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DIREITO ECONÔMICO

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DIREITO ECONÔMICO
1. ECONOMIA
O termo “eco” vem do grego oikos e significa “casa, lar, domicílio,”; “nomos” (costume, lei) resultando em “regras ou administração da casa, do lar, do meio ambiente”. Na sua origem, portanto, economia é a arte de bem administrar a casa, o lar, a moradia, o ambiente. 
Hoje é a ciência que trata da produção, distribuição e consumo de bens. É a administração do sistema produtivo de um país ou região, ou seja, da “casa” em que vivemos. É a contenção ou moderação nos gastos, é uma poupança.
No sentido figurado, economia significa o controle para evitar desperdícios em qualquer serviço ou atividade.
O conceito de economia engloba a noção de como as sociedades utilizam os recursos para produção de bens com valor e a forma como é feita a distribuição desses bens entre os indivíduos.
Escassez de recursos sugere a ideia de que os recursos materiais são limitados e que não é possível produzir uma quantidade infinita de bens, tendo em conta que os desejos e as necessidades humanas são ilimitados e insaciáveis.
Partindo desse princípio, a economia observa o comportamento humano em decorrência da relação entre as necessidades dos homens e os recursos disponíveis para satisfazer essas necessidades.
A ciência econômica tenta explicar o funcionamento dos sistemas econômicos e as relações com os agentes econômicos (empresas ou pessoas físicas), refletindo sobre os problemas existentes e propondo soluções.
A investigação dos principais problemas econômicos e as tomadas de decisão baseiam-se em quatro questões fundamentais sobre a produção: “O que produzir?”, “Quando produzir?”, “Que quantidade produzir?”, “Para quem produzir?”.
Microeconomia e macroeconomia são os dois grande ramos da economia. A microeconomia estuda as várias formas de comportamento nas escolhas individuais dos agentes econômicos, enquanto a macroeconomia analisa os processos macroeconômicos observando uma economia como um todo.
1.1 Economia de mercado
Economia de mercado é um sistema econômico em que as organizações (bancos, empresas etc.) podem atuar com pouca interferência do estado. É o sistema próprio do capitalismo. 
1.1.2 EMPRESA 
É um substantivo feminino usado para caracterizar um organismo de ordem sócioeconômica, composto por elementos técnicos, materiais e humanos que exercem uma determinada atividade que vise obter utilidade através da participação no mercado de bens e serviços.
Também conhecida como atividade empresarial, uma empresa possui a capacidade de articular os fatores produtivos para a circulação mercadológica de venda, produção e compra de bens ou serviços. Estes fatores geram em torno do trabalho produzido, da terra e do capital investido ou gerado na atividade.
Uma empresa pode ser classificada mediante a atividade econômica que desenvolve. Desta maneira, temos então três setores específicos para classificar as atividades empresariais. São estes:
Setor Primário: São as empresas que obtêm seus recursos a partir da natureza e do meio ambiente, como as empresas agrícolas, pecuárias e pesqueiras.
Setor Secundário: Estas são empresas que se dedicam em transformar estes recursos naturais, como as grandes indústrias, as empresas de construção civil e as mineradoras.
Setor Terciário ou Terceiro Setor: São as empresas que exercem atividades ligadas à prestação de serviços ou ao comércio.
A empresa também pode ser classificada quanto à sua constituição jurídica, pois existem empresas individuais (pertecem apenas a uma pessoa) e empresas que são criadas por várias pessoas, como uma sociedade, que também podem ser anônimas, de responsabilidade limitada e de economia social (as chamadas cooperativas), entre outras.
Outro modo de classificar uma empresa é quanto ao capital gerido. As empresas que tem o capital particular são as empresas privadas. Já as que possuem o capital derivado do Estado são as empresas públicas. Também existem as empresas mistas, onde o capital é partilhado por particulares e pelo Estado.
A pessoa responsável por gerir todo este processo é o empresário. Ele administra toda a gestão e operação da empresa no mercado, com a ajuda de uma equipe de funcionários que o auxiliam nesta tarefa. Para isso, o empresário precisa ter um conhecimento adequado sobre os processos gerenciais e demais asuntos da área empresarial.
A gestão de empresas acaba por ser uma ciência que se dedica ao estudo de organização destes organismos, de maneira que analisa a forma como são geridos os recursos, os processos e os resultados das atividades.
1.2 Economia de subsistência
É um sistema econômico baseado na produção de bens esclusivamente necessários para o consumo básico, imediato. Onde na produção não existe excedente, nem relação de caráter econômico com outros mercados produtores.
Estruturas de Mercado - Monopólio, Oligopólio, oligopsônio...Truste, cartel, fusão, cisão...
Mercado
O termo mercado se refere à área onde são realizadas transações econômicas, isto é, uma troca de bens e serviços entre particulares, empresas ou outro tipo de organização.
      Estruturas de Mercado
     Melhorar e ampliar técnicas de gestão, administrativa e comercial, requer aplicação no estudo das peculiaridades do mercado: concentração de compradores (ofertantes), de consumidores (demandantes), de grupos/entidades que manipulam preços, produção primária, produtos acabados, serviços, etc...
Conceito
     Nomenclaturas e significados das principais Estruturas de Mercado (Livre Mercado). Do grego:
     -MONO     à  Um
     -DUO        à  Dois
     -OLIGOS  à   “poucos”.
     -POLENS  à  “vender”
     -PSONIO  à   “compra”
Concorrência Perfeita
     Concorrência perfeita corresponde à situação de um mercado em que há grande número de ofertantes/vendedores de um determinado bem ou serviço e um grande número de compradores/consumidores, onde se utilizam diferentes instrumentos de negociação, tais como: preços, qualidade dos produtos, serviços pós-venda, etc.
     Ex. Mercado do Café, açúcar, petróleo, etc.
Concorrência monopolística 
     É situação de mercado onde há grande número de demandantes e ofertantes, estes com produtos diferentes, porém com substitutos próximos, passíveis de sofrerem concorrência. Observe-se que, embora haja um grande número de empresas ofertantes, com potencial de concorrência de seus produtos entre si, há, porém, diferenciais nos preços e nos produtos que o deixam “únicos”. Isto ocorre em termos de preço, embalagem, formato, um “vale-brinde”, ou mesmo um serviço pós-venda mais refinado.
     Este tipo de concorrência, imperfeita, pode ser visto com mais frequência em lojas ou estabelecimentos com variedade de produtos com características próximas entre si. É o caso de supermercados, lojas de departamentos (roupas, calçados, bolsas), postos de combustíveis (lanchonete, lava-rápido, loja de conveniências, caixas-eletrônicos). Neste caso, o estabelecimento passa a deter a preferência do consumidor em função dos “serviços” agregados.
     Ex1. Concorrência monopolística sob o aspecto de um produto:
     Televisor de LCD de 48”, com wirelles, pen-drive, digital. Quando do lançamento pelo fabricante, esse produto passa a ser único, com opções tecnolólicas que os concorrentes não têm. Assim, por ser único no mercado, ele é uma espécie de “monopólio”. Os clientes adquirem esse produto pelas vantagens tecnológicas e status social – “Bens de Veblen”. Logo, a concorrência monopolística perdurará até outro fabricante produzir um televisor similar.
     Ex2. Concorrência monopolística de um estabelecimento
     Há uma propaganda na TV, onde um caminhoneiro, ao volante, pergunta a um senhor sentado numa cadeira de balanço “onde fica o posto de combustível mais próximo”. O senhor responde que é “ali, no posto Ipiranga”. Pergunta em seguida onde pode comprar pneu, e a resposta é a mesma. Ao final ele completa perguntando “vocês fazem tudo no posto Ipiranga”. Ao que o senhor responde, “não sei,pergunta lá no posto Ipiranga”. Note-se o viés monopolístico da propaganda. Todo o serviço local é feito no posto, quer seja combustível, supermercado, caixas eletrônicos. Essa é uma concorrência monopolística.
