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PEDROSO A história da resistencia dos Avá-Canoeiro

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~--------------------------------------
DULCE MADALENA RIOS PEDROSO
A HIST6RIA DE RESISTÊNCIA DOS AVÁ-CANOEIRO
GT - Dernografia Histórica das populações Indígenas no Brasil
Coordenador: Prof. Dr. Robin M. Wright
"XVI Encontro Anual da ANPOCS, 20 a 23 de outubro de 1992,
Caxambú - Minas Gerais"
DULCE MADALENA RIOS PEDROSO
UNIVERSIDADE CATOLICA DE GOIÂS
INSTITUTO GOIANO DE pRE-HISTORIA E ANTROPOLOGIA
A HISTORIA DE RESIST~NCIA DOS AVÃ-CANOEIRO
GOIÂNIA
1992
Os Avá-Canoeiro sao falant.esTupi, pertencentes a
família lingüística Tupi-Guarani e guardam semelhanças lin-
güísticas mais próxima com os grupos indígenas estabelecidos
em terras às margens direita e esquerda do baixo curso do
rio Tocantins, tais como os Asurini do Tocantins (PA), Suruí
do Tocantins (PA), Parakanã (PA), Guajajara (MA), Tembé (MA)
e os Tapirapé (MT).(1) Desse modo, infere-se que os Avá-Ca
noeiro sejam provenientes do norte do Brasil, tendo, em epo-
ca pretérita, subido o rio Tocantins, estabelecendo-se em
seu alto curso.
Por quase dois séculos persistiu a tradição em
Goiás em atribuir aos Avá-Canoeiro a descendência mestiça,
vinculada aos índios Carijó que, segundo a lenda, fugiram do
domínio dos bandeirantes paulistas no início do século XVIII
e estabeleceram comunidades autônomas ao longo do rio Tocan-
tins, miscigenando-se com negros quilôbolas. (2) Contudo, pe~
quisas lingüísticas e históricas vêm esçlarecer que a origem
dos Avá-Canoeiro desvincula-se completamente da visão mesti-
ça que persistiu na tradição oral de Goiãs, como também en-
tre estudiosos contemporâneos, durante várias décadas.
• Segundo pesquisas históricas de Monteiro, (3) os
índios Carijó estão relacionados à escravidão em são Paulo
colonial; todavia, o termo Cqrijó, que antes cinvulava-se a
indígenas de origem Guarani, perde esta conotação a partir
do século XVIII,tornqndo-se um termo generalizado, signi-
ficando apenas indios cativos.
Lingfiisticamente, os indios Carijó, de origem Gua
rani, diferem dos Avá-Canoeiro, embora ambos pertençam à fa-
milia Tupi-Guarani. No entanto, pesquisas na documentação
histórica e na tradição oral dos habitantes do municipio de
Niquelàndia, no Estado de Goiás, apontam um est~eito relacio
Q
namento entre esses indios e indivíduos neo-brasileiros (ne-
gros e brancos) .(4) Esta influ~ncia também é verificada en-
tre os remanescentes Avá-Canoeiro estabelecidos na região do
rio Maranhão/Tocantins. Esses índios, contados em 1983, as
margens do rio Maranhão, possuem um traço da cultura mate-
rial nitidamenteneo-brasileira: o cachimbo de forma trape-
zoidal. Já os grupos indigenas brasileiros, atuais ou ~pre-
históricos, fazem seus cachimbos com outra forma, completa-
mente distinta da forma neo-brasileira. Uma outra evidência
do relacionamento entre índios e outros povos, encontra-se
na lingua Avá-Canoeiro. Segundo a informação pessoal da prof~
Nair Oliveira, que estuda a lingua desses indios, uma de
suas hipóteses e que parece haver palavras Tupi mescladas
com Português de influ~ncia negra. (5)
Possivelmente, em virtude da evid~ncia de um con-
tato estreito entre os Avá-Canoeiro da região tocantinea e
individuos neo-brasileiros, a discussão a r~speito da origem
• desse povo permaneceu tão acesa e pol~mica durante tantas dê
cadas.
