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21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 1/9 jusbrasil.com.br 21 de Agosto de 2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo Duas teorias controversas, que priorizam e defendem arduamente suas ideias. Como se relacionam? INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo destacar a teoria do direito penal do inimigo – desenvolvida por Günther Jackobs, assim como a teoria do garantismo penal desenvolvida por Luigi Ferrajoli, juntamente com uma diferenciação de aspectos das duas. Desta forma, no que diz respeito a teoria do direito penal do inimigo, apresenta-se a forma como o Estado aplica normas de manutenção, vistas apenas como uma simples forma de eliminar riscos e danos futuros, utilizando de uma distinção entre indivíduos. Necessário se fez apresentar, também, a forma como os direitos são assegurados, pelos dez axiomas, destacando sua importância e aplicação como princípios básicos, servindo como um meio para a aplicação da teoria garantista. Sempre priorizando o Estado Democrático de Direito e sua aplicação constitucionalizada em um sistema penal garantista. O DIREITO PENAL DO INIMIGO 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 2/9 A teoria do inimigo no Direito Penal, elaborada pelo alemão Günther Jakobs, na década de 80, ainda é muito discutida pelos doutrinadores jurídicos-penais devido aos constantes atentados terroristas, e o motivo para tal, é que sua teoria tem o propósito de revolucionar o sistema penal vigente, fixando limites materiais a “criminalizações no estádio prévio à lesão a bem jurídico”. Inicialmente é difícil estabelecer um conceito concreto para o Direito Penal do Inimigo, visto sua amplitude e abrangência. Trata-se de uma junção de vertentes, podendo afirmar que surgiu na ideia de que o Estado pode não respeitar aqueles que praticam delitos e agem em desarmonia com os padrões. Bem como nota Luis Greco em uma publicação sobre o assunto: “De um ponto de vista semântico, sim: o direito penal do inimigo é o tipo ideal de um direito penal que não respeita o autor como pessoa, mas que almeja neutralizá-lo como fonte de perigo. Mas se o conceito é claro do ponto de vista semântico, permanece ele deveras obscuro no que diz respeito ao seu significado pragmático, isto é, às finalidades ou funções que se tentam alcançar com sua utilização no discurso científico. A rigor, podem-se almejar ao menos três finalidades com o conceito de direito penal do inimigo, o que levará a três conceitos de direito penal do inimigo” (GRECO, Luis, Sobre o Direito Penal do Inimigo, 2005, p.225) Em sua teoria originaria, Jakobs propõe a implantação de um direito penal rigoroso, visando punir aqueles delinquentes que cometem crimes mais graves, e é nesse contexto, que surge uma distinção entre o direito penal aos cidadãos comuns e ao demais, considerados inimigos. Para que haja uma boa compreensão ao que diz respeito a essa distinção, cabe incialmente trazer a diferença entre os indivíduos, ressaltando que para o autor, o Estado deve legitimar dois modelos distintos de medidas coercitivas. 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 3/9 É considerado cidadão aquele que respeita o ordenamento jurídico, vivendo de acordo com as normas, e mesmo quando as violas, é possível ser reeducado, e socializado novamente. Por outro lado, o autor traz que os “inimigos” são aqueles responsáveis por condutas muito reprováveis, de tamanha gravidade que não podem ser tratados como alguém que cometeu um simples “erro” como os cidadãos, são verdadeiros inimigos, que ameaçam a sociedade e ao estado. Estes inimigos, portanto, não possuem nenhuma garantia constitucional, pois são julgados a partir de um direito penal diferente, com gritantes discrepâncias no que se refere a dignidade da pessoa humana, pois tal teoria poderá fazer uso de medidas radicais como por exemplo a desproporcionalidade das penas, exagerada antecipação da tutela penal, limitação a defesa entre outros, violando princípios básicos de um estado democrático de direito. “O Direito penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar à guerra. Esta coação pode ser limitada em um duplo sentido. Em primeiro lugar, o Estado, não necessariamente, excluirá o inimigo de todos os direitos. Neste sentido, o sujeito submetido a custódia de segurança fica incólume em seu papel de proprietário