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História da Psicologia

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o: ti) ri. r:
t.) ttl .~n. (\J (:,I •
~c. a~~..,'.
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11~1,
Pedro Luis R.ibeiro de Santi, p1rsanti@uoLcom.br
IQ Pedro Luis Ribeirodc Santi, 1998,2000,2003,2004, 2005,2009.
Primeira capa: MicJudQJ1gelo. "O dt!:spenaI' áD escravo ". Um de quatro escr0"OS
esculpldo$ por Mü:lreJiznge/opata'o rúmulo <k Júlio lL A obra. ina=ba4o. sugere
que o esctavo proaua libertar..seda pedro..
Ultima capa: Areimbo/do. "oi fI"ÍIn'l'P<ra",
~CA1WiElSr'lE=-
llI8lJl1IEl;A C&111JW.
_ JlO~<;65leez: c-a ic c. { .t ~.~
2009
Proibida a reprodução ,oral ou parcial.
Os nm--es ser.., processado< Daforma da lei
Rolos, Edito",
Rua Coronel Feroando Ferreira Lei~ 102
14.026-020 Ribeirão Preto, SP
Telefone: 0.++.16.3234.8083 I Fax: 0.++.16.3234.8084
Emaü: bolos@boloseditora.com.br
www.holoseditom.com.br
"Todos neste mUlldo dizem eu, eu, eu, Se você fizer alguma pergunta., você
obter:á como resposta, eu fiz, eu vim, cu vi. cu expcriencieí. Quem éesse eu?
Se você reconhecer o divino comum nos milhões de pessoa..:;,então você
compreen<!erá o verdadeiro eu em você. Então, isso trará tran,fotmação
social." (Sathya Sai Baba)
ISBN 85-86699-04-7
788586 699047
,
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
sUMÁRIo
Prefácio de Luís Oaudio Figueiredo 7
L Introdução 9
2. A Passagem da Idade Média ao Renascimento 13
3. O Humanismo no Renascimento 20
40 Encontro coma Multiplicidade 25
5 Os Procedimentos de Contenção do Eu 36
6. A Posição de Critica àAparência 47
7. O Discurso do Método 58
8. O Eu e o Não-Eu 68
9 Os Moralistas do Século XVII 76
10. O Público e o Privado 83
11. Tempestade e ímpeto: O Romantismo 91
12. A Auto-Critica da Razão 99
13. O Positivismo 162
14. Os Diversos Caminhos peraa Psicologia 107
15. Figuras do Romantismo no século XIX 110
16. Alguns Desdobramentos'que Levaram à Psicologia 126
17. Consumação da Crise da Subjetividade 124
18. Conclusão 131
19. Bibliografia 132 ,
CDD
de Santi, Pedro Luis Ribeiro.
A Construção do 'eu' Da
Modé=idade. Da Renascença ao
século XIX / Pedro Luis Ribeiro de
Sanei. -- Ribeirão Preto: Rolos,
Editora, 1998. 134 p. : il. ; 21
1. 150.1. 2. Psicologia - Teoria.
I. Título.
Dad •• In,,,,,,.eioll2is d. Catalogação da Publi<ação (CIP)
(Câmara Brasileira do Li>TO,SP, Brasil)
150.i
5235c
4
i
l
,
7
Pedro Luis Ribeiro de Sl.IItl
Os conteúdos de Teo~ ~ SI.tIlIIW P.lflllóatlOl '" d.
Histórizda Psicologia,disciplinasqueitlte;rMI OICUl'IIOt.1'lílOleJla
no Brasil, estão cada "ezmais valorizado, ev6m fOfttr1dO n(!tl Ólllll\O'
tempos algutn3StranSformaÇÕC5niuiió pO.ldVU,
Hojc reconhece-se que eStas mot6rlu do pollll" "1'
consideradas como secundárias emlirglnal.; mu qu, 0fUWl! \lll\II
posição fundamentalna formaçãodo pslcól08Q,~ pllOllOlll!f IIMluna
de Psicologia e futuro profissional saiba llllm:. ••• ltl•• rir WIlII
crenças e práticas em um contexto histórloo li .ool~1mulln 1Ol11l11'f(O
e sem o qual nossas teorias, habilidades e t6onloU nlo ~Qd.rlllll (fi'
vindo a existir e a funcionar coni algutná cflo'oln,
Na medida em que as miliérlas Ill'JloIOUdU tonfll
conquiSlando uma maior consideraçlo, fOl'l1llUlnbtm lilll\llll\llllll.
fISionomia. Não se trata mais de apenu U'antmhlr 'O, .IUM,
infonnações faetuais sobre autores e obru CÓI'UN, di! HJ,ulrl. di
Psicologia (o que é impor:tante), nem dc apenu rUlliIIr. Off.pm
das idéias psicológicasnos campos da filosofiao d., ol6nollfnal\ltlll
(o que também é de interesse). Trata-sc 'iOM do U<ln~ly.lJw
histórica c sociologicamente o nascimento e o do,ohvolvlmln{Odo
universo psi. de forma a tornar inteliglvol. ftl ptOdU90U'
transformações teóricas e técnicas desse campo,
Assim sendo, as disciplina de TeorillSo SI.ten1I1. 11I,14t!•. iIoI
Psicologia c. em alguns casos. como na USP. P,lcolo,;1o0.",1, ai,,"
de colocarem os alunos em contato com. III dlven•• "001., •
correntes da Psicologia contemporânea em .eu'proO'Wlo.d •
constituição emudança, passaram a desempCllhAr, JmllOl'\IlIlflllnu
tarefa de colocá.los ano contato com os.coniploxo. evlt1ll'll!' dt fIII4'
as Psicologias fazem parte .
Tal como são oferecidas na UNTl' e DaUSP ('Jllrt m~j~ •
outros c.'templosque conheço, mas de que n~Oestou l«op~JdmQ)•
.-..__~---_ ..."...-.----------------==::: .._=..;;""i.r",;"'..(""~d""_?f;1i'~---
A ConstruÇão do eu na Modernidade
6
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8
A Construção do eu na Modernidade
eSlasdisciplinas converteram-se ém oportunidades indispensáveis de
aproximar O alunado do vastíssimo campo :defenômenos culturais no
qual se formaram as subjetividades modernas e contemporâneas.
Foi neste campo e em resposta.âs diversas demandas provenientes
destas subjetividades que as Psicologias foram sendo criadas e
desenvolvidas.
Qu~do se tenta, contudo, oferecei Uma disciplina com este
alean.ce e esta ambição, depara-se com uma dificuldade operacional:
como organizar didaticamente.wn materiál tão diverso quanto é, de
fato, necessário -textos de filosofia, .texios de religião, textos de
literatura (ficeão e poesia), composições :tiiusicais e reproduções de
obras de arte-, de modo a oferecer aos alunos wna viagem rica,
interessante mas viável e relativamente 'scgura pelos terrenos da
cultura ocidental moderna? O trabalho de Pedro Luiz Ribeiro de Santi
é um coadjuvante valiosissimo para o prPfessor que enverede por
este caminho e se coloque estas questões.
Aqui encontram-se exemplos bem .kcolhidos dos complexos
culturais que, do século XVI em diante, foram condicionando as
fonnas de viver e experimentar o mundo dos homens ocidentais.
Estes exemplos, bem ordenados e bem interpretados nas suas linhas
mais dccisivas mediante comentários bréves mas elucidativos do
Autor, retratam os quadros sucessivos em que nos fomos tomando o
que hoje somos.
Trata-se, portanto, de urna contribuição generosa para o ensino
da Psicologia e que, estou certo, terá .uma boa acolhida pelos
professores e alunos que com ela tiverem contato.
. julho./998
tu;s Claudio Figueiredo
Livre Docente de Psicologia Geral
. Universidade de São Paulo
, .
PedroLuisRibeirode Santi
1
INTRODUÇÃO
Este livro Dasceu de uma pesquisa iniciada em agosto de
[995 que tinha a finalidade de produzir material didático para o curso
"Tcorias e Sistemas Psicológicos". que ministro no primeiro ano <lo
curso de Psicologia desde 1992. Boa parte deste curso é dedicado
ao estudo das condições que levaram ao surgimento da Psicologia,
no tinal do seculo XIX.
Desde então, tenho tentado ampliar este trabalho. organiz:mdo
textos, combinando trechos de obras de comentadores e adicionando
novos textos originais de cada época. Combinando a preocupação
com a abertura de vias de comunicação COmos alunos e um interesse
pessoal. Com freqüência uso outros recursos que não apenas tex"tOs
teóricos, como literatura geral. filmes, refen.<Uciasã 'história dos
costumes' e. muito especialmente, a audição de música de época.
E..~reunião entre !.Una'linguagem teórica e mais abstrata com outras
mais imediatas e pr32erosas não apenas mostrou-se produtivo.
~tendendo um pouco uma das necessidades mais comuns do estudante
universitário de hoje, o aumemo de sua cultura geral. Ela também
deixa evidente para o aluno a relação entre os problemas filosóficos
das várias épocas, que se ret1etem em toda a expressão humana _
dos hábitos à arquitetura. da música à visão de si mesmo.
Tenho procurado digerir esta experiência de mais de quatro
anos através da produção de um tcxto didático. Par. isso, há.que se
pagar o preço de uma simplificação incvitlivel. quando se compilam
fontes fragmentadas e, sobretudo, quando se tenta lornar um texto
svbre a história do pensamcmo humano accssívdà linguag~m de
alunos de graduação.
A esperança maior deste livro é a cc cO!n'idar~de um ~ado,
os alunos de Psicologia a pensar nas relações dt:"saá;~a de
pensamento com o restante do conhecimento e ~m sua:;condições
de surgimento. De cutro~convidar O púbíico leitor geral z.
.1
.i
.1
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•: .,~ ••'. ,: j~~,~
AConstruçãodo eu na Modernidade
compreender e refletir um pouco sobre a história dos problemas
filosóficos que resultaram nOperfil do século xx. Nesse sentido, a
Psicologia é apenas uma fuceta de um contexto mais geral com o
qual todos têm contato. Afastamo-nos de uma posição
''substancialista", que levllSsea crer que o mundo psíquico seja uma
coisa eterna e imutável, a qual a ciência finalmente teria vindo
desvelar.Assim, colocamosno livro a questãodaconstmção do mundo
psicológico, assimcomoaPsicologia como umainstância deprodução
de COnhecimentocientifico. Ao menos, creio que este livro pennile
introduzir os alunos à idéia de que a compreensão da questão
psicológica é muito anterior à sua formulação em uma linguagem
científica. Ao público leigo geral, compreender que, antes da visão
de si mesmo que se têm hoje na cultura ocidental,já houve inúmeras
maneitas direrentes de ver a si mesmo e de compreender a posição
do homem no universo.
•
Desde que o homem pensa, ele pensa sobre sí mesmo. sobre
o que é alma. desejo, liberdade, etc. Mas foi apenas no final do século
XIX que surgiram os projetos de se realizar uma ciência da mente,
nos moldes que conhecemos hoje. Para uma primeira aproximação
com o campo da Psicologia. é essencial que se procure pensar no
motivo pelo qual nasceu a demanda por um profissional, dentro dos
moldes da ciência, para dar conta das crises de identidade ou do
controle dos comportamentos.