•
A partir de meados do século XVIII, a colonização
atinge o território Avã-Canoeiro, onde as frentes agro-past~
ris e a navegação pelo rio .Tocantins fazem iniciar os confli
tos entre índios e colonos. Nesta ocasião, o território de
exploração dos Avã-Canoeiro definia-se como ocupando ambas
as margens do rio Maranhão/Tocantins desde a região do rio
Bagagem até o rio Santa Tereza, ambos afluentes do referido
Maranhão/Tocantins, perfazendo um extenso território ao lon-
go desse rio. Tais índios habitavam não apenas as margens do
Maranhão/Tocantins, como também as ilhas deste rio, além de
alguns de seus afluentes principais. Esta região ocupada pe-
los Avá-Canoeiro constituía-se de áreas de mata galeria que
acompanham as margens dos rios. (6) Segundo Laraia, (7) os gr~
pos Tupi são adaptados a regiões de mata, tal preferência de
vendo-se a importância dada por esse povo à agricultura. As
áreas onde os índios se fixaram ofereciam uma grande divers~
dade de recursos alimentares para a sua sobrevivência. Em
primeiro lugar, poderiam retirar da pesca sua fonte maior de
proteína, dado que os rios onde os índios se estabeleceram
eram bastante piscoso~. Por outro lado, a mata oferecia a ca
ça, os frutos, a madeira para a confecção de canoas e casas,
além de solos férteis para a prática da agricultura. Hipote-
ticamente os índios poderiam também utilizar os recursos ali
mentares provenientes do cerrado e dos campos que circunda-
vam as matas galerias. Do cerrado os índios poderiam retirar
a caça e frutos em abundância, e do campo, aves de .qraride
porte e cervídeos que havia em tal ambiente em grande quant~
dade.
- .....•. u.. :- .• .1:,,) ~, .
10·
LOCALIZA"ÃO D .••. O GRUP "
NA CAPITANIA DE GOIÁ
O
AVA-CANOEIROS.1760-1798
LEGENDA
.t. - ALDEAMENTO
.-POVOADOS
. \
",. ,,"-
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~
j ;'
"/
-~. ----
,.
•
Os Avá-Canoeiro se fixaram nestas áreas de mata
galeria provavelmente por duas razoes principais: por ser
se·uhabitat preferencial e por estarem estas áreas livres,
permitindo desse modo a fixação do grupo. Sabe-se que as so-
ciedades Jê, como as Tupi, têm preferência por determinados
habitats. Os grupos Jê goianos (considera-se aqui Goiás an-
tes da divisão), como os Kayapõ do sul e os Akuê histõricos,
•.
ocupavam áreas de cerrado, construíam grandes aldeias, util~
zavam as matas .ciliares para o cultivo e exploravam frutos
sazonais do cerrado, bem como a caça e a pesca nos pequenos
cursos d'água. Tais sociedades construíam suas aldeias em in
terflúvios; contudo, poderiam eventualmente explorar os gra~
des cursos d'água em suas movimentações, praticando a caça
e a pesca. Aparentemente o Grupo Avá-Canoeiro é intrusivo em
uma área eminentemente Jê. Canoeiros por excelência, esses
índios poderiam se deslocar facilmente pelo rio, fugindo de
seus inimigos, que não dispunham de canoas. Além disso, bus-
cavam refúgios naturais para habitarem: regiões acidentadas,
ilhas e terras ao longo dos rios, dificultando, desse modo,
o acesso de seus inimigos.
A fixação de estabelecimentos agro-pastoris em
territórios de explorações dos Avá-Canoeiro, a partir de mea
dos do século XVIII, desencadeou uma reação violenta entre
esses índios, os quais impuseram resistência a esta invasão.
o ouro explorado no norte da Capitania de Goiãs não era mui-
to abundante, os veios auríferos logo se exauriram, levando
a população a partir para novas alternativas econômicas. As
terras férteis que margeavam o r~o MaranhãojTocantins iam
sendo, então, ocupadas pela nascente economia rural.
Q
Os Ava-Canoeiro reagiram contra estas frentes pi~
neiras por meio da guerra; atacavam e destruíam os estabele-
cimentos rurais que se instalaram em seus territórios. Em
contrapartida os colonizadores buscavam garantir osterritó-
rios já conquistados, bem corno obter novos. Para isso usavam
como recurso a força das armas. Assim, ao longo de um. século
de intensos conflitos entre Avá-Canoeiro e colonizadores, e~
tes organizavam expediç6es para atacar as aldeias indigenas.