de coisas. E, em segundo lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer, mas pode conter-se, em especial, para não fechar um posterior acordo de paz. ” (JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio, 2008. P. 30) Dentre as várias características do direito penal do inimigo, Luiz Flávio Gomes (2005 p.1) apresenta suas diretrizes referentes a teoria: 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 4/9 (a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito Penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação;(f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito Penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade. Já para Meliá, (2007 p.67) o Direito Penal do Inimigo é caracterizado por tais elementos: 1. Ordenamento jurídico- penal prospectivo (adiantamento da punibilidade); 2. Penas desproporcionalmente altas, o que, equivale à constatação de que a antecipação da barreira da punição não é considerada para reduzir, de forma correspondente, a pena cominada. 3. Relativização ou supressão de certas garantias processuais Dentre tantas observações sobre as principais características do Direito Penal do inimigo, mister se faz salientar o momento em que ocorre a atuação penal. O Direito Penal passa a ser prospectivo ao invés de retrospectivo. Direcionado para o futuro, a punição além de atingir atos ilícitos já cometidos, se dirige ao delito que o indivíduo possa vir a cometer, é uma espécie de prevenção à danos futuros a vigência da 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 5/9 norma. Para Jakobs, o inimigo deve ser interceptado prontamente, ou seja, o inimigo é visto como um perigo para toda a coletividade sendo então punido pela sua periculosidade e não pela sua culpabilidade. Nesta acepção, o infrator é punido pelo “o que ele é”, pelo perigo que representa. Por fim, resumidamente, Morais traz em sua obra,que Jakobs propôs juntamente com sua teoria, a prevenção geral positiva, que nada mais é do que uma: “prevenção geral para que produza efeito em todos os membros da sociedade, e positiva, para que o efeito gerado não seja o medo frente à pena, mas sim a certeza da vigência da norma, que foi agredida pela infração e tornou a ser fortalecida pela pena”. (MORAIS, 2005, p. 146). GARANTISMO PENAL É inegável que as violações de direitos fundamentais individuais atingiram um grau ainda maior em inúmeros países em períodos autoritários, como por exemplo o ocorrido na Itália, Espanha, Alemanha. Nesse sentido, o início da democratização no Brasil, por meados de 1980 foi um grande marco, juntamente com o advento da Constituição Federal de 1988, conhecida também como Constituição Cidadã, a qual trouxe novos aspectos com princípios gerais visando o coletivo. Na metade da década de 1990, houve um afloramento de manifestações doutrinarias com cunho garantistas e a necessidade de sua aplicação no Brasil ficou nítida, visto que garantias fundamentais trazidas numa Constituição democrática não mais poderiam ser abafadas por dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais completamente opostos e conflitantes. 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 6/9 O garantismo penal está além da ideia de legalismo. A visão teórica é de um direito próprio, ademais, há uma sujeição do juiz à lei – desde que coerente com a Constituição, onde o réu por exemplo, deixa de ser visto como um mero objeto processual e torna-se um sujeito de direito. Além do citado a cima e adentrando na teoria em si, a mesma tem como marco histórico a obra Direito e Razão de Luigi Ferrajoli, onde construiu a ideia de que o direito penal é um limitador ao poder punitivo do Estado, tem como pressuposto a proteção de direitos de primeira geração, fundamentando-se nos direitos fundamentais previstos nas Constituições. Em suma, significa que o direito de punir do Estado não pode se sobressair aos direitos individuais de cada indivíduo. Existem diversas concepções acerca dos significados de “garantismo”. Numa primeira acepção, garantismo designa um modelo normativo de direito. Já numa segunda acepção, revela-se como uma teoria jurídica de validade e efetividade como categorias distintas não somente entre si, mas também acerca da existência e vigência das normas. E por último, delibera uma filosofia política que exige que o Direito e o Estado se justifiquem, pressupõe também, a distinção entre direito e moral, ponto