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Módulo II - POLÍTICA CONTEMPORÂNEA - RESUMO

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Módulo II - Democracia e Autoritarismo 
Introdução 
Neste Módulo, vamos abordar uma visão histórica dos governos democráticos: como surgem, 
permanecem, particularizam-se e distinguem-se dos governos autoritários. 
Da democracia direta à democracia representativa, o exercício direto da vontade popular sofreu 
profundas alterações. Enquanto aquela preconiza o governo de todos os cidadãos nos 
processos decisórios, a democracia representativa baseia-se no fato de que o povo exerce o 
poder, indiretamente, através da escolha dos seus representantes, que por sua vez exercem o 
poder, em seu nome. 
Hoje, a efetivação dos direitos civis e políticos, que identificam os governos democráticos em 
todos os países do mundo, é avaliada partindo-se de características, tais como: liberdade de 
formar e aderir a organizações; liberdade de expressão; direito de voto; elegibilidade para cargos 
públicos; direito de líderes políticos disputarem apoio e conquistarem votos; garantia de acesso a 
fontes alternativas de informação; eleições livres, frequentes e idôneas; e instituições para fazer 
com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de 
preferência do eleitorado. 
Entretanto, não há fórmulas capazes de prever as metamorfoses por que passam muitos países 
que transitam entre os polos que separam os regimes autoritários dos democráticos. 
No mundo contemporâneo presenciamos a maior onda de democratização vivida desde sua 
adoção no início do século XIX. 
 
O que é Democracia? 
Quando pensamos em democracia, pensamos em participação política, representação, 
legitimidade. Na definição clássica, aristotélica, a democracia significava o governo soberano do 
povo – e, para Aristóteles, isso não necessariamente era bom. Ao contrário, o governo do povo 
podia ser a degeneração do bom exercício do poder, uma vez que o exercício direto da vontade 
popular, sem limites ou regras, levaria a uma tirania. O conceito sofreu muitas mudanças nos 
séculos XVII, XVIII e XIX, aproximando-o do que hoje conhecemos como democracia 
representativa. 
A democracia representativa se estabelece como alternativa à forma direta do poder popular, 
dadas as dificuldades práticas de se exercer o poder diretamente. A ideia central da democracia 
representativa é que o povo escolhe seus representantes, que por sua vez exercem o poder, em 
seu nome. A escolha direta legitima o exercício do poder pelos representantes – e não mais a 
tradição, a herança, o direito de sangue, o exercício da força ou outras possíveis formas de se 
estabelecer um núcleo governante. De certa forma, a democracia representativa é elitista: 
poucos governam, muitos são os governados. Mas é o processo de escolha – eleições -, e não 
quem o exerce diretamente, que é reconhecido como desejável e legítimo. 
Ao longo do século XIX, muitas barreiras para a participação civil foram abolidas: exigência 
mínima de propriedade e/ou renda, idade, sexo. Muitas somente o foram no século XX. De fato, 
foi somente no século XX que as democracias representativas se tornam de massa – de poucos 
milhares, passam a milhões os participantes do processo eleitoral; de cerca de 1% no século 
XIX, passam a praticamente 100% no século XX. É uma revolução sem precedentes. E a 
democracia é, portanto, bastante “jovem”, se pensarmos toda a história política da humanidade. 
Significado Moderno da Democracia 
O que significa hoje democracia? O debate moderno, dos séculos XVII-XIX, ainda tributário do 
legado aristotélico, ligava a democracia a fins – democracia é o que leva a determinados 
resultados, ao bom, belo, justo. É a doutrina do bem comum que está presente na transição de 
sistemas autoritários a democráticos, em contraposição ao bem de somente alguns privilegiados 
(monarquia, clero, aristocracia). Entretanto, essa visão não pôde ser sustentada por muito 
tempo. Afinal, se vivemos num mundo cada vez mais diferenciado e mais plural, muitas vezes o 
que é o bom para um grupo não o é para outros. Surge assim a concepção de democracia não 
ligada aos fins, ou aos resultados – porque existem muitos mundos possíveis e corretos a partir 
de uma multitude de visões -, mas ligada ao processo, ao como se faz. 
No debate contemporâneo, portanto, houve uma mudança de enfoque: do conteúdo da 
democracia ao método da democracia. De uma definição ampla, passamos a uma definição 
minimalista: democracia é uma forma competitiva de escolher os representantes, segundo 
Schumpeter. Os cidadãos e cidadãs escolhem um grupo, considerado melhor, e o escolhe 
novamente, ou escolhe outros, nas eleições seguintes; esses grupos governarão. A visão 
minimalista evolui, nesta concepção liberal, para o que Robert Dahl chama de “poliarquia”. 
Poliarquia 
O que é a poliarquia? É a existência de muitas condições que irão assegurar que o processo de 
escolhas (o método) será realizado de maneira livre, competitiva e que refletirá ao máximo a 
vontade dos indivíduos. Não só isso: a poliarquia diz respeito ao jogo eleitoral, mas também ao 
como a sociedade pode expressar suas preferências, e como o sistema governamental tratará 
essas preferências. Na poliarquia, entende-se que existem muitos interesses na sociedade, nem 
sempre convergentes: ao contrário, há conflitos e assimetrias (com a predominância, muitas 
vezes, de grupos mais poderosos).] 
Entretanto, na sua definição, a poliarquia antevê formas legítimas de constituição do poder 
democrático e também de sua destituição. Antevê, também, formas de ampla participação que 
resultem em políticas “antenadas” com o que quer a população. Segundo Dahl, para que o 
sistema de fato funcione, é preciso que os requisitos abaixo sejam atendidos: 
 Liberdade de formar e aderir a organizações; 
 Liberdade de expressão; 
 Direito de voto; 
 Elegibilidade para cargos públicos; 
 Direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente, consquistarem 
votos; 
 Garantia de acesso a fontes alternativas de informação; 
 Eleições livres, frequentes e idôneas; e 
 Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e 
de outras manifestações de preferência do eleitorado. 
 