Construiram presídios militares, localizados no centro do
território indigena, que visavam guarnecer as áreas conquis-
tadas e tentar contato com os indios. Além disso, designavam
destacamentos volantes para patrulhar determinados locais on
de os índios apareciam com freqüência. Durante toda a metade
do século XIX, houve intensos conflitos entre os Avá-Canoei
ro eos colonizadores. As conseqüências foram desastrosas p~
ra esses indios, que sempre evitaram o contato pacífico com
os colonizadores.
A SOCIEDADE AVÂ-CANOEIRO
~ muito difícil ou praticamente impossível discoE
rer sobre a organização social dos Avá-Canoeiro, dispondo
apenas das fontes históricas existentes. A documentação his-
tórica revela o desconhecimento do colonizador a respeito da
vida social desses indios, como mostra um ofício datado de
1824, onde o Governador das Armas de Provincia de Goiás, Cu-
nha Mattos,(8) envia instruç6es ao Comandante Geral do Dis-
trito de são Félix com vistas ã organização de 'uma bandeira
que penetraria o território Avã-canoeiro. Segundo tais ins-
truções, após dar-se o contato com os ~ndios, os comandantes
da bendeira deveriam mandar "alguns homens prudentes e bem
armados a suas aldeias para examinarem as suas plantações e
gados que conservam, terreno em que se acham edificados, o
modo de governo ... ". Mesmo assim, em 1862, o desconhecimento
sobre os índios ainda existia, o que pode ser verificado em
relatório do Presidente da Província José M. o. de Alencas-
tre: "Dos usos e costumes dos Canoeiros nada se tem podido
saber ao certo". (9) O comentário do Presidente estava cor-
reto, pois certamente nada se sabia a respeito da sociedade
Avá-Canoeiro. Esta falta de informações sobre a vida social
dos índios, levou a população a criar comentários e opiniõ~s
tendenciosas a cerca da mesma.
Portanto, ·torna-se impossível no momento, dispon-
do da documentação histórica, reconstituir a vida social dos
Avá-Canoeiro, pois ela inexiste nas fontes. Os documentos
históricos apenas apresentam dúvidas e um amontoado de opi-
niões confusas a respeito da vida social do referido grupo
indígena. Fica, no entanto, esta lacuna que futuramente pod~
rá ser preenchida através de pesquisas arqueológicas nas an-
tigas aldeias de que se tem notícias, e de um estudo etnoló-
gico com os remanescentes desta sociedade.
Contudo, apesar da ausência de informações histó-
4
ricas a respeito da organização social dos Avá-Canoeiro, há
condições de se ·analizarem alguns aspectos sociais do grupo,
como, por exemplo, a resistência em se manterem autônomos en
quanto sociedade. O carater resistente desses índios de nao
se submeterem à dominação dos colonizadores e de defenderem
seu território tradicional de ocupação .pode ter raízes na
própria fixação do grupo na região tocantínea. Tudo indica
que os Ava-Canoeiro tiveram que lutar, com outros grupos in-
dígenas, pela conquista e manutenção do território em ques-
tão. Desse modo, a belicosidade do grupo permitiu, por mais
de um século, o enfrentamento permanente com o colonizador.
Na verdade, esses índios constituíram um obstáculo para o
avanço da colonização em seus territórios tribais. (10)
Quando a repressao colonizadora sobre os Avá-Ca-
noeiro tornou-se mais ~ntensa, houve modificaç6es sociais
nesse povo para que a resistência fosse possível. Tal polít~
ca repressora ocasionou uma sensível redução da população· i~
dígena, o que provocou, certamente, modificaç6es profundas
na sociedade Ava-Canoeiro com relação ã organização do tra-
balho, regras de matrimônio, relaç6es de parentesco etc. Po-
rem, sao temas apenas para se especular, pois é impossível,
no momento, conhecermos as reais transformações que ocorre-
ram. Nas regras de matrimônio e nas relações de parentesco,
por exemplo, infere-se que tenham se transformado, o que po-
de ser constatado a partir do conhecimento do pequeno grupo
contatado na região do rio Araguaia em 1973. Nesse grupo, a
índia chamada Tatia, com mais de quarenta anos, informa que
casou com seu pai biológico, de cuja união nasceu uma meni-
na, falecida antes do contato. O índio Tutau é pai biológico
de dois filhos e uma filha, porem estes tinham mães diferen-
tes; contou-nos ele que seu filho putxkao e sua filha Tauta-
ma nao são irmãos. Creio que este assunto merece um estudo
mais aprofundado, porém tal exemplo ilustra a indicação de
que houve sensíveis transformações no reLac.í onament.o entre
os indivíduos da sociedade Avá-Canoeiro para que sua sobrevi
vência física fosse garantida.