     Ex3.Concorrência monopolística sobre o aspecto das Relações Trabalhistas (Humanas)
     Com a progressiva divisão do trabalho (como preconizou Adam Smith em sua obra “A Riqueza das nações”), os trabalhadores, de todas as áreas, passaram a se especializar em suas funções. Medicina, química, eletrônica, robótica, construção civil, etc. Com essa especialização surgiu a figura do “profissional único” num determinado trabalho. Quando, por exemplo, fala-se em cirurgia cardíaca de alto nível, fala-se em Adib Jatene; quando fala-se em futebol, fala-se em Messi; quando fala-se em consertar a lataria de um carro amassado sem lixar ou pintar, fala-se no “martelinho de ouro”. Essa “especialização”, figura “única” na função, acaba por gerar uma demanda de clientes muito maior que a oferta de horas de trabalho que sua mão-de-obra pode propiciar. Como não há outro profissional com a mesma qualificação, tem-se, aí, uma concorrência monopolística.
Monopólio
     O Monopólio é um caso extremo de concorrência imperfeita em que um único vendedor tem o controle total da oferta (produção) de determinado produto ou serviço. Numa situação deste tipo, a falta de concorrentes faz com que os preços praticados sejam superiores aos preços de mercado que ocorreriam numa situação com concorrência. Outrossim, faz com que existam poucos incentivos no sentido de melhorar a qualidade e a inovação, criando assim ineficiências de mercado que muitos países tentam evitar através de leis antimonopólio.
    Ex. Monopólio Estatal. Correios e Telégrafos. O mercado de fornecimento de energia elétrica é monopolista, pois embora haja mais de um produtor, este é monopolista em sua região. (Ex: Light no RJ, Eletropaulo em SP).
Duopólio 
    Situação de mercado em que há somente dois vendedores de uma mercadoria ou serviço. Nesta situação os preços praticamente são “tabelados” entre os dois, não permitindo outras opções ao consumidor.
    Ex. Em certo momento, o duopólio da aviação entre Tam e Gol. A perspectiva de fusão entre os supermercados de varejo Carrefour e Pão de Açúcar, formando o “Carrepão”. Em pequenas cidades poderia haver o Monopólio; em médias e grandes cidades o duopólio com o grupo Walmart.
Oligopólio
     Situação de mercado em que a oferta é controlada por um pequeno número de ofertantes (produtores), e em que a competição tem por base, não as variações de preços, mas a propaganda e as diferenças de qualidade e tecnologia.
    Ex. No Brasil pode-se citar a concentração financeira, formada por grandes bancos, e a indústria automobilística, formada por cinco firmas: General Motors, Ford, Fiat, Peugeot, Honda que atuam em plena liberdade na dominação do mercado, visto que nenhuma firma local que seja potente ameaça este poderio. Outro exemplo são as operadoras de telefonia celular (Oi, Vivo, Claro, Tim)
Monopsônio
     Estrutura de mercado caracterizada por um único comprador de bens e serviços, e diversos vendedores. Em termos de preço, o comprador dita as regras.
     Ex. Normalmente é representado por empresas Estatais (Municipais, estaduais e federais). Nas obras do metrô, contratação de equipamentos de perfuração do solo.
Duopsônio
     Inversamente ao Duopólio, Duopsônio é uma estrutura de mercado onde há somente dois compradores de bens ou serviços, para diversos vendedores.
     Ex. Na cidade de Santa Cruz do Sul (RS) as empresas Alliance One Brasil Exportadora de Tabacos Ltda. e a Universal Leaf Tabacos Ltda. compram diretamente tabaco em folha de aproximadamente 17 mil produtores.
Oligopsônio
     Inversamente ao Oligopólio, o Oligopsônio é uma estrutura de mercado em que o número de compradores é pequeno, contra o número de fornecedores que é grande.
     Exemplo: em cidades do interior, produtoras de leite, existem duas ou três empresas de laticínios que adquirem a maior parte do leite dos inúmeros produtores rurais locais.
Monopólio Bilateral
     Situação de mercado interessante, onde temos a figura de um único vendedor (ofertante monopolista) e um único comprador (demandante monopsonista).
     Ex. A Embraer fábrica os aviões de guerra “Super-Tucano”. O governo brasileiro compra esses aviões. Tem-se, assim, um monopólio bilateral: a Embraer como monopolista na fabricação, o Governo como monopsonista na aquisição.
Truste
    (Trust, do inglês, “confiança”). Combinação de firmas comerciais ou industriais (holding) sob a direção de um conselho ou junta central, com o fim de diminuir as despesas, regular a produção, preços, eliminar a competição e dominar o mercado.
    Ex. Tabela de honorários utilizada pelos médicos da  Associação Médica Brasileira (AMB), condenada pelo CADE (Conselho de Administração da Defesa Econômica).¹
     ¹Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Truste
Cartel de Preços
 
     Reunião, ou sindicato de empresas produtoras, as quais, embora conservem a autonomia interna, estabelecem monopólio, distribuindo entre si os mercados e determinando os preços. Normalmente procuram reduzir, limitar ou eliminar a concorrência.
     Ex. -Internacional: OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
        -Brasil: Em estradas federais (nordeste do Brasil) o litro da gasolina é “tabelado” em todos os postos nesta mesma estrada, e mais caros que em outras cidades do estado.
Pool
     União temporária de empresas para explorar um negócio com o objetivo de reduzir custos e fins especulativos. 
     Ex. Copa do mundo. Transmissão simultânea pela Rede Globo & Sportv, Bandeirantes, etc.
Dumping
     Prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país (preço que geralmente se considera menor do que o que se cobra pelo produto dentro do país exportador), por um tempo, visando prejudicar e eliminar os fabricantes de produtos similares concorrentes no local, passando então a dominar o mercado e impondo preços altos.
    Ex¹. “O bloco formado por 27 países europeus alega que os norte-americanos importam biocombustível sul-americano, mais barato, misturam com a sua produção, recolhem subsídios e revendem no mercado europeu com uma ampla margem de dumping (preço abaixo do custo).”
     ¹Site:http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/r1-europa-acusa-eua-dumping-biodiesel-brasileiro-25-02-09.htm
Fusão
  
     A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (Lei das S.A. - Lei nº 6.404, de 1976, art. 228; Código Civil - Lei nº10.406, de 2002, art. 1119). Com a fusão desaparecem todas as sociedades anteriores para dar lugar a uma só, na qual todas elas se fundem, extinguindo-se todas as pessoas jurídicas existentes, surgindo outra em seu lugar. A sociedade que surge assumirá todas as obrigações ativas e passivas das sociedades fusionadas.¹
     Ex. 1.Fusão das empresas Sadia e Perdigão, cria a empresa BRF-Brasil Foods.
           2.Fusão entre Casas Bahia e Pão de Açucar.
           3.Fusão entre o Itaú e o Unibanco
         4.Fusão da Porsche com a também alemã Volkswagen, que já detinha a maior parte das ações da fabricante de carros esportivos e de alto luxo.¹
           ¹(http://virgula.uol.com.br/ver/noticia/economes/2009/05/07/203117-entenda-o-que-e-a-fusao-de-empresas
Incorporação
     A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações (Lei das S.A. - Lei nº 6.404, de 1976, art. 227; Código Civil - Lei nº 10.406, de 2002, art. 1116). Desaparecem as sociedades incorporadas, permanecendo, porém, com a sua natureza jurídica inalterada, a sociedade incorporadora.²
     Ex. Banco Banespa é incorporado pelo Santander oqual adota a marca “SantanderBanespa”, e no exterior a aquisição da Crysler, dos Estados Unidos, a qual foi incorporada pela Daimler Benz, da Alemanha, que passou a se denominar “DaimlerCrysler”
Fonte:http://www.tomislav.com.br/sala_de_aula/contabilidade_avancada.php?pg=contabilidade_avancada&detalhe=&id=9
Cisão
     A cisão é a operação pela qual a sociedade transfere todo ou somente uma parcela do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a sociedade cindida - se houver versão de todo o seu patrimônio - ou dividindo-se o seu capital - se parcial a versão (Lei das S.A. - Lei nº 6.404, de 1976, art. 229, com as alterações da Lei nº 9.457, de 1997).³
     Ex. Cisão da Varig S/A. formando as empresas Varig - Varig Participações em Serviços Complementares (VPSC) e Varig Participações em Transportes Aéreos (VPTA)
     Fonte: http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2001/not20010222p11196.htm
¹-²-
2. DIREITO
No estudo da palavra “direito” vemos que sua origem está num vocábulo do latim: directum ou rectum, que significa “reto” ou “aquilo que é conforme uma régua”.