Como se sabe, a Psicologia é composta de uma grande
quantidade de teorias diferentes, que mal conseguem se comunicar
entre si. Este estado não parece ser passageiro, mas próprio da
Psicologia e de outras ciências humanas. Ao compreendermos o
sentido do surgimento da Psicologia, talvez também possamos
entender o motivo dessa dispersão.
Essa história é imensa. Ela remonta à filosofia grega e
acompanha toda a reflexão filosófica posterior e,mais recentemente,
alcança as teorias psiquiãtricas até o inicio de nosso século. Por isso,
tomamos algumas teses sobre o assunto para organizar nosso
percurso. Está longe de nossa pretensão realizarmos uma obra
10
PedroLuisRibeirode Santi
totalizadora ou sequer de nos aproximarmos disso. Tr~ta,se
simplesmente de perseguir wn fio nesta rede, naesperan~ de qoe
ele convide os leitores a explorar outras vias. Como será pos$\vel
perceber, cada época tem um número de correntes de pensamento
paralelas e um número de formas de expressão desses pontos de
vista. A seleção dos autores e temas obedeceu à orientaÇãode alguns
comentadores clássicos, de um lado, e a motivos menos nobres. de
outro, como o ponto de vista do conhecimento préviodo autor.Muitas
discussões essenciais são apenas mencionadas, como a questão da
Modernidade, algumaspassagens da própria história;muitasquestões
paralelas às vezes sequer são mencionadas. Peço desculpas ao leitor
mais bem informado e reaflrmoo caráter meramente didático deste
projeto.
A tese básica que orienta este percurso é a de Luis Cláudio
Figueiredo, em ~Ps;cologia.Uma introduçõ.O~I. Ele propõe a idéia
de que houve duas pfé.condições para o surgimento de um projeto
de Psicologia como ciência. A primeira seria o surgimento de uma
noção clara de subjetividade privada (ou seja. uma afirmaçãoda idéia
de que as pessoas são individuos livres e, enquanto tais, indivisíveis,
separados, independentes uns dos outros e donos de seus destinos.
A segunda seria a de que essa concepção de sujeito teria entrado em
crise, gerando assim um sujeito em crise de identidade e a proclD'a
de um profissional que lhe pudesse restituir a estabilidade. De
momento. essa tese pode parecer obscura. mas gradativamente ela
irá sendo explicitada.
De uma forma genérica. podemos dizer que a noção de
subjetividade privada data do inicio da Modernidade, ou seja. do
Renascimento. Serájustamente na passagem da Idade Média para o
Renascimento que iniciaremos esse percurso. A afinnação do sujeito
chegará a seu ponto máximo no século XVI! e, a partir de então,
iniciará uma longa crise até o final do século XIX.
No final do século XIX, surgirão os primeiros projetos de
10livro"PsicoiogUJ. Uma Introdução. Figueiredo,LC. 1991. EOUC,São
Paulo"foireeclitadocomo"P.,;ooiogia. Uma (,10va) ;nlrotW\.ão.Figueiredo,
L.C.& pedro.1998. SãoPaulo,EDUC~.Ap6sa primeirave1Sáopublicada.
Figueiredo já <:b:envo]veu teses mais complexas sobre Otema,. como em A
invençã() da Psicológico.
A PASSAGEM
DA IDADE MÉDIA
AO RENASCIMENTO
Cp
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'J,<)-(j
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~
Pedro LuisRibeirode Santi
, A privacidade tomará diversos aspecto.: em primeiro lugar temos nosso
pensamentos, que muitas vezes mantemos em ,egredo; se temos urna casa
ou um quarto para nós. p!'Óe-geouvir urna música, =ar gavetas. estar
com uma roupa confortãvcl (muitas vezes velha e acabada. roas neste caso
oão bâ problema. pois não bâ ninguémoll=do); se dividimo. nwso quarto
com outras pessoas, sempre podemos tomar um longo banho, fazer a barba (!)
ou as unhas. ou outras coisas mais. .'
Nesta parte. rrata~sede expor que n.cssa
concepção at:ual do que seja o "eu" não era
possível na Idade Média.
NO Renascimento, como já é clássico dizer-se, nasce o
humanismo moderno. De acordo com a tese de Luis Cláudio
Figueiredo, seria neste penodo que passaria a se afirmar uma
concepção de subjetividade privada -ai incluída a idéia de liberdade
do homem e de sua posição como centro do mundo. Voltemos alguns
passos: O que significa dizer que a noção de 'subjetividade privada'
passa a existir? Por que tal concepção não seria possivel
anteriormente, no mundo medieval?
Pode provocar alguma estranheza a idéia de que a noção de
privacidade não existisse em um num determinado momento. Nossa
intimidade, nossa existência enquanto sujeitos isolados -<>u,atéTDaÍs,
solitários- parece-nos clara, cel1a-"Ter um tempo para si", sem estar
trabalhando ou estudando (produzindo, de um modo geral), possui
um grande valor em nossas vidas'. Certamente, essa é uma. das
2
A Construção do eu na Modernidade
Psicologia,já com algumas características definitivas da diversidade
que marca esta ciência. Wundt cria condições para a criação de uma
Psicologia experimental, enquanto Freud cria a.Psicam\lise. A esta
tese, que mostra os modos de afirmação do eu desde o século XVI,
acrescento uma observação minha: a. de que, desde o inicio do
Renascimento, alguns .autores já se dedicam a mostrar as fraquezas
e insuficiências do eu. Isto indicaria. a possibilidade de que a
Modemidade incluísse procedimentos de auto-<::riticae dissolução do
eu, além dos clássicos procedimentos de
auto-afínnação.
-~.. '''''' '. ~..
12
,.
"A reflexãoradicaltta:zparaoprimeiroplanoumaespéciede
presença para a pess<>a,que é inseparáveldo falOde essa
pessoa ser o agente da experiência,algo cujoacessoé. por
sua próprianatlJ1'e2a,assimétrico:há uma diferençacrucial
enlIcafonna doeuexperimeotarrninbaatividade.pensamento
o sentimento,é a ronna pelaqual vocêou qualqueroutroo
làz.É issoquometomaumserquepo<lefalardesinaprimeira
pessoa".(p. 174)
humanismo. entendido como a colocação do hometXlcomo ll'ltlllda
de todas as coisas e centro do mundo, parece ter tOlnldo ••for:ma
que tem hoje no Renascimento, surgindo de dentro da ldadOMéc13
Ainda que não entremos em detalhe na discu ••• o do
pensamento medieval ou grego, vale a pena destàoamlOSalauns
momentos privilegiados na direção da tese que desenvo)veltlos. Bm
uma obra recente, chamada Asfontes do Self, Charles Taylor realiza
uma análise profunda do nascimento do sentimento carai:terlstico da
Modernidade:o de que possuimos \Unainterioridade•
O ponto de partida da análise de Taylor é Platão. Trata-se
de mostrar como, para ele, a razão é a percepção de uma ordem
absoluta. Ser racional significa ver a ordem como ela é. Não há
como ser racional e estar enganado sobre a natureza ao mesmo
tempo. Podemosjá reconIteceraquio nível de certeza pelo qual aspira
a Modernidade. representada sobretudo pela figura de Descartes.
No entanto, enquanto para Descartes a ordem está 'dentro' de nós,
para Platão ela reside no absolutamente Bom.
É em Santo Agostinho que Taylor encontra a grande
passagem para a interioridade. Santo Agostinho é assUstadoramente
moderno, considerando que viveu entre os seculos IV e V de nossa
era. Todoo seu pensamento seria permeado pelas noçõcs de 'iotemo-
externo": espírito/matéria. alto/baixo, eternoltemporal. imutável!
mutante, etc. Aqui aparece um movimento inédito: COm a
desvalorização do corpo e de tudo o que é mundano. com a
correspondente valorização da alma como algo interno. a busca'por
Deus passa a ser feita dentro de nós. Deus não deve ser procurado
no que vemos, mas no próprio olhar, Ele seria a própria luz interior.
Santo Agostinho estaria. com isto, inaugurando uma experiência
radical:
PedroLuisRibeirodeSaotiA Construçãodo eu naModernidade
poucas coisas pelas quais lutamos hoje -é preciso garantir nossa
privacidade. diante da alta exigência atual para que dediquemos toda
a nossa energia e tempo às atividades consideradas "úteis". Há até
quem diga, e não são poucos, que nosso excessivo individualismo é
um dos grandes problemas da convivência social atual. Dentre os
problemas que derivariam disso, poderiamos enumenr: a imposição
dos interesses pessoais sobre os coletivos, a insensibilidade ao que
não nos diz respeito imediabmente, a solidão, a falta de nm sentido
para a vida, o desrespeito genetali2ado às leis, o crescimento ~mo
reação a tudo isso- de movimentos ideológicos ou religiosos
dogmáticos e violentos, caracterizados pela intolerãncia para com
aquilo que édiferente de si ou do grupo, etc.
Existem as nações, grupos religiosos, familiares, etc, mas a
menor unidade seria a pessoa. O termo 'individuo' remete a isto,
somos o "átomo" indiviso do mundo humano. Este sentimento de
individua1idadesemostr3, em outro exemplo caricato, quando estamos
profundamente infelizes e nos sentimos incompreendidos, passando
por uma dor que provavelmente ninguém jamais passou antes. Se
um amigo a quem confidenciamos nossa dor diz nos compreender e
já ter passado pela mesma experiência, enchemo-nos de orgulho e
reagimos dizendo que ele não entendeu nada, nosso sofrimento é
incomparavelmente maior que o dele!
Assim, quer pelos valores positivos. quer pelos negativos que
lhe atribuamos, parece-nos cerro que o sujeito isolado é a unidade
bàsica de valor e referência de tudo. Ainda assim, se dermos uma
olhada na história dos costumes ou da filosofia, veremos que nem
sempre foi assim. Esta afirmação do "eu" parece ter-se cons1IUído
gradativamente, através de ~ .O "eu" nem sempre foi soberano.
Se nos dirigissemos à filosofia da Grécia clássica (século V
A.C.), cel'tamente já encontraríamos algo que poderíamos chamar
de humanismo, comouma valorização do ser humanojá não submetido
ao poder dos deuses (como na filosofia de Sócrates ou ilO teatro de
Eurípedes), a criação do direito e da democracia, etc. Mas o
JÉ~bastantecompJícadoafumannosque deteo:ninadaidéiateohasurgido
pelapnmeu:avezemtalmo=rto ouemdelemünadoautor.Sempreachamos
alguémquejá afinnaratal idéiaanterionnente.Esterecuopareceser ío1inito.
Assim,sempretl3balhamoscomwnamargemdeaproximação••valedizer,erro.
I
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I , ".i'"'..
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14 15
~,-'I, ,•
I
A Construção doeu na Modernidade
A experiência passa a ser altamente subjetivada e dependente
de nós. A tradição moderna teria levado esta concepção ao extremo,
passando a referir-se a objetos internos e, ao mesmo tempo, a um
'eu penso' totalmente separado do 'externo'. Mas isto já é adiantar
detnais nossa discussão.