Desta forma, a guerra entre os Avá-Canoeiro e os
colonizadores provocou, além da redução da população indíge-
na, a dispersão do grupo num vasto território, bem corno sua
fragmentação em pequenos grupos e o nomadismo, traduzido pe-
10 aumento da capacidade de mobilidade espacial do grupo. E~
ses aspectos demonstram que sua sociedade modificou-se. Tais
transformações parecem ter sido possíveis graças ao fato da
estrutura social dos grupos Tupi ser mais flexível, permiti~
oU
do mudanças radicais na vida social de seus indivíduos, o
que contribuiu para a sobrevivência do referido grupo, a des
peito de outras sociedades indígenas que foram extintas em
Goiás (corno,por exemplo, os Goiá, os Crixá, os Akroá, os
Xakribá etc.).
A dispersão dos Avá-Canoeiro ocorreu em virtude
das perseguições sofridas. O colonizador desejava definitiva
mente por um fim na resistência indígena contra a ocupaçao
de seus territórios tribais. Presídios militares, bandeiras
to pacífico. Para fugir da dominação colonizadora, era neces
sário dividirem-se em grupos menores. O colonizador pouco' a
punitivas e destacamentos volantes constituíram formas de
extermínio contra os índios que porventura evitassem o conta
pouco ocupava, através da força das armas, as terras ante-
riormente habitadas pelos povos indígenas.
A divisão desses índios em grupos menores permi-
tia uma movimentação mais segura e menos embaraçosa do que
se houvesse um grupo mais numeroso. Além disso, os recursos
alimentares, como a caça, a coleta de frutos e a pesca, Ipo-
deriam suprir satisfatoriamente um grupo menor de pessoas.
As roças seriam menores e passariam mais despercebidas aos
olhos dos fazendeiros. E os índios, movimentando-se em menor
número, tornariam mais fácil evitar o encontro ocasional com
os colonos, e estes, assim, não notariam os seus vestígios.
Afinal, eles estavam em fuga e, por sua própria segurança,
não deveriam ser notados.
Dessa forma, os Avá-canoeiro, ao se dispersarem
em grupos menores, movimentavam-se num vasto território. Al-
guns grupos permaneceram no seu território tradicional; ou-
tros migraram para norte, noroeste, sul, sudeste e sudoeste
de seu território, regiões até poucos anos antes habitadas
v
por sociedades indígenas Akuê, mas que foram exterminadas,
reduzidas em aldeamentos oficiais, ou que fugiram para ou-
tras regiões cruzando o rio Araguaia. Os pequenos grupos de
Avá-Canoeiro dispersos intensificaram a mobilidade espacial
em virtude das perseguições, pois, a esta altura, a coloniza
ção já se consolidara.
A documeptação hist6rica assim se refere à mobili
dade espacial a que foram impostos: Os Avá-Canoeiro são "er-
rantes pelas margens do rio Tocantins". (11) "... há aldeias
Q
do indomável Canoeiro, que sao nômades, disseminados pelas
margens do Araguaia e Tocantins". (12) "Sabeis que a tribo f~
roz dos Canoeiros ~ nômade e muito dividida ...". (13) Desse
modo, a mobilidade espacial mais intensa a que foram levados
os índios em questão também provocou profundas alterações em
seu modo de vida. Eles teriam que reduzir os bens materiais
que possuíam, pois teriam de transportá':""losconsigo em suas
constantes movimentações. Isto também influenciaria na capa-
cidade de reprodução física da própria sociedade (fontes his
tóricas e entrevistas com regionais de vários municípios
goianos e tocantinenses referem-se a raptos de crianças não-
índias pelos Avá-Canoeiro, talvez com vistas à recomposição
de sua sociedade). A mobilidade contínua possivelmente impe-
diu, também, em determinadomomento, o plantio de roças e à
construção de aldeias, levando-os a construírem apenas acam-
pamentos provisórios - "Não consta. que tenha.m (os Avá-Cano-
eiro) aldeamento fixo". (14) Contudo, os índios voltaram a
plantar e construir suas grandes casas, conforme indicam as
pesquisas realizadas sobre o grupo neste· século.