2.1. Direito Natural
A lacizição do Direito recebeu um grande impulso no século XVII, através de Hugo Grócio, que pretendeu desvincular a ideia do Direito Natural, de Deus. A síntese de seu pensamento está expressa na frase categórica:
"O direito Natural existiria, mesmo que Deus não existisse ou, existindo, não cuidasse dos assuntos humanos." O movimento de separação entre o Direito e a Religião cresceu ao longo do século XVIII, especialmente na França, nos anos que antecederam a Revolução Francesa. Vários institutos jurídicos se desvincularam da Religião, como a assistência pública, o ensino, o estado civil. Modernamente, os povos adiantados separaram o Estado da igreja, ficando, cada qual, com o seu ordenamento próprio. Alguns sistemas jurídicos, contudo, continuaram a ser regidos por livros religiosos, notadamente no mundo muçulmano. No início de 1979, o Irã restabeleceu a vigência do Alcorão, livro da religião islâmica, para disciplinar a vida do seu povo. a
O Direito Natural revela ao legislador os princípios fundamentais de proteção ao homem, que forçosamente deverão ser consagrados pela legislação, a fim de que se tenha um ordenamento jurídico substancialmente justo.
O Direito Natural não é escrito, não é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado. Como o adjetivo natural indica, é um Direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela conjugação da experiência e razão. É constituído por um conjunto de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável. Como exemplos maiores: o direito à vida e à liberdade. Em contato com as realidade concretas, esses princípios são desdobrados pelo legislador, mediante normas jurídicas, que devem adaptar-se ao momento histórico.
O Direito Natural, como um dos ramos da Filosofia, é mais do que um setor do conhecimento: implica uma atitude. Não é lícito nem possível professá-lo como se aprende numa ciência particular ou uma legislação, nem muito menos vem a ser as gotas de uma teoria com que suavizamos a aridez legal ou dissimulamos o desconhecimento do Direito Positivo. O Direito Natural nos dá as bases para a defesa dos valores humanos, de todos os níveis da existência do homem individual, até ao do mundo em toda sua plenitude. Dá, assim, valor supremo à dignidade da pessoa humana.
2.2. Direito Positivo
A palavra direito encontra, pois, uma pluralidade de significações que refletem diferentes realidades, mas que, embora não se limitando ao significado vinculado a sua origem latina, carrega sempre consigo este pressuposto de ser uma regra a determinar o que é certo.
Assim, o vocábulo direito pode significar2:
a) norma: quando, por exemplo, se diz que “o direito proíbe uma conduta”:
Este é o sentido mais comum que se dá à palavra direito, sendo que inúmeras definições correntes referem-se à acepção do direito como lei, ou como um conjunto de normas, como as referências positivistas mais comuns3.
É com este significado que Vicente RÁO conceitua o direito como um sistema de normas:
É o direito um sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em conseqüência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo poder público4.
Mas esta concepção é imprecisa, pois é incapaz de dar conta de toda a complexidade do fenômeno jurídico, reduzindo-o à mera legalidade.
b) faculdade: quando, numa expressão, se diz que “o cidadão tem o direito de propor uma ação”:
Este é o mesmo sentido dado por IHERING quando propõe que direito “é o interesse protegido pela lei”5. Esta acepção é, pois, uma idéia de direito subjetivo, já que reflete um poder, uma faculdade reconhecida ao sujeito.
c) justiça: na hipótese, exemplificadamente, de que, “a educação é um direito de todos”:
Na acepção de direito enquanto justo há duas possibilidades de interpretação: direito pode ser entendido como “devido por justiça”6, como o significado da palavra direito na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, ainda, pode ser entendido como “conforme a justiça”.
d) ciência: quando nos referimos, por exemplo, ao fato de que “cabe ao direito penal estudar a criminalidade”;
É muito comum, também, empregar-se a palavra direito com o sentido de “ciência do direito”, como a definição de Celso: “direito é a arte do bom e do justo”.
Importante ressaltar-se que a idéia de direito enquanto “ciência” não é, por um lado, pacífica, face às críticas e ponderações de outras ciências, como as da Sociologia e que, por outro, ainda que considerado ciência, deve-se atentar, então, ao modelo de ciência do direito no sentido dado por KELSEN, não sendo tudo que se faz no mundo jurídico necessariamente ciência.
fato social: quando consideramos que “o direito é um fenômeno da sociedade”.
Este é o sentido dado, principalmente, pelos sociólogos e que entende o direito como um setor da vida social.
O breve levantamento demonstrou-nos que a idéia e o conceito de direito não são unívocos, ao contrário, sabemos que “o que é direito” não está nem um pouco claro.
Vamos, assim, buscar dentre alguns importantes juristas que discutiram a Teoria do Direito, a Sociologia do Direito e a Filosofia do Direito um conceito capaz de nos responder a esta questão tão controvertida mas de grande importância para a compreensão do fenômeno jurídico.
2.2.1 O CONCEITO DE DIREITO EM HANS KELSEN
Hans KELSEN é o maior expoente do pensamento positivista7 no direito, tendo elaborado um grande projeto de construção de uma linguagem rigorosa para o direito e postulado uma ciência do direito alicerçada em proposições normativas capazes de descrever sistematicamente o objeto direito.
Sua obra provocou, no seu tempo, uma verdadeira revolução epistemológica, sendo considerado por alguns como puramente neokantiano e por outros como sendo um representante do positivismo lógico8.
Para desenvolver sua Teoria Pura do Direito, principal obra que trata da purificação da ciência do direito, separando-o do direito natural, da metafísica, da moral, da ideologia e da política, KELSEN se baseia no Princípio da Pureza Metodológica, que torna-se sinônimo de rigor científico, estrita definição do objeto e neutralidade política. Este é o pilar de todo o seu pensamento:
É mister, antes de mais nada, afastar tudo que seja meta ou extra-jurídico, mantendo qualquer consideração não-normativa em terreno alienígena. Incluso nesta restrição está, e principalmente, os juízos de valor relacionados ao conteúdo da norma jurídica. A Teoria Pura do Direito é a construção gigantesca elaborada para estudo da forma e relação entre formas das normas jurídicas, afastado o interesse por seu conteúdo eventual e qualquer discursoacerca do valor deste mesmo conteúdo9.
Com estas premissas epistemológicas, KELSEN define o direito como “uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano”10 e norma como “o sentido de um ato através do qual uma conduta humana é prescrita, permitida ou, especificamente, facultada”11.
Desse modo, podemos dizer que KELSEN encara o direito como sendo um fato, e não como um valor. Podemos dizer, ainda, que o Direito é, para ele, nada além que uma “ordem de conduta humana”12, definindo “ordem” como sendo um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é – como veremos – uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem13.
Entende, assim, que o Direito enquanto ordem coativa se distingue das outras ordens sociais no momento em que deve-se aplicar uma coação, isto é, quando mesmo contra a vontade da pessoa atingida que pratica uma conduta socialmente indesejada.
Estes atos de coação são estatuídos pela ordem jurídica como sanção e o ato reprimido por ela é designado como uma conduta proibida, antijurídica, um ato ilícito ou delituoso. Para aplicação desta sanção, a ordem jurídica determina as condições sob as quais a coação física será aplicada e quem a aplicará. Nesse sentido, o autor entende que a comunidade jurídica tem o monopólio da coação.