A democracia no mundo. Por que alguns países são democráticos e outros não? 
Não muitas sociedades detêm todos esses elementos ao mesmo tempo e todo o tempo. Existem 
muitos sistemas hoje que monitoram o que chamamos de “qualidade da democracia”, onde 
muitos quesitos são avaliados. Democracy Index e Freedom House são alguns desses 
organismos que monitoram direitos políticos e civis no mundo, e divulgam escalas de 
democracia conforme o respeito a direitos humanos, direito de associação, proteção a minorias, 
liberdade na internet e de imprensa, eleições etc. 
Segundo a Freedom House, em 2013 o Brasil foi considerado um país com bastante garantia 
das liberdades. Numa escala de 1-7 em que 1 é o máximo e 7 é o mínimo (menos livre), o Brasil 
apresenta um fator 2 em direitos civis, liberdades e direitos políticos. Já a Venezuela é 
parcialmente livre, com limite a sua imprensa, com fator 5, como o Egito. E países como Arábia 
Saudita, Iran, Yemen e Oman são países não livres, com nota 7. 
De forma que, se de um lado existem países com altas taxas de liberdade, e eles se concentram 
na Europa e nas Américas, existem muitos não-democráticos e, mais ainda, regimes híbridos: 
embora tenham alguns aspectos que apontem para uma democracia, têm também outros que 
apontam para a autocracia. Os regimes híbridos estão numa zona cinza, em que nem podem ser 
considerados de fato livres, nem ditaduras. Mesmo que tenham, por exemplo, eleições, não 
apresentam garantias civis completas, liberdade de expressão e associação; ou suas eleições 
são marcadas por corrupção e violência. 
Segundo algumas estimativas, cerca de dois bilhões de pessoas ainda vivem, hoje, sob 
governos autoritários.Alguns pontos importantes na atualidade remetem às questões de como 
um país transita do autoritarismo para a democracia, ou seja, de como ele se torna democrático; 
e de como um país que faz a transição mantém-se democrático e não sofre um retrocesso 
autoritário. Ou seja, o que explica o surgimento da democracia em determinados contextos, e por 
qual razão alguns países se consolidam como democracias avançadas ou híbridas, ou seja, com 
maiores ou menores garantias de liberdade, e outros voltam a ser autocracias. 
Quanto ao primeiro tema – como os países se tornam democráticos – um dos primeiros 
argumentos vem da teoria da modernização, segundo a qual mudanças sócio-econômicas 
(urbanização, maiores taxas de alfabetismo e da educação, industrialização e expansão da 
mídia) levariam naturalmente ao surgimento de sólidas democracias. A democracia seria apenas 
o corolário do desenvolvimento econômico. Lipset, autor de trabalho pioneiro, é um dos 
principais expositores dessa vertente teórica, e a partir daí gerou-se a maior produção 
acadêmica na área de política comparada já realizada. 
Em contraposição, Samuel Huntington argumentou que mudanças sócio-econômicas levam a 
maior consciência, maior participação e mais demandas; portanto, não necessariamente levam a 
democracias. São, na verdade, a razão mesma para um grande número de conflitos, golpes e 
instabilidade política. Ou seja, se a sociedade muda num ritmo muito rápido, novos grupos 
sociais surgem e se mobilizam politicamente, mas as instituições políticas muitas vezes não se 
desenvolvem com a mesma velocidade – portanto, não necessariamente o desenvolvimento 
econômico gera democracia. 
 
Segundo estudos mais recentes e bastante reconhecidos, o surgimento da democracia não 
necessariamente está ligado ao desenvolvimento econômico. Ao contrário, a democratização 
pode ocorrer em qualquer situação econômica. Entretanto, uma vez estabelecida a democracia, 
a economia tem um papel fundamental na sua manutenção/eliminação: ela é mais fácil de 
sobreviver em países com mais recursos (Przeworski). 
No Quadro I, vemos que países mais ricos são mais sujeitos a manterem suas democracias, e 
os mais pobres a perdê-las. Essa não é, entretanto, uma discussão pacífica: alguns autores 
contestam dizendo que o efeito é o mesmo quando o status quo é um regime autoritário - ou 
seja, havendo recursos econômicos abundantes, mesmo países ditatoriais podem ser estáveis 
politicamente, e jamais tornarem-se democracias (Boix e Stokes). 
 