"
Observa-se. que a guerra entre os Avá-Canoeiro e
os colonizadores impôs aos índios mudanças no seu aparato
sócio-cultural para que a resistência da sociedade em se man
ter autônoma fosse possível. Um traço cultural bem marcante
entre os Avá-Canoeiro era sua belicosidade, nunca aceitando
o contato pacífico com o colonizador. Tal resistência indí-
gena ao contato evidenciava-se através do constante estado
de guerra para o qual estavam permanentemente mobilizados.·
... ~ ....~.w.. ~
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L.rl.
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~.I-r--'--- .--------.--. --I'" .
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NA PRovíNCIA DE GOIÃS : 1660-1669
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LEGENDA
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• - POVOADOS
• -PRESíDIOS/COLÔNIAS MIUTAREs
o
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Q: ,.
(!) S. JOSE DO.-
ARAGUAIA
".
-,..
•
A qu~ se deve uma resist~ncia tio obstinada dos
Avá-Canoeiro? Aparentemente os índios pareciam estar consci-
entes quanto à negação da sujeição a uma outra sociedade. En
tretanto, ..tudo indica que a sociedade Avá-Canoeiro possuía
mecanismos de controle social objetivando manter o corpo so-
cial coeso, pois estavam em permanente estado de guerra ou
de fuga (quando a guerra não foi mais possível). Estes meca-
nismos de controle social evidenciavam-se através da bravu-
ra, valentia, obstinação e do não recuo durante as lutas; os
índios eram, afinal, considerados inimigos irreconciliáveis
dos colonizadores.
Nas tr~s últimas décadas do século XIX, os Avá-
Canoeiro encontravam-se impossibilitados de lutar, pois o nu-
mero de fazendas crescera bastante e se espalhara por todo
território goiano; assim, passaram a fugir e a migrar para
se manterem autônomos, preferindo locais mais desertos e até
mesmo inóspitos, buscando áreas livres da ocupaçio do não-ín
dio.
POPULAÇÃO
A população. da sociedade Avá-Canoeiro é um dos a~
pectos mais difíceis de serem analis~dos em virtude da carên
cia de dados históricos a respeito, principalmente pelo fato
de que nenhuma aldeia Avá-Canoeiro foi reduzida em aldeamen-
to oficial. As fontes históricas não indicam o número de in-
I
divíduos, ora se referindo a muitos índios,ora dizendo de
poucos. Contudo, sabe-se que as aldeias dos povos Tupi nao
sio muito numerosas se comparadas com os populosos agrupame~
tos dos grupos Jê. A ausência de informações sobre a popula-
çao Avã-Canoeiro, em número, além das noticias vagas a esse
respeito, dificultam até mesmo sugerir.hipoteticamente algu-
ma estimativa populacional.
No final do século XVIII, quando expedicionários
atacaram a aldeia estabelecida nas ilhas do Tropeço, no rio
Tocantins, as fontes referem-se a um grande choque entre ín-
dios e não-índios, e a expedição "fez grande. mortandade".
(15) Se foram muitos os mortos e porque certamente a aldeia
era numerosa, pois há informes de que muitos fugiram e que o
comandante da bandeira saiu em seu encalço. ,pohl informa que
"eles formam uma das tribos mais numerosas", (16) e na aldeia
destruída em 1819 não houve muitas mortes porque a
estava ausente.
maioria
porém, Cunha Mattos (1824) fala em numeros de in-
divíduos; entretanto, é incoerente em suas estimativas. Num
ataque dos índios ao Julgado de Traíras, disse que havia mil
arcos, isto é, mil guerreiros. (17) Em outra referência, o
mesmo autor fala em trezentos guerreiros, considerando tal
tribo pequena. E ainda, em outra referência, Cunha Mattos
diz que os Avá-Canoeiros têm aumentado a população. (18) Ana-
lisemos os números apresentados por Cunha Mattos: se o grupo
é composto de mil guerreiros, multiplicando-se por quatro
considerando mulheres, crianças e homens velhos - daria uma
população de quatro mil pessoas. Se considerarmos trezentos
guerreiros, usando o mesmo raciocInio, terIamos uma popula-
ção de aproximadamente mil e duzentos indivIduos. Este con-
tingente, então, estaria distribufdo em quantas aldeias?