Quando a ordem jurídica determina os pressupostos sob os quais a coação deve acontecer, protege os indivíduos que lhe estão submetidos e quando esta proteção alcança um determinado mínimo (como com a instituição do monopólio coercitivo da comunidade), fala-se de segurança coletiva14.
Desse modo, podemos dizer que Kelsen coloca no centro da definição do direito a coação, ou seja, a “coatividade é a característica essencial da própria definição, ou conceituação, do jurídico”15. Portanto, direito, para ele, é um sistema coativo de normas que vão regular a conduta humana.
2.2.2 O DIREITO PARA NORBERTO BOBBIO
Norberto BOBBIO é o expoente do positivismo jurídico italiano, nascido da orientação filosófica do empirismo lógico e da filosofia analítica, sob a influência da teoria de Kelsen21.
Assim, “a fonte do pensamento teórico-jurídico de Bobbio encontra-se no positivismo jurídico italiano de matriz kelseniana e neoempirista, e que é uma forma de pensar o direito, na qual as normas jurídicas são o vértice do assunto”22.
Esta forma específica de positivismo, desenvolvida nos trabalhos de BOBBIO, buscou tratar da estrutura normativa do direito e construir uma teoria formal capaz de desenvolver, esclarecer e corrigir o positivismo jurídico nas falhas que o mesmo tinha apresentado até então.
Já a filosofia jurídica do autor, de posição cientificista, teve uma grande preocupação com a Teoria Geral do Direito e, em decorrência disso, buscou analisar a regra enquanto tal e, num segundo aspecto, preocupou-se com a dogmática jurídica, ou seja, com a análise do conteúdo das regras.
Sua perspectiva analítica interna se preocupou muito mais com o problema da validade do direito do que propriamente com a sua conceituação. Esta vinculou-se à análise do discurso, da linguagem, já que o direito:
pode ser entendido como um conjunto de discursos, de comunicações linguísticas; discursos dos legisladores (as leis e os códigos), discursos dos juízes (as sentenças), discursos das pessoas privadas (os testamentos e os contratos realizados). Acrescente-se, ainda, que os advogados também produzem discursos, assim como os professores de direito, etc.23
Tendo-se em vista estas premissas, no que se refere a uma conceituação do direito, “a teoria da ciência de Bobbio possuiu como pressuposto principal a tomada de consciência de que o direito é uma linguagem e que a linguagem é um problema filosófico”24.
Podemos dizer que, assim, que na perspectiva de BOBBIO, o direito é um “conjunto de regras de comportamento expressas em proposições normativas”25.
Por fim, podemos concluir que para BOBBIO o direito é uma entidade complexa, não sendo exclusivamente racional ou lógica, mas também um fato, uma realidade empírica e, desta forma, contextualizada historicamente. Assim, o direito é visto pelo autor “como uma linguagem não só lógica ou axiomática (válida, inquestionável), mas como uma linguagem natural multi-problemática, envolvida com complexas circunstâncias históricas”.
3. DIREITO ECONÔMICO
É um conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. O Direito Econômico tem como objeto o tratamento jurídico da política econômica, e por sujeito, o agente que dela participe.
	
O que é um sistema econômico?
O que caracteriza um sistema econômico é a forma como se dá a produção e distribuição de bens e serviços. Os seres humanos não são autossuficientes, eles precisam produzir uma série de coisas para satisfazer suas necessidades, desde abrigo, alimento até transporte e comunicação. Cada sociedade, em virtude de uma série de condições, encontra uma maneira alternativa de definir quem irá produzir, como irá produzir e como será distribuída os bens resultantes desse processo.  
Imagine uma sociedade simples, uma pequena comunidade isolada em algum lugar distante. Nessa sociedade, ainda não foi inventada a agricultura, portanto seus membros sobrevivem da caça e da coleta. Esses dois trabalhos essenciais são distribuídos entre homens e mulheres: os primeiros são responsáveis pela caça e as últimas pela coleta de alimentos. Já os afazeres domésticos (cozimento, cuidado dos filhos) é compartilhado por ambos. Todas as pessoas capazes de realizar essas tarefas devem trabalhar. Apenas crianças e idosos são excluídos dessas tarefas. De maneira geral, é dessa forma que é realizada a produção nessa sociedade.  
Por outro lado, a distribuição daquilo que foi caçado ou coletado segue uma regra básica, a necessidade da pessoa. Não é possível a uma pessoa particular acumular os produtos da caça e da pesca. Eles são distribuídos conforme a necessidade dos indivíduos da comunidade ou, caso não sejam suficientes para atender a necessidade de todos, de maneira igualitária, de modo que não existem pessoas numa situação de miséria, por exemplo, enquanto outras têm abundância.  
Nessa sociedade imaginária, podemos dizer que há um sistema econômico. Trata-se da forma como os bens necessário para a sobrevivência do grupo de pessoas é produzido e distribuído. Nesse caso, o processo é relativamente simples. Há poucas regras.  
Atualmente, os sistemas econômicos são mais complexos. De qualquer forma, o que os define ainda é a forma como bens e serviços são produzidos e distribuídos para a população. Comumente, se fala em capitalismo, socialismo e economias mistas para se referir aos sistemas econômicos da atualidade.
3.1 A intervenção estatal no domínio econômico
O termo intervenção geralmente porta um sentido negativo de intromissão. Etimologicamente, o vocábulo significa ação ou efeito de meter-se de permeio, intrometer-se, em matéria à qual não pertence.
Na doutrina do Direito Econômico, a ação do Estado no domínio econômico recebeu o nome tradicional de intervenção. Explica-se a utilização de tal vocábulo, primordialmente, pela crença liberal de Estado "guarda-noturno", abstencionista, meramente garantidor da liberdade de mercado para que funcionassem as suas leis naturais de auto-regulamentação. Dessa forma, a expressão intervenção "apresenta-se-nos portadora de um preconceito liberal, quando era vedado ao Estado interferir em qualquer atividade econômica". Melhor seria a utilização do termo atuação, ou mesmo ação, do Estado no domínio econômico, e esses serão os termos que utilizaremos no presente trabalho com mais freqüência.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA:
Uma breve exposição sobre a evolução histórica do papel do Estado no domínio econômico é válida para obtermos umavisão mais clara de sua atribuição no paradigma constitucional atual. Percebem-se, no tratamento da matéria, a presença dos paradigmas Mercantilista, do Estado Liberal, do Estado Social e do Estado Democrático de Direito.
Em relação à origem dos bancos, desde que o homem existe como um ser social que trabalha e adquire alimentos e bens para sobreviver, houve trocas destes últimos ou de moedas, segundo corresponde-se em época. 
Em 1406, em Genova, Itália, foi criado o primeiro banco do ocidente, como conhecemos, batizado o Banco Di San Giorgio. Vale destacar que os antigos impérios europeus contavam com moedas de circulação elaboradas fundamentalmente em metais nobres, mas o papel moeda como hoje conhecemos, é um dos inventos asiáticos mais conhecidos do Ocidente, após as viagens de Marco Polo à China de tempos mongois.
Um banco é uma instituição financeira que, por um lado, administra o dinheiro que seus clientes deixam em custódia, e por outro, utiliza este para emprestar a outros indivíduos ou empresas aplicando-lhes juros, o que consiste em uma das mais variadas formas de fazer negócio e aplicar dinheiro em seus cofres.
No final do século XV, os Estado Europeus se portaram de maneira mercantilista. Os princípios básicos desse período são o protecionismo ao mercado interno e a busca radical de uma balança comercial favorável. Houve um fortalecimento econômico demasiado do Estado, trazendo-lhe poder absoluto. Nesses termos, a soberania era inerente ao príncipe, ao monarca, ao líder da comunidade social, de forma que as políticas de governo promanavam da pessoa do príncipe, do líder carismático. Formou-se uma "soberania inerente ao soberano".
