a clareza da ementa acima, da lavra do eminente Ministro Marco Aurélio de Mello. Não poucas vezes temos nos deparado com situações em que a confusão entre os diferentes institutos se faz presente. Nada mais odiosa é a teimosia em não se reconhecer à confusão existente e com isso criar e perpetuar verdadeira "algazarra processual". Não há mais espaço para se confundir os institutos da união estável e do concubinato, bem assim os direitos de cada um deles derivados. Infelizmente, não são raros os casos nos quais, embora seja uma das partes legalmente casada, ingressa-se com ação objetivando o reconhecimento da união estável supostamente havida com uma pessoa impedida de se casar, tendo, por consequência lógica, o interesse na divisão do patrimônio e na fixação de alimentos, principalmente dado o caráter de irrepetibilidade deste. Temos presenciado casos em que não só há equívocona elaboração do pedido inicial como, também, na análise preliminar feita pelo juízo. Estando patente que uma das partes é casada, não existe possibilidade jurídica de ser reconhecida uma união estável, devendo de pronto ser o pedido repelido. Da mesma forma, se em uma análise inicial surge a dúvida quanto ao real estado civil de uma das pessoas da relação a que se busca dar o status de união estável, prematuro, no mínimo, é a fixação de alimentos provisórios em tais circunstâncias. O magistrado deve agir com prudência em casos dessa natureza, sob pena de criar um emaranhado que tende a se agigantar caso logo não seja resolvida a contenda. 3 Por isso que concordamos integralmente com o irretocável conteúdo da Ementa ora em comento. Ela é objetiva, clara e precisa. Não é demais lembrarmos que o artigo 1.723 do Código Civil estatui que "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". De outro lado, prevê o artigo 1.727 do Código Civil que "as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato". Ora, a lei é clara e não dá margens a diferentes interpretações. Para caracterização da união estável é indispensável que entre homem e mulher haja convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família. Por ter como objetivo a constituição de família é que a lei previu expressamente (conforme § 1º do art. 1.723 do CC) que "a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art, 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente". Em razão disso, existindo prova de uma das partes ser casada e com seu cônjuge sempre ter convivido, nunca dele tendo se separado, seja de fato ou de direito, impróprio é rotular de união estável uma eventual relação simultânea ao casamento. Em tal situação, nada obstante estarmos diante de um fato que contraria a boa moral, em termos jurídico, quando muito, poderíamos dizer tratar-se de um concubinato impuro ou impróprio, nunca de uma relação de união estável. E por se tratar de concubinato, não há que se falar em direito a alimentos. Nesse diapasão, farta é a jurisprudência. Tomemos por exemplo as seguintes: "APELAÇÃO CÍVEL. DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ÔNUS DA PROVA. RELAÇÃO EXTRA MATRIMONIAL. AUSÊNCIA DE PROVA INSUFICIENTE DA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPEDIMENTO LEGAL. O reconhecimento da união estável exige que, além da demonstração da convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família, inexistam impedimentos à constituição dessa relação. Os casados estão impedidos de constituir união estável, ressalvada apenas a hipótese em que estiverem separados de fato. Demonstrado que convivência afetiva era mantida concomitantemente com o casamento, não sendo o consorte separado de fato, cuida-se de caso de relacionamento extraconjugal em que descabe o reconhecimento de união estável. Recurso improvido. A prova da separação de fato deve ser cabal e substanciosa, hábil a demonstrar o rompimento do vínculo matrimonial, estabelecido de modo formal, público e solene". (TJ/MG – Rel. Dês. Heloisa Combat; data do julgamento 14.10.2008; data da publicação 3.11.2008; Processo nº 1.0398.06.000889-1/001). 4 "CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS. COMPANHEIRO CASADO. No caso de pessoa casada a caracterização da união estável está condicionada à prova da separação de fato. Agravo regimental não provido". (AgRg no Agravo de Instrumento nº 670.502 – RJ – 2005/0053159-3 -; Rel. Ministro Ari Pargendler, j. 19 de junho de 2008). "UNIÃO ESTÁVEL – MATRIMÔNIO - HÍGIDO – CONCUBINATO – Relacionamento simultâneo. Embora a relação amorosa, é vasta a prova de que o varão não se desvinculou do lar matrimonial, permanecendo na companhia da esposa e familiares. Sendo o sistema monogâmico e não caracterizada a união putativa, o relacionamento lateral não gera qualquer tipo de direito". (TJ/RS, Ap. 70010075695, 2002, maioria). Como