Em uma ~gem que reconhecemos como caricatura! e
bastante insuficiente da concepção de mundo medieval no Ocidente
-apenas como pano de fundo para introduzirmos as idéias do
Renascimento-, poderíamos. dizer que ela se caracteriza por
considerar Omundo organizado em tomo de um centro. Haveria uma
ordem absoluta, representáda por Deus e Seus legitimos
representantes na terra: a Bíblia e a Igreja. Cada coisa existente
estaria relacionada-necessariamente a esta ordem superior. Em última
instância. cada ser fonnaria parte de uma grande engrenagem que
seria a criação divina. Aí se encontraria o sentido de tudo'.
A possibilidade da crença na h"berdadehumana é muito restrita,
já que tudo faz parte de UlII plano maior, de um todo perfeito disPosto
por Deus. A noção de justiça na Idade Média, por exemplo, é a da
colocação de cada ser no Iu,,- que lhe é próprio. Tampouco haveria
lugar para a privacidade. Na medida em que a onipresença e a
onisciênciasão alribUlos de Deus. nada poderia sermantido em segredo
e nunca estaríamos sozinhos: pecar em pensamento já é pecar.
MÚSICA - Canto Gregoriano
A audição e compreensão do canto gregoriano presta-se de
fonnaexemplar á tentativa de apresentar o espírito medieval. Ele é
um canto em uníssono. ou seja, trala-se de um coral onde todos cantam
rigorosamente a mesma coisa. Sua letra é, invatiavelmente, um texto
sagrado e já conhecido pelos ouvintes: trata-se da reafirmação do já
• T= remeze à parábola segundo a qual um passante veria vários homens
erguendo umaparede: umdeiesde aparênciadesolada e outro estávisivelmente
satisfeito.O passanteporgun",a cadau,no queestá tàzeudo:oprimeirorespoode
~<:stO'oempilhando tijolos~e o segundo ~estou construindo uma catedral". O
segundo sente-se partede uma obramaior, o sentido de sua ação lIanSCendeem
muito o imediato,"'lá ligado a um todo (o religare, de religião ..•.•ligar). O
primeiro está s6. o sentido de sua ação esgota-senela mesma.
1,ç
.
i,
1
I
Pedro Luis Ribeiro de Santi
sabido e da apresentação de um mundo sem novidades. Associando-
se ao caráter da letra, não há propriamente uma melodia, mas apenas
uma sinuosa 1inha melódica que não se repete; não há refrão ou
passagens bruscas. de forma que o ouvinte não consegue "segurar-
se" em nada. Ele não pode se localizar e não deve "prestar atenção"
ou estar consciente do que ouve, mas se deixar levar por este mar ou
rebanho; Hoje, ouvimos o canto gregoriano de forma muito diferente
da que o caracteri:z:a: nós o utilizamos para meditar, ou relaxar.
De forma geral, poderiamos dizer que, na música, a melodia
liga-se ao que há de mais espiriroal-o sopro da voz. o sublime, a uma
nota que se sustenta idêntica e linear. O ritmo. em oposição, representa
mais proximamente o corpo e seus movimentos, ele chama à dança,
ao que é mais instável..NaGrécía, a música era atribuída a Dioniso,
deus da embriaguez, do vinho. do teatro, etc. Ela conteria, assim, um
elemento diabólico, excitante_ Ao ser assimilada pela igreja, oque é
atribuído ao Papa Gregório, no século VI D.C., a música é filtrada.
.retirando-se dela ao máximo seus elementos ritmicos; ela passá a se
restringir à pura emissão vocal, sem haver sequer instrumentos de
acompanhamento s.
Ainda no contexto medieval, surge um outro tipo de música
que, de outra forma, reafinna a certeza e a necessidade de um centro
e de uma referência externa. Nela, a voz da melodia é acompanhada
-por uma segunda, que sustenta uma mesma nota, chamada 'bordão'
(segundo Aurélio, "uma nota grave, prolongada e constante". mas
"também um pau grosso que serve como animo, amparo"). Trata-se
propriamente de manter uma referência, um centro em tomo do qual
a melodia pode vottear sem jamais se perder •. Já se encontra nesse
, A respeito desta teoriasobre a música, ver O som e o .••• tido. de r.M.
WISDick(J 989). Ao longo deste texto, sempre que fizer alguma referênciaà
músi.ca! procurarei indicar ao menos um exemplo em nota de ro<iapê,com o
titulo da peça e a fonte a que recorri. Como exemplos de Canto Gregoriano.
procure ouvir as faixas "Rorale coeu-' e ~Ave Maria •••do "Cantos do f'ró..
prio do 'Graduale Romanum~', no CO ..Conto Gregoriano. Choralschola
des Wienet HofbwgkapeUe, Pbonogral1l, J984".
6 Como exemplos~ouça a fai~ Narus eSl~extraídodo CD "'No\'a Cantica.
Canções Latinas da AI", Idade Média, Harmonia Mundi. 1990" e a faixa
Puisque bele dome m 'eime. extraído do CO uLo",,'s Ilusions, Música do
Codex Montpellier-século xrn, Harmonia Mundi, 1994".
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A Construção do eu na Modernidade
último tipo de música a raiz do cânone -música com duas ou mais
vozes na qual a mesma melodia é cantada de forma defasada entre
elas e repetida, de fonna que sempre se pode ouvir cada frase
musical-- e da polifonia do Renascimento.
TEXTO ANEXO - John of SalisbulJ' (Século XD)
N'o texto que se segue pode-se ver a rigidez de um mundo
concebido como hier8rquizado por uma ordem superior. N"'ao cabe
ao homem questioná-la ou pretender escolher ou mudar o lugar que
lhe cabe.
o CORPO SOClAL ("The Body Soda1")
•Uma comunidade, de acordo eom PIutan», éum certo corpo
dotado de vida pelo beneficio do favor divino, que opera
impelido pela mais elevada eqiiidade e que é regulado pelo
quepode ser chamado de poder moderador darazão. Aqueles
que em nós estabelecem e implantam a prática da religião e
nos transmitem a devoção a Deus ... preenchem o lugar da
alma no corpo da comunidade. E assim, aqueles que presidem
a prática da religião devem ser considerados e ven~dos
como a alma do corpo. Pois, quem duvida de que os ministros
da santidade de Deus são Seus representantes? Além disso.
desde que a alma é como se fosse o príncipe do corpo e
legisla sobre todo o restante, então aqueles aos quais nosso
aulllrchamaos prefeitos da religiãopresidem o corpo inteiro..•
O lugar da cabeçano corpo da comunidade é ocupado
pelo principe. que se submete apenas a Deus e ãqueles que
estão a Seu serviço e O representam na teII2, da mesma forma
que, no corpo h1llllJlDO,a cábeça é animada e governada pela
alma. O lugar do coIllção é preenchido pelo senado, do qual
procede o início de boas e más obras. Os deveres de olhos.
ouvidos e língua são cumpridos pelos juizes e governadores
das provincias. Oficiais e soldados correspondem ás mãos.
Aqueles que sempre servem ao principe são semelhantes aos
t1ancos. Oficiais financeiros e comerciantes podem ser
comparados com o estômago e os intestinos... Os camponeses
coxrespondemaos pés. que sempre semeiama teII2, e precisam
mais especificamente dos cuidados e das preocupações da
F
Pedro Luis Ribeiro de Santi
cabeça,jáque. enquanto caminham sobre a temi trabalhando
com seus COIJlos,eles se deparam 6'eqiientexnentecompedras
de hesitação e, por isto. merecem mais ajuda e proteção que
OSdemais com toda justiça, desde que são eles que erguem,
susrentam e movem adiante o peso de todo o corpo..•
Então. e só então. a saúde da comunidade será sólida
e floresceote quando os membros mais al10s protegem os
mais baixos, e os mais baixos respondem fiel e plenamente na
mesma medida ás justas demandas de seus superiores. de
modo que todos e cada um operassem como que membros
uns dos oUl<OSpor uma espécie de reciprocidade, e cada um
considerasse que seu próprio interesse era mais bem atendido
por aquilo que ele soubesse ser mais vantajoso para os
outros •...
•
o que pretendemos destacar deste texto é a concepção de
uma relação orgânica entre todos os seres, sua interdependência
Em tal unÍVerso, não faz sentido pensarmos que uma pessoa teria a
liberdade de optar pelos rumos de sua vida. O homem não seria,
assim, propriamente sujeito.
PINTURA - Giotto
Questões para disenssão
1.Qual é a diferença entre a meàitação solitária de um mOllgemedieval e a
experiência de solidão de um homem do século XX?
2. Procurc identificar alguma forma atual de entender o mundo que .eria
impensável na Idade Média.
. 3. Hoje ainda existe a idéia de "corpo sociaf7
';~- ,.
!,
Pedro Luis Ribeiro de Santi
:\l~
Se o homem não nasce com seu destino predesrinado. ele se i:leve
formar, educar. Nasce a necessida.de do "cuida.do de sifl• .',
. É comum que tenhamos uma noção da passagem da ld.l.de "
Média para o Renascimento em termos de história; com adimintii\iGó
do poder da igreja e a.dvento da refonna, a crise do sistema feuilai'~/
o nascimento das cida.des e rotas de comércio, a expansão marftim~':~'
etc. Mas raramente consideram-se as mudanças de modo de yídâ'i
das pessoas implicadas nessas lIansformaçõcs políticas e econômi~;
Há toda. uma linha de investigação histórica. que se dediêã
. .• especificamente ao estudo da história dos costumes, da vida cotidiàriâ
. das pessoas e, O que nos interessa mais no momento, da idéiacjUe
elas tinham de si mesmas. ..
Tudo levaaaerque a diminuição do poder da igreja e aabertuxa
operada sobre o mundo fechado dos feudos foi acompanhada por uína
crise da concepção fechada de mundo que vigorava. Se os homens
acreditavam ter um ponto de referência e>:temo (um cenlro do mundo) .
sobre o qual podiam se apoiar, agora já não podiam contar com _
certeza. Numa nova caricatura, poderiamos dizer que, sob lUll poder ,"
absoluto, não há liberdade. Oque é tenive~ embora seja relativaxl1é1ite""
fãcil 'compreender' o mundo, pois há referências claras: o que éde
o que é errado está pré-definido. cabendo. no máximo. tomar um pattidO
ODOntro.Já nwn muodo aberto, sem referências absolUtas, súrgc a idéia.
de hbenlade, mas ao mesmo tempo, a de solidão e respOnsabilidade. Se
o homem não pode mais contar com uma resposta dada por uma
autoridadeabsoJuta,.eledeverábuscarouconstruirsuaspróprias respostas.
Este é um dos principais elementos do humanismo.
Isso não quer dizer que o homem do Renascimento fosse
ateu, mas, de certa forma, Deus parece ter se afastado para o céu.,
deixando o mundo a cargo dos homens. Na lda.de Média, é muito
comum a representação plástica do mundo como uma esfera cujo
centro é Deus. Cristo ou, o que é menos ortodoxo, a Virgem Maria;
já no Renascimento, bá inúmeras representações do mundo na~ quais
Deus pa.ira sobre ele, que tem agora ao centro o próprio homem.
É também comum que no Renascimento comecem a surgir
as assinaturas dos artistas em suas obras de arte, o que quase não
exÍstiano período anterior. Quando pensamos nos pintores mais antigos
que conhecemos no ocidente moderno. vem-nos a mente Giot!o, por
I
''Otenno 'humanismo' éderivadode humaniJtJs. que no tempo
de Cicero (106-43 a.C.) designava a educação do homem
enquanto considerado em sua condição propriamente
humana, couespon.dendo à palavra v;rega.paideia: a e<hIcação
por meio de disciplinas liberais, relativas a atividades
exclusivas do homem e que o distinguiam dos animais. (...)
