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Sarah Akemi Sasaki - XXIV Interpretação eletrocardiográfica das anormalidades do músculo cardíaco e do fluxo sanguíneo coronariano: análise vetorial PRINCÍPIOS DA ANÁLISE VETORIAL DOS ELETROCARDIOGRAMAS Uso de vetores para responder potenciais elétricos Vetor é uma seta que aponta na direção do potencial elétrico gerado pelo fluxo da corrente, com a ponta voltada para a direção positiva; o comprimento da será é traçado em proporção à voltagem do potencial. Vetor “resultante” no coração em qualquer momento dado Na imagem, vê-se a despolarização do septo ventricular e de partes das paredes endocárdicas apicais dos dois ventrículos, indicados pela área sombreada. As setas elípticas indicam que a corrente elétrica move-se das áreas despolarizadas para as não despolarizadas (parte externa do coração); alguma corrente também segue por dentro das câmaras cardíacas. De maneira geral, muito mais corrente segue da base dos ventrículos em direção ao ápice que o contrário. Assim, o vetor instantâneo médio (seta preta) segue em sentido base-ápice. A direção de um vetor é definida em termos de grau Do ponto de referência zero (vetor na horizontal, direcionado para a esquerda da pessoa), a escala de vetores gira em sentido horário: Direção de +90°: na vertical, de cima para baixo; Direção de +180°: na horizontal, estendendo-se do lado esquerdo ao direito da pessoa; Direção de -90° (+270°): vai de baixo para cima. No coração normal, a direção usual do vetor durante a propagação da onda de despolarização pelos ventrículos (vetor QRS médio) é por volta de +59° (vetor A na figura), indicando que, na maior parte da onda de despolarização, o ápice do coração permanece positivo em relação à base. Eixo para cada derivação bipolar padrão e cada derivação unipolar dos membros Cada derivação é um par de eletródios conectados ao corpo em lados opostos do coração, sendo a direção do eletródio negativo ao positivo chamada de “eixo” da derivação. Na figura acima, que mostra o sistema de referência diagonal, é possível identificar as direções dos eixos de todas as derivações e as polaridades dos eletródios (representadas por sinais de + e de -). Derivação I – registrada por dois eletródios colocados na horizontal, sendo que o positivo fica na esquerda; seu eixo de derivação é de 0 grau. Derivação II – eletródios colocados no braço direito, que se liga ao tronco em seu limite superior direito, e na perna esquerda, no limite inferior esquerdo; seu eixo de derivação é de cerca de +60°. Análise vetorial dos potenciais registrados em diferentes derivações É possível determinar o potencial instantâneo registrado no cardiograma em cada derivação para dado vetor cardíaco. Sarah Akemi Sasaki - XXIV O vetor A representa a direção média instantânea do fluxo de corrente nos ventrículos; sua direção é +55° e sua voltagem potencial é de 2 mV. Abaixo, na mesma figura, o vetor é novamente mostrado, o eixo da derivação I, na direção de 0 grau; traça-se uma linha pontilhada perpendicular ao eixo da derivação I, que permite o desenho do vetor projetado (B). A seta do vetor B aponta na direção da extremidade positiva do eixo da derivação I, o que significa que o registro no eletrocardiograma da derivação I é positivo. Voltagem instantânea registrada = (B/A) x 2 mV. Na figura acima, o vetor A representa o potencial elétrico e seu eixo em dado momento durante a despolarização ventricular, com o lado esquerdo se despolarizando mais rápido que o direito, caso em que o vetor instantâneo tem a direção de 100° e voltagem de 2 mV. A fim de encontrar o potencial realmente registrado na derivação I, traça-se o vetor projetado B, que é muito pequeno e fica na direção negativa, indicando que, nesse instante particular, o registro na derivação I será negativo e a voltagem de cerca de -0,3 mV. Conclui-se que, quando o vetor cardíaco tem direção praticamente perpendicular ao eixo da derivação, a voltagem registrada é muito baixa; já quando o vetor tem quase o mesmo eixo da derivação, praticamente toda a voltagem do vetor será registrada. Análise vetorial dos potenciais nas três derivações bipolares padronizadas dos membros Na figura, o vetor A representa o potencial elétrico instantâneo de coração parcialmente polarizado. A fim de determinar o potencial registrado nesse instante no eletrocardiograma, para cada uma das três derivações bipolares padronizadas dos membros, são desenhadas