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F u n d a m e n to s e M e to d o lo g ia d a E d u c a ç ã o F ís ic a Patrick Ramon Stafin Coquerel Fu nd am en to s e M et od ol og ia d a Ed uc aç ão F ís ic a Pa tr ic k Ra m on S ta fin C oq ue re l Fundamentos e Metodologia da Educação Física Curitiba 2012 2ª edição Patrick Ramon Stafin Coquerel FAEL Diretor Executivo Luiz Carlos Borges da Silveira Filho Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Acadêmica Dirlei Werle Fávaro EDITORA FAEL Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Jaqueline Nascimento Revisão Lisiane Marcele dos Santos Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Diagramação Sandro Niemicz Ilustração da Capa Cristian Crescencio Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB9/1022 Coquerel, Patrick Ramon Stafin C786f Fundamentos e Metodologia da Educação Física / Patrick Ramon Stafin Coquerel. – 2. ed – Curitiba: Editora Fael, 2012. 135 p. ISBN 85-64224-55-1 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação Física (Ensino fundamental). 2. Professores – Formação. I. Título. CDD 790.1 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Dedico esta obra à minha amada companheira Alice Bollbuck, exemplo notável de pessoa, mãe, profissional, filha, irmã, amiga e mulher. Agradeço às professoras e colegas de trabalho da Universidade do Contestado (UnC), Nádia Régia Neckel e Célia Pereira Gomes, pela indi- cação para a composição desta obra. apresentação Recebi, com muita satisfação, a tarefa de apresentar Patrick Ramon Stafin Coquerel e a sua obra Fundamentos e Metodologia da Educação Física. É uma honra, porque, além de amigo, Patrick é a pessoa mais indicada para escrever um livro como este, é um profissional dedicado à educação física, com credenciais para discutir e revisar um assunto tão complexo e importante para a nossa população. O autor “caminha” em diversas áreas da educação física, devido ao tempo dedicado à profissão, “mergulha” fundo nas suas crenças e incorpora os conhecimentos para se dedicar às verdadeiras transformações. Esta obra é dirigida, sobretudo, aos estudantes dos programas de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física e áreas afins, bem como aos pesquisadores e curiosos em conhecer um pouco mais sobre a ciência da educação física. A leitura e o estudo de Fundamentos e Metodologias da Educação Física é fundamental para os estudantes e leitores conhecerem ou mes- mo revisarem assuntos, como histórias, significados, importância, con- cepções e funções da educação física. O autor apresenta, também, as novas tendências pedagógicas da área, além de revisar, de uma forma clara e simples, o tema desenvolvimento motor e o esporte escolar. Patrick se preocupa em mostrar a educação física como disciplina inter e transdisciplinar, um tema que carece de discussões, pela própria história da disciplina, apresentada na obra escrita. A seção “Da teoria a prática”, proposta pelo autor em todos os capítulos, encaminha os leitores para uma reflexão acerca das novas des- cobertas sobre a prática diária dos professores que, em muitas ocasiões, é dissociada da teoria. Esses encaminhamentos da obra Fundamentos e Metodologias da Educação Física, associados às indicações de filmes e outras leituras, tornam a obra um excelente exercício de aprendizagem. Como afirma o autor, “não precisamos separar o corpo da mente para aprender ou para se mexer”. apresentação Por tudo isso, a obra de Patrick torna-se tão atrativa e informativa, além de ser um ótimo exercício para a aproximação dos diversos temas revisados nos capítulos apresentados. Não há outra forma de transfor- mar a escola, deixá-la mais humana e “saudável”, se não for pelos estu- dos e discussões sobre os temas que permeiam nossas instituições de ensino e nossa sociedade. Carlos Fernando França Mosquera* * É especialista em Educação Especial, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Fisiologia do Exercício, pela Universidade Catolica San Antonio de Murcia, na Espanha, com título revalidado pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, atua como estatutário da Faculdade de Artes do Paraná. Trabalha, principalmente, com os seguintes temas: treinamento, deficiência, lesão, fisioterapia e esportes. apresentação apresentação Prefácio.....................................................................................11 1 História e significados da educação física ...............................13 2 Importância, funções e concepções da educação física .........27 3 O movimento intencional e seus significados ..........................39 4 Tendências pedagógicas na educação física ...........................49 5 Conteúdos da educação física escolar .....................................57 6 Esporte escolar.........................................................................69 7 Educação física e saúde ...........................................................77 8 Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental .......85 9 Desenvolvimento motor ...........................................................93 10 Construção do conhecimento nas aulas de educação física ...101 sumário sumário 11 Experiências com o movimento ................................................107 12 Inter e transdisciplinaridade....................................................123 Referências...............................................................................129 sumário sumário 11 prefácio prefácio É com imenso prazer que apresento a obra Fundamentos e Metodologia da Educação Física. Espero que ela possa contribuir para o entendimento geral da educação física no contexto da Edu- cação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, desde seus conceitos fundamentais até suas possibilidades práticas no universo educacional. O objetivo é contribuir para o desenvolvi- mento da consciência transitiva crítica dos leitores, por intermé- dio dos saberes acerca da educação física nos espaços de ensino pré-escolar e escolar. Para alcançar tal objetivo, serão utilizadas abordagens interacio- nistas, voltadas à construção do conhecimento. Cada um dos doze capítulos foi organizado em uma sequência lógica e escrito em lin- guagem dialógica, no intuito de facilitar a elaboração gradual dos conteúdos propostos e possibilitar um diálogo íntimo com o leitor. Cada capítulo possui uma breve introdução, seguida da apresenta- ção dos respectivos conteúdos discutidos com a literatura vigente da área, uma interlocução da teoria com a prática, além de uma síntese dos estudos. Foi com muita honra que aceitei o desafio para a produção des- te livro. Meu envolvimento com a educação física e com o esporte foi intenso nas últimas duas décadas. Primeiramente, fui atleta e estudante beneficiário da educação física. Nos últimos sete anos, tenho me dedicado à formação de professores da área, em nível de Graduação e Pós-graduação, bem como levado para profissionais de outras áreas a importância da educação física e do movimento para a aprendizagem e, consequentemente, para o desenvolvimento 12 humano. Acredito que minha trajetória, apesar de tenra, creden- cia-me a dividir conhecimentos profícuos com os interessados no assunto. O autor.* * Patrick Ramon Stafin Coquerel é bacharel em Educação Física e Esportes e mestre em Ciências do Movimento Humano, pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). É instrutor, sócio e gerente da Colônia de Férias Iguamirim. Atua como professor no curso de Educação Física da Universidade do Contestado (UnC) e em cursos de Pós-graduação, na área psicomotora. Tem experiência na área de educação física, com ênfase em recrea- ção, psicomotricidade,atividade física adaptada, treinamento personalizado, gerontomo- tricidade e avaliação psicomotora. prefácio prefácio 13 Neste capítulo, apresentaremos o estudo da origem e do significado da designação “educação física”, além de inquirir sua histó- ria universal e brasileira. Serão apontados marcos referenciais de maior relevância histórica das culturas de movimento e, com isso, será traçado o percurso da educação física, a partir da denominada Pré-História, até a Contemporaneidade. Com relação à abordagem específica desse tema no Brasil, serão destacados os principais períodos históricos, desde o período eugenista/ higienista até o período de regulamentação da profissão e seu reconhe- cimento como área da saúde. Será focada a história da educação física escolar brasileira, também tratada sobre uma visão crítica, mediante apontamentos da obra Educação física no Brasil: a história que não se conta, de Lino Castellani Filho (1994). Espera-se que, com a leitura deste capítulo, seja possível agregar os pré-conhecimentos de história de maneira indissociada da historici- dade das culturas corporais, além de desenvolver um olhar mais crítico sobre a realidade conjuntural da educação física. Aspectos históricos e significados Dizemos que a educação física existe como disciplina acadêmica e área de intervenção profissional. Enquanto disciplina, está inserida de forma universal em diferentes etapas da escolarização, na maioria dos países. No Brasil, ela foi introduzida, ainda no Período Imperial, em algumas escolas públicas e, atualmente, é componente curricular obrigatório da educação básica (BRASIL, 1996). História e significados da educação física 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 14 No do dia 1º de setembro de 1998, por intermédio da Lei n. 9.696/98, foi originalmente reconhecida como profissão no territó- rio brasileiro1. Com a promulgação da lei, o Brasil deu início ao proces- so de regulamentação das mais variadas formas de atuação no campo das atividades físicas realizadas fora do ambiente escolar, influenciando muitos governos a adotarem medidas semelhantes (BRASIL, 1998a). O processo comum é que uma profissão se torne disciplina. No caso da educação física, ocorreu o inverso; ela surgiu de forma oficial como componente curricular de instituições de ensino formais para, mais tarde, ser regulada como área profissional (STEINHILBER, 1996). Se tomarmos como exemplo a área da biologia, perceberemos que existe a profissão de biólogo. Tanto aquele que realiza trabalhos fora do ambiente escolar quanto aquele que opta por lecionar a discipli- na curricular, designada normalmente como biologia, são pertencentes a uma mesma categoria, ou seja, dos biólogos, profissão regulamentada em lei no território brasileiro. Isso ocorre igualmente com a química, a física e a matemática. A história nos mostrou que a educação física germinou e evoluiu pela via pedagógica. Dessa forma, a escola foi, e ainda é, o campo pri- vilegiado para o desenvolvimento dessa profissão. Mesmo que a insti- tucionalização do esporte avance, que ocorra a proliferação de espa- ços para exercitar o corpo e que a busca pelo lazer ativo continue em expansão, a escola ainda será o espaço de legitimação da educação física, sobretudo pelo seu caráter educativo. A sociedade está em pleno processo de transformação. Não obstan- te, a escola também passa por mudanças. Os últimos dois séculos mar- caram a Era Moderna e nos lançaram na Pós-Modernidade. Muitos fa- tores contribuíram para essa evolução sem precedentes − a urbanização, o desenvolvimento científico e tecnológico, a explosão demográfica, a redução da taxa de mortalidade, o aumento da expectativa de vida, a melhoria do acesso a serviços de saúde e educação são exemplos consis- tentes dessas mudanças. A escola não permaneceu alheia a esse processo histórico, tampouco a educação física. Com a evolução do ser humano e, consequentemente, das sociedades humanas e de seus meios, tanto a 1 Nessa mesma data, passou a ser comemorado o Dia do Profissional de Educação Física. Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 15 disciplina acadêmica quanto a atuação profissional em educação física se transformaram de forma abrupta nos últimos anos. Percebemos as demandas nas áreas do desenvolvimento tecnoló- gico, da recuperação e preservação do meio ambiente e do anseio da população por melhores níveis de qualidade de vida. Nesse ínterim, constatamos que a educação física ocupará um território muito promis- sor na sociedade do futuro. Isso já vem, inclusive, configurando-se na atualidade, basta repararmos na quantidade de reportagens nos diferen- tes canais de TV, rádio, internet, jornais e revistas de grande circulação, que divulgam com mais frequência a importância da adoção de um estilo de vida ativo, em prol da saúde. Observamos, também, o crescen- te incentivo na ampliação do período de tempo de prática esportiva de cunho educacional. Podemos encontrar exemplos disso até mesmo na legislação brasileira. Recentemente, foi sancionada a Lei de Incentivo ao Esporte (BRASIL, 2006), que preconiza a priorização do esporte de cunho escolar na distribuição dos recursos arrecadados de pessoas físi- cas e jurídicas. Isso representa um avanço significativo para a sociedade brasileira. Em médio e longo prazo, se as políticas públicas de incentivo ao esporte forem bem conduzidas, é muito provável colhermos bons frutos desse investimento. Cultura de movimento Ao considerar a relevância da trajetória histórica associada às insti- tuições de ensino, a epistemologia, ou melhor, a teoria do conhecimen- to acerca da então educação física escolar, aponta que o objeto principal dessa disciplina é denominado cultura de movimento (TANI, 2005). Seja no nível da reprodução das diversas manifestações ginásticas, recreativas, esportivas e expressivas, ou na produção de novos saberes corporais, a cultura de movimento é a razão de ser da educação física na escola. Nesse sentido, se tomarmos como base um movimento natural, como a caminhada, temos que a maioria das pessoas anda sem nenhu- ma restrição, razão pela qual a caminhada é tão indicada para aprimorar a saúde. Contudo, o que poucas pessoas sabem é que um simples gesto como caminhar possui inúmeras dimensões a serem analisadas. Em uma dimensão anatômica, sabemos que o corpo humano não encerrou as adaptações necessárias à posição bípede, logo nós sofremos Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 16 um pouco os efeitos de permanecermos um longo período de tempo em pé ou no andar bípede. Com relação à dimensão fisiológica, andar exige muito dos músculos da área da panturrilha, nos membros