Nacionalidade, poder central e incentivo ao comércio internacional são as idéias-chave do Mercantilismo, que propiciaram a acumulação primitiva de capital que possibilitou a eclosão do modo de produção capitalista.
Nos séculos XVII e XVIII há uma mitigação da soberania Estatal fundada na figura do soberano absoluto. Tem lugar o ideário do liberalismo econômico. O Estado passa a agir a serviço das individualidades. A livre iniciativa dos indivíduos frente ao Estado ganha status de principio fundamental. Exalta-se a liberdade (atomística) e a valorização do indivíduo.
O capitalismo se firmou como um sistema econômico, "baseado na propriedade privada dos meios de produção, propiciadora de acúmulo de poupança com finalidade de investimentos de grandes massas monetárias, dentro de uma organização de livre mercado".
A vida econômica, então, deveria estar livre de qualquer intervenção Estatal. A idéia de leis naturais de mercado, apresentadas por Adam Smith, que promoveriam uma situação de equilíbrio entre os agentes do mercado, fatalmente beneficiando a sociedade, passa a vigorar com inigualável força nessa forma de Estado.
A ideia da mão invisível do mercado já vinha ganhando destaque desde o século XVIII, através de filósofos e pensadores adeptos do liberalismo.
O que é a mão invisível? A mão invisível do mercado é um termo criado pelo escocês Adam Smith, no livro “Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações”. O conceito afirma que o próprio mercado pode se autorregularizar, sem precisar da intervenção do Estado para isto.
Dessa forma, a mão invisível seria o mecanismo básico que forneceria as condições para o funcionamento do chamado livre mercado.
Este é um termo utilizado recorrente pelos defensores do liberalismo econômico e que têm grande significado tanto teórico quanto prático.
Adam Smith nasceu em 1723, e foi um dos grandes expoentes do chamado Iluminismo Escocês, que marcou o século XVIII.
(O fato de seu rosto estar atualmente estampando as notas de 20 pounds (libra esterlina) do Reino Unido mostra a sua relevância enquanto teórico).
Smith é um dos principais, se não o principal, nomes do liberalismo econômico. Seu trabalho até hoje é referência quando o assunto é Economia. E há um motivo para isso.
É importante ressaltar que o autor nasceu e cresceu durante o mercantilismo, prática caracterizada pelo controle estatal da Economia. 
Talvez por isso o pensador tenha se proposto a analisar diferentes sociedades para descobrir o segredo para se tornar um país rico.
Sua conclusão, após anos de estudo, foi que a divisão de trabalho era a responsável por isto.
Isso porque, para Smith, alguém com grande conhecimento em determinada área produziria melhor do que uma pessoa com experiência prática em outro segmento.
Desta forma, a seu ver, nações mais prósperas eram as que propiciavam e incentivavam novas formas produção e trabalho. Inclusive por meio do empreendedorismo.
A MÃO INVISÍVEL E O LIBERALISMO ECONÔMICO
O liberalismo econômico defende que o Estado não interfira no mercado. Mas interferir de que forma?
Regulamentando, intervindo em casos de variação no valor de moedas e produtos ou subsidiando-os. Ou mesmo taxando-os excessivamente. Algo que é recorrente no Brasil, por exemplo.
Uma economia liberal, em tese, trabalharia com autorregulação. Por isso, o liberalismo econômico acredita que as próprias empresas se ajudariam em caso de necessidade. E isto seria feito por tais empresários, ainda que não intencionalmente.
Segundo Adam Smith, só seria aceitável a intervenção do Estado em três casos:
Para o estabelecimento e manutenção da Justiça;
Em caso de necessidade de defesa do país/nação; ou
Com a realização de obras públicas de instituições que não despertassem
o interesse privado.
A MÃO INVISÍVEL, A OFERTA E A DEMANDA
A teoria da oferta e da procura ainda é um dos principais pontos que reforçam a existência da mão invisível do mercado.
Ela afirma que um mesmo produto pode seguir dois distintos caminhos.
Um deles é uma grande oferta com baixa demanda, o que acarretaria na queda do preço do produto.
O segundo é a pouca oferta com uma grande demanda, o que encareceria este produto.
Algo que, comprovadamente, acontece. É possível ver tais alterações até mesmo em tarefas cotidianas, como uma ida à feira.
Na época de chuvas, o preço das hortaliças tende a ser menor, porque a produção e a oferta são maiores. Já no verão estes produtos se tornam escassos e mais, automaticamente, mais caros.
CRÍTICAS AO LIBERALISMO E A IDEIA DO MERCADO AUTORREGULÁVEL
É importante destacar que o liberalismo econômico, assim como todas as demais teorias, não é aceita como o melhor caminho por todas as pessoas.
Entretanto, é impossível negar a sua influência no mundo capitalista. Tanto que ele é amplamente apresentado em uma série de leituras importantes para quem deseja investir. Ainda que seja difícil encontrar uma economia que não demande a interferência do governo eventualmente.
Talvez a mão invisível que vemos hoje não seja apenas do mercado, mas tenha também ao menos um dedo do Estado.
Assenta-se o sentimento de que "a liberdade de comércio e de industria consagrava o princípio da não-intervenção do Estado no funcionamento normal do mercado, propiciando a implantação da ordem econômica almejada pela burguesia". Na verdade, o ideário era não só de consagração do principio do não intervencionismo Estatal, mas entendia-se que a ordem econômica (em seu sentido empírico) somente funcionaria se o Estado não interviesse na economia.
Um mercado atomista se formou, marcado pela iniciativa e atuação individual do agente.
Contudo, "a concepção de um liberalismo atomista, de liberdade do indivíduo no âmbito do mercado, veio a ser desmentida" . Um "Estado industrial" se forma, a partir de meados do século XIX, e o capitalismo atomístico dá lugar a um capitalismo de grupo, no qual os agentes devem se concentrar para adquirir maior estabilidade, maximizando seus lucros e aumentando seu poderio no mercado.
Para demonstrarmos a importância do surgimento do Estado industrial e do fenômeno de concentração de capital, vale citar Gerard Farjat, citado pelo professor João Bosco Leopoldino:
"A concentração capitalista é o fenômeno decisivo do direito econômico. É ela que está na origem de todasas grandes mutações das sociedades industriais: a intervenção do Estado (...) é uma conseqüência da concentração".
De fato, a ação autofágica dos agentes econômicos exigiu a intervenção do Estado para garantir a própria liberdade do mercando, então ameaçada pelo demasiado poder econômico desses agentes (o poder econômico privado).
A crise do sistema capitalista de produção, a ocorrência da Primeira (1914-1918) e Segunda (1939-1945) Guerras Mundiais e a evidente insustentabilidade da situação a que eram submetidos os trabalhadores fez evidenciar-se uma questão social. E por mais irônico que possa parecer, o Estado passa, então, a atuar para salvar a liberdade de iniciativa que antes exigia a sua total abstenção para existir (na concepção dos liberais).
A Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, apresentam pela primeira vez a tendência de atuação do Estado no domínio econômico. Aquela, condicionou o exercício da propriedade privada à observância do interesse público (artigo 27) e estabeleceu o combate ao regime de monopólios, à concentração econômica e ao açambarcamento (artigo 28); esta, dispôs sobre a organização da vida econômica e fixou limites à liberdade econômica individual.
Cresce, à época, uma grande tendência de dirigismo Estatal da economia, com a centralização das decisões econômicas. No Welfare State, o Estado, mesmo mantendo o regime de mercado, ingressou na economia de forma tal a tornar-se uma personagem do jogo econômico, que exercia sua influência no interesse da coletividade.
A intervenção deixa de ser uma circunstância excepcional para tornar-se um elemento fundamental do Estado. A doutrina de John Maynard Keynes no ocidente, que apresentou um programa governamental do pleno emprego, foi de um impacto que passou a ser cognominada de "Revolução Keynesiana".