As chamadas 'humanidades' -poética, Ielórica, bistória, ética
e política- passam, desse modo, a constituir, sob a inspiração
.dos""-tÍgOS, a base de uma educação destinada a preparar o
homempara oexetciCÍo da liberdade.7(...)
"Outro fundamento dohumanismo renascentista foi a
convicção de que o mundo natural é o reino do homem. Esse
naturalismo conduziu, paralelamente ã afirmação do valor
espiritual do homem e que o toma livre, à exaltação do valor
do COIpCl e dos seus prazei:es." 7
Nesta parte. -irnroduzimos o tema da
va!orizaçdo do homem com<>11m todo e de
cada indivúfllo. nQRenascimento. em fimçíio
do perda dos ref ••.énCÚIS sólidas medievais.
LCiemos esta 'parte por uma definição de humanismo:
Fica evidente, pela passagem acima, que houve uma mudança
na concepção do lugar do homem no mundo. Há agora uma. gl2I1de
valo~ão do homeme. a.o mesmo tempo. a idéia de que ele tem
que buscar uma formação, ele deve se constituir enquanto humano.
, José Américo Pessanha, "Vida e obra" (p. vi). Em Erasmo de Rorterdan.
Coleção "Os Pensadores~, 1991.
A Construção do eu na Modernidade
3 ~d-J
o HUMANISMO
NO RENASCIMENTO
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20
o', "" "."
inábil. na sua última obta, não era próprio da sua paciência
pennanecer iDcertanumaobtanecessária, por1àltadedecisão,
nem seria digno do seu benéfico amOt que a quem estava
destinado a touvar nos outros a liberdade divina fosse
conslrangido alamentá-laem si mesmo.
Estabeleceu, portanto,Oóptimo Altffice que, àquele a
quem nada de especificamente ptÓpri<>podia oferecer, fosse
comum tudo o que tinha sido dado parcelarmente aos outros.
Assim. tomou o homem como obta de natureza indefinida e,
colocando-onomeiodomundo, fajou-!bedestemodo: '6Adão,
não te demosnemum lugardeterminado. nem um aspecto que
te seja próprio, nem tarefa alguma especifica, • fim de que
obtenhas e possuas aquele luF. aquele aspecto, aquela tarefa
que tu segt..-.mentcdesejares, tudo segnndo o teu pale<:ere a
tua decisão. A nature2a bem definida dos outros seres e
refreada por leis por DÓS pteSCtÍtas.To, pelo contrário. não
será constrangidopornenhuma limitação.determina-la-áspara
ti, segundo o teu arbinio, • cqjo poder te entreguei, Coloquei.
te no centro do mUl1dopara que dai possas olbar melhor tudo
que há no mundo. Não te fizemos celeste nem terreno. nem
mortalnem imortal,a funde quetu, árbitro e soberanoartífice,
te plasmasses e te informasses~ na fOmA que tivesses
seguramente escolhido, Poderás degenerar ate aos seres que
são as bestas. poderá regenerar-te até as realidades superiores
que são divinas, por decisão do teu ânimo'
"Quemnãoadmira:ráesteDOSSO<:amaleão?"(p.SI-53)
"Mas com que objectivo recordar tudo isto? Para
que comP=ndamos, a partir do momento em quenascemos,
11. condição de SettDOSo que quisermos, que Onosso dever
e preoeuparmo-nos sobretudo com isto: que não se diga de
nós que estando em tal hon,., não nos demos conta da nos
termos tornado semelhantes às bestas e aos estúpidos
jumentos de carga." (p. 55)'
Pedro Luis Ribeiro de Santi
?1
, Em Pico deUatl/Jirandola,DisclUso sebre a dignidade do hO"'«III,
*
Assim, a fé em Deus não foi abalada, mas agora ele é
entendido como um criador que paira por sobre sua obra,. que passa
a letvida própria, liberdade. Deus está "antes" do mundo como criadOr
1
f
A Construção do eu na Modernidade
"Já o sumo pa~ Deus SIqIlÍteto, tinha constraído, segundo
leis de arcana sabedoria, este lugar do mundo como nós o
vemos, ~"Us!ÍSSimo templo da divindade. Tinha embelezado
a ZODll super..,.,leste com inteligências, avivado os globos
etéreos com almas eternas, povoado com uma multidão de
animais de toda aespécieas partes vis e f~entaresdo mundo
inferior. Mas, COnsuxn.a4aa obra, o Attífice desejava que
houvesse alguém capaz de c<nnpreendera razão de nma obra
tão grande, que amasse a beleza e admirasse a sua grandeza.
Por isso, uma vez tudo realizado, como Moisés e Timeu
atestam, pensou por último em criaro homem. Dos arquétipos,
contudo. não ficara nenhum sobre o qual modelar a nova
criatura, nem dos tesouros tinha algum para oferecer em
herança ao !lOvo filho, nem dos lugares de todo O mundo
restara algum no qual se sentasse este contempladOt do
universo. Tudo estavajá OC\IPado,tudo tinha sido distribuído
nos sumos, nos médios e nos ínfimos graus. Mas não teria
sido digno da paterna potência não se superar, como se fosse
exemplo, ainda que ele estivesse beitando o Renascimento, tendo
vivido entre os séculos XDI eXIv. Não ela o ser humano que criava.
ele era apenas um instrumento da criação divina; como numa
representação do Papa Gregório, na qual o Espirito Santo lhe sopra a
música que está a esc=er.
No contexto renascentista, não há mais apenas uma certa
cena biblica que importa, mas a mão do sujeito que deixa sua marca
Ilaobra. Assim, surgem os Domes mais conhecidos do Renascimento,
como Leonardo da Vinci ou Micnelangelo, que, mais que artistas,
são gêrúos de inúmeros talentos. São homens que se formam e que
deixam seu traço pessoal na obra que criam. Sem sofrer restrições
por parte da igreja em suas investigações sobre a anatomia humana
ou sobre os astros, o homem abre-se para um mundo novo -quer em
suas viagens pelo mundo, quer pelo estudo da natureza.
Em anexo, trechos de um livro de 1486, bastante expressivo
como concepção do humanismo renascentista.
TEXTO ANEXO - Pico DelJa M"lI'fJndola
DISCURSO SOBRE A DIGNIDADE DO HOMEM
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Pedro Luis Ribeiro de Santi
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o ENCONTRO COM
AMULTIPLICIDADE
Introduzimos com isso, uma outra imagem significativa do
"liá algo de maravilhoso e inquietante na intinitude das
variações. Oque se pode esperar !egiti=entede um mundo
infinitamente diverso e SUIpreeJ1dente?Tudo. A credulidade
e a liberdade de imaginação do homem renascentista não
devem serjulgaclas apartir domodelo 'cientifico' dos séculos
po.<teriores; elas não são índices de iagenuiclade e ausência
de espfrito critico. São fonnasnuduras e tolerantes de relação
comadiferença, as mais ajustadas a esse momentopartieular
de abertura do mundo."" (p.34)
11) A i1'lVeltção do psicólogo. Essa imagem e as que se seguem ganham uma de
suas melhores expressões Daobra de Rabelais. Gargâ1/lUtJ. ePanragruel(Veja
adiante).
_Trabalhamos, nesta parte, o encontro COm a
diversidade do mundo. O confronto COm a
diferenÇflfe:;;com que o homem$ep~e
sobre si.
Derivamos do tema anterior outro que o acompanha
.Ainda segundo Figueiredo, a multiplicidade é wna caraéterística do
Renascimento. A abertura do mundo trouxe o conhecimento de
civilizações novas, com seus costumes, línguas, hábitos alimentares
etc. fsto, é claro, acompanha os novos valores segundo os quais 6
homem (cada um) deve buscar seu caminho. Citando nOVamente
Figueiredo:"Este imenso espaço de liberdade ser.i também o
espaço das virtudes que consis~ desde então no bom uso
desta liberdade. É ainda o espaço de uma aventura sem
destino certo, sem arrimos nem garantias. É, finalmente, o
espaço insólito da ignorância, da ilusão, do erro, da dúvida e
da suspeita." (p. 24)
A CODS1IUçãodo eu na Modernidade
e "depois~ dele como juiz, mas é visto como tendo criado o mundo e
o deixado funcionar por suas próprias leis. Daí surgirá. a possibilidade
do conhecimento das leis naturais; se Deus interviesse a cada
momento com milagres, seria impossível o projeto de conhecimento
e previsão sobre os fenômenos naturais. Já a liberdade, dom maior
dado ao homem, furá com que ele tenha que passar a tentar descobrir
os caminhos do bem, definir o que é certo e errado. Este é o campo
da moral, que será muito estudado nos séculos seguintes.
A colocação do homem no centro do mundo nos traz ainda a
idéia. de que todas as coisas existem para sua contemplação e uso.
Toma-se natural para o homem matar animais ou devastar a n.atareza
na medida de seu interesse. A relação do homem com relação ao
mundo se tornará cada vez mais a de exclusão. O homem julga-se
quase como Deus, relativamente acima do mundo, e as coisas (e
mesmo o COIpO humano) serão tomadas como objetos.
Figueiredo' observa a peculiaridade dessa posição do homem.
Ele é o centro e é livre para tornar-se o que quiser, mas ele não é
propriamente nada. Há wna negatividade no homem e éjustamente
esse vazio que ocupa o lugar do centro; omundojá não é fechado,já
não há estabilidade possivel, o homem deve continuamente tornar-
se, constituir-se, mover-se:
'Em A invenção lÚ> psicólogo.
Questões para discussão
1.Como foipossivel conciliar a crença em umDeus oaípotente e:a crença na
. liberdade do homem?
2. Comoa valorização do home:rocontribuiu paI1loaumentado conhecimento
sobre a natureza? .
3. Entreo mundo medieval eomundo renascentista, qual parece gerarmais
angústia no homem? Por quê?
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A COIlSttUçãodo eu na Modernidade
período, a feira de roa. Ainda que a feira já fosse uma instituição
mediel<1l1,agora seu conteúdo está revestido com a abertura da Europa
ã diversidade cullUJal do mundo conhecido. Pode-se imaginar uma
feira renascentista com as novidades tnWdas das mais diversas partes
do mundo recém.<fescobertas. Alimentos básicos da colinha, como
a batata, o tomate, o cacau; temperos variados; tecidos e tinturas;
pessoas e animais de diversas partes são trazidos àEuropa no mesmo
espirito de exotismo. A própria idéia de comércio, como intercâmbio
de bens, circulação de mercadorias ou necessidade da criação de
valores de troca, expressa bem O movimento da época. A feira de
rua contém um elemento de festa popular, desordem e gritaria diante
de uma profusão de mercadorias. Dificil nisto ~ isto é significativo
do período- devia ser a atnouição de valor a cada coisa: quanto vale
um cocarindígcna, que importância ele tinha em seucontexto original?
Quanto vale uma pequena estátua que representa a divindade de
uma certa cuJtnra? Como crer na fidedignidade do produto oferecido?