Os informes contidos no Jornal "Hatutina Meyapon-
tense" tarnbem apresentam dados populacionais divergentes. S~
gundo a referida fonte, datada de 1832, concluiu-se, em reu-
nião do Conselho do Governo, que tais índios eram em pequeno
número, (19) sem dizer, porém, a quantidade exata. No ano se-
guinte, o mesmo Conselho informa que os índios têm aumentado
a população e que, num ataque ao arraial de Amaro Leite, se-
gundo informações que os conselheiros crêem verídicas, cont~
ram quatrocentos combatentes. (20) Neste caso, é um exagero
atribuir tamanho contingente de guerreiros. Pois, nesta oca-
sião, Amaro Leite era um arraial bastante decadente e tal
numero de guerreiros seria mais que suficiente para destruí-
10 por completo.
Assim, a população Avá-Canoeiro poderia ser alca~
çado, até por volta da década de trinta, a casa dos três mil
indivíduos - um pouco mais ou menos - distribuídos em várias
aldeias.
A população Avá-Canoeiro, a partir da década de
quarenta, foi-se reduzindo ano após ano, em virtude de massa
cres e perseguições perpetradas contra esse povo. O então
presidente da província de Goiás~ Joaquim Ignácio de Ramalho
informa em 1847 que "a nação Canoeira não é bem conhecida,
apenas sabe-se que não e muito numerosa". (21) Em relatório
oficial, o presidente da provincia, Silva Gomes, estima em
1851 que a população dos Avá-Canoelro era pouco mrnerosa. (22)
Já o presidente Francisco Mariani, em 1353, diz que de manei
ra geral os índios eram poucos e espalhavam o terror por on-
de passavam. (23) Ainda em relatório, o presidente Antônio da
Cruz Machado informa, em 1855, que for~m vistas duas aldeias
numerosas: uma no alto curso do rio Santa Teresa e outra no
rio Cana Brava. (24) Em 1857, há notícias de um combate trava
do entre os índios e uma bandeira, nas cabeceiras do rio Th~
souras, quando "foram mortos grande número" (25) Desse modo
não havia dados quantitativos, apenas notícias vagas que di-
• ziam serem os índios ora muitos ora poucos .
No final do século XIX o grupo se encontrava bas-
tante reduzido em virtude das guerras e do nomadismo a que
foram levados, impedindo, assim, um aumento populacional. O
território estava bastante povoado por fazendas, impecilho
este a uma maior sedentarização dos grupos. Em 1881, o pre-
lo
sidente da Província informa "estar quase extinta a tribo
(dos Canoeiros) pelos ataques que, em represália, sofreram
dos cristãos". (26)
A pesquisa sobre os Avá-Canoeiro no século XX es-
tá apenas no início. Os remanescentes do grupo dividem-se no
grupo do Araguaia, contado em 1973, contando com nove indi-
víduos, e no grupo do Tocantins, contatado em 1983 e com-
posto de seis indivíduos. Contudo, segundo nOS$as pesquisas
einformaç6es da FUNAI, há pequenos grupos de Avá-Canoeiro
...1
autônomos, que ainda se movimentam em seus antigos territó-
rios, evitando o contato.
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NOTAS
(1) RODRIGUES, Aryon D. Relações internas da família Lingüí~
tica Tupi-Guarani. Revista de Antropologia. Separata dos
vo Lume s XVII e XVIII. p , 39 e 40.
(2) MATTOS, R. J. da Cunha. Chorografia Histórica da Provín-
cia de Goyaz. Goiânia: Convênio SUDECO/Governo de GOiás,
1979. MAGALHÃES, J. V~ do Couto de. Viagem ao Araguaia,
são Paulo, Cia. Editora Nacional, 1938.o. 113.