E enquanto Keynes reabilitava o capitalismo, o socialismo era implantado em nível nacional pela primeira vez, em 1917, na União das Repúblicas Socialistas Soviética - URSS, servindo de modelo a nações como China, Vietnã e Cuba.
Contudo, o Estado paternalista do Welfare, que não contava com a participação democrática, nem se fundamentava em uma legitimidade jurídica, acabou por se mostrar ineficiente quanto ao seu desempenho econômico de implementação dos direitos fundamentais, desenvolvimento econômico e maximização da riqueza coletiva. Um sentimento de descrédito se insurge contra esse Estado paternalista, o qual se incumbe da tarefa de decidir o que seria o bem da coletividade sem uma relação de participação daquela.
O papel do Estado é redefino pelo novo paradigma constitucional adotado. Surge então a teoria de uma constitucionalidade econômica compatível ao exercício da cidadania, com uma política econômica implantadora de direitos fundamentais, criada pelo discurso jurídico da livre criação e da processualidade (pelo contraditório, ampla defesa e isonomia) da ordem econômica.
No Brasil, a ruptura paradigmática proveniente da Constituição brasileira de 1988 implica uma hermenêutica de Direito Democrático. Assim, "o paradigma de Direito atual apresenta como característica básica uma oferta de incessante, irrestrita e ampla fiscalidade do sistema jurídico pelo destinatário da norma. Não há uma heteronomia entre o produtor e o destinatário da lei".
3.2 A ATUAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA NA CONSTITUCIONALIDADE DEMOCRÁTICA:
De acordo com o Direito Democrático, o Estado deve ser entendido como um conjunto de órgãos e entidades públicas a serviço de políticas econômicas constitucionalmente adotadas para a implementação dos direitos fundamentais, conforme se depreende da leitura sistematizada dos artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 170, dentre outros da CRFB/1988.
Verificamos, então, que a atuação do Estado no domínio econômico pode se dar de diversas formas, sempre com fins de implementar a política econômica juridicamente adotada.
O Estado age diretamente como sujeito atuante no mercado por meio das formas de empresa pública, sociedades de economia mista e subsidiárias. Quando diretamente, o Estado pode atuar sob regime de monopólio legal (artigo 177 da CRFB/1988) ou como agente regulador pelo regime econômico privado, conforme o artigo 173 §§ 1º e 2º da CRFB/1988.
Ressalte-se que com a CRFB/1988, a atuação direta do Estado passa a ser exceção, dispondo o caput do artigo 173 da Constituição que "(...) a exploração direta de atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei".
Lado outro, a atuação indireta do Estado na economia recebeu, em vista do princípio da subsidiariedade, maior relevo pelo ordenamento da CRFB/1988.
A atuação indireta do Estado pode se dar pela (i) normatização ou pela (ii) regulação da economia (ou, como prefere Eros Roberto Grau, pela intervenção por indução e pela intervenção por direção).
A normatização apresenta-se como a produção de normas (pelo devido processo legal) de transformação da economia, com o objetivo de instrumentalizar a realização das políticas econômicas adotadas pela Constituição.
Definitivamente, a regulação é a forma de atuação estatal mais coerente com a constitucionalidade democrática, e que mais se coaduna com os princípios da subsidiariedade e eficiência, norteadores do Direito Econômico. A regulação pode se dar por meio de (i) fiscalização, (ii) incentivo e (iii) planejamento, do Estado no domínio econômico.
A fiscalização é a face de Estado polícia, na qual o Estado atua como repressor de condutas incondizentes com os fundamentos e princípios da ordem econômica (art. 170 da CRFB). Podemos verificar a atuação Estatal nesses moldes quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aplica as sanções dispostas no Capítulo III, Título V, da Lei 8.884/94.
O incentivo se dá, por exemplo, quando o Estado, por meio de bancos de desenvolvimento fomenta investimentos em áreas da economia que necessitam de desenvolvimento. Outro exemplo seriam as sanções premiais do Estado por meio de incentivos tributários.
O planejamento econômico, por sua vez, é o mais abrangente dos institutos de regulação da economia pelo Estado. Ele dota de legitimidade a atuação do Estado, que se dará nos termos do Direito Econômico e da ordem jurídica adotada.
Um roteiro do planejamento econômico pode ser apreendido na CRFB/1988 pela leitura dos seguintes artigos: 165 c/c 84, XI; 61, §1º, b; 63, I; 166, caput e §§ 3º, 4º, 5º e 6º; 165, § 9º; 59, parágrafo único; 174, podendo ser adotado como linha de reflexão, sempre tendo em vista os artigos 5º, 6º e 170 da CRFB/1988.
Podemos perceber que o planejamento, tendo como instrumentos operacionais o orçamento, plano e projetos tem uma institucionalização na Constituição Econômica do sistema em que atua e não pode fugir dos termos dessa ordem econômica.
Portanto, na democracia, o planejamento econômico não se trata de apenas uma técnica de racionalização da intervenção estatal, mas um pressuposto legitimador e dotador de coercitividade e validade desta, que deve se dar segundo os institutos do Direito Econômico, considerando, relevantemente, os princípios da economicidade e subsidiariedade e tendo por fim primordial a implementação dos direitos fundamentais.
3.3 LEI DE PROTEÇAO DA CONCORRÊNCIA (Antitruste)
 É a Lei que se destina a punir práticas anticompetitivas que usam o poder de mercado para restringir a produção e aumentar preços, de modo a não atrair novos competidores, ou eliminar a concorrência. Podem ser usadas por governantes para favorecer determinadas empresas. Uma prefeitura, por exemplo, poderia dar para uma determinada empresa exclusividade de certo recurso existente na cidade, o que faria com que a empresa beneficiada possa produzir com menos custos, ou então prender a nova empresa em entraves legais. As empresas dominantes também podem exercer práticas anticompetitivas como, preços predatórios e cartéis. Na prática de preços predatórios a empresa joga o preço deseu produto abaixo de seus custos, visando eliminar a concorrência, valendo-se do seu "poder de mercado" para impedir a entrada de novos competidores e assim manter a sua posição e usufruir de lucros econômicos excessivos.
CONCLUSÃO:
Na constitucionalidade democrática brasileira, a atuação estatal na ordem econômica pode se dar de duas formas base: direta e indireta. A atuação direta é exceção, e se consubstancia na atuação do Estado como sujeito atuante no mercado por meio das formas de empresa pública, sociedades de economia mista e subsidiárias. A atuação indireta do Estado é a que mais se coaduna com os moldes democráticos, e se dá por meio da normatização e da regulação da economia. No âmbito da regulação, encontramos as práticas estatais de fiscalização, incentivo e planejamento.
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CARTA ENCÍCLICA 
«RERUM NOVARUM»
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA LEÃO XIII 
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS
IRMÃOS, OS PATRIARCAS,
PRIMAZES, ARCEBISPOS
E BISPOS DO ORBE CATÓLICO,
EM GRAÇA E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE A CONDIÇÃO DOS OPERÁRIOS
15 de Maio de 1891 
INTRODUÇÃO
1. A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.
Por toda a parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo em exercício o génio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos governantes, e não há, presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano.
É por isto que, Veneráveis Irmãos, o que em outras ocasiões temos feito, para bem da Igreja e da salvação comum dos homens, em Nossas Encíclicas sobre a soberania política, a liberdade humana, a constituição cristã dos Estados [*] e outros assuntos análogos, refutando, segundo Nos pareceu oportuno, as opiniões erróneas e falazes, o julgamos dever repetir hoje e pelos mesmos motivos, falando-vos da Condição dos Operários. Já temos tocado esta matéria muitas vezes, quando se Nos tem proporcionado o ensejo; mas a consciência do Nosso cargo Apostólico impõe-Nos como um dever tratá-la nesta Encíclica mais explicitamente e com maior desenvolvimento, a fim de pôr em evidência os princípios duma solução, conforme à justiça e à equidade. O problema nem é fácil de resolver, nem isento de perigos. E difícil, efectivamente, precisar com exactidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por outro lado, o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para excitar as multidões e fomentar desordens.