de vista interno e externo, e justiça e validade. De acordo com Ferrajoli, o Sistema Garantista tem pilares firmados a partir de dez axiomas fundamentais, que, harmonizados e ligados uns aos outros sistemicamente, determinam de que se incumbe o Direito Penal e também o Direito Processual Penal, impondo condições a intervenção punitiva do Estado e as normas materiais dos direitos fundamentais. A seguir, os dez axiomas, também chamados de mandamentos do Garantismo Penal: 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 7/9 Importa salientar que pode parecer complexa, mas na verdade é bastante simples: para que haja a proteção dos direitos e das garantias fundamentais (individuais e coletivas) e a exigibilidade do cumprimento dos deveres fundamentais, deve se observar que tais princípios elencados a cima, são como guias na medida do possível para que todos os direitos sejam protegidos constitucionalmente. Como se vê da doutrina de Maria Fernanda Palma, é: “A Constituição quem define as obrigações essenciais do legislador perante a sociedade. Ora, esta função de proteção ativa da Sociedade configura um Estado não meramente liberal, no sentido clássico, mas promotor de bens, direitos e valores. ” – PALMA, Maria Fernanda (Direito constitucional penal. Coimbra: Almedina, 2006. P. 16). 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 8/9 A utilização do garantismo, portanto, é vista como uma ferramenta teórica, destacada em face da Constituição de 1988. Trata-se de um modelo universal, onde transforma-se em um objetivo o qual deve ser seguido por todos os operadores do Direito. Tal teoria impõe que sejam observados rigidamente os direitos fundamentais (individuais e coletivos), juntamente com os deveres fundamentais (do Estado e dos cidadãos), previstos na Constituição. Por todas essas razões, o Estado não pode agir desproporcionalmente, deve evitar excessos ou falhas na proteção de todos os bens jurídicos, princípios, valores e interesses que possuam dignidade constitucional, sempre acorrendo à proporcionalidade quando necessária a restrição de algum deles. GARANTISMO PENAL X DIREITO PENAL DO INIMIGO Levando em consideração o apresentado acima sobre a ideia de garantismo penal, as garantias vedadas pelas Constituições e como são fielmente asseguradas, o direito penal do inimigo fica à mercê, sendo altamente criticado, visto que sua ideia principal é uma grande afronta aos princípios constitucionais, especialmente em relação a dignidade da pessoa humana. O direito penal do inimigo traz o indivíduo como uma ameaça em potencial ao Estado, que deve ser contido antes mesmo do delito, deixando de lado sua essência humana e não sendo sujeito processual. Em suma, fica nítido que o garantismo penal e o direito penal do inimigo são completamente antagônicos, pois enquanto um garante liberdades públicas, respeito e preservação aos direitos, princípios basilares de um estado democrático de direito, o outro é radical, com uma perspectiva de tolerância zero, desprezando direitos inerentes ao ser humano, visando apenas o poder do Estado. É mister destacar que para o professor Luiz Flavio Gomes: “Ninguém contesta que o estado deve intervir para evitar danos para o patrimônio e vidas das pessoas, contudo, dentro de um estado democrático de direito até mesmo o direito deve ter limites”. Nesse 21/08/2019 Garantismo penal e o direito penal do inimigo https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito-penal-do-inimigo 9/9 contexto, percebe-se que mesmo o direito penal do inimigo não estando explicitamente na Constituição, o mesmo está presente de forma indireta. REFERÊNCIAS GRECO, Luis, Sobre o chamado Direito Penal do Inimigo. Artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito de Campos. Ano VI, nº 7, 2005. GOMES, Luiz Flávio - Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do direito penal). Revista jurídica Unicoc, 2005. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução Ana Paula Zomer Sica e outros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. 2008. MORAES, Alexandre Rocha Almeida de, A Terceira Velocidade do Direito Penal: o ‘Direito Penal do Inimigo’, 2006. PALMA, Maria Fernanda. Direito constitucional penal. Coimbra: Almedina, 2006. Disponível em: https://catapan.jusbrasil.com.br/artigos/388819354/garantismo-penal-e-o-direito- penal-do-inimigo
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