Quadro I 
 Distribuição de Países conforme Renda e Sistema Político (1970 - 1993) 
 
Renda 
 Sistema Político Baixa Média Baixa Média Alta Alta 
 Sempre Autoritários 20 8 1 0 
 Sempre Democráticos 2 6 3 19 
 Transeuntes (autoritários-democráticos) 18 15 11 1 (Espanha) 
Fontes: Gorvin (1989); Banks (1994); The World Bank (1995). Apud Santos, 1998. 
 
O debate sobre o surgimento e a estabilidade de democracias também incorpora outros 
elementos além do desenvolvimento econômico. Uma visão defende que crenças e atitudes dos 
indivíduos são fundamentais para que a transição para a democracia ocorra, ou seja, é preciso 
haver uma cultura cívica favorável à democracia. Uma terceira visão olha para aspectos sociais 
e políticos do sistema: a estabilidade democrática dependeria da capacidade de resolver 
conflitos pela via da negociação, e não da ruptura, por meio de canais institucionalizados 
politicamente. 
Uma outra visão afirma, ainda, que países ricos em petróleo e em recursos tendem a ser 
autocracias, - onde o governante tem controle absoluto em todos os níveis de governo sem o 
consentimento dos governados -, porque aumentam os conflitos sobre como distribuí-lo, 
instigam conflitos internacionais, aumentam a corrupção, mas sobretudo porque os governos não 
dependem dos impostos dos cidadãos para prestarem serviços, dado o excesso de receita que 
obtêm com os recursos naturais – o que leva, de um lado, a que a sociedade não cobre de seus 
governantes resultados eficazes, e, se cobrarem, o Estado tem como aumentar a repressão com 
os recursos que detêm, a um custo político baixo. Alguns autores chamam inclusive esse fato de 
“a maldição dos recursos naturais”, ou “a maldição do petróleo” (oil curse), dada a frequência 
com que países ricos em recursos naturais são autoritários ou semi autoritários. 
As ondas de democratização no Mundo 
É muito importante ressaltar outro argumento de Samuel Huntington: o de como houve, no 
mundo, três ondas de democratização. 
A primeira vai do início do século XIX – com o sufrágio garantido para homens brancos nos EUA 
- até mais ou menos a ascensão de Mussolini, em 1922. No seu pico, chegou-se a ter 29 
democracias no mundo. 
A segunda onda vai do fim da Segunda Guerra Mundial até 1962: foram 36 democracias 
reconhecidas (entre 1962 e anos 70, esse número caiu para 30). 
A terceira onda, sem precedentes na história da humanidade, vai dos anos 70 até os dias atuais. 
Marcada pela Revolução dos Cravos, em Portugal, inclui as democratizações na Ásia, na 
America Latina e no Leste Europeu, que ocorreram depois da queda do Muro de Berlim. O 
número exato de democracias varia conforme os critérios usados, mas estão acima de 100. 
Muitos pesquisadores criticam a visão de Huntington, argumentando que, se o voto feminino for 
contabilizado, as “ondas” desaparecem – só muito tardiamente as mulheres tiveram o direito 
assegurado; mas também pelo seu elitismo e etnocentrismo, em basear-se excessivamente na 
visão norte-americana. De toda maneira, é uma forma interessante de ver a democracia, não 
como algo fixo, dado, mas como movimentos que ascendem e podem retroceder. Hoje, a 
Primavera Árabe é vista, por alguns, ao lado de outras mudanças de regime na Ásia e África, 
como a Quarta Onda. 
 
Conclusão 
Vimos neste Módulo que, a democracia mudou ao longo da história da humanidade, de uma 
democracia antiga direta à representativa, onde escolhemos nossos representantes. Nos séculos 
XIX e XX, ela incorporou massas de cidadãos e cidadãs. 
A democracia moderna é baseada em uma série de critérios que garantem a competitividade, a 
transparência e a honestidade dos processos eleitorais. Também se baseia em se essa 
democracia é capaz de processar as demandas da sociedade e resolver conflitos. 
As democracias variam bastante – há democracias avançadas e democracias híbridas. Não há 
dois sistemas iguais. Existem organizações, hoje, que acompanham a qualidade da democracia 
no mundo, e medem como são feitas as eleições, as garantias de liberdade e os resultados das 
políticas. 
Existe um longo debate sobre o que pode levar à democracia, e torná-la estável. As explicações 
focam no desenvolvimento econômico, cultura cívica e instituições. 
Houve momentos (ondas) de expansão da democracia no mundo. Vivemos hoje o período de 
maior democratização da história da humanidade.

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