inferio- res, porém nem tanto da musculatura atrás da coxa, causando, ao longo dos anos, desequilíbrios musculares para quem somente caminha. Em uma dimensão sociológica, muitos aspectos podem ser contex- tualizados. Por exemplo, pessoas que moram no campo possuem pecu- liaridades em comparação àquelas que habitam os centros urbanos − ape- sar de todo avanço econômico e tecnológico que se observa em muitas propriedades rurais brasileiras. É comum, em uma grande metrópole, o uso frequente de veículos de transporte para locomoção diária. Ape- sar de muitas pessoas que moram em cidades optarem ou necessitarem caminhar, geralmente o fazem em proporção menor, se comparadas às que vivem no campo. Nesse sentido, constatamos as múltiplas aborda- gens que podem ser desenvolvidas acerca de um único gesto do corpo. Os seres humanos caminham de formas diferentes. Se analisarmos detidamente, cada pessoa possui uma forma de caminhar − assim como uma impressão digital. No entanto, poucas possuem o privilégio de conhecer as características de sua forma peculiar de caminhar. Afinal, para que pode ser importante saber a forma que se caminha? Dizer que a maneira como se caminha pode ser determinante para causar ou não um grave problema ortopédico (sobretudopor caminhar ser um movimento repetitivo) talvez possa chamar a atenção para os motivos de se conhecer mais sobre a forma de caminhar. Agora pense: quantos movimentos e posturas estáticas seu corpo faz durante o dia? É provável que a conclusão seja muitos. Constatamos que a práxis da educação física escolar está distante da realidade de trabalhar plenamente as culturas de movimento. Ape- sar das experiências de sucesso, ainda prevalecem as aulas em que os professores costumam abandonar os alunos no pátio das escolas para viverem experiências corporais em um rol reduzido de modalidades esportivas tradicionais e populares (TANI, 2005). Essa condição emite sinais de transformação, porém ainda tímidos. A atitude descompro- missada de boa parte dos professores brasileiros de educação física esco- lar tem, constantemente, desvalorizado a disciplina e ajudado a manter uma contraproducente e inapropriada hierarquia de valores diante das Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 17 demais disciplinas escolares. Como as aulas de educação física são cos- tumeiramente desenvolvidas no pátio das escolas, estão sob o olhar de outros sujeitos da comunidade escolar, diferente das demais disciplinas curriculares que, notoriamente, ocorrem com mais constância dentro do espaço chamado de sala de aula. É bastante comum, no meio escolar, a noção equivocada de que o ensino de matemática, língua portuguesa, geografia ou história é mais importante do que o ensino de educação física. Muitas pessoas acredi- tam que a disciplina não é sujeita a reprovação. Um aluno pode sim re- provar em educação física, uma vez que ela é disciplina de componente curricular obrigatório na educação básica, resguardadas algumas situa- ções nas quais a sua prática é considerada facultativa (BRASIL, 1996). É evidente que o mérito da presente abordagem não é tratar da reprovação em si, pois qualquer reprovação é indesejável, independen- temente da situação e da disciplina. Porém, o desconhecimento do pró- prio corpo e de suas formas de interagir com o mundo dos objetos e das outras pessoas, bem como a ignorância diante da multiplicidade de culturas de movimento, deve ser motivo para avaliar se uma pessoa deve ser aprovada ou não em um dado ano escolar. Muitos dos denominados problemas de aprendizagem encontrados na escola derivam, direta e in- diretamente, de inaptidões corporais dos estudantes (TANI, 2005). O problema da hierarquização das disciplinas escolares também possui um motivo histórico, relativo à nomenclatura da educação física. Quando o filósofo René Descartes lançou o argumento “penso, logo existo”, ocorreram diversos desdobramentos na ciência, na filosofia e até mesmo na religião (SÉRGIO, 1999). No período em que Descartes lançou seus argumentos, ocorreu uma divisão entre o que era consi- derado científico e o que era sagrado. A ciência ficou incumbida do manifesto, já a Igreja, do ocultismo, ressurgindo um novo dualismo mente X corpo (SÉRGIO, 1999). Tal movimento filosófico e cientí- fico desencadeou a adoção de uma série de lógicas dualistas. Planos bidimensionais, denominados cartesianos, eram utilizados para expli- car relações de causa e efeito. O corpo foi separado do espírito; surgiu a psicologia separada da fisiologia. Para Descartes, o movimento corporal derivava de espíritos animais que encarnavam no corpo pelos órgãos dos sentidos e, ao chegarem à glândula pineal, ativavam os músculos, produzindo movimentos corporais (KOLB; WHISHAW, 2002). Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 18 Pela lógica cartesiana, o espírito causava o movimento. É importante salientar que esse pensamento causal era dominante. Ainda existem mui- tos resquícios disso na escola contemporânea, tanto que o termo educa- ção física cunhou-se após a declaração de Descartes (SÉRGIO, 1999). O entendimento era de que as disciplinas tradicionais, como matemática, química, entre outras, ensinavam o espírito. Portanto, deveria existir uma designação para o ensino dos movimentos corporais, logo, a educação do corpo humano material, do corpo físico. Foi dessa forma que o termo “educação física” surgiu na Europa e se espalhou pelo mundo − consi- derando o processo de colonização dos outros continentes pelas nações dominantes do Velho Mundo (SOARES, 2001). Pelo menos, a menção mais antiga do termo encontrada data do século XVI, coincidentemente com o auge do período do pensamento dualista (SÉRGIO, 1999). As atividades físicas organizadas em métodos são mais antigas que o período da Renascença. O homem pré-histórico dançava, caçava, lu- tava e realizava várias atividades físicas, com finalidades utilitaristas e voltadas à sobrevivência (GRIFI, 1989). O estudo da escrita de civili- zações antigas, como a indiana e a chinesa, por volta de 5.000 a.C., já contemplava a existência de manuais dirigidos às práticas corporais com finalidades militares e higiênicas, com destaque para yoga, na Índia, Tai Chi Chuan e Kong Fu, na China (GRIFI, 1989). Entre os egípcios, por volta de 3.000 a.C., os exercícios bélicos, equitação, natação, remo e navegação a vela já eram amplamente difundidos (GRIFI, 1989). A civilização greco-romana, considerada berço da civilização oci- dental, ocupa papel de destaque diante das práticas corporais. Entre os gregos, temos como exemplos desse período, mais ou menos em 500 a.C., os Jogos Olímpicos da Antiguidade, as instalações esportivas, como piscinas térmicas, estádios e ginásios (GRIFI, 1989). O povo helênico, de altíssimo grau de instrução, era adepto sagaz das atividades físicas. A palavra ginástica, por exemplo, deriva do grego gymnós, que significa exercitar-se nu (GRIFI, 1989). Esse era o modo peculiar como o cidadão grego2 praticava esportes e exercícios. A civilização que reuniu grandes pensadores, como Eráclito, Empédocles, Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Hipócrates e tantos 2 Entende-se cidadão grego como uma pequena parcela da população de homens adultos aristocráticos e oficiais militares, excluindo mulheres, escravos e demais pessoas, em um protótipo regime democrático com características extremamente elitistas. Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 19 outros, cultuava o corpo, daí o termo fisioculturismo. Existiam os atle- tas e os treinadores, assim como os pedótribas, palavra original para se referir a pedagogo, ou seja, aquele que cuidava de crianças (LIBÂNEO, 2001). Sobre isso, cabe ressaltar que a educação grega, ou educatio, prescrevia exercícios físicos vigorosos e altíssimo grau de instrução. A própria atividade física era carregada de sentido, valor e significado, compreendendo a maior parcela de tempo dedicada aos estudos. Conhecer a si mesmo era um preceito perseguido pelo estudante da Antiguidade. Nada era mais propício para conhecer a si próprio do que desafiar os limites corporais em provas de força, velocidade, habilidade e destreza. Muitas vezes, o desafio era enfrentar condições extremas de fome, sede, cansaço e até a eminência da morte. A partir dos sete anos de idade, os meninos ingressavam nas escolas. Aliás, a palavra “escola” significava lugar de nada fazer, pois a educação grega era baseada na espontaneidade, no lazer. Tanto era assim que eles também se entusias- mavam com o preceito do ócio criativo. Como era a Paideia, ou seja, a educação dos meninos gregos? E a Ana, para meninas? Ao estudar esse assunto, os educadores vivem verdadeira nostalgia. Os romanos se notabilizaram por um conjunto diversificado de práticas corporais, idolatravam os chamados jogos realizados no sanguinário circo romano (GRIFI, 1989). Grandiosas edificações, como o Coliseu, são provas concretas da exaltação dessa cultura. Muitas técnicas médicas e terapias corporais se desenvolveram em larga escala entre os romanos, devido ao fato de muitos atletas serem superastros do mundo antigo e deterem riquezas capazes de manter profissionais especializados em reabilitá-los− a medicina se desen- volveu muito nesse período (GRIFI, 1989). O laboratório para esse amplo desenvolvimento eram os porões dos estádios, que recebiam os gladiadores lesionados nos espetáculos públicos promovidos pelos aristocratas romanos. Galeno se destacou nesse período; quanto mais se conhece sobre suas práticas de medicina desportiva, mais se admira a genialidade desse per- sonagem histórico. Com certeza, a riqueza do mundo romano atraiu para si muitas manifestações de culturas de movimento. As danças, as lutas, os esportes bélicos, os exercícios considerados militares, como o raspartum (que deu origem ao futebol), a equitação, a navegação, o malabarismo, e tantas outras práticas devem muito ao povo romano (GRIFI, 1989). Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 20 Entre os gregos e romanos, os exercícios físicos tinham finalidades diversas, com destaque para o militarismo e o higienismo. Com a que- da do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, muitas práticas corporais foram consideradas pagãs, afinal muitos deuses cultuados na Antiguidade tinham formas humanas exuberantes, com corpos nar- cisicamente trabalhados. Com a adoção de um ícone como Jesus de Nazaré, o Catolicismo passou a condenar muitas práticas de higienismo corporal, relegando ao corpo um papel secundário e subjugado ao espí- rito (GONÇALVES, 2005). A vaidade de um fisioculturista da Antiguidade não combinava mais com a imagem e semelhança da figura de Cristo. O corpo maltratado de Cristo tornou-se a figura simbólica da imagem de Deus. A ideia de cas- tigar o corpo para libertar a alma foi difundida entre várias seitas cristãs. É importante destacar que ainda existem grupos religiosos que praticam o autoflagelo ao corpo em várias partes do mundo e em diferentes cul- turas religiosas. As coisas ditas corpóreas foram menosprezadas durante séculos no Ocidente e essa tradição cultural ainda é percebida por nós nas comunidades em que o Cristianismo é influente. Nelas permaneceu preponderante o conceito de que adorar o corpo era impróprio. Muitos estudiosos da história da educação física denominam a Ida- de Média – período em que a Igreja Católica detinha o poder político e do conhecimento no Ocidente –, como o período das trevas para o cor- po (GRIFI, 1989). Com o Renascimento, a cultura mundana antiga é retomada com vultuosidade. Literaturas, esculturas e afrescos guardados durante séculos passaram a circular entre as classes burguesas em plena emergência. Foi nesse período de iluminação que a visão de homem deixou de ser teocêntrica (voltada para a imagem de Deus) e retornou ao antropocentrismo (voltada para o homem) (GONÇALVES, 2005). Outros movimentos sociopolíticos e econômicos foram decisivos para dar rumo à humanidade após a chamada Renascença. As grandes navegações e processos coloniais realizados por países europeus, no século XV; o Iluminismo, no século XVII; as Revoluções Francesa e Industrial, iniciadas no século XVIII, influenciaram decisivamente a história civili- zatória e, por consequência, a educação física, em suas mais variadas ra- mificações (GRIFI, 1989). No século XIX, mais precisamente em 1896, foram reeditados os Jogos Olímpicos, agora da chamada Era Moderna, em que o Barão de Coubertin liderou a revitalização do movimento Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 21 olímpico, reafirmando a paz entre os povos, entre outros valores funda- mentais para a construção de um mundo melhor (GRIFI, 1989). Nesta brevíssima abordagem histórica, necessária para dar signifi- cado à educação física e, por extensão, à ideia de cultura de movimento, tão difundida no meio acadêmico contemporâneo, foi possível men- cionar algumas concepções de educação física. Citamos a utilitarista, a militarista e a higienista. Elas predominaram em determinados momen- tos, ora se alternando, ora coexistindo. Em relação à disciplina educação física escolar, foco de nosso interesse, mais especificamente no contexto brasileiro, houve distintas fases de evolução de tais concepções. Educação física brasileira Podemos afirmar que a concepção primária da educação física brasi- leira foi atrelada aos ideais eugenistas apregoados pela antropologia alemã do final do século XIX, com muitas personalidades brasileiras influencia- das por esses preceitos, como ocorreu com Rui Barbosa (CASTELLANI FILHO, 1994). Viagens ao exterior sensibilizaram o célebre parlamentar brasileiro quanto à questão da eugenia da raça, deixando-o preocupado com a grande diferença de vigor físico de suecos, finlandeses, franceses em comparação com o perfil do brasileiro comum de sua época (MELO, 1999). Essa razão, associada ao higienismo, voltado aos cuidados com a saúde, estimulou Rui Barbosa a defender insistentemente a implantação da disciplina de educação física nas escolas brasileiras, bem como a cria- ção das primeiras escolas de formação profissional nessa área de atuação. Por tal motivo, o saudoso parlamentar é considerado o paladino da edu- cação física brasileira. Contudo, as escolas de formação em nível superior surgiram, no Brasil, dentro de instituições militares, e os primeiros ins- trutores tinham formação militar (CASTELLANI FILHO, 1994). Os primeiros cursos de formação foram organizados por militares que ganharam bolsas para estudar no exterior. No início do século XX, esses profissionais aprendiam o método francês, também de caracterís- tica militar (CASTELLANI FILHO, 1994). Aulas dirigidas por meio de vozes de comando, exercícios calistênicos e disciplina rígida compu- nham as rotinas. Muitos brasileiros do passado tiveram aulas de educa- ção física nesse formato, incompatível com a cultura brasileira da épo- ca. A educação física militarista criou muita aversão a essa disciplina, que ficou atrelada à ideia de sofrimento físico em muitos contextos. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 22 Após o período militarista da Era Vargas, a educação física es- colar Pós-Segunda Guerra Mundial foi influenciada por um movi- mento da educação nacional, o pedagogicismo (MELO, 1999). A educação física escolar brasileira foi muito influenciada pelo referido movimento educacional, que teve o norte-americano John Dewey como um dos seus expoentes e o brasileiro Anísio Teixeira como um de seus maiores difusores (CASTELLANI FILHO, 1994). Em ou- tras linhas de trabalho pedagógico da época, destacou-se o eminente educador Paulo Freire, que teve grande influência sob o pensamento pedagógico de sua época, com repercussões muito apropriadas, in- clusive à educação física escolar. As aulas de educação física passaram a combinar as antigas rotinas militaristas e higienistas com estímulos por meio de jogos e exercícios psicomotores capazes de amplificar as habilidades e competências corporais, necessárias ao desenvol- vimento de outras faculdades intelectuais, além, é claro, das aulas fundamentadas no diálogo entre professor e aluno, estimulando o desenvolvimento da criticidade. As tensões internacionais e suas repercussões políticas na América do Sul predispuseram o Brasil ao regime militar ditatorial. Com os militares no poder, houve uma retomada da rigidez e disciplina militar nas aulas de educação física. Já nos cursos de formação superior, foi enfatizada a prepa- ração dos novos educadores para o tecnicismo, concepção da educação físi- ca voltada ao ensino técnico dos movimentos corporais (MELO, 1999). A influência norte-americana sobre a esportivização da educação física brasileira foi notória; os esportes institucionalizados passaram a ser a refe- rência. A Guerra Fria estava presente na corrida armamentista e, também, nas provas olímpicas, palco de demonstração de força política (GRIFI, 1989). A antiga União das Repúblicas Socialistas Sovié ticas – URSS – e os países do chamado bloco comunista competiam contra os seus opositores, liderados pelos Estados Unidos da América, bloco capitalista. Muitas pes- soas que tiveram acesso àeducação física escolar nesta época praticaram esportes na escola. Formavam-se equipes que disputavam competições organizadas com a finalidade de detectar talentos para formar equipes na- cionais com destaque internacional (CASTELLANI FILHO, 1994). Com a redemocratização do país, a educação física escolar entrou em crise e muitos professores foram doutrinados para trabalhar com o esporte (MELO, 1999). Contudo, não havia como fazer o esporte Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 23 nas condições sociais e econômicas que o Brasil enfrentava, tampouco a ideia de massificar o esporte para a população. Diante de uma gran- de frustração profissional e da efervescência dos primeiros intelectuais brasileiros da educação física que acabavam de voltar de seus progra- mas de stricto sensu de mestrado ou doutorado no exterior, a crise se consolidou (CASTELLANI FILHO, 1994). A educação física ficou órfã do passado e resistente com relação às novas ideias de educação física escolar. Muitos jovens da época foram alunos da disciplina nes- se período. As aulas eram de predominância livre, o sexismo, ainda em evidência, marcava presença na maioria dos sistemas educacionais ( VIGARELLO, 2003). Nesse ponto, os processos históricos já mencionados culminaram com o equivocado entendimento de que a educação física vinha a ser uma disciplina menos importante no contexto escolar, pois quando transformou-se em lazer descomprometido com a educação, deixou os currículos dos cursos noturnos e perdeu muita credibilidade. Exis- tem muitos professores de educação física ainda praticando esse tipo de aula. São alvos de crítica de outros colegas e da comunidade esco- lar. São os populares “dadores de bola”. Pouca gente sabe que grande parte desses profissionais não teve formação para resolver os proble- mas de sua escola, estudaram em instituições particulares católicas, que forneciam todo o material pedagógico para as aulas práticas, e muitos fizeram concursos públicos e se depararam com uma escola despreparada para colocar em prática seus saberes. Enfim, ocorreu um grande erro de planejamento atrelado a um lapso do tempo de um regime político para outro. A década de 90 do século XX foi marcante para o ressurgimento da educação física; foram criados os primeiros cursos de bacharelado. Novas perspectivas teórico-práticas invadiram as escolas brasileiras de formação da área, a citar o Coletivo de Autores, os trabalhos de Celi Tafarel, com as escolas junto ao MST, e a transformação didática do esporte, liderada por Elenor Kunz e seus colaboradores. Em 1996, a educação física obteve o reconhecimento como área da saúde. Como já mencionado, em 1º de setembro de 1998, a profissão foi regula- mentada. Menos de cem cursos existiam no Brasil antes desse ano. Atualmente, são mais de quinhentos em todo o Brasil, em um espaço de tempo de doze anos. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 24 A internet popularizou a pesquisa acadêmica, inclusive em perió- dicos internacionais. Os profissionais de educação física da atualidade estão deixando de ser reprodutores do conhecimento para serem agen- tes produtores de informação sobre cultura de movimento. Entidades representativas surgiram, organizando a classe profissional em seus di- ferentes níveis de envolvimento. Embora exista uma educação física fora do ambiente escolar, con- duzida pelos denominados bacharéis, a educação física escolar brasi- leira é prerrogativa do chamado licenciado. Esta diferença no perfil de atuação incide sobre a formação profissional na área. Apesar de existirem igualdades e diferenças profissionais entre as duas sub- categorias, a essência comum entre as formações é a educação, explícita nas designações profis- sional de educação física e pro- fessor de educação física. Da teoria para a prática Uma experiência pedagógica bem relevante do processo de cons- trução de conhecimento com alunos do Ensino Fundamental pode ser a elaboração de coreografias de danças folclóricas e/ou reconstruções cênicas de ritos tribais primitivos de distintos períodos históricos e re- giões do planeta. O regente de turma pode oportunizar e desenvolver a vivência ci- tada anteriormente em outros contextos temáticos. Em um processo de ensino-aprendizagem da disciplina futebol, no curso de Graduação em educação física, da Universidade do Contestado (UnC), pôde-se abor- dar o tema relativo à história do futebol, lançando mão de um mapa, com todos os continentes, e de um filme, dentre os muitos que estão disponíveis no mercado, sobre o assunto. Após assistirem ao filme, que relatava a história do futebol, os alunos participaram de um jogo, em forma de gincana, no qual foram divididos em grupos, os quais tinham As exposições neste capítulo mostraram apenas um ponto de partida para a cons- trução do conhecimento sobre a história da educação física. Acesse o site <http://cev.org. br/ comunidade/historia>, do Centro Esportivo Virtual (CEV). Nele, será possível se cadastrar e participar de debates e estudos sobre a temá- tica. Também é viável consultar uma biblioteca digital sobre história da educação física. Saiba mais Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 25 de acertar questionamentos sobre o conteúdo em questão, rememoran- do o vídeo. Os alunos precisavam, também, localizar os acontecimen- tos citados em um mapa global, exposto em sala de aula. A atividade foi muito produtiva. Ocorreu que muitos alunos não associavam os nomes de países a uma dada localização no mapa, o que abriu um campo de trabalho para minimizar essa defasagem. É possível explorar muito mais esse tipo de atividade nas instituições de ensino, sobretudo de maneira interdisciplinar. Com base nesse exemplo, sugerimos que seja elaborado, em con- junto com um profissional licenciado em educação física, um plano de aula cujo tema seja a história de alguma cultura corporal de movimento presente no Brasil, que possa ser desenvolvida paralelamente ao conteú- do de história do Brasil, com o professor da disciplina, como capoeira, futebol ou samba. Uma vez escolhido o tema, propomos que seja efetuada uma vi- vência prática da atividade selecionada, pois isso tende a estimular mais os alunos a pesquisarem o assunto nos materiais impressos ou em meio audiovisual e eletrônico. Após a pesquisa, pode ser realizada uma cons- trução do conhecimento, de modo que os alunos, divididos em grupos, possam praticar a modalidade escolhida em diferentes contextos espa- ciais e temporais, acrescentando informações acerca de vestimentas, culinária, linguagens características de cada período histórico e de cada região estudada. No trabalho na escola, é indicado estar munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realização de filmagens e grava- ções de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, como for- ma de registrar e editar a experiência vivenciada com a participação dos educandos. Nessa produção, outros docentes poderão agregar valor ao trabalho. Projetos assim são muito interessantes no ambiente escolar. Síntese O estudo do primeiro capítulo buscou caminhos para refletir acerca da origem do termo educação física, bem como sua construção histórica universal e brasileira. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 26 As principais evidências históricas das chamadas culturas de movi- mento foram apresentadas, desde a Pré-História humana até a Contem- poraneidade. Cada processo civilizatório trouxe inegáveis contribuições ao rol das culturas de movimento praticadas na atualidade. No contexto brasileiro, foi possível destacar os principais períodos históricos, com ênfase nos processos de escolarização, além da visão crítica da história da educação física brasileira. A história da educação física constitui parte integrante e indisso- ciável da história da humanidade. Coube, nesse momento, uma breve abordagem do tema, que é muito mais abrangente e denso.27 O presente capítulo tratará da importância e das funções da educação física, bem como suas principais concepções em nível na- cional. Serão apresentados documentos norteadores, nacionais e inter- nacionais, que justificam a existência da educação física como área de conhecimento e intervenção profissional na sociedade pós-moderna. Esses mesmos documentos trarão à tona as suas principais funções. A educação física interfere em muitos segmentos de nossa socie- dade. Disso, decorrem vários desdobramentos da área de estudo e in- tervenção profissional em questão. Dessa forma, serão apresentadas as principais concepções da educação física nacional, promovendo o de- bate acerca desse assunto com os profissionais de outras áreas do saber e pessoas interessadas na temática. Desejamos que, ao final deste capítulo, seja possível amplificar a visão do leitor acerca da relevância da educação física, além de ressaltar o quão importantes são as suas funções para a sociedade. Não obs- tante, reconhecer as diferentes concepções da educação física nacional possibilitará uma maior compreensão dessa área do saber e da atuação profissional. Educação física: relevância social A educação física possui uma instituição internacional, a Federa- ção Internacional de Educação Física (Fiep). Esse órgão divulgou um documento denominado Manifesto Mundial da Educação Física, no ano 2000. No primeiro capítulo do manifesto, que trata do direito de todos à educação física, a Fiep conclui, em seu Artigo 1º, que “a educação Importância, funções e concepções da educação física 2 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 28 física, pelos seus valores, deve ser compreendida como um dos direi- tos fundamentais de todas as pessoas”. Esse documento está pautado em diretrizes de outros escritos de grande notabilidade, a citar a Carta Internacional da Educação Física e do Esporte, de 1978, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Unesco, em 1948 (FIEP, 2000). Com relação à educação física no âmbito escolar, também exis- te um documento que foi lançado pela mesma instituição, a Carta Internacional da Educação Física Escolar. Esse material foi apresentado, discutido, avaliado e aprovado pelos participantes do 22º Congresso Internacional de Educação Física da Fiep, em 2007. Na carta, foi reco- mendada a adoção dos seguintes princípios: • a Educação Física Escolar (EFE) somente cumpre seus objetivos fazendo com que os alunos vivenciem o movi- mento de forma reflexiva e significativa para obter maior qualidade de vida e promoção da saúde; • a Educação Física Escolar só se justifica se for de qualidade; • a Educação Física Escolar deve sempre estar integrada ao projeto pedagógico da escola, sendo tratada em igualdade de condições com os outros componentes curriculares; • a Educação Física Escolar, por sua característica e potencial, possibilita a vivência e assimilação de valores como: soli- dariedade, excelência, sustentabilidade, esportividade, paz, entre outros, conforme recomendam as Nações Unidas; • a Educação Física Escolar, no cumprimento de suas fina- lidades, utiliza a ginástica, as danças, os jogos, as lutas, os esportes e as atividades inter-relacionais criativas e coope- rativas de caráter lúdico; • a Educação Física Escolar deve possibilitar a construção de conhecimentos para a autonomia da prática de exercício físico e/ou esportivo, estimulando o hábito da prática; • a Educação Física Escolar contribui de forma efetiva para o desenvolvimento de cultura, adoção de estilo de vida ativa e saudável e para o pleno exercício a cidadania (FIEP, 2007). No Brasil, é importante salientar que existem, também, relevantes documentos norteadores que tratam da importância da educação física, como a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. Existem, também, leis específicas envolvendo o esporte que, embora não seja o foco do estudo, possui relação com a educação física, inclusive a escolar. Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 29 A relevância dessa área de atuação profissional e disciplina acadê- mica pode ser abordada de forma multivariada. No presente capítu- lo, como já pôde ser percebido, estamos lançando mão de leis, cartas, manifestos e outros materiais considerados oportunos para justificar a importância da educação física em nossa sociedade. Nesse ínterim, observemos um trecho da Constituição da Repú- blica Federativa do Brasil, que trata dos direitos e garantias fundamen- tais do homem. No Capítulo II, existem artigos que dizem respeito aos direitos sociais: Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desam- parados, na forma desta Constituição (BRASIL, 2001, p. 7). Nesse ponto, é oportuno destacar que, entre os direitos sociais da Constituição de 1988, estão contemplados itens de relação direta com a educação física, a citar a educação, a saúde, o trabalho e o lazer. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB n. 9.394/96 – apresenta, em seu Artigo 26 e § 3º, as seguintes questões: Art. 26º. Os currículos do Ensino Fundamental e Médio de- vem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e lo- cais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. §3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica, ajustan- do-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sen- do facultativa nos cursos noturnos (BRASIL, 1996, p. 11). Salientamos o fato de a chamada educação básica envolver a Edu- cação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Nesses ní- veis de ensino, vimos que a educação física é componente curricular obrigatório. O fato de o ensino da disciplina ser facultativo aos cursos noturnos já não é mais válida, ou seja, toda instituição deve oferecer o seu ensino, independente do turno de estudo. Como fora mencionado, está contemplada na Constituição de 1988 uma seção destinada ao desporto. Seção III DO DESPORTO – a Lei n. 9.615, de 24/3/1998, regulamentada pelo Decreto n. 2.574, de 29/4/1998, institui normas gerais sobre os desportos. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 30 Art. 217. É dever do estado fomentar práticas desportivas for- mais e não formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associa- ções, quanto à sua organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção prio- ritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional (BRASIL, 2001, p. 128). Chama a atenção o fato de estar prevista na Constituição a prio- ridade da destinação de recursos públicos para o esporte educacional, o que possui relação direta com o esporte no âmbito escolar. A pró- pria LBD, em seu Artigo 27, inciso IV, menciona a “promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não formais” (BRASIL, 1996, p. 11). Há muitos outros documentos oficiais, em nível internacional e nacional, para serem citados, mas a condição de estrutura capitular da presente obra impede que seja demasiado estendida. Optamos, por isso, por apresentar três documentos muito oportunos para tratar da importância e das funções da educação física: a Carta Brasileira da Edu- cação Física, o Documento de Intervenção Profissional em Educação Física e o Código Brasileiro de Ocupações (CBO). Com relação ao primeiro, gostaríamos de citar algumas referências para uma educação física de qualidade no país: 4. Para uma educação física no Brasil que possaser adjetivada pela qualidade, e que possa contribuir para a melhoria da nos- sa sociedade, existem algumas referências, pelas quais deve: a) ser entendida como direito fundamental e não como obri- gação dos brasileiros; b) prover os seus beneficiários com o desenvolvimento de ha- bilidades motoras, atitudes, valores e conhecimentos, procu- rando levá-los a uma participação ativa e voluntária em ativi- dades físicas e esportivas ao longo de suas vidas; c) envolver práticas formais e não formais para atingir seus objetivos; Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 31 d) constituir-se numa responsabilidade de profissionais com formação em nível superior; e) ser ministrada numa ambiência de alegria, em que as práti- cas corporais e esportivas sejam prazerosas; f ) respeitar as leis biológicas de individualidade, do crescimen- to, do desenvolvimento e da maturação humana; g) propiciar vivências e experiências de solidariedade, coope- ração e superação; h) valorizar práticas esportivas, danças e jogos nos conteúdos dos seus programas, inclusive, e com ênfase, aqueles que re- presentem a tradição e a pluralidade do patrimônio cultural do país e das suas regiões; i) ajudar os beneficiários a desenvolver respeito pela sua corpo- reidade e os das outras pessoas, através da percepção e entendi- mento do papel das atividades físicas na promoção da saúde; j) interatuar com outras áreas de atuação e conhecimento hu- mano, desenvolvendo nos seus beneficiários atitudes interdis- ciplinares; k) ser objeto de uma ação cada vez mais intensa da comuni- dade acadêmica quanto à pesquisa, intercâmbio e difusão de informações e programas de cooperação técnico-científica; l) ser conteúdo de livros, periódicos específicos e banco de da- dos eletrônicos especializados, aumentando as possibilidades de acesso às informações técnicas e científicas do conhecimen- to existente; m) ser meio de desenvolvimento da cidadania nos beneficiá- rios e de respeito ao meio ambiente (CONFEF, 2002a). Essa citação transmite a abrangência da educação física no cenário nacional. Ela se relaciona ao trabalho, ao lazer, à educação, à saúde e a outras esferas da vida social, inclusive o meio ambiente. A seguir, será apresentada citação acerca do Documento de Intervenção Profissional em Educação Física. Esse material faz apontamentos sobre di- versas funções e atribuições da referida profissão. No Artigo 1º resolve: O profissional de educação física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações – ginásticas, exercí- cios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, muscu- lação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 32 e do cotidiano e outras práticas corporais –, tendo como pro- pósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e con- dicionamento fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciên- cia, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compen- sação de distúrbios funcionais, contribuindo, ainda, para consecução da autonomia, da autoestima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observados os preceitos de responsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no aten- dimento individual e coletivo (CONFEF, 2002b). Como podemos observar, existem muitas funções que podem ser desempenhadas pelos profissionais de educação física em seus diferen- tes contextos, o que inclui as instituições de ensino, clínicas, clubes, associações, hospitais, entre outros. Ainda segundo o referido docu- mento, são lançadas as bases para sete especificidades da intervenção profissional da área, a saber: 1. docência/regência em educação física; 2. treinamento desportivo; 3. preparação física; 4. avaliação física; 5. recreação em atividade física; 6. orientação em atividade física; 7. gestão em educação física e desporto (CONFEF, 2002b). Todas as especificidades da área podem se utilizar de verbetes como: diagnosticar; planejar; organizar; supervisionar; coordenar; exe- cutar; dirigir; programar; ministrar; desenvolver; prescrever; orientar; aplicar, entre outros, para alcançarem objetivos propostos em cada circunstância. Assim, o docente/regente é o profissional de educação física habilitado para atuar como professor da disciplina nos diferen- tes níveis de ensino. O avaliador físico, bacharel em educação física, é o profissional cuja atuação está centrada na realização de avaliações do desempenho físico-esportivo dos atletas. O técnico desportivo atua Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 33 como treinador de modalidades esportivas específicas. O recreador é quem atua como animador sociocultural em eventos e programas de promoção do lazer ativo. A docência em educação física é relativa à formação em licenciatura na área, já as demais seis especificidades sugeridas são voltadas ao bacha- relado. A primeira, específica da área da educação, as demais direciona- das a diversos campos de atuação, com destaque para o lazer, esporte e saúde. Reforçando as colocações anteriores, podemos mostrar algumas informações contidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme a tabela a seguir. Tabela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) – Educação Física. FUNÇÃO CÓDIGO TIPO FORMAÇÃO Professor de educação física do Ensino Fundamental 2313-15 Ocupação L I C E N C I A D O Professor de educação física da educação de jovens e adultos do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série 2313-15 Ocupação Professor de educação física do Ensino Médio 2321-20 Sinônimo Professor de educação física do Ensino Superior 2344-10 Ocupação Profissionais de educação física 2241 Família B A C H A R E L Avaliador físico 2241-5 Ludomotricista 2241-10 Preparador de atleta 2241-15 Preparador físico 2241-20 Técnico de desporto individual e coletivo 2241-25 Técnico de laboratório e fiscalização desportiva 2241-30 Treinador profissional de futebol 2241-35 Fonte: adaptado de BRASIL (2002). Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 34 A tabela anterior possibilitou observarmos que existem designações específicas para cada forma de intervenção profissional, o que nos dá uma breve dimensão das diferentes funções a serem desempenhadas nessa área. Correntes de pensamento Estudamos até agora sobre a importância e as funções da educação física. Os trechos dos documentos aqui colocados deram uma noção mais ampla do quanto essa área está interligada aos mais diversos seto- res da sociedade, não sendo uma exclusividade escolar. No entanto, como já mencionado no primeiro capítulo, a escola é o espaço legítimo e privilegiado dessa área. Um dos indícios dessa condição é o desenvolvimento teórico-prático evidenciado na produção científica e literária, sobretudo no Brasil. Nesse sentido, ressalta-se que emergiram importantes contribuições teóricas que se consubstancia- ram em concepções de educação física escolar, como desenvolvimentis- ta, construtivista e da aptidão física. Entende-se por concepção de educação física desenvolvimentista aquela em que o foco de atenção está concentrado nos processos de aprendizagem motora, em conformidade com os avanços maturacio- nais de cada indivíduo, resultando em alterações no comportamento motor, ao longo da vida (TANI, 2005). A concepção construtivista está pautada nos ideais da epistemologia genética do biólogo suíço Jean Piaget, segundo a qual o sujeito possui uma tendência a se tornar um organismocada vez mais complexo pela via do processo de construção de conhecimento, em que os aprendizes de- vem participar ativamente da aprendizagem (SILVA; SCAGLIA, 2003). Já a concepção da aptidão física defende uma intervenção profis- sional e delimitação da área de estudo, voltada à promoção da saúde da população nos seus mais variados espaços de prática: escolas, clubes, associações, entre outros (NAHAS, 2010). ReflitaReflita Existe um abismo entre as posições teóricas e a realidade da intervenção profissional na área da educação física. É incomum, Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 35 sobretudo na realidade escolar brasileira, constatar a plenitude das suas aplicações teórico-práticas. Diante desse quadro, pense em estratégias que poderiam ser adotadas para maximizar as funções da disciplina nas escolas. ReflitaReflita Da teoria para a prática No setor de esportes do Sesc de Florianópolis (SC), ocorreu uma experiência muito profícua no que se refere à importância social da intervenção em educação física. Apesar de se tratar de um contexto não formal de educação, a situação apresentada a seguir é oportuna para refletirmos sobre a relevância dessa área em prol da sociedade. Na referida instituição acontecia a instrução de crianças e ado- lescentes em uma escolinha de futsal. Havia poucos jovens matri- culados na atividade, mal dava para montar um único time para jogar. Com o passar dos dias, reconheceu-se que havia mais crianças assistindo as aulas do que efetivamente participando. Percebia-se no olhar das que estavam do lado de fora um grande desejo de estar compartilhando aquelas vivências na quadra. Averiguou-se quem eram aqueles jovens espectadores. Para surpresa de todos os profis- sionais e estagiários envolvidos, foi descoberto que eram morado- res de uma comunidade circunvizinha ao próprio Sesc. Com essa informação, constatou-se que, no término das aulas na escolinha de futsal, os participantes que saíam do encontro eram molestados pelos jovens moradores que tinham vontade de participar das aulas, mas a quem não era permitido. Foi aí que se procurou uma solução para a situação. A estratégia foi incluir as crianças em situação de risco social nas atividades. O resultado foi muito interessante. Os jovens que eram conside- rados causadores de problemas passaram a agir de forma colaborativa. Em poucos meses de campanha, a escolinha estava com vários integran- tes e com maior participação comunitária, inclusive alguns adultos da Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 36 comunidade começaram a frequentar o espaço de forma harmoniosa com os mais jovens, valorizando a iniciativa. O acontecimento fez com que todos os profissionais refletissem acerca do alto custo social da indiferença e da segregação social na comunidade e em nosso país. Todos os componentes da equipe do Setor de Esportes e da área de gestão da instituição do Sesc Florianópolis cons- tataram que é possível auxiliar na transformação de uma realidade social por meio da intervenção em educação física, de forma inclusiva. Com base nessas colocações, sugerimos a elaboração um minie- vento esportivo na escola, em conjunto com um profissional de edu- cação física licenciado. Uma vez escolhida a modalidade, propomos que seja efetuada uma vivência prática da atividade selecionada entre grupos com algum nível de conflito. Será necessário formar as equipes com uma estratégia de divisão, de forma que os indivíduos em conflito estejam na mesma equipe. Esse tipo de evento é categorizado como festival esportivo. É muito positivo para a socialização, visto que, para vencer as atividades físicas, esportivas ou recreativas propostas, cada equipe deverá trabalhar em conjunto. Na presença de uma pessoa devidamente qualificada e habilitada para o trabalho, a condução do trabalho tende a fluir de ma- neira muito produtiva. Munido de um termo de consentimento livre e esclarecido para realização de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, é possível registrar e editar a experiência com a participação dos próprios educandos. Após o evento, podem ser reunidos todos os envolvidos com ou- tros membros da comunidade escolar para debater os conteúdos vivi- dos. O resultado tende a ser precioso. É importante salientar o perfil de liderança que o orientador da atividade deve possuir para conduzir o trabalho em clima de respeito entre os participantes. Caso contrário, a experiência pode ser traumática para todos; afinal, colocar grupos de jovens em algum nível de rivalidade para construir o conhecimento não é certeza de sucesso. O resultado adequado do festival esportivo escolar proposto de- penderá do preparo e envolvimento do professor responsável pela dinâ- mica de grupo e da ação coletiva de todos os demais partícipes. Nessa produção, outros docentes poderão agregar valor ao trabalho. Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 37 Síntese O estudo deste segundo capítulo permitiu a ampliação dos sabe- res acerca da relevância da educação física para a sociedade, o melhor entendimento de suas funções e, também, situar o leitor frente às dife- rentes correntes ideológicas dessa área no Brasil. Foram apresentados documentos norteadores em nível nacional e internacional, que ratificam a importância e a função da educação física, entre eles a Carta Internacional da Educação Física, da Federação Internacional de Educação Física (Fiep), a Constituição da República Federativa do Brasil, a Carta Brasileira da Educação Física, o Docu- mento de Intervenção Profissional em Educação Física, a Lei de Dire- trizes e Bases da Educação – LDB n. 9.394/96 – e demais documentos legais relativos à educação física em território nacional, considerados oportunos para esse estudo. Foram expostas, também, as principais correntes de pensamento da educação física brasileira, a fim de provocar o debate acerca desse tema com a sociedade civil. As concepções ditas propositivas e não pro- positivas foram brevemente discutidas. Com os conhecimentos tratados neste capítulo será possível lançar- mos um olhar distinto e refletirmos sobre a realidade prática da educa- ção física. Primeiramente, pelo entendimento amplificado do papel que essa área representa e ainda pode vir a representar em nossa sociedade. 39 Este capítulo apresentará o estudo da intencionalidade do movimento humano e sua significação simbólica. Abordaremos o conhecimento da motricidade humana, objetivando situar o leitor acerca do tema. Serão tratados assuntos referentes às comunicações verbais e não verbais, associados às possibilidades de codificação e decodificação da simbologia dos movimentos nas aulas de educa- ção física. Também serão conceituados e contextualizados alguns termos psicanalíticos, como id, ego, superego, noções de conscien- te e inconsciente, assim como a libido. Os temas freudianos se- rão muito pertinentes para a compreensão do desenvolvimento da sexualidade humana. Desejamos que, ao final da leitura deste capítulo, o leitor possa integrar as principais ideias da motricidade humana e suas implicações na realidade escolar. Motricidade A motricidade humana constitui-se um campo intrigante do saber, com pretensões de independência em relação às demais ciências, uma vez que se ocupa do movimento intencional humano ( SÉRGIO, 1999). Existem muitas vertentes na psicomotricidade, termo que antecede epistemologicamente a designação motricidade. Podemos mencionar três ramificações: a reeducação psicomotora, a terapia psicomotora e a educação psicomotora, sendo esta última a representação mais evoluí- da (SILVA; FALKENBACH, 2004). Todos esses ramos contribuíram para o desenvolvimento teórico-prático da motricidade. No entanto, O movimento intencional e seus significados 3 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 40 tendo em vista que a motricidade humana possui como foco a inten- çãodo movimento, isso quer dizer que a compreensão do denominado “ inconsciente” é crucial (LE CAMUS, 1986). Ao longo dos anos, os professores de educação física que se apro- ximaram das abordagens científicas e filosóficas atreladas à psicomo- tricidade, ou melhor, à motricidade, tiveram que se debruçar sobre os estudos do inconsciente e as formas de diálogo corporal por meio da ex- pressividade motora (VAYER, 1989). Dessa forma, aquilo que se revela no movimento do corpo humano pode traduzir inúmeros significados do que se passa no mundo psicológico interior de um dado sujeito. Nesse ínterim, o movimento é entendido para além de seu aspecto biomecânico, ultrapassando o mero fisiologismo para alcançar, tam- bém, o status de movimento simbólico, percebido como comunicação e expressão da corporeidade humana (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). Dessa forma, os que se propuseram a avançar nesse universo do conhecimento do corpo e do movimento como forma de lingua- gem lançaram mão dos estudos sobre comunicação. Vários autores optaram por esse caminho. Na presente obra, apresentamos algumas ideias dos professores franceses de educação física, André Lapierre e Bernard Aucouturier. A influência das teorias da comunicação utilizadas em abordagens como a psicanalítica é determinante para a intervenção profissional. Neste sentido, é consenso que a comunicação não verbal é predomi- nante nesse tipo de trabalho (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). A decodificação simbólica é um processo de análise de códigos além do que é comumente percebido ou notado por um observador (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). Codificar situa-se no nível mais objetivo da observação, por exemplo, quando se vê o símbolo da Rede Globo (emissora de televisão), isso é o código, já quando se procura analisar o significado daquele símbolo, o motivo de ser como ele é, tem-se uma decodificação do símbolo (VIEIRA; BATISTA; LAPIERRE, 2005). Portanto, a codificação é significante e a deco- dificação é o que retrata o significado de um dado símbolo. Assim, codificar é um processo mais lógico, enquanto decodificar é mais ana- lógico ( LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 41 Nos jogos simbólicos, prevalece uma ação de decodificação dos símbolos por parte do professor de educação física, sobretudo na Educação Infantil (SILVA, 2002). Esse profissional consegue perce- ber e analisar aspectos da intencionalidade de um sujeito por meio das suas formas de se relacionar com os objetos, com os outros e consigo ( LOPES, 2010). Para compreender o inconsciente, é oportuno recorrermos a al- gumas fontes, a destacar as teorias freudianas. Sigmund Freud deixou um legado inestimável às ciências humanas e sociais. O psicanalista desenvolveu várias teorias do aparelho psíquico. Aqui, salientaremos alguns tópicos de sua construção teórica, a citar: libido; noção de id, ego e superego; desenvolvimento da sexualidade. Primeiramente, devemos compreender que a chamada libido é a mola propulsora dos desejos humanos. A pulsão sexual é conside- rada e entendida como a pulsão primária, aquela que rege todas as demais (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). A energia libidinal não se traduz apenas no desejo e atração sexual − típicos do adulto humano −, mas, também, no motor do processo de desenvolvimento inte- gral do ser humano, em seus aspectos afetivos, cognitivos e motores (WALLON, 1989). Ao observar os alunos em uma aula de educação física escolar, praticando um esporte, como o voleibol, no Ensino Médio, é perfei- tamente constatável o quanto há de motivação libidinal presente na atividade. Os adolescentes vibram ao fazer os pontos, querem comu- nicar confiança e destreza aos demais colegas quando executam uma determinada habilidade motora. Muitas vezes, isso causa a impressão de exibicionismo de virilidade, por parte dos rapazes, e sensualidade, por parte das garotas, que fazem poses para defender um saque. O pro- fessor de educação física atento a esses aspectos atesta que grande parte da motivação para participar da aula é da ordem da pulsão sexual, e isso compõe o bojo do inconsciente humano. O inconsciente diz respeito à maioria da atividade psíquica; portanto, ao mencionar a palavra inconsciente, estou me referindo à maior parcela da consciência que não consigo nominar, verbalizar e compreender, com- pondo a minha forma peculiar de agir diante das situações ( LAPIERRE; Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 42 AUCOUTURIER, 2004). Por exemplo, uma criança na Educação In- fantil que tende a chorar sempre que chamam a sua atenção apresenta uma tendência a reproduzir um determinado agir a uma dada circunstância, nesse caso chorar quando é chamada sua atenção. Ao se indagar a crian- ça sobre a razão de chorar, ela poderá dizer que não gostou do professor ter brigado com ela, mas, ao perguntar o motivo de ter que chorar por conta disso, a criança não saberá dizer. O inconsciente possui estreita correlação com o id, que representa os instintos primitivos ligados à satisfação das necessidades básicas, o lado mais irracional, como a alimentação, o descanso e a excreção. Du- rante a etada da Educação Infantil, depara-se facilmente com situações em que a criança sente prazer em assumir o controle sobre o ato de urinar ou defecar, por exemplo. O superego está relacionado ao “eu social”, moldado pelas regras da cultura em que o sujeito está inserido e, apesar de estar intrinseca- mente atrelado ao inconsciente, compreende a parcela mais consciente, racional e nominável da psique do sujeito (FONSECA, 1998b). Ve- jamos em exemplo: se no 3º ano do Ensino Fundamental ensina-se que é prudente exercitar o corpo para fazê-lo crescer, esse valor cultural estimula as crianças a participarem das atividades e ficarem atentas ao desenvolvimento físico do próprio corpo. De maneira ingênua, os pe- queninos farão os movimentos propostos nas aulas, os mais comunica- tivos irão ao professor para mostrar que o corpo está crescendo, visto que isso foi apresentado como valor social. O ego é a intersecção entre id e superego, do mais inconsciente e irracional com o mais consciente e racional, do mundo interior com o mundo exterior (BRENNER, 1987). É o próprio eu, e parte desse eu se manifesta por meio do movimento corporal e se expressa nas mais variadas formas de comunicação, entre elas o diálogo tônico. O gesto, o movimento, o agir assumem então uma signifi- cação simbólica; é a satisfação simbólica dos desejos mais profundos, mas autênticos. Trata-se de um simbolismo di- reto, vivenciado, interiorizado, que não passa mais por es- truturas linguísticas e não é necessariamente verbalizável, sendo, porém, diretamente acessível à pessoa (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 14). Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 43 O movimento, enquanto forma de expressão e comunica- ção, consiste no objeto de estudo de maior interesse da motricidade humana, ciência que requer independência científica e filosófica. O entendimento mais aprimorado dessa leitura gestual pode propiciar ganhos importantes nas mais variadas formas de relacionamento, o que é válido, também, para as formas de relação típicas da escola, como a relação professor-aluno, aluno-aluno, aluno-professor. Porém, é neces- sário mais do que intuição para codificar e decodificar as mensagens do corpo, é imprescindível experiência e treinamento. As mensagens dos sujeitos são frequentemente ambíguas, contendo ao mesmo tempo uma mensagem consciente, in- telectualizada, racionalizada e uma mensagem inconsciente que teremos que perceber. Às vezes é somente uma tensão tônica em contradição com o gesto. Por exemplo, uma tensão de ódio dentro de uma mensagem de amor ou uma deman- da de amor dentro de um gesto agressivo. Quanto mais as tensões emocionais aumentam, mais o controle consciente se manifesta, a dimensão inconsciente se impõe e se expres- sa no gesto, na expressão tônica,no ato em si, fazendo com que algumas vezes, o sentido seja tão claro para a pessoa que não seja mais necessário decodificá-lo. De todas as formas, ao falarmos de comunicação, é preciso levar em consideração as suas características de transmissão quando se codificam, se enviam, se recebem e se decodificam mensagens, levando em conta a sua forma e conteúdo, para, daí, observarmos ou sentirmos os efeitos produzidos sob o comportamento nos vários sistemas relacionais (VIEIRA; BATISTA; LAPIERRE, 2005, p. 58-59). O movimento, além de forma de comunicação e expressão da pes- soa, também se apresenta como meio, como fator promotor do desen- volvimento humano. Segundo Wallon (1979, p. 17), “é sempre a ação motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento das formações mentais”. Nas palavras do autor, percebemos nitidamente o quanto o movimento é decisivo no processo de desenvolvimento integral, in- cluindo a própria cognição. A figura utilizada a seguir ilustra um pouco do quanto as aptidões motoras estão intrincadas ao desenvolvimento do ego, o que aumenta muito a responsabilidade do professor de educação física com o desen- volvimento integral e harmônico do sujeito. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 44 Figura Interações das aptidões motoras com a organização do ego. Interações dinâmicas com o meio 1 – Motricidade fina 2 – Motricidade ampla Organização do ego 3 – Equilíbrio 4 – Esquema corporal Interações do espaço tempo 5 – Organização espacial 6 – Organização espaço-temporal Índice de interações integradas (não traduzidas no perfil) 7 – Lateralidade 8 – Rapidez 9 – Respiração Interações ser X mundo Critérios Fonte: Meinel (1984). Vimos, com essa figura, que equilíbrio, organização espacial, entre outras variáveis motoras exercem influência sobre o processo de desenvol- vimento. Não podemos esquecer que as aptidões motoras operam muito no princípio do inconsciente, afinal nem todos estão conscientes acerca de sua forma de permanecer em pé, de como caminham, pois esses auto- matismos são operações inconscientes e comunicam o tempo todo. Um jovem adolescente tímido terá postura e atitude física de alguém tímido. Já o adolescente audacioso exibirá o tórax, erguerá a cabeça, tomará uma posição corporal altiva. Isso se refere diretamente à relação do movimen- to, do gesto corporal, com a dimensão afetiva da pessoa. A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, das atividades e do comportamento. Uma criança muito fechada em si mesma possui falta de espontaneidade, tem tendência a fechar também o seu corpo, isto é, tende a encolher-se e a trabalhar com o tônus muito tenso, muito esticado (LOPES, 2010, p. 18). Observe o quanto o corpo pode expressar seu estado afetivo pela via da motricidade; a principal condição orgânica para estabelecer essa forma de comunicação é o tônus muscular. Esta capacidade de responder à necessidade fusional da crian- ça é um elemento fundamental para o seu desenvolvimento psicológico. O próprio contato físico não é suficiente, o que importa é a qualidade desse contato, é a resposta tônica da Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 45 mãe ou de seu substituto. O que entendemos por resposta tônica? Para poder compreender isso é preciso lembrar o que é tônus: é o estado de tensão muscular involuntária que acom- panha e exprime nossas tensões afetivas e emocionais, que faz com que a consistência de nosso corpo seja diferente quando estamos ansiosos, encolerizados, felizes, satisfeitos ou deprimi- dos (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002, p. 43). Por fim, cabe afirmar que existem fases do desenvolvimento da se- xualidade, a mencionar: fase oral, no recém-nascido, fase anal, predomi- nante entre 2 e 4 anos, fase fálica, entre 5 e 7 anos, fase de latência, até a pré-adolescência, e fase genital, a partir da adolescência humana (FREUD apud BRENNER, 1987). É muito importante conhecer as diferentes etapas do desenvolvimento da sexualidade, pois, com a compreensão desse enfoque do desenvolvi- mento ontogênico, será viabili- zado o entendimento de muitas mudanças comportamentais e ati- tudinais dos aprendizes, durante as aulas de educação física escolar. É oportuno frisar que os co- nhecimentos sobre a motricidade humana são necessários não so- mente à área de estudo em ques- tão, mas a toda a educação, eis que, tradicionalmente, a instituição escolar prioriza os aspectos conscien- tes em detrimento dos inconscientes, sem perceber o quanto estes últimos devem ser considerados com mais entusiasmo pela comunidade escolar. Toda a ação com objetivo educativo coloca em jogo, simultanea mente, vários processos, alguns conscientes e ou- tros inconscientes. No ensino atual, toda a atenção está fo- cada nos processos conscientes, e os processos inconscientes são raramente evidenciados. Porém, na nossa opinião, eles parecem ter uma maior importância para o resultado real e perene da educação. O processo mais consciente é, certamen- te, o pro cesso do ensino que consiste em transmitir conhe- cimentos, saberes, transmitindo também (e aí o processo é menos consciente) modelos de pensamento, um saber fazer intelectual. Não queremos somente falar de mecanismos, mas da própria formação do raciocínio, que está canalizada em modelos ( LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 107). Para aprofundar o tema da intencionalidade do movimento humano e seus desdobramen- tos para a educação física, é imprescindível a leitura, na íntegra, da obra do célebre filósofo português Manuel Sérgio, conforme referência completa, a seguir. SÉRGIO, M. Um corte epistemológico: da educação física à motricidade humana. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 46 Da teoria para a prática O processo de formação junto ao Centro Internacional de Análise Relacional (Ciar), localizado em Curitiba (PR), consiste em uma ótima experiência de desenvolvimento pessoal. Essa instituição oferta o curso de Especialização em Psicomotricidade Relacional, destacando-se pela qualidade da proposta de formação profissional e pessoal. Os estágios do curso são devidamente supervisionados por uma equipe especializada, possibilitando aos seus estudantes o desenvolvi- mento de habilidades e competências para codificar e decodificar sim- bologias nos movimentos das crianças participantes de sessões de jogos simbólicos, realizadas com materiais específicos. Há sessões com bolas, seguidas de sessões com outros materiais, em uma sequência minucio- samente programada e estudada. Salientamos que não é possível, sem um processo adequado de formação pessoal e profissional, vivenciar essa experiência no mesmo nível que os estudantes do Ciar as experimentam. Após essa dica de formação, e baseando-se no princípio de que o jogo pode ser um recurso educativo muito útil para se conhecer os alu- nos, será proposta uma tarefa de experimentação, na qual se perceberá que, em uma simples brincadeira, é possível captar muita informação não verbalizada pelos alunos. Sugerimos a elaboração, em conjunto com um profissional de edu- cação física licenciado, um plano de aula com o jogo de passar o arco. Consiste em uma atividade bastante simples, que pode ser realizada ao final da aula, pois, apesar da excitação que, normalmente, é inerente aos jogos, não exige esforço físico dos alunos. É necessário reunir o grupo em círculo, todos com as mãos dadas e olhar dirigido ao centro da roda. Será preciso, pelo menos, um bam- bolê. Trata-se de um jogo cooperativo em que o grupo vencerá se o bambolê passar por todos os integrantes, sem que eles desatem as mãos, em um tempo predeterminado. É interessante colocar um tempo difícil para realizar a tarefa, para que, propositalmente, na primeira tentati- va, não seja possível efetivá-la. Para uma segunda e última tentativa, reajusta-se o tempo da atividade para que ela seja exequível em relação às condições do grupo. Depoisdisso, reinicia-se o desafio. Capítulo 3 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 47 O mais interessante da experiência será analisar um registro em vídeo da atividade − considerando que haja um termo de consentimen- to livre e esclarecido, para realização de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis pelos alunos. Propomos a criação de uma tabela, listando os nomes dos educandos e critérios para compor uma avaliação das suas atitudes durante o jogo. Por exemplo: a reação, a frustração individual comunicada pelos alunos quando não realizam a tarefa; depois, a reação perante a sua realização. A oportunidade de mostrar aos alunos o que aconteceu durante o jogo poderá causar surpresa, além de elevar o nível de conhecimento dos professores acerca das características do temperamento e da personalidade dos estudantes, manifestadas no jogo. Quando acontece no jogo, tende a ocorrer na realidade da escola, em outras situações, como nas avaliações. Conhecer melhor os alunos e ajudá-los a elevar seu autoconhecimento é uma contribuição muito relevante para ensiná-los a ser, estar e se relacionar. É oportuno reconhecer o fato de existir uma simbologia do mo- vimento e do ato de se movimentar dos alunos de uma escola, afinal o corpo também fala por meio do movimento. Será possível reconhecer mais conteúdos sobre os alunos do que podemos imaginar, sobretudo quando os docentes aguçarem o olhar e a escuta corporal para perceber os discentes em sua totalidade objetiva e subjetiva. Síntese O estudo deste capítulo possibilitou a compreensão da intencio- nalidade do movimento humano e as relações de significados que po- dem ser atribuídos à gestualidade. Tal estudo foi iniciado com uma abordagem epistemológica da motricidade humana, com o objetivo de situar o leitor quanto à leitura do tema. Foram expostos assuntos refe- rentes às comunicações verbais e não verbais, atrelados aos aspectos da codificação e decodificação da simbologia dos movimentos nas aulas de educação física. Também foi necessário conceituar e contextualizar conceitos psicanalíticos, como id, ego, superego, noções de consciente e inconsciente, assim como a questão da libido como mola propulsora do desenvolvimento da sexualidade humana. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 48 O olhar e a escuta corporal, lançados para além do que é simples- mente percebido, permite a todo educador e a qualquer pessoa um sobressalto da consciência, capaz de modificar substancialmente a forma de compreen são da realidade humana, seja ela como for, e, consequente- mente, abrir novas perspectivas de relação. No caso dos profissionais da educação, os múltiplos relacionamentos estabelecidos nos ambientes de ensino-aprendizagem serão percebidos de maneira muito diferente, possi- bilitando a resolução de conflitos oriundos, em sua maioria, de processos comunicativos mal interpretados pelos agentes da instituição de ensino. 49 Este capítulo apresentará ao leitor as tendências pedagógicas de maior ressonância na educação física escolar brasileira. Abordaremos as tendências pedagógicas liberais e progressistas, bem como os diferentes estilos pertencentes a cada uma delas. Serão enfocadas as formas de trabalho do professor e os devidos critérios de seleção dos conteúdos de ensino, considerando cada abordagem pedagógica estudada. Esperamos que, ao término da leitura deste capítulo, seja possível elucidar as influências primordiais das distintas correntes pedagógicas no contexto educacional, na educação física escolar. Correntes pedagógicas na educação física A pedagogia, enquanto área de estudo e intervenção profissional, ocupa-se do universo educacional em suas mais variadas instâncias, tan- to na escola como fora dela. A educação física escolar é um dos alvos de abordagem dessa área. Como não poderia deixar de ser, ambas as áreas influenciam-se, sobretudo no cotidiano escolar. Neste sentido, e considerando o contexto da educação brasileira, é oportuno iniciar o capítulo com a seguinte informação: O Brasil terá que superar um duplo desafio: completar o esfor- ço de universalização da educação básica e, simultaneamente, elevar a qualidade do ensino ofertado pelas escolas públicas, que respondem hoje por, aproximadamente, 92% da matrícu- la do Ensino Fundamental e por 81% da matrícula do Ensino Médio. As ações educacionais implementadas na década de 90 pelos três níveis de governo, que dividem a responsabili- dade pela manutenção e desenvolvimento do ensino público, Tendências pedagógicas na educação física 4 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 50 buscaram articular estratégias para vencer o atraso histórico acumulado pelo país nesta área (CASTRO, 1999, p. 6). Ao refletirmos sobre a afirmação anterior, é notório o imenso desa- fio que temos em frente com relação à educação brasileira, o que inclui a educação física, com sua parcela de contribuição. Muito já se avançou no campo teórico-prático dessa área, mas ainda estamos distantes de uma intervenção tecnicamente apropriada e politicamente comprome- tida com as transformações sociais das quais o país necessita na maioria de suas instituições públicas de ensino. Como vimos no início do capítulo, é possível mencionar dois tipos de tendências pedagógicas: as liberais e as progressistas. As primeiras são subdivididas em quatro tipos: tradicional, renovada progressivista, renovada não diretiva e tecnicista. A segunda apresenta três tipos: liber- tadora, libertária e crítica social dos conteúdos (LIBÂNEO, 1985). A pedagogia tradicional, segundo Cerezer (2007, p. 1), defende a ideia de uma instituição de ensino “que funcionasse de forma seme- lhante a qualquer empresa comercial ou industrial [...], estava voltada para a eficiência, produtividade, organização e desenvolvimento [...] e a educação vista como um processo de moldagem”. O preparo intelectual e moral do aluno é o objetivo principal, por intermédio de aulas expo- sitivas e modelos transmitidos por um professor de estilo autoritário. O aprendizado decorre de maneira receptiva e mecânica, por parte do educando que, portanto, é acrítico (LIBÂNEO, 1985). Na pedagogia renovada progressivista, a escola deve se adequar às demandas individuais e à sociedade, em que os conteúdos são selecio- nados a partir da problematização das vivências pessoais dos educandos, pautados na motivação e resolução de problemas, intermediados por uma postura de auxílio do professor em prol do livre desenvolvimento dos alunos (LIBÂNEO, 1985). Já na tendência renovada não diretiva, visa-se à formação atitudinal do educando, por meio de mecanismos de facilitação da aprendizagem, nos quais ele, no centro do processo de ensino-aprendizagem, aprende a modificar a percepção da realidade a partir de seus conhecimentos pré- vios, tendo o professor como um agente facilitador (LIBÂNEO, 1985). Durante o regime militar brasileiro, desde o golpe de 1964 até a década de 80 do século XX, a tendência pedagógica tecnicista foi Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 51 amplamente difundida, sendo uma concepção de trabalho pedagógico influente e muito reforçada pela educação física brasileira, o que levou muitos pensadores da área a debaterem e trabalharem em prol de uma renovação (CASTELLANI FILHO, 1999). A pedagogia tecnicista é uma entre as várias pedagogias denominadas liberais, atreladas aos pro- pósitos político-ideológicos da sociedade capitalista. O tecnicismo pressupõe modelagem comportamental, com conteú- dos sistematizados ordenadamente, visando a um aprendizado pautado no desempenho, no qual o professor é o transmissor das informações e o estudante, mero receptor (LIBÂNEO, 1985). Não obstante, existem as tendências contra-hegemônicas, ou seja, as denominadas progressistas, que se opõem às liberais. Grande parte do desafio de universalizar e am- pliar a qualidade da educação básica brasileira, o que incluia educação física, passará pela construção e disseminação de modelos dinâmicos de educação emergentes do debate acerca das concepções pedagógicas. A concepção pedagógica libertadora, na educação física, teve gran- de influência do educador brasileiro Paulo Freire, tendo como elemento norteador do trabalho pedagógico o