linhas pontilhadas perpendiculares, que auxiliam na determinação dos vetores projetados B, C e D que representam os potenciais registrados nas derivações I, II e III, respectivamente; em todos os casos, o registro no eletrocardiograma é positivo. É possível fazer análise semelhante para determinar os potenciais registrados nas derivações aumentadas dos membros usando–se os eixos das derivações aumentadas. ANÁLISE VETORIAL DO ELETROCARDIOGRAMA NORMAL Vetores que ocorrem a intervalos sucessivos durante a despolarização dos ventrículos – o complexo QRS Com a chegada do impulso cardíaco transmitido pelo feixe atrioventricular, a superfície endocárdica esquerda do septo é a primeira a se despolarizar; em seguida, a despolarização atinge ambas as superfícies endocárdicas do septo. A despolarização continua a se espalhar, atingindo o restante dos dois ventrículos e, por fim, chega à superfície externa do coração. Esse processo é ilustrado nas figuras a seguir: o potencial elétrico médio instantâneo dos ventrículos é representado pelo vetor vermelho sobre os ventrículos; à direita é mostrado o desenvolvimento progressivo do complexo QRS eletrocardiográfico. Vetores e complexos QRS 0,01 segundo após início da despolarização ventricular. O vetor é pequeno (apenas o septo está despolarizado). 0,02 segundo depois do início da despolarização. O vetor é grande, pois muito da massa ventricular já se despolarizou. Sarah Akemi Sasaki - XXIV 0,035 segundo depois do início da despolarização. As voltagens eletrocardiográficas são menores porque o lado externo do ápice do coração está eletronegativo, neutralizando grande parte da positividade nas outras superfícies endocárdicas; o eixo do vetor começa a girar para o lado esquerdo do tórax, já que o ventrículo esquerdo se polariza mais lentamente. 0,05 segundo depois do início da despolarização. O vetor aponta em direção à base do ventrículo esquerdo e seu tamanho se deve à pequena massa ainda despolarizada Fim da despolarização dos ventrículos, 0,06 segundo depois do início. Toda massa ventricular está despolarizada e não há nenhuma corrente elétrica fluindo em torno do coração. Às vezes, quando a despolarização inicial ocorre no ventrículo esquerdo, pode haver a criação de um fraco vetor da esquerda para a direita antes do usual vetor base-ápice. Nesse caso, o complexo QRS apresenta pequena depressão em seu início (onda Q). Eletrocardiograma durante a repolarização – a onda T A repolarização começa cerca de 0,15 segundo após a despolarização ventricular e se completa em cerca de 0,35 segundo, causando a onda T do eletrocardiograma. O septo e as outras áreas endocárdicas têm um período de contração mais longo, assim, a superfície externa, especialmente perto do ápice do coração, é a primeira a se repolarizar. A alta pressão sanguínea nos ventrículos durante a contração reduza o fluxo coronariano, retardando a repolarização das áreas endocárdicas, as últimas se repolarizar. As superfícies apicais externas dos ventrículos se repolarizam antes das superfícies externas, portanto, a extremidade positiva do vetor resultante aponta em direção ao ápice do coração. Consequentemente, a onda T normalnas derivações bipolares dos membros é positiva. As variações de tamanho do vetor demonstram que seu máximo ocorre quando cerca de metade do coração está polarizado e cerca de metade está despolarizada. Despolarização dos átrios – a onda P A despolarização dos átrios tem início no nodo sinusal (próximo ao ponto de entrada da veia cava superior) e se espalha em todas as direções pelos átrios. O vetor, indicado pela seta preta na figura a seguir, permanece em geral na mesma direção durante todo o processo da despolarização atrial normal. Essa direção é usualmente a positiva dos eixos nas três derivações bipolares padronizadas dos membros, assim, os eletrocardiogramas aí registrados também são positivos. Esse registro da despolarização é conhecido como onda P atrial. Repolarização dos átrios – a onda T atrial A propagação da despolarização pelo músculo atrial é muito mais lenta que nos ventrículos devido à ausência do sistema de Purkinje, assim, a musculatura ao redor do nodo sinusal fica despolarizada por longo tempo antes que o processo atinja as partes distais do átrio. Assim, a área nos átrios que se repolariza primeiro é a região do nodo sinusal, que originalmente se despolarizou primeiro. Quando a repolarização começa, a região em torno do nodo