Causas do conflito
2. Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários.
A solução socialista
3. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários,viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.
A propriedade particular
4. De facto, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e a sua indústria, não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido será propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito da propriedade mobiliária e imobiliária? Assim, esta conversão da propriedade particular em propriedade colectiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu património e melhorarem a sua situação.
5. Mas, e isto parece ainda mais grave, o remédio proposto está em oposição flagrante com a justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efectivamente, sob este ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais destituídos de razão. Estes não se governam a si mesmos; são dirigidos e governados pela natureza, mediante um duplo instinto, que, por um lado, conserva a sua actividade sempre viva e lhes desenvolve as forças; por outro, provoca e circunscreve ao mesmo tempo cada um dos seus movimentos. O primeiro instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo, à propagação da espécie; e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das coisas presentes e postas ao seu alcance. Por outro lado, seriam incapazes de transpor esses limites, porque apenas são movidos pelos sentidos e por cada objecto particular que os sentidos percebem. Muito diferente é a natureza humana. Primeiramente, no homem reside, em sua perfeição, toda a virtude da natureza sensitiva, e desde logo lhe pertence, não menos que a esta, gozar dos objectos físicos e corpóreos. Mas a vida sensitiva mesmo que possuída em toda a sua plenitude, não só não abraça toda a natureza humana, mas é-lhe muito inferior e própria para lhe obedecer e ser-lhe sujeita. O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido.
Uso comum dos bens criados e propriedade particular deles
Uma consideração mais profunda da natureza humana vai fazer sobressair melhor ainda esta verdade. O homem abrange pela sua inteligência uma infinidade de objectos, e às coisas presentes acrescenta e prende as coisas futuras; além disso, é senhor das suas acções; também sob a direcção da lei eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é, de algum modo, para si a sua lei e a sua providência. É por isso que tem o direito de escolher as coisas que julgar mais aptas, não só para prover ao presente, mas ainda ao futuro. De onde se segue que deve ter sob o seu domínio não só os produtos da terra, mas ainda a própria terra, que, pela sua fecundidade, ele vê estar destinada a ser a sua fornecedora no futuro. As necessidades do homem repetem-se perpetuamente: satisfeitas hoje, renascem amanhã com novas exigências. Foi preciso, portanto, para que ele pudesse realizar o seu direito em todo o tempo, que a natureza pusesse à sua disposição um elemento estável e permanente, capaz de lhe fornecer perpetuamente os meios. Ora, esse elemento só podia ser a terra, com os seus recursos sempre fecundos. E não se apele para a providência do Estado, porque o Estado é posterior ao homem, e antes que ele pudesse formar-se, já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua existência. Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o facto de que Deus concedeu a terra a todo o género humano para a gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos. Tal não é o sentido dessa verdade. Ela significa, unicamente, que Deus não assinou uma parte a nenhum homem em particular, mas quis deixar a limitação das propriedades à indústria humana e às instituições dos povos. Aliás, posto que dividida em propriedades particulares, a terra não deixa de servir à utilidade comum de todos, atendendo a que não há ninguém entre os mortais que não se alimente do produto dos campos. Quem os não tem, supre-os pelo trabalho, de maneira que se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de prover às necessidades da vida, quer ele se exerça num terreno próprio, quer em alguma parte lucrativa cuja remuneração, sai apenas dos produtos múltiplos da terra, com os quais ela se comuta. De tudo isto resulta, mais uma vez, que a propriedade particular é plenamente conforme à natureza. A terra, sem dúvida, fornece ao homem com abundância as coisas necessárias para a conservação da sua vida e ainda para o seu aperfeiçoamento, mas não poderia fornecê-las sem a cultura e sem os cuidados do homem. Ora, que faz o homem, consumindo os recursos do seu espírito e as forças do seu corpo em procurar esses bens da natureza? Aplica, para assim dizer, a si mesmo a porção da natureza corpórea que cultiva e deixa nela como que um certo cunho da sua pessoa, a ponto que, com toda a justiça, esse bem será possuído de futuro como seu, e não será lícito a ninguém violar o seu direito de qualquer forma que seja.
A propriedade sancionada pelas leis humanas e divinas
A força destes raciocínios é duma evidência tal, que chegamos a admirar como certos partidários de velhas opiniões podem ainda contradizê-los, concedendo sem dúvida ao homem particular o uso do solo e os frutos dos campos, mas recusando-lhe o direito de possuir, na qualidade de proprietário, esse solo em que edificou, a porção da terra que cultivou. Não vêem, pois, que despojam assim esse homem do fruto do seu trabalho; porque, afinal, esse campo amanhado com arte pela mão do cultivador, mudou completamente de natureza: era selvagem, ei-lo arroteado; de infecundo, tornou-se fértil; o que o tornou melhor, está inerente ao solo e confunde-se de tal forma com ele, que em grande parte seria impossível separá-lo. Suportaria a justiça que um estranho viesse então a atribuir-se esta terra banhada pelo suor de quem a cultivou? Da mesma forma que o efeito segue a causa, assim é justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador.
É, pois, com razão, que a universalidade do género humano, sem se deixar mover pelas opiniões contrárias dum pequeno grupo, reconhece, considerando atentamente a natureza, que nas suas leis reside o primeiro fundamento da repartição dos bens e das propriedades particulares; foi com razão que o costume de todos os séculos sancionou uma situação tão conforme à natureza do homem e à vida tranquila e pacífica das sociedades. Por seu lado, as leis civis, que recebem o seu valor [1], quando são justas, da lei natural, confirmam esse mesmo direito e protegem-no pela força. Finalmente, a autoridade das leis divinas vem pôr-lhe o seu selo, proibindo, sob perla gravíssima, até mesmo o desejo do que pertence aos outros: «Não desejarás a mulher do teu próximo, nem a sua casa, nem o seu campo, nem o seu boi, nem a suaserva, nem o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença» [2] .
A família e o Estado
6. Entretanto, esses direitos, que são inatos a cada homem considerado isoladamente, apresentam-se mais rigorosos ainda, quando se consideram nas suas relações e na sua conexão com os deveres da vida doméstica. Ninguém põe em dúvida que, na escolha dum género de vida, seja lícito cada um seguir o conselho de Jesus Cristo sobre a virgindade, ou contrair um laço conjugal. Nenhuma lei humana poderia apagar de qualquer forma o direito natural e primordial de todo o homem ao casamento, nem circunscrever o fim principal para que ele foi estabelecido desde a origem: «Crescei e multiplicai-vos»[3]. Eis, pois, a família, isto é, a sociedade doméstica, sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil, à qual, desde logo, será forçosamente necessário atribuir certos direitos e certos deveres absolutamente independentes do Estado. Assim, este direito de propriedade que Nós, em nome da natureza, reivindicamos para o indivíduo, é preciso agora transferi-lo para o homem constituído chefe de família. Isto não basta: passando para a sociedade doméstica, este direito adquire aí tanto maior força quanto mais extensão lá recebe a pessoa humana.
A natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos; vai mais longe. Como os filhos reflectem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum património que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna. Mas, esse património poderá ele criá-lo sem a aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possam transmitir-lhes por via de herança?
Assim como a sociedade civil, a família, conforme atrás dissemos, é uma sociedade propriamente dita, com a sua autoridade e o seu governo paterno, é por isso que sempre indubitavelmente na esfera que lhe determina o seu fim imediato, ela goza, para a escolha e uso de tudo o que exigem a sua conservação e o exercício duma justa independência, de direitos pelo menos iguais aos da sociedade civil. Pelo menos iguais, dizemos Nós, porque a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real, de que participam necessariamente os seus direitos e os seus deveres. E se os indivíduos e as famílias, entrando na sociedade, nela achassem, em vez de apoio, um obstáculo, em vez de protecção, uma diminuição dos seus direitos, dentro em pouco a sociedade seria mais para se evitar do que para se procurar.