De modo idêntico, podemos imaginar o espanto do homem
ocidental ao defrontar-se com as religiões e costumes distintos pelo
mundo. Duas atitudes básicas podem ter sido tomadas diante desse
confronto. Uma é mais convencional e reasscgura as certezas sobre
si: consideraria a diferença um erro. Se o outro pensa de fonna
diferente da minha. ele está errado; cabe, por isso. catequizá-lo,
conduzi.lo à verdade. Caso ele se reeuse.justifica-se a utilização de
meios.. digamOS,mais convincentes. dado que se trata de seu próprio
bem. A chamada "conquista da América" mostrou muito bem como
se processa isso e quais são suas conseqüências. com um extermínio
massivo de culturas. ,
A outra atitude parece ser mais auto-aítica e parece ter tido
um lugar considerável no Renascimento. Diante do confronto com a
verdade do outro, acaba-se por se colocar em questão a própria
verdade, não para substituí-Ia, mas para tomá-Ia não.mais como única.
mas com uma dentre as possiveis. Ou ambas a verdades são válidas •
ou ambas inválidas.
Há um brilhante estudo de Todorov sobre este tema, em A
conquisur da América. Nele é analisada a questão do confronto
com o outro através do que considera ter sido. mais do que o maior
genocídio já perpetrado, wn acontecimento fundador da Modernidade .
26
I
I
I
I
I
,
PedroLuisRibeirodeSantl
A tese de Todorov é a de que tanto os espaDh61. qUJ!lto OI 1lI11VUI
tinham uma absoluta incapacidade de entrarem oonttlO oom O0II1rO
enquanto tal. Cada um tomava o outro de modo IUlo-t'tMfttelall\l1lll
astecas tomavam Cortez como o deus e imperador ~IDlGOlll.lII1jo
retomo estava predito; os nativos de nações dOlJ1.lnIdItvtOllllllftltnlt
pelos astecas viam tão SOmentea troca de um aleo:t mal, uloltnto
por um outro erroneamente tomado como menos vloJeto. Q\WlIO 101
espanhóis, ou tomavam os nativos como objeto dCIWIWII.do, I I"
escravizado ou morto gratuitamente, ou pensaV'm ter tnoontl'ldo lIt
América o paraíso terrestre, ou ainda insistiam -«Imo Colom\lO••~.
crença de que havi.amde alcançado as lndias,.denomlnllldo Of~IUYUt
de "indios~. De toda a fonna. os espanbóis reaJlutlm t conqul.ta.
subjugaram os nativos de muitas etnias (e anlquJlaralll oompltlAnltnlf
outras), quepossuiarn uma população quantillltlvamentGUlultOIUl!trior
a de soldados espanhóis. Além disso, OimperadorUt.lOl MOftllll;l.lmR
entregou-se aos espanhóis e parece ter entregue IUI nlQ'o •• m
resistência. Eis uma bela passagem na qual Todorov lnt.rprt~Gil'
fato:
"O encontrode Mont<zumacomCorte%,dOlladJO' com ot
espanhóis. é. anres de mais nada. Ul'Q enoolllro~PmJl\ot•
nãohá razãoparasurpresaseosespeêialll!Udi COlTlU/lt"~O
humanalevamamelhorMasessa .it6ria, d. qUllOmo,lIldOl
originários.europeuse amenc:anos<lA10 tneIJlIOltnlpo um
grande golpe em nossa capacidade de 001 IIIntll'll\o,'11'i
harmonia C<lmO mundo, de pertencer I Ill'!ll olllfm plt.
estabelecida; tem por efeito recalcar prof'undlmlnlO ,
comunicaçãodo homemcomo mwulô,pl'OduzlrIQUIlo~
quetodacornunica;ão~oomunicaçillinter-truman.:OIIl1aofo
dos deu>espesa no campo dos eurojleIlslIllte q1J1I\(OM
dos índiosGanhandode um lado, o europeul*'Õ1, di OU\Il)I
impondo-seem toda a rena pelo que eri IIlIlUplriOrldtil4,
anllsavaem simesmoa capacidadede Int~o nomundO
Duranteos sé<:ulosseguintessonhari com o bom IClvlIfll\!
mas o selvogemjã estava morto. ou assimilado,oO tOMo
es1llvacondenadoà esterilidade.A vitóriaJ' !lU1, ,m .1 O
genneàe suaàerrota; masCorteznão podiasabtrdlliO,' (p,
93-94) .
•
--------"""'- •••• --- ••1 1iII'•••.• pIlillZIlll'.WIllllilliIl
J
lil'NiIiIiIWlill. 1117••••••••••••••••••• 1111••••••
,..
, '
A Construção do eu na Modernidade
A vitória dos espanhóis teria se dado por sua maior habilidade
em entender o modo de pensar do outro, tirando proveito disso. Todorov
insinua que este teria sido o mais importante fator da dominação. do
europeu sobre o mundo: ele seria capaz de dissimular e mentir. Em
nossos termos, ele é capaz de criar um distanciamento entte sua
ação e sua intenção, de acordo com seus. interesses. Todorov chega
a comparar a capacidade comunicativa de Cortez com as prescrições
de Maquiavel em O príncipe, escrito na mesma época. Nesta
habilidade comunicativa, neste auto-dístanciamento e neste uso
puramente funcional da linguagem, estaria fundada a Modernidade.
Temos, como em relação a Rabelais, uma.posição intermediária: o
europeu teria uma quase total incapaCidade de entrar em contato
com a alteridade, buscando dominar e assimilar o outro; por outro
lado, ele parece ter sido mais capaz que outros povos para sair de
seu próprio ponto de vista e prOcurar compreender o do outro. ainda
que para dOlIlÍDá-lo.Todorov também indica que oseuropeus eStariam
acostumados a operar um descentraDlenro, desde que seu centro
religioso, Jerusalém, era, de fato, fora de seu continente.
Na conclusão de sua obra, Todorov apresenta-nos esta
formulação paradigmática sobre a questão do outro:
"Pois o outro deve ser des<;oberto.Coisa digna de espanto,
já que o bomem nun<:aestá só, e não seria o que é sem sua
dimensão social. E, no entlllltO,é assim: para a cri3nça que
acaba de nascer, seu. mUX'ldo é o mundo, e o crescimento é
umaaptelldizagem daex>.erioridadee da sociabilidade; pode-
se dizer, um pouco grosseiramente, que a vida humana está
contida entre dois extremos, aquele Olldeo eu invade omundo
e aquele onde o mun<loacaba absorvendo o eu,na forma de
cadáver ou de CÍIJZaS.E, como •. descoberta do oulro tem
vários graus, desde o 0\llrQcomo objeto, confundido com o
mundo que o eerea, até o outro como sujeito, iguala0 eu,mas
dife=le dele, com infinitas lIIl3Ilçasintermediárias, pode-se
muito bem passara vida toda sem ntmca chegar à deseobena
plena do outro (supondo-se que ela possa ser plena). Cada
um de nós deve recomeeã-la, por sua vez; as experiências
anteriores não nos dispensam disso.Maspodem ensinar quais
são OS efeitos do desCOtlbeeimento.(p. 243)
28
I
i
I
I
I
I
Pedro Luis Ribeiro de Santi
Se voltamos agora à imagem da feira e do comércio, veremos
.que aqui impera o convivio com uma inédita diversidade de coisas.
Essa festa, no entanto, traz o problemas, referido antes, de atribuição
de um valor justo a cada coisa. As coisas estão fora de seus contextos,
onde talvez possuíssem um valor justo, mas nesse encontro fortuito
da feira já não se pode pensar em seu valor original.
Ainda nesse sentido, pense-se na reação das pessoas diantedo J:Clatodos viajantes sobre as coisas incriveis que viram. Uma vt:Z.
. mais, a credulidade das pessoas seria abalada. Como distinguir relatos
confiâveis de outros mentirosos ou fantasiosos? A descrição de um
tamanduâ pareeerâ tão absurda ou possível quanto a de umdra"oão
do mar; os relatos sobre cidades feitas de ouro (o Eldorado) tocarão
nas fantasias sobre o paraíso reencontrado nessas terras distantes e
selvagens (onde, em se plantando, tudo dá. ..).
PINTURA - Bosch e Areimboldo
Referimo-nos, na parte anterior, a artistas como da Vínci e
Michelangelo. Nesta. o pintor que nos ocorre é Boseh. Ele nasceu
em 1450, quase no mesmo ano que Leonardo da \linci (1452). mas,
enquanto da Vmd parece estar em casa nO Renascimento, Bosch
parece sofrer mais os efeitos da fragmentação. Seus biógrafos
informam-nos que Bosch nasceu justamente diante de uma feira,
mas ele não se sentia em casa. Parece que seu mundo de valores
era medieval e que, ao abrir suas janelas, lhe parecia estar assistindo
o apocalipse, o caos. Assim, curiosamente, ele acaba expressando
melhor que seus contemporâneos a fragmentação do século. Suas
pinturas mostram corpos dilacerados, em combinaçôes alucinadas.
Com freqüência, ele é tomado como um pré-surrealista, mas ele
provavelmente acreditava ser um biper-realista, mostrando a
degradação dos tempos, o fim do mundo da ordem.
Há outro pintor que trabalha a fragmentação. mas -talvez
por ter nascido já no século XVI, quase 80 anos depois de Bosch-
sem o mesmo tom apocalíptico. Ele é Arcimboldo, com suas
composições de retratós utilizando fra"amentos de coisas. Sua série
mais conhecida é a das quatro estações, onde constrói expressões
humanas combiwmdo elementos típicos de cada época. O efeito é
29
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I
I
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I:31
"AO LEITOR
Antesmesmodeler,leitotantigo.
Despojai-vosde todamá vontade.
Nãoescandalizeis.peço,comigo:
Aq,uinãohánemmalnemfalsidade;
Seoméritoé pequeno,naverdade,outrointuitonãotive,no
entretanto,
Anãoserrir,e fazerrirportanto,
Mesmodasafli~"Õesquenos consomem.
Muitomaisvaleo risodo queo prnnto.
Ride,amigo,queriréprópriodohomem."(p.31l.
"PR6LOGODOAUTOR
BebedoresilustresepreciosissimosImdglll'lltos(pois
a Vás, não a outrosse dedicaO meu engcnbo):A1ccbiades,
nodiáI020de PlatãointituladoO Banquete, louvandoli 'nu.. .
I~Ouça Rfldrigo Martinez.. Pue.t Bien~para é.sfa. PDr la~'slan'(J$.d~Màd,.ld
eAI alva ""nid. extraidasde"EI Candonero dePalac[o. dogrúpoHCl1lbdon
)C1(.J\snie{f\udivis.i99J-
TEXTO ANEXO - François RlÚJetAi"
GARGÂNTUA E PANTAGRUEL
I
I
I
I
''Em verdadeo homemé de naturezamuitopoucodefinida,
estllUlhamentedesigualediverso.Dificilmenteojlllgariamos
de maneira decidida elD1:iforme."11
MÚSICA - A POLIFONIA
A polifonia é um tipo de música típica do Renascimento.
Assim como o canto gregoriano expressava bem o espírito medieval,
a polifonia encarna seu tempo. O tenno significa "muitas vozes" e é
justamente como se o coro em uníssono do gregoriano se tivesse
estilhaçado: cada voz canta umamelodia diferente,por vezes também
uma letra diferente. Podem ser quatro ou muitasmais vozes, gerando
um efeito ruidoso, quase já não musical. No entallto, elas convivem.