sinusal fica positiva em relação ao restante dos átrios e o vetor de repolarização atrial é oposto em relação ao de despolarização, formando uma onda T atrial negativa. Sarah Akemi Sasaki - XXIV No eletrocardiograma normal, a onda T ocorre quase simultaneamente ao complexo QRS ventricular e costuma ser obscurecido por ele. Vetorcardiograma A variação do vetor do fluxo da corrente pelo coração durante a disseminação do impulso ocorre devido a: Variações de tamanho em virtude da voltagem crescente e decrescente do vetor; Mudanças de direção por causa das variações da direção média do potencial elétrico originário do coração. A figura a seguir traz um vetorcardiograma, que mostra as variações do vetor durante o ciclo cardíaco. O vetorcardiograma do QRS é a figura elíptica formada pelas extremidades positivas dos vetores e o ponto 5 é o ponto de referência zero, a extremidade negativa de todos os vetores que se sucedem. Enquanto o músculo cardíaco está polarizado entre batimentos cardíacos, a extremidade positiva do vetor permanece no ponto zero, pois não há potencial elétrico vetorial. No início da despolarização, o vetor 1 se estende para baixo, em direção ao ápice dos ventrículos, ainda relativamente fraco; à medida que a despolarização continua, o vetor fica mais forte, em geral se desviando para um lado, como mostra o vetor 2, cerca de 0,02 segundo após o 1. Após mais 0,02 segundo, o potencial é representado pelo vetor 3 e o vetor 4 ocorre 0,01 segundo depois. Por fim, os ventrículos ficam totalmente despolarizados e o vetor volta ao valor zero (ponto 5). O vetorcardiograma pode ser registrado por um osciloscópio, com a conexão de eletródios na superfície do pescoço e abdome inferior às placas verticais do aparelho e da superfície torácica de cada lado do coração às placas horizontais. EIXO ELÉTRICO MÉDIO DO QRS VENTRICULAR – E SEU SIGNIFICADO A direção predominante dos vetores e do potencial elétrico durante a despolarização é conhecida como eixo elétrico médio dos ventrículos, que, em condições normais, costuma ser de 59° (direcionado da base dos ventrículos para o ápice). Determinação do eixo elétrico pelas derivações eletrocardiográficas padronizadas Depois do registro das derivações padronizadas, determina-se a polaridade e o potencial resultante/efetivo para cada derivação (representado pelas setas pretas). Em seguida, o potencial resultante das derivações I e III é marcado nos eixos das respectivas derivações, com a base do potencial no ponto de interseção dos eixos. Potenciais resultantes positivos devem ser marcados na direção positiva, e potenciais resultantes negativos, na direção negativa. Para determinar o vetor potencial elétrico ventricular médio total do QRS, deve-se encontrar a resultante dos vetores traçados nos eixos I e III, como demonstrado na figura. O ponto de interseção dos eixos das derivações I e III representa a extremidade negativa do vetor médio, enquanto o ponto de encontro das linhas tracejadas representa a extremidade positiva. O potencial médio aproximado gerado pelos ventrículos durante a despolarização é representado pelo comprimento do vetor QRS médio, enquanto o eixo elétrico médio é representado pela direção do vetor médio. Condições ventriculares anormais que causam desvio de eixo Apesar do eixo elétrico médio dos ventrículos ser por volta de 59°, pode haver um desvio de 20° até cerca de 100°. Em geral, essas variações são causadas por diferenças anatômicas do sistema de distribuição de Purkinje ou da própria musculatura dos diferentes corações. Mudança de posição do coração no tórax. Se o coração está angulado para a esquerda, o eixo elétrico médio do coração também é desviado para a esquerda. Isso pode ocorrer: Ao fim de expiração profunda; Quando a pessoa se deita (pressão do conteúdo abdominal sobre o diafragma); Em pessoas obesas (diafragma faz pressão para cima devido ao aumento da adiposidade visceral). Analogamente, a angulação do coração para a direita desvia o eixo elétrico médio para a direita, situação que ocorre: Ao fim de uma inspiração profunda; Quando a pessoa se levante; Em pessoas altas e longilíneas cujos corações pendem. Hipertrofia de um ventrículo. Nesse caso, o eixo do coração é desviado na direção do ventrículo hipertrofiado porque a maior quantidade de músculo no lado hipertrofiado faz com que ocorra maior geração de potencial elétrico e é necessário mais tempo para que a onda de despolarização passe pelo