Querer, pois, que o poder civil invada arbitrariamente o santuário da família, é um erro grave e funesto. Certamente, se existe algures uma família que se encontre numa situação desesperada, e que faça esforços vãos para sair dela, é justo que, em tais extremos, o poder público venha em seu auxílio, porque cada família é um membro da sociedade. Da mesma forma, se existe um lar doméstico que seja teatro de graves violações dos direitos mútuos, que o poder público intervenha para restituir a cada um os seus direitos. Não é isto usurpar as atribuições dos cidadãos, mas fortalecer os seus direitos, protegê-los e defendê-los como convém. Todavia, a acção daqueles que presidem ao governo público não deve ir mais além; a natureza proíbe-lhes ultrapassar esses limites. A autoridade paterna não pode ser abolida, nem absorvida pelo Estado, porque ela tem uma origem comum com a vida humana. «Os filhos são alguma coisa de seu pai»; são de certa forma uma extensão da sua pessoa, e, para falar com justiça, não é imediatamente por si que eles se agregam e se incorporam na sociedade civil, mas por intermédio da sociedade doméstica em que nasceram. Porque os «filhos são naturalmente alguma coisa de seu pai... devem ficar sob a tutela dos pais até que tenham adquirido o livre arbítrio» [4]. Assim, substituindo a providência paterna pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços da família.
O comunismo, princípio de empobrecimento
7. Mas, além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria. Por tudo o que Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade colectiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer por todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular. Expliquemos agora onde convém procurar o remédio tão desejado.
A Igreja e a questão social
8. É com toda a confiança que Nós abordamos este assunto, e em toda a plenitude do Nosso direito; porque a questão de que se trata é de tal natureza, que, se não apelamos para a religião e para a Igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz. Ora, como é principalmente a Nós que estão confiadas a salvaguarda da religião e a dispensação do que é do domínio da Igreja, calarmo-nos seria aos olhos de todos trair o Nosso dever. Certamente uma questão desta gravidade demanda ainda de outros a sua parte de actividade e de esforços; isto é, dos governantes, dos senhores e dos ricos, e dos próprios operários, de cuja sorte se trata. Mas, o que Nós afirmamos sem hesitação, é a inanidade da sua acção fora da Igreja. E a Igreja, efectivamente, que haure no Evangelho doutrinas capazes de pôr termo ao conflito ou ao menos de o suavizar, expurgando-o de tudo o que ele tenha de severo e áspero; a Igreja, que se não contenta em esclarecer o espírito de seus ensinos, mas também se esforça em regular, de harmonia com eles a vida e os costumes de cada um; a Igreja, que, por uma multidão de instituições eminentemente benéficas, tende a melhorar a sorte das classes pobres; a Igreja, que quer e deseja ardentemente que todas as classes empreguem em comum as suas luzes e as suas forças para dar à questão operária a melhor solução possível; a Igreja, enfim, que julga que as leis e a autoridade pública devem levar a esta solução, sem dúvida com medida e com prudência, a sua parte do consenso.
Não luta, mas concórdia das classes
9. O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os Socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença das suas respectivas condições.
Pelo que diz respeito ao trabalho em particular, o homem, mesmo no estado de inocência, não era destinado a viver na ociosidade, mas, ao que a vontade teria abraçado livremente como exercício agradável, a necessidade lhe acrescentou, depois do pecado, o sentimento da dor e o impôs como uma expiação: «A terra será maldita por tua causa; é pelo trabalho que tirarás com que alimentar-te todos os dias da vida» [5]. O mesmo se dá com todas as outras calamidades que caíramsobre o homem: neste mundo estas calamidades não terão fim nem tréguas, porque os funestos frutos do pecado são amargos, acres, acerbos, e acompanham necessariamente o homem até ao derradeiro suspiro. Sim, a dor e o sofrimento são o apanágio da humanidade, e os homens poderão ensaiar tudo, tudo tentar para os banir; mas não o conseguirão nunca, por mais recursos que empreguem e por maiores forças que para isso desenvolvam. Se há quem, atribuindo-se o poder fazê-lo, prometa ao pobre uma vida isenta de sofrimentos e de trabalhos, toda de repouso e de perpétuos gozos, certamente engana o povo e lhe prepara laços, onde se ocultam, para o futuro, calamidades mais terríveis que as do presente. O melhor partido consiste em ver as coisas tais quais são, e, como dissemos, em procurar um remédio que possa aliviar os nossos males.
O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um todo exactamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital.
A concórdia traz consigo a ordem e a beleza; ao contrário, dum conflito perpétuo só podem resultar confusão e lutas selvagens. Ora, para dirimir este conflito e cortar o mal na sua raiz, as Instituições possuem uma virtude admirável e múltipla.
E, primeiramente, toda a economia das verdades religiosas, de que a Igreja é guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres, lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos os outros, os que derivam da justiça.
Obrigações dos operários e dos patrões
10. Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas.
Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo.
Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vista a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que cometeria um crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer no preço dos seus labores: «Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama contra vós: e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus dos Exércitos»[6]. Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o acto violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, porque este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a estas leis — pergunta-mos Nós — não bastaria, só de per si, para fazer cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas?
11. Todavia a Igreja, instruída e dirigida por Jesus Cristo, eleva o seu olhar ainda para mais alto; propõe um conjunto de preceitos mais completo, porque ambiciona estreitar a união das duas classes até as unir uma à outra por laços de verdadeira amizade. Ninguém pode ter uma verdadeira compreensão da vida mortal, nem estimá-la no seu devido valor, se não se eleva à consideração da outra vida que é imortal. Suprimi esta, e imediatamente toda a forma e toda a verdadeira noção de honestidade desaparecerá; mais ainda: todo o universo se tornará um impenetrável mistério.
Quando tivermos abandonado esta vida, só então começaremos a viver: esta verdade, que a mesma natureza nos ensina, é um dogma cristão sobre o qual assenta, como sobre o seu primeiro fundamento, toda a economia da religião.
Não, Deus não nos fez para estas coisas frágeis e caducas, mas para as coisas celestes e eternas; não nos deu esta terra como nossa morada fixa, mas como lugar de exílio. Que abundeis em riquezas ou outros bens, chamados bens de fortuna, ou que estejais privados deles, isto nada importa à eterna beatitude: o uso que fizerdes deles é o que interessa.
Pela Sua superabundante redenção, Jesus Cristo não suprimiu as aflições que formam quase toda a trama da vida mortal; fez delas estímulos de virtude e fontes de mérito, de sorte que não há homem que possa pretender as recompensas eternas, se não caminhar sobre os traços sanguinolentos de Jesus Cristo: «Se sofremos com Ele, com Ele reinaremos»[7]. Por outra parte, escolhendo Ele mesmo a cruz e os tormentos, minorou-lhes singularmente o peso e a amargura, e, a fim de nos tornar ainda mais suportável o sofrimento, ao exemplo acrescentou a Sua graça e a promessa duma recompensa sem fim: «Porque o momento tão curto e tão ligeiro das aflições, que sofremos nesta vida, produz em nós o peso eterno duma glória soberana incomparável» [8].
Assim, os afortunados deste mundo são advertidos de que as riquezas não os isentam da dor; que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo[9]; que eles devem tremer diante das ameaças severas que Jesus Cristo profere contra os ricos [10]; que, enfim, virá um dia em que deverão prestar a Deus, seu juiz, rigorosíssimas contas do uso que hajam feito da sua fortuna.
Posse e uso das riquezas
12. Sobre o uso das riquezas, já a pura filosofia pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e extrema importância; mas só a Igreja no-los pode dar na sua perfeição, e fazê-los descer do conhecimento à prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa posse das riquezas e o seu legítimo uso.
A propriedade particular, já o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária[11]. Agora, se se pergunta em que é necessário fazer consistir o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitação: «A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim por comuns, de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. É por isso que o Apóstolo disse: «Ordena aos ricos do século... dar facilmente, comunicar as suas

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