Através do século XVI, vai aumentando a capacidade dos
compositores de hannoni2á-las.
Há uma peça de especial interesse dentro do que temos
trabalhado. Ela se chama VouJe:: ouyr les cris de Paris? ("Querem
ouviroS gritos deParis?"), deClémentJanequin". Nela, cincocantores
perguntam-nos, porum minuto, se queremos ouvir os gritos deParis.
Suas vozes são um pouco defasadas entre si, mas tud~ é
compreensivel. Após a introdução, há um breve silêncio e então
começamos a ouvir uma gritaria onomatopaica que se passa numa
feira, comvários vendedores chamando a atençãopara o seu produto.
Eventualmente, as vozes unem-sc por instantes emtomo de um tema
para, em seguida, se dispersarem de novo. Adiante,outro tema surge
e, novamente, desagrega-se, como numa rapsódia. Tudo é muito
"Ensaies, I, Cap.l, p.14.
" Voule:: ouyr 10$ cris de Paris? e La Bataille, extraídasde "Les cris de
Paris, Hannoo.iaMundi,1982",
30
.'
......
:,,:;" ."'.
•••••• .,~ ••~'.~'J,
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-_.=,<=<~--------< .".'-=::':::-!!!!I~co ,..:I:.:~... .!c,,'.
grotesco, mas divettido e instigante eparecera uma ilustraçãoperfeita engraçado e carnavalesco (é inevitável pensarmos na situação da
para um tipo de música a que nos referiremos na próxima parte, gravação em um estúdio moderno, em que músicos educados na
chamado "Las Ensaladas". rigidez de conservatóriosgrasnem, griteme, é claro, desafinem,com
Enfim, justamente da crise<no final da Idade Média, resulta a leitura rigorosa da partitura).
essa falta de critérios absolutos, que gera uma crescente insegurança. O centro da produção polifêllioa é a Espanha que, por ter
Numa citação de Montaigne, um dos mais importantes pensadores sofrido a invasãomuçulmana, traz em.sua cultura muitos elementos
do século XVI, encontramos uma articulação do que temos dito; assimilados. Há músicas de uma extrema melancolia, lamentalldoa
perda da felicidade e da ordem pelas viasens e guerras".
Em anexo, está o começo de um dos livros mais debochados ,
do século XVI. Nele podemos reconhecer, desde a referência
constante no Renascimento à cultura clássica grega, até o tom
iaeverente e viseeraldo mundomenos idealizado e mais próximoda
experiência imediata dos prazeres do corpo. Trata-se de um mundo
de exageros, deboche e excessos, habilado por gigantes.
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I,
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I,
I
331
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. :;.. '" . . ..,~.
" " ..
Bosch. "O Juizo Final" (c" : SOO).
Cheias df!figuras imagInúrias e h'.uitcs ; "
grot6StQS. Bc'sch lança Tnão .de uma
. grande liberdade, estética, com
distorções .rlSicas. para represefltar os
: dis!orçàes dft caráter.
..",
Pedro Luis Ribeiro de Sano
. ....
~
~.':":-,".:..'~;=.~;~":~.."':;.'...:--~'-'.:~
"-"':-o"'~":''''_\_-'--~•... -'.~~'~.•....... ~"'_ ..:.~.~:;;.~-.:..::-;.:.:.--~._."-".";'-:::-.~.'::.
Gfoito, "A Cura d. U-JUo" (c.
1305). Giolto introdu= na pintura
uma c.xpressi'llidade e uma
dj~amalicidade .irlexütenle em
per/odos anterior dtJpintura, :nas
sua temática ain.da erO
centralmente rcligicsc.
Da Vinci. "As Proporções da
Fig:.;ra Hu11UIIUl". O /tome.?! pas.f;(i
'..rradarf1>'arnemc a ser a m~d:"da de
IOdas as ccisas. O corpo humonQ
é \lalorizado e é apresenfcdc em
propo.-,i>es geométricas.
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l'
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I
preceptor Sócrates (sem contTO"érs~príncipe dos fiJósofos).
entre outras coisas disse ser ele semelhaOte aos "s.i1cnos".
Silenos, para os antigos eram caixinhas, tais como as que
hoje vemos nas vendas dos boticários, tendo pio1adas umas
figuras alegres e frivolas .. como harpiast sátiros~ ganso:;
ajaczados. lebres chifrudas, patos CO!Xl cangalhas. bodes
voadores, veados atrelados, e outras figuras semelhantes.
nascidas da imagioaÇ;io. próprias para prov"",", o riso como
fazia Silcno, me,;tl'Cdo cxCelente Sapo. Dentro delas. pon.'m.
guardavam-.sc drogas valiosas çorno o bâJsamo~a âmbar.
cínzento~o amemo. o almiscar~jóiaS e oUtras preciosidades.
Tal se dizia ser Sócrates.. porque, qUem o visse por fora. c
~timande apenas a aparência exterior:. não lhe daria mínimo
valor tanto ele Cl'3. fcio de coipo c ridículo em Sua aparência.
com nariz pontudo, olhos de boi. cara de bobo, simples em
seus modos. rústico em suas vestcs. p'arco de riquezas, iD.t..:cJiz
com as mulheres, inapto para todososoticios da república,
s~prc rindo. sc::mpre tomando seus:tragos. 'por causa disso:
sempre briDCSlhio. sempre djssimul~ndo o seu divino saber.
Quem abrisse aquela caixa, porém. lá dentro encontmria um
bálsamo celeste e in3preciá\;el um ~ntendimento mais que
humano. virtudes mara\'ilhos3S ..~coragem invencível
sobriedade sem igual, contentamento certo. segurança
perfeita. incrivcl desprendimento co~ relação a tudo que 0$
humanO:' tanto pre-ann. tudoaquilo'que tanto cobiçam c em
prol do quê correm. trabalham, navegam e bablharn.
Se não acreditais. por Que não fureis o mesmo com
~Ias novas e divertidas crônicas'? Eis que, ditando-as. Dão
pen..c:ei :'eflão em ..•.ós, que porventura bebeis como eu bebo.
Porquo, na compo,içào dc,,1Clivro scriMorll,.não perdi, c jamais
empreguei um outro tempo"do que'aquele que gasto para
tomar a minha refeição corporal" sa~. bebendo e comendo.
São esus as horas mais adequadas pára cs=vor sobre essas
altas matérias e ciências profunda.<~ como bem fez ~bcr
Homero. paraàigmn de todos os filóloétos. e Ênio, pai dos
poetas 13tinos, assim como tcstcmunlia Horácio~ embora l.DIl
gros.c;ci:ão tenha dilO que os $CUs u04rcs'" cheiravam mais a
vinho d.) que a azeite.
Coisa idêntica disse um buIão dos meus livros~mas
merda para ele! O odor de vinho~ô. como é mais saboroso.
mais a~dá\'el, tn3is t1traente que o do D7.eite!
..
A Construção dó eu oa Modernidade
....
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Vemos, com Rabelais, a valorização do riso e de toda fonna
de prazcr C0'1'cral, em confronto com a tendência nasc.:nte (e que
dominará o século XVII) de só respeitar a seriedade, a COntenção e
a merite. Talvez convenha lembrar exatamente neste momento. como
Umbeno Eco deixa claro, no eixo de sCu romance "O )o;ome da
Rosa", o risco que a ,isão orrodoxa considerava havcr no riso, também
no final da Baixa Idadc Média. Na tentativa de conter o riso -o
prazer-o observamos o esforço em obter o aUIO-controle. Ao mesmo
tempo, ....emos a val.orização renascentista da cultura g!'"~co~rornana.
35
E sinto.mc mUÍto mais liSODjC3do~ quando se diz que
gasto mais vinho do que azeite, do que ficou Demóste:nes
quando dele disseram que gastava mais azeite do que vinho.
Para lI1Ínl,só me sinto honrado ejubiloso por ter fama de ser
um bom copo e um bom companheiro: graças a isso sou bem
recebido em todos os bons grupos de pantagrueJistas. (...)
E agoradi''erli-vos. meus queridos.e lede alegremente,
para satisbc;ão do corpo e beneficio dos ril)S.Mas escutai,
sem vergonhas e que a úlcera vos corroa: tratai de beber por
mim, queeu começarei, semmais demora" íp. ,3-36)
Pedto Luis Ribeiro de Sillui
Questões par-~djscussão
1. Qual é a imponàncill da feira de rua no universo do Renascimento?
2.Que tipo de P"'...açãofoi gerada pelo confronto com OUtras culturas?
3. Por quê no Rena.~imento o homem pt.."Tdeu stlas CCJ1C'as?
I,
r
. , ,....•... ,." ~.' "
A ConstnJçiio do eu na Modernidade
Arcimboldo.. "A
primavera ". O to-
do éformado por
um Conjunto de
fragmentos e,,'O~
cam'QS da estaçiio.
A.rep~~
polifõnica e Pede
diversas per$pec~
tivas de visão.
/ Rembrandt. ''.4 lição de an",omia tio Dr. Tttlp" (J632), O jogo d" lu::
I (claro/cscurO) permite um foco objetivo sobre o objeto da pintura. NadaI dispersa a percepção. Assim Como no projeto Cartesiano. temos a buscapor representações C/aras e distintas.34
:,
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'.', .•..~-~,
, ~.,'.
~.L._.•
PedroLuis RíbeirodeSllld
Impõe-se ao homem, a partir, de laOl'8, lIIo0lh,r I) •• 1.1
camíoho. Essa escolha implica em uma COJlltl'\lqlod.ldtntld~•••
todos os exemplos mostram..nos eotno iSsoexlp um wl\l!vO btutaJ,
quase sobrehumano; ohomem elevedOminarIdJ.~O qui Ofl1\illdó
é. O carnaval de .R.abelaisserá contidp. OOOJPO'1111' fullqOM Mito
calados em favor da coesão e da ordem do ~ol\o,
Durante a Idade Média, era ré1ltlvamontt dlnOIlUpUolr
corno era posslvel ser tesponsabiHiado por pecar: n e PW~'.olo
era livre e apenas cumpria 'os planos de Deu•• oomo ",pO!l ••blU'J'
la? No Renascimento. a questão podeset eq\laC\onJded, oUlfll'o11111:
Deus fez O homem livre para que ele posa. ler jula'dol lI, pode
escolher um bom caminho e serrecompenlAdo por jqo. mu pode
ser desviado dele pai tentações e dispers8cs--e o mundO rtN~dltll
as oferece em quantidadc- c, então, ser respon ••blllrJ(1O tl!unld()
por isso. A questão passa a ser: OquoCIÍ deVo 'Cl1 Como 11M mt
fonnar? Em termos mais psicológicos, como conlll'\llr 11m,
identidade?
Há vários exemploS de modos de conltkulq'o d.ld.nlld.do
no Renascimento. Talvez o mais conhecido lejl Odo Oom QuJllole
de La Mancha, personagem de Cerv811tes.que le IdonlrnllJ 00111li
ideal do cavaleiro andante medieval e procurl al'll'rllAf:IlO,/t, 4VOMC'O
deste exemplo já sugere que a afillilaÇão do uma ldllJllld'dt ootlA
pode assemelhar-se à alucüiação, na medida em que elA(IM Iroror-
se sobre o mundo, ele próprio em frangalhos.