ventrículo hipertrofiado que pelo normal. Isso causa um grande vetor do lado normal do coração para o lado hipertrofiado, que permanece com carga positiva. A figura 12-12 demonstra o que ocorre no desvio à esquerda do eixo, que aponta na direção de -15°. Esse é um Sarah Akemi Sasaki - XXIV eletrocardiograma típico causado pelo aumento de massa muscular do ventrículo esquerdo, nesse caso causado por hipertensão, que hipertrofiou o ventrículo esquerdo. O eletrocardiograma da figura 12-13 mostra desvio acentuado do eixo para a direita, em um eixo elétrico de 170° (111° à direita do eixo ventricular médio do QRS que é de 59°). Esse desvio foi resultante de estenose valvar pulmonar congênita. Bloqueio de ramo causa desvio do eixo. Os ramos esquerdo e direito do sistema de Purkinje transmitem o impulso cardíaco quase simultaneamente para as duas paredes ventriculares, que se despolarizam quase no mesmo instante e cujos potenciais quase se neutralizam mutuamente. Contudo, caso um dos maiores ramos do feixe esteja bloqueado, o impulso cardíaco se espalhará pelo ventrículo normal muito mais rapidamente, causando o desvio de eixo. Na figura a seguir, o ramo esquerdo está bloqueado e, assim, grande porção do ventrículo esquerdo permanece polarizada por até 0,1 segundo após a despolarização total do ventrículo direito. Assim, este passa a ser eletronegativo, enquanto o ventrículo esquerdo permanece eletropositivo durante a maior parte do processo de despolarização e o vetor tem desvio para a esquerda em cerca de -50°. Além do desvio, a duração do complexo QRS é muito prolongada, devido à lentidão de condução do impulso com o sistema de Purkinje bloqueado (lentidão da despolarização). A figura 12-15 mostra o que ocorre durante um desvio de eixo para a direita no bloqueio de ramo direito. É possível perceber o desvio do eixo, localizado em aproximadamente105° e o complexo QRS alargado. O processo é semelhante ao que ocorro no desvio para a esquerda. CONDIÇÕES QUE CAUSAM VOLTAGENS ANORMAIS DO COMPLEXO QRS Voltagem aumentada nas derivações bipolares padronizadas dos membros Em condições normais, as voltagens nas três derivações, do pico da onda R ao fundo da onda S, variam entre 0,5 e 2,0 mV; com a derivação III usualmente registrando a voltagem mínima e a derivação II, a máxima. Contudo, mesmo para o coração normal, pode haver variações. O eletrocardiograma de alta voltagem é caracterizado por uma soma da voltagem dos complexos QRS nas três derivações maior que 4 mV. A causa costuma ser uma hipertrofia do músculo em resposta a uma carga excessiva, provocando geração aumentada de eletricidade em volta do coração, que resulta em potenciais elétricos Sarah Akemi Sasaki - XXIV muito maiores que o normal, como nas figuras 12-12 e 12- 13. (Ex: VD se hipertrofia quando precisa bombear sangue por uma valva pulmonar estenosada e o VE, em casos de hipertensão arterial). Voltagem diminuída no eletrocardiograma Uma série de antigos infartos do miocárdio que resulta em massa muscular diminuída pode diminuir a voltagem e alargar o complexo QRS, pois, nesses casos, a onda de despolarização se espalha de forma lenta pelos ventrículos, permitindo que grandes áreas do coração permaneçam despolarizadas ao mesmo tempo. A presença de líquido no pericárdio também causa voltagem diminuída nas derivações eletrocardiográficas. O líquido extracelular conduz correntes elétricas com muita facilidade, assim, grande parte da eletricidade gerada pelo coração é conduzida pelo líquido pericárdico, produzindo um “curto-circuito” dos potenciais elétricos cardíacos, diminuindo as voltagens que atingem a superfície do corpo. “Curtos-circuitos” também podem ser causados por derrame pleural. O enfisema pulmonar também pode diminuir os potenciais eletrocardiográficos, pois a quantidade excessiva de ar nos pulmões diminui a sua capacidade de conduzir a corrente elétrica. Além disso, a cavidade torácica aumenta e os pulmões tendem a envolver o coração mais que o normal, agindo como um isolante e impedindo a dispersão da voltagem elétrica para a superfície do corpo, produzindo potenciais eletrocardiográficos diminuídos. PADRÕES PROLONGADOS E BIZARROS DO COMPLEXO QRS Complexo QRS prolongado como resultado de hipertrofia ou dilatação cardíaca O complexo QRS perdura enquanto a despolarização continua a se espalhar pelos ventrículos, processo que costuma durar entre 0,06 e 0,08 segundo. Contudo, em caso de hipertrofia ou dilatação