visto, a questão é pacífica nos Tribunais e na melhor doutrina, até porque decorre da Lei - "As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato". Como bem demonstrado no julgamento do Recurso Extraordinário 397.762-8, Relatado pelo eminente Ministro Marco Aurélio, em julgamento ocorrido em data de 3 de junho de 2008, cuja Ementa ilustra nosso artigo, "a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nesta não está incluído o concubinato." Disso deriva ser imprópria a fixação de alimentos em casos em que não esteja cabalmente demonstrada a convivência em união estável e, ao invés, ao menos em um primeiro momento, esteja tipificada a existência de concubinato que, à evidência, não gera direito à obtenção de alimentos. Assim, não só as partes, mas também o próprio Estado-Juiz – que deve zelar pela rápida solução do litígio – devem estar atentos aos institutos, expressões e vocábulos empregados no caso posto em juízo, sob pena de a babel se configurar marca registrada daquela lide, ocasionando desdobros outros, que contribuirá para atravancar ainda mais nosso judiciário. CASAMENTO HOMOAFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURIDICAS Uma recente sentença preferida em primeiro grau no Estado de São Paulo, mais precisamente em uma das varas de Família da cidade de São Carlos, indeferiu a conversão de união estável homoafetiva em casamento. Com todo o respeito do qual é credor o ilustre prolator da decisão acima noticiada, entendemos ter ela sido profundamente equivocada. Com efeito, o nosso Código Civil traz insculpido no artigo 1.725 a categórica afirmação de que, para efeitos patrimoniais, a união estável encontra-se equiparada ao casamento pelo regime da comunhão parcial de bens. O texto infraconstitucional supra referido somente acompanhou a lição estampada no §3º do artigo 226 nossa Carta Magna. Essa questão já havia sido superada em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a nova Constituição Federal. Portanto, tendo em face o reconhecimento da união estável por nossa Corte Suprema, automaticamente se franqueou o enlace entre pessoas do mesmo sexo. 5 Ora, no momento em que nossa carta constitucional traz a dignidade humana como um dos princípios fundamentais da nação, alargando o seu espectro por meio da lição emanada do inciso IV do artigo 3º desse mesmo "Codex" dizendo ser seu dever "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça e sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", espancou definitivamente a tese desagasalhadora dos amplos direitos daqueles que vivem uma relação homoafetiva. Desde a vigência da nova Carta, deveriam nossos sodalícios conferir garantias de natureza civil e patrimonial àqueles que fizeram e fazem a opção de manter vida comum com pessoas do mesmo sexo. Já passou da hora de cessarem as discussões a respeito desse assunto. Aquilo que somente agora está se aplicando nas decisões judiciais deveria já estar valendo, porque esta vigente desde 1988. Desde os idos de 1986, eu modestamente propugnava para que a união homoafetiva gerasse direito à partilha de bens, independentemente da prova de esforço comum. Quanto ao texto constitucional, este falou ser incabível o preconceito sexual, chancelou a legalidade de todas as uniões conjugais existentes com escopo de constituir família, fossem ou não entre pessoas de sexos diferentes. Diante desse entendimento, válido tanto para o casamento como para a união estável homoafetiva, resta dispensada a prova do esforço comum para que haja partilha dos bens amealhadospor forma onerosa, na constância da relação, salvo aqueles advindos de herança, doação, legados e sub-rogados. No que tange ao direito de herança, nossa doutrina e jurisprudência quase unânime já consagrou a inconstitucionalidade do segregativo artigo 1.790, onde o direito dos companheiros restou diferenciado daqueles atribuídos às pessoas legalmente casadas. Acompanho o entendimento de ser inconstitucional o citado dispositivo legal, tudo em razão da igualdade de direitos que deve prevalecer entre os cidadãos civilmente casados e aqueles que constituem união estável. A ATUAÇÃO DO STJ NA GARANTIA DOS DIREITOS DAS PESSOAS HOMOAFETIVAS A possibilidade de reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a partir do julgamento de um recurso especial pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 25 de outubro de 2011, está entre as principais conquistas jurídicas da comunidade LGBTI (como se designam lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e os que têm outras orientações). Pouco antes, em maio daquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar duas ações constitucionais, havia decidido que as uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo deveriam ter o mesmo tratamento legal dado àquelas formadas por heteroafetivos. Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução 175, que regulamenta a celebração de casamento civil e a conversão da união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2013 e 2016, foram registrados 19,5 mil casamentos homoafetivos nos cartórios brasileiros, com média de 6 aproximadamente 5 mil por ano, o que representa cerca de 0,5% do total anual de uniões do país. A jurisprudência do STJ apresenta uma série de julgados que refletem as mudanças da sociedade em relação aos direitos dos homoafetivos e dos transexuais em temas diversos, como a possibilidade de mudança no registro civil e a adoção de crianças. Casamento Depois de três anos vivendo juntas, duas mulheres requereram habilitação para se casar em Porto Alegre, mas o pedido foi negado em dois cartórios. Na Justiça, a pretensão também foi indeferida em primeira e segunda instância, ao argumento de que o Código Civil de 2002 só admitia o casamento entre homem e mulher. Em julgamento histórico concluído em 25 de outubro de 2011, a Quarta Turma do STJ deu provimento ao recurso das mulheres para declarar que nenhum dispositivo do Código Civil veda expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao contrário, conforme assinalou o relator, ministro Luis Felipe Salomão, não haveria como enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta aos princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo e do livre planejamento familiar. “Se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes”, disse o ministro. “Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo ‘democraticamente’ decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão”, acrescentou. “Nesse cen|rio, em regra é o Poder Judici|rio – e não o Legislativo – que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista à proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos”, concluiu Salomão. Registro civil Em maio de 2017, a Quarta Turma do STJ entendeu ser possível a alteração do gênero constante no registro civil de transexual, independentemente da realização de cirurgia de adequação de sexo. A decisão foi resultante do pedido de modificação de prenome e de gênero de transexual que apresentou avaliação psicológica pericial para comprovar sua identificação social como mulher. 7 Ao pedir a retificação de registro, a autora ressaltou que, mesmo sem ter se submetido à operação de transgenitalização, passou por outras intervenções cirúrgicas e hormonais para adequar a aparência física à realidade psíquica, o que gerou evidente dissonância entre sua imagem e os dados apresentados no assentamento civil. Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que o STJ já permitia a alteração de nome e gênero nos registros dos transexuais submetidos a cirurgia de transgenitalização. O ministro assinalou que a extensão desse direito aos que não passaram pelo procedimento cirúrgico representa uma evolução da jurisprudência. “A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hordiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarred|vel de respeito {s diferenças”, afirmou Salomão. Exposição ao ridículo A Terceira Turma confirmou o entendimento da Quarta Turma e do STF ao analisar o caso de transexual não submetido à cirurgia de transgenitalização que conseguiu a alteração do prenome por decisão judicial, mas não obteve deferimento para que o gênero fosse alterado para feminino nos documentos. O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, esclareceu que a Lei de Registros Públicos “não contém norma que autorize a modificação do sexo civil, contendo apenas autorização para se modificar o prenome, nos casos de substituição por apelidos públicos notórios, ou no caso de exposição ao ridículo”. No entendimento do relator, a discrepância entre o prenome de um determinado gênero e o sexo indicado nos documentos expõe a pessoa ao ridículo, o que enquadra a situação em uma das possibilidades indicadas pela Lei dos Registros Públicos. Em seu voto, Sanseverino citou precedente de relatoria da ministra Nancy Andrighi sobre a situação dos transexuais. “A relatora também alertou que esse transtorno, segundo a literatura médica, além de causar intenso sofrimento psíquico, pode levar a pessoa a praticar tentativas de automutilação e até mesmo de autoextermínio”, destacou. Adoção O STJ também já tomou decisões favoráveis a pessoas homoafetivas em matéria de adoção. A Terceira Turma concluiu que um casal em união homoafetiva há 12 anos apresentou as condições necessárias para permanecer com a guarda de um bebê de dez meses até a finalização do processo regular de adoção. Em 2016, o bebê, de apenas 17 dias, foi encontrado dentro de uma caixa de papelão em frente à casa da mãe de um dos companheiros. Após