Passemos agora a um exemplo conCreto dopro*'mllllO
vislwnbrado no século XV! pala a constítuiçAo do ulÍl1lldflttI4.d.
coesa, que consiga não se deixar levar Pela dispcnlo. O plnaanttn\ó
religioso, adaptando-se aos tempos con\osemprc. ptOdlmr6, fObrt1\ldo
através de santo Inácio de Loyo!a,procçdimenlO' pml .nrm'9lo
da identidade sobre. dispersão do sUjeito,guiando-o dovol~• .DM;
Santo Inácio converteu-se à religião já adultO. Bit hAVI, ,Ido
militar. e wna das características maism8rl:3lllCS quo Im~lll 'OU
sistema foi a disciplina Tendo fundado "aCompanhll d. lou"
imprimiu um traço distintivo dos jeSuítas atê hoj~. sualnlcllllva pl'iilol
e pregação militante. " : ;
Santo Inácio parte do mundo rertàsCentlstà, reC(lnhoetndo ,
liberdade h1lIIl3l1a,mas constatil a perdição do homem Q lluAOIN..
Ir
!
".•;.;.. -.í' •.•...'~."'ê"~.,...':."'..•.•. :~ .. ',4 •••. ,••••"'.~,; ".'''' •. ~ ••. :
"(._)tão imporlaolesou atémaisimpo,tmtesdoqueaab=de -.~. de Ia__ '_>, . di.".•.. '
~ UoI,II,;;l~ln "cul.ll:l.l,comsevê2CO!iIl''''n1oao
longodo processo de desintegraçãodas 'civili2açõesfecha-
das', são as teo1lllivasde cin:unscreve..estes espaços.Assim
sendo,as experiênciassubjetivasnosentidomodemodo termo
e que vierama se converterem objetode um sabere eleama
intervenÇãopsicológioosdevem a sua emergência tanto às
vivêllciasde divr:sidadee ruplllracomoàs tootativasde 0rde-
nação e costura,ou seja, a todas as praticas refotmistasque
impficavamumasubjeôvidadeindividualizadaeumat=ãosus-
tentadaentreáreasoudimeasõesde liberdadeeáreasoudimen-
sõesdesubmissão.(...) Comose vê,o 'iudi'iduo', ao colllnírio
do que o termo sugere, nasce da dispersãoe 1raZuma cisão
interior insc:r.ita em sua nature2a. "'1'"
" A invençiio do psicológico, p. 59.
5 ~~
OS PROCEDUMENTOS DE
CONTENÇÃO DO EU
,,(\ Acompanhamos, nesta parte. olgumas das
\.U medidas kJma4aspara o restabelecimento de
referências para a C<Jlocaçãqdo homem no
numdo. Elas estarãq voltadas ao próprio eu,
na figura do auto-controle. .
A nova valorização do ser humano e a imposição de que
eJ~construa sua ~lÚstêneiae descubra valores segundo os quais viver,
a1i.adaa toda_a <ÜSpersãoe :fragmentação do mundo, que apontamos
acima, I~arao ã tentativa de criação de mecanismos para o domínio
e formaçao do eu. É na formação destes Procedimentos -":modos
de ~ - ~e ~deremos começar areeonhecer os rumos que levarão
à PSicolDgla.CItando uma vez mais Figueiredo:
-------- •••••• llIm--~lBlIlzlll'lli'Vum!lill'SfRtiliBie.'
A COl1$lIUçãodo euna Modemidade
"' ...'..,." .
-
I. regra. ReIllIDCiandoa todo juizo próprio, devemos
estar dispostos e pronlos a obedecer em tudo à verdadeira
esposa de Cristo .Nosso Senhor, isto é, á santa Igreja
hierárquica, nossa mãe," (p. 188)
"9' regra. Louvar finalmente todos os preceitos da
santa Igreja, e estar disposto para procurar razões em Sua
defesa, e nunca para os criticar."
-13' regra. Para em tudo acenar, devemos estar sempre
dispostos a crer que o que nos parece branco é negro, se
assim o delennina a Igreja hier:ltquica; persuadidos de que
entre Cristo Nosso Senhor -o esposo- e a Igreja -sua'
Esposa- não ha senão wn mesmo Espfrito, que nos governa
e dirige para a salvação das nossas aIrnas. Porque é pelo
ltlCSlllOEspíritoe mesmo Senhor,autor dos dezmandamentos.
que se dirige e governa a santa Igreja, nossa Mãe."
~lS" regra. Habinlalmentenão devemos &lar muito de
predestinação.Mas se em alguma ocasião se falar disso. faça-
se de maneira que os simples fiéis não caiam em algum errO.
Algumas vezes isso acontece, quando coneluem: "Se já está
'determinado que me vou condenar ou salvar, não são as
minhas ações boas ou más que hão de mudar esta
detenninação~. E COmeste raciocínio tornam-se negligentes
e descuidatn as obtas que conduzem á salvação e ao proveito
espiritual das suas aIrnas." (p. 192)
"17' regta. Igualmente não devemos insistir tanto Da .
graça a ponto de se produzir O veneno que nega a liberdade.
I'ode-se COmcerteza falar da fé e da graça, mediante o auxilio
segue que há de usar delas Illlltoquanto o ajudem a atingir o
seu fim, e há de privar-se delas ianto quanto dele o wtem.
Pelo que é uecessário tomar-nos indiferentes a respeito de
todas as coisas criadas em tudo aquilo que deponde da
esoolha do nosso Iivre-arl>itrio,e não lhe é proibido. De lal
maneira que, de nossa parte, não queiramos mais saúde que
doença, riqueza que pobreza, honra que desollIll, vida longa
que breve, e assim por di""te em tudo o mais, desejando e
escolhendo apenas o que mais nos conduz ao fim para que
somos criados." (p. 28).
"REGRASPARASEN'I1RVERDADEiRAMENTE
COMOSE DEIlENAIGREJAMILlTANTE
Pedro Luis Ribeiro de Santi
.- ••••• - •• , ••'.q"" ••m••••••••III'IlI's;.liIllIIIlIIlI•• '.IIIIlIIIIIJ ••• IlI ••• IIIIII•••••• IIII111I11••••••
A Construção do eu na Modernidade
~I. Anotação. Por es1a ex;>ressão, Exercícios Espirituais,
entende-se qualquermodo de examinar a CODSciência,medirar,
COIltempIar;orar Vocal ou mentalmente. e 0Illras atividades
espirituais, de que adiante tàlaremos. Porque; assim COlllO
passea,., caminhar e correr são exercícios corporais, também
se chamaln e=icios espirituais os diferentes modos de a
pessoa se preparar e diSpor para tirar de si todas as afeiÇÕes
desordenadas, e,' tendo-as afus1ado, /><OCUl'ar e encontrar a
VOU1adede Deus, na disposição da sua vida para O bem da
mesmaJlesSOa."(1'.11-2).
"S.Anotação. Muito aproveita ao exercitanle entrar neles
com grande ânimo e liberalidade para com seu Criador e
SeJ>hor,oferecendo-lhe todo o seu querer e liberdade, para
que sua divina majestade se sirva de sua pessoa e de tudo
quanl() possui, conforme a sua santíssima Vontade.~ (p. IS).
"EXERctcrOSESPIRrluAtSPARAOHOMEMSE
VENCERASIMESMOEORDENARAPRóPRlA VIDA.
SEM SEDE!'ER.MJNARPORNENliUMAAF:ElÇÃo
DESORDENADA"(P. 27).
PRINdPIOEFUNDAMENTo
O homem é criado para louvar, reverenciar e serv;r a
Deus Nosso Senhor, e assiin salvar. sua. alma. E as outras
coisas ":"b'" a face da terra são criadas para o homem, para
que o lljudem a alcançar o fim para que é criado. Donde se
m0sn:u--Ihe Ocaminho do TeenC011lrocom a ordem. Seu Procedimento,
propnamente humanista, fuz escola até hoje: o homem é livre pata
s,:,: ~ que ~ e parece estar Perdido; ele precisa e pode, portanto,
dirigJrs?3livre vontade ao caminho cOrreto para se encontrar. O que
ele PrecISa é de um manual de instmções, uma técnica para dirigir
sua ação. Em Os Ex~ícios Espirituais, são propostos uma série
~ procediment~s, COm a duração de 28 dias, cujo cumprimento
ngoroso deverá levar o praticante à iluminação. Uma vez mais, vale
a pena reproduzir alguns lrechos da obra:
TEXTO ANEXO - SanlQ' J/PUÍCi4 de LoyOÚl
EXERCíCIOS ESPIRITUAIS
38
"'••••• ".t. ••.Itol
", ,,' .
,OI " "
39
"----""--- "-
\
:
III&11
Corred,eorred,pecadores!
No oStardéisa traer luego
aguaal !ilego,aguaai fuego!
Fuego.fuego. fuego!
Este fuegoque se enciende
..oselmalditopeecado,
que ai queDohalIaocupado
siempreparasi loprende.
Qualquierque deDiospretende
salvacion,procure !nego
aguaai fuego.aguaal fuego.
EL FUEGO'. - Mateo Flecha, El VU'jo
neste sentimento de vazio e cria a demanda por nos fonnarmos
continuamente.
MúSICA - UMA POLIFOI\'1A MAIS COMPORT.4DA
Uma vez mais, a música nos auxiliará na exemplificação ele
um conceito. No fmal do século XVI, a polifonia parece
gradativamente tomar-se mais bem comporta<la.As V07.eSmú1ti~las
vão sendo harmonizadas e não se tem mais a impressão de rwdo:
elas simplesmente são disciplinadas, dispostas de tal fo~a qu~
componham um todo equilibrado. Estamos a um passo da 'fug;;
(estilo próprio ao século XVII). Mesmo as letras parecem maIs
comportadas. evocando a contra-reforma. Não será possível retornar
ao universo do canto gregoriano. mas será possível buscar ordem
dentro da diversidade como vimos alravés de Santo Inácio.
Eis wna curi;sa letta, composta por Mateo Flecha, EIViejo,
Dumgênero que tem o evocativo nome de Las Ensaiadas:
PedroLuisRibeirodeSanti
41
"-Elfuego- e "LaNegrina-, extraídasde -LasEnsaJa~, Sony Music,
1991". Ambas são ainda polifonias. compostas de vanos fragmentos
. temáticos c mesmo de vários iàiomas..mas pode se notar. espec~ente na
s~und~ o quanto as vozés já. cstã.oh:umonizadas. submettdas a ~a
co~posíção rigorosa. Ouça também o inicio da ""Missa Papar: t\1arceUl ~de
Palcstrin3... extraída de "Baroqu.e. Pâlestrina e J'y[onreverd;, EMl ClasSlCS.
1995".
I
','" ," ~'" ~~""",", ,'~( - ~,"; . - -_._-~--~.
*
A ConstrUÇãodo eu na Modernidade
divino,paramaiorlouvorde suadivinaMajesrade,mas não
de tal formaaompor laismodos,mormenteemnossostempos
tão perigosos. que as obras e o livre-arbitrio sejam
prejudicadosoumesmonegados.~(p. 193).