dos ventrículos, a condução do impulso pode se prolongar, causando o prolongamento do complexo QRS até 0,09 a 0,12 segundo. Complexo QRS prolongado decorrente de bloqueio do sistema de Purkinje Quando as fibras de Purkinje são bloqueadas, o impulso cardíaco é conduzido pelo músculo ventricular; a velocidade de condução cai para 1/3 do normal e a duração do complexo QRS aumenta para 0,14 segundo ou mais. O complexo QRS é considerado anormalmente longo quando dura mais de 0,09 segundo; quando dura mais que 0,12 segundo, é quase certa a presença de um bloqueio patológico no sistema de condução ventricular, como mostrado nas figuras 12-14 e 12-15. Condições que causam complexos QRS bizarros A condução irregular do impulso cardíaco causa rápidas inversões das voltagens e desvios de eixo, gerando picos duplos e até mesmo triplos em algumas derivações eletrocardiográficas (figura 12-14). Na maioria dos casos, esses complexos bizarros são causados por: Destruição do músculo cardíaco em várias áreas do sistema ventricular, com substituição por tecido cicatricial; Múltiplos bloqueios pequenos e locais na condução do impulso em vários pontos do sistema de Purkinje. CORRENTE DE LESÃO Muitas anormalidades cardíacas distintas, principalmente as que lesam o próprio músculo cardíaco, deixam parte do coração parcial ou totalmente despolarizada o tempo todo e causam as correntes de lesão (a corrente flui entre as áreas despolarizadas por patologias e as normalmente polarizadas mesmo durante os batimentos cardíacos). Essa condição costuma ser causada por: Trauma mecânico, que pode fazer com que as membranas permaneçam tão impermeáveis que não permitam a repolarização; Processos infecciosos que lesam as membranas celulares; Isquemia de áreas do músculo cardíaco, causada por oclusões coronarianas locais (causa mais comum). Efeito da corrente de lesão no complexo QRS Na figura 12-17, uma pequena área na base do ventrículo esquerdo foi infartada e fica permanentemente despolarizada. Assim, durante o intervalo T-P – quando o músculo ventricular normal está totalmente polarizado – ainda flui uma corrente negativa anormal da área infartada para o restante dos ventrículos. O vetor dessa corrente de lesão está na direção de 125° com a extremidade negativa voltada para o músculo lesado. Como mostrado na figura, antes do início do complexo QRS, esse vetor já produz registro inicial na derivação I abaixo da linha de potencial zero, porque o vetor projetado da corrente de lesão na derivação I aponta na direção da extremidade negativa do eixo. Nas derivações II e III, o vetor projetado aponta na direção da extremidade positiva dos eixos, de modo que o registro é positivo. À medida que o coração continua em seu processo normal de despolarização, o septo se despolariza primeiro; Sarah Akemi Sasaki - XXIV em seguida, a despolarização se espalha para a região do ápice e em direção às bases dos ventrículos, sendo que a última porção a ser totalmente despolarizada é a base do ventrículo direito. Quando o coração fica totalmente despolarizado, todo o músculo ventricular está em estado negativo e não há fluxo de corrente. Por fim, à medida que ocorre a repolarização, todo o coração se repolariza, exceto a parte lesada (permanentemente despolarizada). Assim, há o reapare- cimento da corrente de lesão em todas as derivações. O ponto J – o potencial de referência zero para analisar a corrente de lesão Existem muitas correntes extras no corpo que não permitem a determinação do nível exato de referência zero no eletrocardiograma quando os eletródios são conectados entre os braços ou entre um braço e uma perna. Dessa forma, a fim de determinar o nível de potencial zero, deve-se verificar o ponto exato em que a onda de despolarização acaba de completar sua passagem pelo coração (fim do complexo QRS), quando todas as partes dos ventrículos estão despolarizadas e não existe fluxo de corrente (ausência até da corrente de lesão); esse é o ponto “J”, em que o potencial do eletrocardiograma está no zero, como mostra a figura anterior. Então, para análise do eixo elétrico do potencial de lesão, é traçada uma linha horizontal no nível do ponto J para cada derivação. Essa linha é o nível de potencial zero do eletrocardiograma, referência para a medida de todos os potenciais causados por correntes de lesão. A figura a seguir mostra os eletrocardiogramas de um coração lesado, em que ambos os registros mostram potenciais