acolher a criança, o casal procurou a Polícia Civil para reportar o ocorrido e contratou um detetive particular para descobrir 8 quem era a mãe da criança. Ao ser encontrada, a mãe alegou ter escolhido o casal para cuidar do bebê por não ter condições financeiras de criá-lo. O relator do processo, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou a existência nos autos de um relatório da equipe de adoção do Juizado da Infância e Juventude demonstrando que o casal mantinha lar estruturadoe apresentava o desejo genuíno de permanecer com a criança de forma definitiva. Além disso, não foi apontada nenhuma das hipóteses de violação dos direitos do menor previstas no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Admitir-se a busca e apreensão de criança, transferindo-a a uma instituição social como o abrigo, sem necessidade alguma, até que se decida em juízo sobre a validade do ato jurídico da adoção, em prejuízo do bem-estar físico e psíquico do infante, com risco de danos irreparáveis à formação de sua personalidade, exatamente na fase em que se encontra mais vulnerável, não encontra amparo em nenhum princípio ou regra de nosso ordenamento”, concluiu o relator. Limite de idade Em agosto de 2015, a Terceira Turma analisou recurso do Ministério Público do Paraná (MPPR) que contestava o pedido de habilitação de inscrição para adoção de criança com idade entre três e cinco anos por uma pessoa homoafetiva solteira. O MPPR alegou que, nas hipóteses de adoção por pessoa homoafetiva, o adotando deveria ter o mínimo de 12 anos de idade para poder manifestar a concordância ou não com a adoção. O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que o artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente “não veda a adoção de crianças por solteiros ou casais homoafetivos, tampouco impõe qualquer restrição et|ria ao adotante nessas hipóteses”. A Terceira Turma concordou com o posicionamento do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que reconheceu, com base na documentação juntada aos autos, que o interessado na adoção reunia as condições psíquicas, sociais, econômicas, jurídicas, físicas e habitacionais, além da motivação legítima em sua pretensão. “Não se vislumbra, portanto, nenhum impedimento legal para que o recorrido figure no registro de pessoas interessadas na adoção de crianças e adolescentes, inclusive, sem qualquer restrição et|ria”, confirmou Villas Bôas Cueva. Proteção integral Em março de 2017, a Quarta Turma, em caso semelhante, reforçou o entendimento de que é possível a inscrição de pessoa homoafetiva no cadastro de interessados em adoção de menores de qualquer idade. Na ocasião, a pessoa interessada em adotar buscava uma criança de até três anos. No entanto, o MPPR alegou que o possível adotante deveria ter, pelo menos 12 anos, em atendimento ao princípio da proteção integral. 9 “A Terceira Turma desta corte já teve a oportunidade de analisar o tema, tendo igualmente decidido, por unanimidade, pela inexistência de previsão legal para a limitação etária pretendida pelo Ministério Público em razão da orientação sexual do candidato a adotante”, explicou o relator do processo, ministro Raul Araújo. Varas competentes Ao julgar caso de reconhecimento de dissolução de união estável homoafetiva, em maio de 2013, a Terceira Turma reforçou que não deve existir diferenciação no tratamento das uniões homoafetivas e heteroafetivas, inclusive no que diz respeito às varas competentes. Segundo o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o caso em análise, de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, seria de competência do juízo cível. No entanto, a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, concluiu ser o tema de competência da vara de família, em razão da equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas, independentemente das limitações apresentadas no Código de Organização e Divisão Judiciária. “Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extrato heterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza”, ressaltou a ministra Nancy Andrighi. Partilha de bens Em junho de 2015, a Terceira Turma analisou o pedido de partilha de bens de um ex-casal formado por duas mulheres que viveram juntas por 12 anos. Segundo o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, os bens adquiridos durante a união deveriam ser partilhados, independentemente da real contribuição de cada uma na construção do patrimônio. “Nos autos, é incontroverso que as partes tiveram uma relação de parceria por longos anos – 28 de agosto de 1994 a dezembro de 2006 –, não havendo dúvidas de que houve aquisição de patrimônio comum pelo esforço e contribuição de cada uma das conviventes. Mesmo que uma tivesse melhores condições financeiras que a