• - li ," ~~t ••
Assim, a liberdade humana é reconhecida apenas para se
lhe atn1>uira causa da perdição humana. Curiosamente, a salvação
implica justamente em abrir mão de foona absoluta dessa liberdade,
transferindo-a à autoridade religiosa com toda a boa-vontade e
determinação. A submissão <losujeito <leveser absoluta, esse é o
preço a pagar pelo repouso numa certeza sem conflitos. Exige-se
disciplina, dedicação e, sobretudo, que se abra mão da própr'.a
experiência imediata em favor da pa1avra da rgreja. Se, ao fim dos
28 dias, a iluminação não chegou, isso não se deve a uma falha do
método, mas certamente ã pouca fé e ã fraqueza da vontade do
exercitanteJ5•
É bastante visível o quanto parte daqui a inspiração de um
gênero IiteráIfu de bastante sucesso no final do século xx, chamado
"Psicologia de auto-ajuda~. A crença na liberdade humana absoluta,
que diz que podemos atingir quaisquer que sejam nossos objetivos,
envolve um forte sentimento de culpa: se somos o que fazemos de
nós, esta infelicidade na qual nos encontramos foi produzida por nós,
nós amerecemos. A premissa do título de um livro como "Só é gordo
quem quer", poderia ser derivada em "só é pobre quem quer", ou
"Só é brasileiro quem quer". etC.A única detenninaçãoreconhecida
paranosso ser é a própria vontade; todas as deterininações históricas,
sociais, genéticas, etc, são simplesmente negadas.
A cada época, a falta de sentidO de nossa existência mostra-
se preza fácil das "autorida<les de plantão" a nos oferecer
generosamente seu manual de como viver. Mais importante do que
esta produção, éa percepção elecomo aModetnida<leparece implicar
I J' Santo_io antecipade fonna ~ alguns dos mais impona.'ltes
~
pensadoresdosécnIoXV1I:DescarteseHobbes.Maispertodenós,antecipa
,
=,bém as Psicologiashwnanisrasou de aufo..ajudae ainda algunscultos
religiosose procedimentosde Mark2tmg.
/ ~O:;\
,,' / .
.1 ':
_j I.
li
"
'"
"'," ..-'
A Consnução do eu DaModemidade
Fuego, fuego, fuego!
. Venid presto, peccadores,
a matar aqueste fuego;
Haced penítencla luego
de todos ,'Uestros errores.
Rcclamen essas campanas
denJro en "Uestros coTllÇones.
Dandán, dandán,' dandán. ..
Poné en Dios las aficionos,
todas las gentes humanas.
Dandán, dandán, dandán...
Llamad ossos aguadores,
hlego, luego, sin tardar!
Y ayúdennos a matar este fuego.
No os tardéis eu tIaer hlego
dentro de "Uestra conciencia
mil cargos de penitencia
de buen' agua,
Y lUISimalaréis la fragua
de vuestros maIos deseos,
y los enemigos fcos huyrán.
Pedro Luis Ribeirode Santi
povoj é volúvel-voltando-se para aquilo que representar seu.interesse
mais imediato-, sem memória, egoísta e, enfim, mau. A grande
preocupação de Maquiavel é afragmentação da Itália e a sua invasão
por bárbaros. É necessária a imposição de um sujeito falte. O
governante não teto outra opção que se afirmar à força, criar alianças
mais pelo temor do que pelo amor, como única forma de estabelecer
wna unidade à dispersão. O valor primeiro de tudo será a obtenção e
manutenção do poder centralizado. Para tanto, não há que se ter
vCJ:gonha por fa7.er qualquer coisa neste sentido, mesmo matar a
quem quer que represente uma ameaça ao poder. O princípio ético i!
o da afirmação do poder.
Maquiavei foi tomado como imoral e desumano (de seu nome
deriva Oadjetivo 'maquiavélico', que atualmente sígnifica ardíLoso,
maldoso). No entanto, se inserimos o discurso de Machiavel nesse
contexto de crise da fé em um poder transcendente e entendemos o
medo dadissolução, ta!veztome-semais compreensivel a radicalidade
e a urgência de seus preceitos. Abaixo, seguem-se trechos de O
príncipe.
.'.
;.;
j".,
A expressão 'salada' é especialmente própria para definir a
polifonia, neste caso. Mesmo já se tratando de uma música mais
contida, não faltam misturas de temas musicais, idiomas _
aparentemente, trata-se de uma coleção de trechos de canções unidos
ao gosto do compositor. Já mais ao final do século, encontramos uma
música propriamente equilibrada e muito bonita, um dos melhores
frutos da religião, a música saCra.
•
Tomemos agora outro exemplo bem mais cruel e naturalista
de procedimento de afinnação do sujeito: O'Príncipe, obra de
Maquiavel do começo do século XVI. Trata-se de uma série de
prescrições sobre como bem governar. Em nosso contexto -isto
poderia se trad1l2ir assim: que tipo de sujeito um príncipe deve ser?
Como deverá ser seu "eu"?
Seu principio é o de que o mundo (figurado pela figura do
42
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TEXTO ANEXO - N"u:016Madti4vel1i
o PRÍNCIPE
"( ...) é quo os homens, com satisfação, mudam de senhor
. pensando melhorar e esta crença faz com que lancem.mio de
armas COlllXao senhor atual, no que se enganam porque, pela
própria experiência, percebem mais tarde ter plol'ldo •
situação:' (p. li) .
"E quem conquista, querendo conservá-los [Opoclet
e o domillioJ deve adotar duas medidas: aprimeira, f!ztr OOM
que a linhagemdo antigo príncipe seja extinta; a outra, aqu.
de não aIterarnem as suas leis nem os ÜX1jlostO$;POttal foíllla,
dentro de mui curto lapso de tempo, o território eonqulmdO .
passa a constituir um corpo lodo com o principadô '8l'I1illor
(p. [3j
"É que, em verdade. niic existe modo segtJl'O part.
conscrvar tais conquistas, senão a destruição. 6 que!!! .0
tome senhor de uma cidade acostumada a viver üvte enIO,
destrua, esp= ser destruido por ela, porque a mesma 1lCI'Illltt'.-f ,-.-
f ..
43
..
Peclro Luis Ribeiro de Santi
45
*
ser ama coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo
que làIlaT ama das duas é mairo mais seguro ser temido do
que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer.
gcra1mente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes
do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres
bem, são todos teus, of=-te o próprio sangue, OSbens,
a vida, os filhos, desde que, como se disseaeima, aaecc$Sidade
esteja louge de ti; quando esta se avizinha, potém, revoltlll1-
se. E o príncipe que coafiou inteiramente em suas palavru,
encon1llmdo-sc destituido de outros meios de defesa, em
perdido; as amizades. que se adquirem por dinheiro, e Illto
. pela gr,mdeza e nobreza de. alma, são compradas mas com
elas não se pode contar e, no momento oportuno; nllo se
toma possível Ulili2á-las. E os bomens têm menos escrúpulo
em ofendo< a alguém que se faça amar do que a quem se faça
temer, posto que a ami2ade é mantida por um vinculo de
obrigação que. por serem os homens maus, é quebrado.~ ,
cada oportunidade que a eles convenha; IDOSOtomar é mantldo
pelo receio de castigo que jamais se abandona." (p. 9ó)
"N"ao se deve, pois, dcixar passar esta ocasião. a fim
de que a Itália conheça depois de tanto tempo, um seu
n:dcmor. Nem posso exprimir com que amoreleseriareccbldo
em todas aquelas pro,ine;as que tem sofrido por essas
invasões estrangeiras, com que sede de vinganço, com que
obstinadafé, com que piedade, com que lágrimas. Quais porlaS
se lhe fechariam? Quais poVOSlhe negariam obediência? Qual
. inveja se lhe oporia? Qual italiano Ihe negaria o seu favor'? A
todos repusna este bárbaro domínio. Tome, ponanto, a vossa
i1ustIe casa esta incumbéncia com aquele ânimo e com aquela
esperança com que se abraçam ascaasasjustas (...)" (p. 146)
Sem dúvida, por mais que possa parecer esrranho, há uma
série de pontos em comum entre este procedimento e o prescrito por
Santo Inácio. Ainda que um afirme o valor do hwnano e o outro o
. n:tomo aDeus, ambos crêem na necessidade da afirmação do sujeito
através de procedimentos radicais e estreitos. Mas com Maquiavel,
estamos diante de um mundo sem i4eal. no qual a imposição do sujeito
se f.xz necessária por uma concepção natUIalista e egoísra do homem:
,
f'
j
A Construção do eu na Modernidade
encontra, para apoio de sua Icl>elião. o nome daliberdade e o
de suas amigas Instituições, jamais esquecidas seja pelo
decwso do tempo, seja por beneficios recebidos. Por quanto
se faça e proveja, se não se dissolv= ou desagregam os
habitantes, eles não esquecem aquele nome nem aquelas
instituições, e logo, a c:ada incidente, a eles recoa-em ""mo
fez Pisa cem anos após estar submetida aos florentinos. ~ (p.
30).
.' MDeve, pois, UDl príncipe não ter 0Uln> objetivo nem
outro pensamento, nem romar qualquer outza coisa por mor
senão a guerra e a sua organização e disaplina, pois que é
essa a única arte que COllIjlele a quem comanda. E é êJa de
tanta virtude, que não só mantêm aqueles que nasceram
príncipes, como também muitas vezes faz OS bomens de
condição privada subirem ãque)e posto; ao contrário, vê-se
que, quando OSpríncipes pensam mais nas delicadezas do
que nas atmas, perdem o seu Eslado,~ (p. 85)
~Restaver agora quais devam.ser os modos e o
proceder de um príncipe par3 com os súditos e os amigos e,
porque sei que muitos já =vernm a respeito, duvido não
ser considerado Prcsuuçasoescreveodo ainda sobre o mesmo
assunto, mãxime quando ird disputar essa matéria à
orientação já poroUlros dada aos príncipes. Mas, sendo minba
intenção escrever algo de útil par3 quem por tal se interesse.
pareceu""'e mais conveniente ir em busca da verdadee<tr2ida
dos fatos e não à imaginação 'pos mesmos, pois muitos
conceberam repúblicas e principados jamais vistos ou
conhecidos como ten\lo realmente existido, Em verdade, há
tanta élifereuça de como se vive e como se deveria viver, que
aquele que abandone o que tàz por aquilo que se deveria
tàzer aprendeni antes o caminho de sua ruína do que o de sua
pteservaÇão, eis que um bomem que queira em todas as suas
palavras tàzer profissão de bondade, pc:rder-se-á em meio a
tamos que não são bons. Donde e necessário, a um principe
que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou
não da bondade, segundo a necessidade." (p. 89-90)
• "Um Principcnãodeve,poi$, temera má famadeaueI.
desde que por ela mantenha seus súditos unidos e leais (_.):'
(P,95)
"Nasce daí uma questão: se é melbor ser amado que
temido ou o contrário, A resposta é de que seria necessário
..----------==:~~íl&llII_....._" ~'." .-..
44
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PedroLuisRibcirnde Santi
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CRITICA A APARtNCJA
6
Nesta porre.' pro'curamot molll'llr qu. (I.
. tendênCia âglõH/lcàç4Q do IIlIIl6D f .l!bIOI~lo.
Alguns pensado~J }4 CQ/liffltl/t , ;I"~nql,r
como illls6rlfl$" iuiu f/""""" Q8;O I'U
maiore.<, A -MÓiürnldl/lJ, tlM'fm tnnlO'
proceáimentoS parI> (/ qo"nrU~'D do 411
quantO

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