(3) MONTEIRO, John M. A Escravidão Indígena e o Problema da
identidade ttnica em são Paulo Colonia. In: Ciências So-
ciaisHoje, 1990. são Paulo. Vértice, Ed. Revista dos
Tribunais, 1990, p. 237-252.
(4) PEDROSO, Dulce M. R. 'Avá-Canoeiro: a história do povo
indivisível - Séculos XVIII e XIX. Goiânia: dissertação
de mestrado - UFG, 1992. p. 12-136.
(5) A prof~ Nair Oliveira é Professora na Universidade Cató-
lica de Goiás e faz pesquisa com a l.íngua Avá-Canoeiro,
informação pessoal.
(6) Ver com detalhes sobre o território Avá ...•Canoeiro·em:
PEDROSO, D. M. R. Op. cito p. 219-282.
(7) LARAIA, Roque de B. Tupi: índios do Brasil Atual. são
Paulo: Editora da USP, 1936 ..
(8) Ofício do Brigadeiro R. J. da Cunha Mattos ao Comandante
Geral do Distrito de são Felix em 12.01.1924. In: 1823 -
1829; Correspondência do Governador das Armas com os co-
mandantes dos Distritos~ Arquivo Histórico de Goiânia.
v
"
t
(9) Relatório do Presidente da província de Goiãs - J.M.P.
de A1encastre - em 19.06.1862. p. 17. Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro.
(10) Ver com detalhes - PEDROSO, D. M. R. Op. cito p. 165-
193.
(11) OFIcIO do Presidente da província de Goyaz - Joaquim
Ignácio de Ramalho ao Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios do Império em 15.01.1845, n9 53. In: 1845-
1848: Correspondência da presidência ao Ministério dos
Negócios do Império. p. 12 e 13. Arquivo Histórico de
Goiânia .
.(12) RELAT6RIO da Diretoria Geral dos índios em 28.04.1868 -
Joaquim Bueno Pita1uga Caiapó - p. 4 - Anexo ao Relató-
rio - 1869. A.N./RJ.
(13) RELAT6RIO do Presidente da Província de Goyaz - Antô-
nio Cândido da Cruz Machado - 19.09.1854, p. 24. A.N./
RJ.
(14) RELAT6RIO do Presidente da província de Goyaz - José
Martins Pereira de A1encastre - 19.06.1862, p. 45. A.N./
RJ.
(15)ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Anais da Província
de Goiás - 1868. Brasília: Editora Gráfica Ipiranga
Convênio SUDECO/Governo de GOiás, 1979, p. 253.
(16) POHL, Johann Emanuel. Viagem ao Interior do Brasil. Be-
lo Horizonte: Editora Itatiaia - são Paulo: Editora da
Universidade de são Paulo, 1976, p. 213.
(17) OFIcIO n9 15 de J. R. da Cunha Mattos para o Ministro
do Império Jo~o Vieira de Carvalho em 25.10.1823 - Pa~o
te IG 1217
(18) CUNHA, MATTOS, J. R. da. Op. Cito p. 19.
(19) ~~TUTINA MEIA PONTENSE, n9 394 de 15.12.1832. Goiânia:
Conv~nio SUDECO/GoVerno de Goiãs, ·1979.
(20) IDEM, n9.475 de 25.09.1823.
(21) RELATÓRIO do Presidente da Província de Goyas Joaquim
Ignácio de Ramalho - 19.05.1847, p , 13. A.N./RJ.
(22) RELATÓRIO do Presidente da província de Goyaz, Antônio
Joaquim da Silva Gomes - la51, p. 17. A.N.jRJ.
(23) RELATÓRIO do Presidente da Província de Goyaz - Francis
co Mariane - 19.06.1853, p. 12 - A.N.jRJ.
(24) RELATÓRIO do Presidente da Província de Goyaz - An t.ôn í.o-:
Cândido da Cruz Machado - 1855, p. 28. A.N.jRJ.
(25) COUTO DE MAGALHÃES, J. V. do. Op. Cito p. 111.
(26) RELAT6RIO do Presidente da Província de Goyaz - Aristi-
des de Souza Spínola - 27.12.1881, p. 19. A.H.G.
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SALLES, Gilka V. F. Economia e Escravidão em Goiás COlonial.
Goiânia, Ed. UFG, 1983.

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