de lesão, que são a diferença entre a voltagem do eletrocardiograma imediatamente antes do aparecimento da onda P e o nível de voltagem zero, determinado pelo ponto “J”. Na derivação I, a voltagem registrada do potencial de lesão está acima do nível de potencial zero e é, portanto, positiva; na derivação III, o potencial de lesão está abaixo do nível de voltagem zero, sendo negativo. Os potenciais de lesão estão representados nas derivações I e III e o vetor resultante do potencial de lesão é determinado pela análise vetorial. Quando o vetor resultante é colocado diretamente sobre osventrículos, a extremidade negativa do vetor apontará para a área lesada (despolarizada permanentemente). No caso apresentado pela figura, o vetor direcionado para a direção esquerda e ligeiramente para cima indicaria a parede lateral do ventrículo direito como área lesada. Isquemia coronariana como causa do potencial de lesão A isquemia diminui o metabolismo das células musculares pelos seguintes processos: Falta de oxigênio; Acúmulo excessivo de dióxido de carbono; Falta de nutrientes. Em áreas de isquemia coronariana grave, a repolarização das membranas não ocorre, ainda que o músculo cardíaco seja capaz de se manter vivo com o fluxo sanguíneo. Enquanto isso persiste, um potencial de lesão continua a fluir durante o tempo diastólico (segmento T-P) de cada ciclo cardíaco. Depois de uma oclusão coronária, ocorre uma isquemia extrema do músculo cardíaco e uma forte corrente de lesão flui da área infartada durante o intervalo T-P, configurando um dos aspectos diagnósticos mais importantes dos eletrocardiogramas registrados após trombose coronariana aguda. Infarto agudo na parede anterior. O aspecto diagnóstico mais importante é o grande potencial de lesão negativo durante o intervalo T-P na derivação torácica V2; isso indica que o eletródio torácico na parte anterior do coração está em área de potencial fortemente negativo, ou seja, a extremidade negativa do vetor do potencial de lesão está contra a parede torácica anterior e a corrente de lesão é emanada da parede anterior dos ventrículos. A análise dos potenciais de lesão indica um potencial negativo na derivação I e um potencial positivo na derivação III, o que significa que o vetor resultante do potencial de lesão do coração está em cerca de +150°, com a extremidade negativa apontando para o ventrículo esquerdo. Portanto, nesse eletrocardiograma, a corrente de lesão vem principalmente do ventrículo esquerdo e da parede anterior do coração; assim, conclui-se que esse infarto foi causado por trombose do ramo descendente anterior da artéria coronária esquerda. Infarto na parede posterior. O principal aspecto diagnóstico é o potencial de lesão positivo durante o intervalo T-P na derivação torácica V2, o que indica que a extremidade negativa (lesada) aponta para fora da parede Sarah Akemi Sasaki - XXIV torácica, ou seja, a corrente de lesão vem da parte de trás do coração. Os potenciais de lesão são negativos nas derivações II e III; a análise vetorial, mostrada na figura, indica que o vetor resultante do potencial de lesão é de cerca de -95°, com a extremidade negativa apontando para baixo, denunciando uma lesão na porção apical do coração. Conclui-se, assim, que o infarto está perto do ápice, na parede posterior do ventrículo esquerdo. Infarto em outras partes do coração. Por meio dos procedimentos anteriormente demonstrados, é possível determinar o local de qualquer área infartada causadora de corrente de lesão. Para tal, deve ser lembrado que: A extremidade positiva do vetor potencial de lesão aponta na direção do músculo cardíaco normal; A extremidade negativa aponta na direção da porção lesada do coração que está gerando a corrente de lesão. Recuperação da trombose coronariana aguda. A partir da figura a seguir, nota-se que o potencial de lesão é forte imediatamente após o ataque agudo (segmento T-P deslocado positivamente em relação ao segmento S-T), mas que tende a desaparecer. Esse é o padrão usual de recuperação de infarto agudo do miocárdio de grau moderado, mostrando que um novo fluxo sanguíneo coronariano colateral se desenvolve o suficiente para restabelecer a nutrição apropriada. Contudo, caso não haja o desenvolvimento de novo aporte sanguíneo, o músculo cardíaco continua a mostrar um potencial de lesão enquanto a isquemia persistir sua morte. Infarto miocárdico recuperado.
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