outra, é certo que também esta exercia atividade remuneratória e, evidentemente, dava seu contributo para o bem da relação e formação do patrimônio comum”, ressaltou o relator. Esse entendimento havia sido adotado previamente, em fevereiro de 2014, quando a Terceira Turma concluiu que o direito à partilha nas uniões homoafetivas não depende da comprovação do esforço comum para a aquisição dos bens. No caso em análise, o reconhecimento da união estável, pelo tribunal de origem, ocorreu após a morte de um dos integrantes do casal. “Ao assim decidir, o tribunal local se coaduna com a jurisprudência tanto desta corte, como do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a dignidade de uma pessoa não 10 pode ficar atrelada à sua orientação sexual, superando-se toda a carga preconceituosa que recai sobre as relações homossexuais, fato que não pode ser renegado pelo direito”, concluiu o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva. A ATUAÇÃO DO STF - RECONHECE UNIÃO HOMOAFETIVA Os ministros do STF, ao julgarem a ADIn 4277 e a ADPF 132, reconheceram, por unanimidade, a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela PGR e pelo governador do RJ, Sérgio Cabral . O julgamento começou na tarde do último dia 4, quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a CF/88 para excluir qualquer significado do artigo 1.723, do CC, que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF/88 veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. "O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica" , observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a CF para excluir qualquer significado do artigo 1.723, do CC, que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações – o procurador-geral da República e o governador do Estado do RJ, por meio de seu representante –, o advogado-geral da União e advogados de diversas entidades, admitidas como amici curiae. Ações A ADIn 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Já na ADPF 132, o governo do Estado do RJ alegou que o não reconhecimentoda união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da CF. Com esse argumento, pediu que o STF 11 aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do CC, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do RJ. POSICIONAMENTO DOS MINISTROS “Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes, regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida de que a Constituição Federal de 1988 permite seja a união homoafetiva admitida como tal." Marco Aurélio “Daremos a esse segmento de nobres brasileiros, mais do que um projeto de vida, um projeto de felicidade." Luiz Fux “Aqueles que fazem sua opção pela união homoafetiva não podem ser desigualados em sua cidadania. Ninguém pode ser de uma classe de cidadãos diferentes e inferiores, porque fizeram a escolha afetiva e sexual diferente da maioria." Cármen Lúcia "Entendo que as uniões de pessoas do mesmo sexo que se projetam no tempo e ostentam a marca da publicidade, na medida em que constituem um dado da realidade fenomênica e, de resto, não são proibidas pelo ordenamento jurídico, devem ser reconhecidas pelo Direito, pois, como já diziam os jurisconsultos romanos, ex facto oritur jus." Ricardo Lewandowski “Estamos diante de uma situação que demonstra claramente o descompasso entre o mundo dos fatos e o universo do direito." Joaquim Barbosa “Talvez contribua até mesmo para as práticas violentas que de vez em quando temos tido notícias em relação a essas pessoas, práticas lamentáveis, mas que ocorrem.” Gilmar Mendes "O Supremo restitui [aos homossexuais] o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura a sua dignidade, afirma a sua identidade e restaura a sua liberdade." Ellen Gracie "E assim é que, mais uma vez, a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo 'família' nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica." Ayres Britto 12 "É arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, exclua, discrimine ou fomente a intolerância, estimule o desrespeito e a desigualdade e as pessoas em razão de sua orientação sexual." Celso de Mello “Da decisão da Corte folga um espaço para o qual, penso eu, que tem que intervir o Poder Legislativo”, disse o ministro. Ele afirmou que o Legislativo deve se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte será justificada também do ponto de vista constitucional." Cezar Peluso Referencias: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C 3%ADcias/A-atua%C3%A7%C3%A3o-do-STJ-na-garantia-dos-direitos-das-pessoas- homoafetivas https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI132610,11049- STF+reconhece+uniao+homoafetiva http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletter PortalInternacionalDestaques&idConteudo=238515