diálogo entre os agentes do processo ensino-aprendizagem (relação professor-aluno), visando à transformação social, por intermédio do alcance de um nível de consciência elevado da rea- lidade, mediante o exercício constante da resolução de problemas a partir de temas geradores de interesse do grupo ( LIBÂNEO, 1985). Nas propos- tas pedagógicas de cunho libertador, o processo de ensino-aprendizagem, no que se refere à relação professor-aluno, ocorre na horizontalidade, visto que a ideologia por trás dessa tendência prega a imperiosidade da igual- dade, contrapondo-se a toda e qualquer forma de relação de opressão hierárquica (SAVIANI, 2007). A tendência pedagógica libertária é considerada progressista e pres- supõe que os conteúdos de ensino devem ser selecionados e trabalhados em respeito aos interesses dos educandos, que podem desejar seguir ou não um dado conteúdo proposto pelo professor, configurando-se uma ação educativa não diretiva, pautada nos trabalhos em grupos autogeri- dos pelos alunos, cujo objetivo final é a transformação da personalidade em um sentido libertário e de autogestão (LIBÂNEO, 1985). Uma opção interessante, que emergiu nos anos 90 do século XX, foi a concepção pedagógica crítico-social dos conteúdos, também Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 52 considerada uma pedagogia progressista, uma vez que a atitude do pro- fessor, apesar de possuir certa diretividade, tende a ser mais democrá- tica perante os alunos (SAVIANI, 2007). Com base nas estruturas de conhecimento prévias dos estudantes, diante das suas distintas realida- des sociais, cada conteúdo é contextualizado, difundido e questionado perante as diferentes condições sociais e culturais, tendo o professor como mediador entre os saberes prévios dos alunos e os conhecimentos escolares universais sistematizados (LIBÂNEO, 1985). Se tomarmos como base os desafios apontados na citação expos- ta no início do capítulo, perceberemos que as pedagogias ditas pro- gressistas ocupam um papel fundamental na tentativa de concluir tais metas educacionais. Apesar de os avanços teóricos e práticos da educação física escolar brasileira serem notórios, sobretudo no meio acadêmico, é constatada uma grande lacuna entre a produção científica, filosófica e cultural da área e a difusão dessas produções nas aulas de educação física escolar nas escolas brasileiras. Muitos são os motivos para esse fenômeno, dos quais se destacam o despreparo e descompromisso político-social da maioria dos profissionais da classe, bem como as péssimas condições de trabalho, seja quanto à remuneração, seja quanto à infraestrutura e incentivos à formação continuada. Diante desse quadro negativo, constata-se, em muitos estudos nacionais, uma propensão a uma atuação pedagógica de cunho tecni- cista, em que as aulas de educação física, quando ocorrem, são normal- mente direcionadas ao aprendizado de gestos técnicos dos esportes. Isso caracteriza um predomínio da preocupação com a educação dos movimentos corporais típicos dos esportes clássicos, como futebol, vo- leibol, handebol e atletismo, com a conseguinte participação esporti- va, muitas vezes promovida e reforçada indevidamente por órgãos de gestão esportivos estatais. Esse instrumentalismo, bastante presente nas aulas de educação física, reflete as influências de tendências pedagógicas liberais, pauta- das na relação educação-trabalho, a serviço do capitalismo. Na práti- ca, os avanços teórico-práticos dos quais a referida área carece perpas- sam o enfrentamento de um problema de ordem socioeconômica, de macroes trutura de poder. Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 53 Estamos diante de uma problemática que é central no mar- xismo: o caminho da humanidade, movendo-se da genérica natureza humana originária caracterizada por múltiplas ocu- pações, passa pela formação de uma capacidade produtiva específica provocada pela divisão natural do trabalho; e chega à conquista de uma capacidade omnilateral, baseada, agora, numa divisão do trabalho voluntária e consciente, envolvendo uma variedade indefinida de ocupações produtivas em que ciência e trabalho coincidem. Está em causa, aí, a momentosa questão da passagem do reino da necessidade ao reino da li- berdade ( SAVIANI, 2007, p. 164). Apesar de muitas escolas brasileiras possuírem professores comprometidos politicamente com a mudança, debatendo e renovando as aulas de educação física escolar, o percurso para nos aproximarmos de uma liberdade pedagógica, por assim dizer, ain- da é longo. Da teoria para a prática Uma atividade muito interessante dentre as que são próprias da educação física consiste em submeter um grupo de alunos a vivenciar o processo de ensino-aprendizagem de um determinado gesto esportivo, com dois enfoques pedagógicos diferentes. Sugere-se a divisão do grupo de alunos em dois subgrupos. O gru- po A receberá uma instrução condizente com uma metodologia de en- sino de tendência pedagógica liberal. Já o grupo B terá uma vivência, na qual a metodologia empregada será de tendência progressista. Neste ínterim, propõe-se para o primeiro grupo o método parcial puro, que ensina de forma diretiva os movimentos por partes, configurando-se como liberal. Para o segundo grupo, será adotado o método de proble- matização, de cunho progressista. A educação física foi influenciada pela pedagogia e vice-versa. O estreitamento entre as áreas é subs- tancial, sendo possível mencionar, sem titubear, que a essência da educação física é pedagógica, portanto afetada pelas suas diferentes tendências. Para conhecer mais a esse respeito, acesse o site <http://boletimef.org/biblioteca> e, na barra de busca, digite “tendências pedagógicas”. Vários trabalhos aparecerão para serem consultados. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 54 Definidos os grupos e os métodos, escolhe-se um mesmo movi- mento técnico de maior complexidade de um determinado esporte. Por exemplo, se for o voleibol, ideal para alunos a partir de dez anos de idade, o saque “viagem” seria um bom movimento, dada a sua maior complexidade. No caso do grupo A, o professor ensinará todas as etapas de forma diretiva, controlando todos os aspectos, desde a posição, formações e movimentos que devem ser realizados pelos aprendizes, conforme os comandos do docente. Por outro lado, no grupo B, o professor pede para que os alunos observem o movimento escolhido, ou seja, no nosso exemplo, o saque “viagem”. O professor realiza o movimento no topo, os alunos observam, pelo menos, três vezes. Após a observação e, consi- derando que os educandos não sabem realizá-lo, o professor problema- tiza: “como vocês podem fazer para realizar esse movimento?” No primeiro grupo, ação diretiva do professor. No segundo grupo, prevalece a não diretividade. O mais interessante da experiên- cia será analisar um registro em vídeo da atividade − considerando que haja um termo de consentimento livre e esclarecido para realização de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis pelos alunos. Será muito promissor acompanhar as formas diferentes de aprender e, se possível, discutir isso com a comunidade escolar, a fim de que fique nítido a todos o quanto a tendência pedagógica influencia as metodologias adotadas e o quanto essas metodologias ou técnicas de ensino podem interferir no desenvolvimento humano dos alunos. Síntese O quarto capítulo trouxe contribuições do conhecimento acerca das tendências pedagógicas que exerceram influência na educação física brasileira. Realizamos uma distinção entre as pedagogias liberais e pro- gressistase classificamos as principais tendências pedagógicas. Também foram abordadas as principais características atreladas a cada corrente pedagógica apresentada, com destaque às formas de trabalho em relação aos conteúdos de ensino e à atuação docente. Capítulo 4 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 55 Com os conhecimentos deste capítulo integrados, a compreensão sobre a educação física no contexto educacional ficou muito mais ade- quada. Reconhecer as diferentes tendências pedagógicas possibilitou ao leitor planejar, organizar, executar e avaliar o processo de ensino-apren- dizagem escolar com mais coerência, em relação aos objetivos traça- dos para o perfil dos educandos, tanto no projeto político-pedagógico quanto no trabalho didático-pedagógico do cotidiano das instituições de ensino. 57 Este capítulo abordará os conteúdos da educação física escolar à luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os chamados PCN. Existem muitas formas de classificação para os conteúdos de ensino da disciplina. Há formatos de seleção de conteúdos de grande repercussão na literatura estrangeira como a bastante difundida obra Compreendendo o desenvolvi- mento motor, dos autores norte-americanos Gallahue e Ozmun (2003). Os conteúdos da educação física escolar serão delimitados confor- me as citações dos PCN correspondentes a essa disciplina. Desejamos que, ao final deste capítulo, o leitor conheça a amplitude dos conteúdos de ensino da educação física escolar e suas possibilidades de organiza- ção, em acordo com as necessidades culturais regionais, e seja estimula- do a refletir sobre o não aproveitamento corriqueiro dessa enormidade de assuntos no cotidiano escolar. Conteúdos da educação física escolar em uma visão desenvolvimentista Existem muitos conteúdos na forma de cultura de movimento a serem abordados nas aulas de educação física, nos diferentes níveis de ensino. Programas que enfatizam o desenvolvimento de habilidades motoras especializadas para crianças pequenas são abundantes em toda a América do Norte [...]. O ensino desenvolvimentista reconhece que as crianças que estão na Educação Infantil e no Ensino Fundamental estão geralmente envolvidas no desenvol- vimento e no refinamento de suas habilidades motoras funda- mentais nas três categorias de movimento. Essas categorias são os centros de organização do currículo e dos temas de habilida- de, nesse nível (GALLAHUE; OZMUN, 2003, p. 585-586). Conteúdos da educação física escolar 5 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 58 O supracitado modelo considera a existência de três categorias de movimento: 1. estabilizador – exemplo: permanecer na posição em pé; 2. manipulativo – exemplo: escrever; 3. locomotor – exemplo: correr. A combinação dessas categorias com variáveis, como as fases de desenvolvimento motor, estilo de ensino e níveis de aprendizado de ha- bilidades motoras, configura uma estrutura conceitual para um axioma teórico desenvolvimentista (GALLAHUE; OZMUN, 2003). Para melhor ilustrar como isso pode se apresentar na organiza- ção dos conteúdos da educação física escolar, exporemos, a seguir, dois esquemas de referência do modelo desenvolvimentista, proposto por Gallahue e Ozmun (2003). Figura 1 Implementação do modelo desenvolvimentista com crianças menores. Fase de movimentos fundamentais Estabilizadores Movimentos axiais Equilíbrio estático Equilíbrio dinâmico Finalizar Parar Esquivar-se Locomotores Caminhar Correr Pular Saltar Escalar Manipulativos Arremessar Interceptar Chutar Driblar Rebater Estágio inicial Estágio elementar Estágio maduro 3. Aptidão relacionada à saúde Aptidão relacionada ao desempenho 1. Autoanalítico Dança Jogos 2. Conceitos motores Conceitos de habilidade Conceitos de conhecimento Nível inicial / calouro (ou noviço) Estilos indiretos Abordagem exploratória Abordagem de descoberta orientada Abordagem de limitação Educação Infantil e 1º ciclo do Ensino FundamentalNível escolar Fase usual de desenvolvimento motor Categorias de movimento Temas de habilidades motoras fundamentais Aplicados a: 1. Áreas de conteúdo 2. Aprendizados de conceitos 3. Aptidão física Nível típico de aprendizado de habilidades motoras Estilos de ensino básicos (porém não estão limitados a estes) Fonte: adaptado de Gallahue e Ozmun (2003, p. 588). Capítulo 5 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 59 O esquema mostra um esboço da distribuição dos conteúdos em suas três categorias, em respeito às faixas etárias de desenvolvimento de crianças em idade pré-escolar e nos quatro primeiros anos do En- sino Fundamental, em consonância com a realidade norte-americana. É importante destacar a necessidade de se fazer inúmeros ajustes para utilizar o modelo no contexto brasileiro; contudo, ressaltamos que o modelo em questão é bastante difundido nos cursos de educação física no Brasil, considerando sua consistência teórica. Na sequência, apresentaremos o segundo esquema, também dos autores Gallahue e Ozmun (2003), porém, desta vez, para nos referir- mos à organização dos conteúdos para estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Figura 2 Implementação do modelo desenvolvimentista com crianças maiores, adolescentes e adultos. Fase de movimentos especializados Estabilizadores Locomotores Manipulativos 2. Combinação e elaboração de habilidades estabilizadoras, locomotoras, manipulativas Estágio transitório Estágio de aplicação 3. Aptidão relacionada à saúde Aptidão relacionada ao desempenho 1. Autoanalítico Dança Jogos e esportes 2. Conceitos motores Conceitos de habilidade Conceitos de conhecimento Nível intermediário e prático Estilos indiretos Abordagem de limitação Abordagem de tarefa Abordagem de comando 2º ciclo do Ensino Fundamental e Ensino MédioNível Fase usual de desenvolvimento motor Categorias de movimento 1. Unidades de habilidades esportivas 2. Temas de habilidades esportivas Aplicados a: 1. Áreas de conteúdo 2. Aprendizados de conceitos 3. Aptidão física Nível típico de aprendizado de habilidades motoras Estilos de ensino básicos (porém não estão limitados a estes) 1. Habilidades para o basquetebol Habilidades para a dança Habilidades para o voleibol Habilidades para o futebol Habilidades para a ginástica etc. Fonte: adaptado de Gallahue e Ozmun (2003, p. 589). Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 60 Vê-se que o modelo é o mesmo, contudo a organização dos conteúdos avança no sentido de uma maior complexidade das tarefas motoras. São agrupadas várias habilidades motoras na realização de um único gesto es- portivo, por exemplo um ataque chamado “cortada”, comum no voleibol, no qual se salta e golpeia a bola com uma das mãos com o corpo estabili- zado em seu deslocamento no ar. Assim, as categorias estabilizadora, loco- motora e manipulativa estão presentes no mesmo movimento, diferente do esquema anterior, em que a propensão era propor atividades de menor complexidade e mais específicas para cada tipo de habilidade motora. Apesar do modelo desenvolvimentista norte-americano ser relevante para o estudo dos conteúdos na educação física escolar, para nos aproxi- marmos do contexto brasileiro, será oportuno tratar de outras referências que, evidentemente, não poderão ser esgotadas no presente capítulo. Conteúdos da educação física escolar à luz dos PCN A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 é en- fática ao assegurar o ensino da educação física nos diferentes níveis e mo- dalidades de ensino da educação básica, além de apontar a necessidade de regulamentação e criação de diretrizes específicas para cada área do conhecimento, no intuito de atender às demandas da educação brasileira (BRASIL, 1996). Apesar dos PCN trazerem grandes contribuições para a discussão sobre a seleção dos conteúdos de ensino da educação física nos diferentes níveis de escolaridade, perpassam uma tradiçãoesportivista nesse sentido. Portanto, é necessário rever essa condição, repensando constante- mente a prática pedagógica dessa disciplina acadêmica, permitindo a am- pliação do leque de culturas de movimento, tornando as aulas mais plurais. Os conteúdos transversais, relativos à transdisciplinaridade, pos- sibilitam uma organização curricular mais adequada ao processo de ensino-aprendizagem, permitindo a interlocução dos conteúdos com outras disciplinas escolares. A transversalidade possibilita a interação entre as diferentes disciplinas escolares, e a cultura de movimento deve ser associada às outras disciplinas. A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (apren- der na realidade e da realidade) (BRASIL, 1997a, p. 40). Capítulo 5 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 61 A adoção de conteúdos transversais é viável na educação física es- colar, visto que as práticas corporais trabalham a dimensão cognitiva, colaborando com a elaboração dos conhecimentos oriundos de outras matérias. Os temas transversais proporcionam uma organização curri- cular muito mais adequada ao processo de ensino-aprendizagem, visto que permitem a interlocução dos conteúdos de ensino com outras dis- ciplinas escolares. Independentemente da especificidade da educação física, muitos temas podem e devem ser trabalhados de forma trans- disciplinar e interdisciplinar nas escolas, o que inclui a participação da educação física. Como exemplo de tema transdisciplinar, podemos citar o meio ambiente; a educação física escolar, ao desenvolver um conteúdo como esporte de aventura, aproxima o aluno do contato com o meio ambiente, sobretudo pelo fato de interagir com os conhecimen- tos de outras disciplinas, como geografia, biologia, física, entre outras. Apesar da existência de apontamentos muito interessantes na LDB e nos PCN, ainda há uma lacuna enorme a ser preenchida em relação à diversidade de contextos sociais, culturais e econômicos de nosso país (TAFFAREL, 1996). Acompanhando esse raciocínio, além da flexibi- lização e dinamismo, dos quais a educação deve se imbuir, existem os obstáculos de diversas ordens, como os estruturais, logísticos e profissio- nais, que complicam o quadro educacional brasileiro, como a carreira de professor, carente de importantes adequações (MOREIRA, 1996). Quanto aos conteúdos propriamente ditos, iniciaremos pela Edu- cação Infantil. Nesse nível de ensino, os conteúdos relativos à educação física são apresentados de maneira pertinente como uma forma de rela- ção e expressão da criança com o seu movimentar, visto que será a partir dessa relação que grande parte do seu processo de desenvolvimento integral transcorrerá. O primeiro ano de vida – nessa fase, predomina a dimensão subjetiva do movimento, pois são as emoções o canal privile- giado de interação do bebê com o adulto e mesmo com outras crianças. O diálogo afetivo que se estabelece com o adulto, caracterizado pelo toque corporal, pelas modulações da voz, por expressões cada vez mais cheias de sentido, constitui-se em espaço privilegiado de aprendizagem. A criança imita o parcei- ro e cria suas próprias reações: balança o corpo, bate palmas, vira ou levanta a cabeça, etc. [...] Crianças de um a três anos – logo que aprende a andar, a criança parece tão encantada com sua nova capacidade que se diverte em locomover-se de um Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 62 lado para outro, sem uma finalidade específica. O exercício dessa capacidade, somado ao progressivo amadurecimento do sistema nervoso, propicia o aperfeiçoamento do andar, que se torna cada vez mais seguro e estável, desdobrando-se nos atos de correr, pular e suas variantes [...] Crianças de quatro a seis anos – nessa faixa etária constata-se uma ampliação do reper- tório de gestos instrumentais, os quais contam com progressi- va precisão. Atos que exigem coordenação de vários segmentos motores e o ajuste a objetos específicos, como recortar, colar, encaixar pequenas peças, etc., sofisticam-se. Ao lado disso, permanece a tendência lúdica da motricidade, sendo muito comum que as crianças, durante a realização de uma ativida- de, desviem a direção de seu gesto; é o caso, por exemplo, da criança que está recortando e que de repente põe-se a brincar com a tesoura, transformando-a num avião, numa espada, etc. (BRASIL, 1998c). No Ensino Fundamental, em seus quatro ciclos, existem três blo- cos de conteúdos, assim constituídos: bloco 1 – esportes, jogo, lutas e ginásticas; bloco 2 – atividades rítmicas e expressivas; bloco 3 – conhe- cimentos sobre o corpo (BRASIL, 1998b). Nesse sentido, são muitas as possibilidades de temas para compor os conteúdos de ensino da educa- ção física escolar. No primeiro ciclo do Ensino Fundamental, correspondente aos dois primeiros anos, com base nos PCN, atenta-se para a transição entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, como se pode cons- tatar na citação a seguir: No primeiro ciclo, em função da transição que se processa entre as brincadeiras de caráter simbólico e individual para as brincadeiras sociais e regradas, os jogos e as brincadeiras privilegiados serão aqueles cujas regras forem mais simples. Jogos do tipo mãe-da-rua, esconde-esconde, piquebandeira, entre muitos outros, permitem que a criança vivencie uma série de movimentos dentro de certas delimitações. Um com- promisso com as regras inclui a aprendizagem de movimentos como, por exemplo, frear antes de uma linha, desviar de obs- táculos ou arremessar uma bola a uma determinada distân- cia. É característica marcante desse ciclo a diferenciação das experiências e competências de movimento de meninos e me- ninas. Os conteúdos devem contemplar, portanto, atividades que evidenciem essas competências de forma a promover uma troca entre os dois grupos. Atividades lúdicas e competitivas, nas quais os meninos têm mais desenvoltura, como, por exem- plo, os jogos com bola, de corrida, força e agilidade, devem Capítulo 5 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 63 ser mescladas de forma equilibrada com atividades lúdicas e expressivas nas quais as meninas, genericamente, têm uma experiência maior; por exemplo, lengalengas, pequenas coreo- grafias, jogos e brincadeiras que envolvam equilíbrio, ritmo e coordenação (BRASIL, 1997b, p. 47). Já no segundo ciclo, relativo ao terceiro e quarto anos do Ensino Fundamental, ainda com base nos PCN, parece surgir um enfoque di- rigido aos desdobramentos e aperfeiçoamentos da fase anterior. Os conteúdos abordados para o segundo ciclo serão, na reali- dade, desdobramentos e aperfeiçoamentos dos conteúdos do ciclo anterior. As habilidades e capacidades podem receber um tratamento mais específico, na medida em que os alunos já reúnem con- dições de compreender determinados recortes que podem ser feitos ao analisar os tipos de movimento envolvidos em cada atividade. É possível sugerir brincadeiras e jogos em que algu- mas habilidades mais específicas sejam trabalhadas, dentro de contextos significativos. É possível ainda solicitar que as crian- ças criem brincadeiras com esse objetivo. As habilidades cor- porais devem contemplar desafios mais complexos. Por exem- plo, correr, quicar uma bola, saltar-arremessar, saltar-rebater, girar-saltar, equilibrar objetos-correr (BRASIL, 1997b, p. 53). No terceiro e no quarto ciclos do Ensino Fundamental, os conteú- dos da educação física, frente aos PCN, seguem igualmente organiza- dos em três blocos. Deverão ser desenvolvidos ao longo de todo o Ensino Fun- damental. A distribuição e o desenvolvimento dos conteúdos estão relacionados com o projeto pedagógico de cada escola e a especificidade de cada grupo. A característica do trabalho deve contemplar os vários níveis de competência desenvolvi- dos,para que todos os alunos sejam incluídos e as diferenças individuais resultem em oportunidades para troca e enrique- cimento do próprio trabalho. Dentro dessa perspectiva, o grau de aprofundamento dos conteúdos estará submetido às dinâmicas dos próprios grupos, evoluindo do mais simples e geral para o mais complexo e específico ao longo dos ciclos (BRASIL, 1998b, p. 67). Como no bloco anterior, nos primeiros dois ciclos do Ensino Fun- damental, a organização dos conteúdos é semelhante, contudo são res- guardadas as respectivas diferenças no que tange aos objetivos da etapa em questão e ao respeito ao nível de desenvolvimento relativo à faixa etária. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 64 “Os conteúdos dos blocos são organizados em dois itens: o pri- meiro trata dos conteúdos atitudinais, e o segundo conteúdos concei- tuais e procedimentais.” (BRASIL, 1998b, p. 73). Se tomarmos como exemplo o voleibol, esporte considerado oportuno para se trabalhar no terceiro e quarto ciclo do Ensino Fundamental, podemos citar que o trabalho em equipe é um exemplo de conteúdo atitudinal. A história do referido esporte, modelo de conteúdo conceitual e os processos pe- dagógicos de um fundamento técnico, como o toque, seriam um tipo de conteúdo procedimental. Os PCN para a educação física do Ensino Médio retratam uma condição distinta do Ensino Fundamental, com ênfase no aprofunda- mento teórico-prático e científico nas culturas de movimento vivencia- das nos níveis anteriores, com uma associação emergente com a área da saúde, como se pode constatar a seguir. Atravessando um período de discussões parecido com o nosso, os educadores de diversas origens encontraram no trabalho com a aptidão física e saúde uma alternativa viável e educa- cional para as suas aulas [...] uma educação física atenta aos problemas do presente não poderá deixar de eleger, como uma das orientações centrais, a da educação para a saúde (BRASIL, 1999, p. 34). Existem três eixos norteadores para o desenvolvimento de habilidades e competências na disciplina de educação física no Ensino M édio: 1) representação e comunicação; 2) investigação e compreensão; 3) contextualização sociocultural (BRASIL, 1999). Os conteúdos ginásticos no Ensino Médio favorecem a aprendiza- gem de conhecimentos de grande utilidade para a promoção da saúde. Assim, quando o professor de educação física transmite, no Ensino Mé- dio, conceitos e aplicações sobre como funciona o corpo humano no repouso e no exercício, quais as recomendações básicas para a realização de exercícios físicos de maneira segura, entre outros aspectos, eleva-se muito o signi- ficado de se manter um estilo de vida fisicamente ativo para Pesquise mais os conteúdos da Educação Física na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental no Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil ( BRASIL, 1998c) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos. Educação Física (BRASIL, 1997b). Saiba mais Capítulo 5 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 65 os jovens. Esse fator é de ordem estratégica para a organização social, considerando a importância da atividade física orientada para a saúde da população e a emergente necessidade de redução de custos do seden- tarismo aos cofres públicos. Da teoria para a prática O governo do estado do Paraná promove, há alguns anos, por inter- médio da Secretaria de Educação, o evento denominado Fera com Ciência. São desenvolvidas oficinas multivariadas, direcionadas para alunos e pro- fessores da rede pública estadual de ensino, no período de uma semana. Em 2010, no município de União da Vitória (PR), ocorreu uma fase regional do referido projeto. Em uma oficina para docentes, foi desenvolvida a tendência pedagógica crítico-social dos conteúdos, co- mentada no capítulo anterior. Partindo de um tema gerador, nesse caso a capoeira, os participantes, em um primeiro momento, vivenciavam uma prática corporal da capoeiragem, seguida de uma problematiza- ção dos movimentos na ação de se movimentar perante essa cultura de movimento e, por fim, as situações eram recriadas para consolidar o processo de reflexão crítica sobre a práxis. A capoeira, outrora chamada de ginástica brasileira pelo saudoso professor Inezil Pena Marinho, reúne muitos dos conteúdos da edu- cação física dispostos nos PCN para a disciplina, nos diferentes níveis de ensino. Ela integra elementos do jogo, da luta, da dança, do espor- te e da ginástica. Por essa razão, mediante a abordagem capoeirística adotada, foi possível tratar dos mais variados conteúdos de ensino da educação física escolar. A experiência foi riquíssima, sobretudo por ter havido a participação de professores de várias disciplinas, o que con- tribuiu muito para o despertar desses profissionais acerca do trabalho transdisciplinar e interdisciplinar na escola. Sendo assim, algo interessante para vivenciar será analisar um re- gistro em vídeo de uma atividade similar feita com estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental − considerando que haja um termo de consentimento livre e esclarecido para realização de filmagens e grava- ções de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis pelos alunos. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 66 Com o auxílio de um profissional de educação física licenciado que possa desenvolver uma aula de capoeira e o regente de classe, que irá tra- balhar a história do Brasil nos anos iniciais do Ensino Fundamental, su- gerimos a elaboração de um plano de ensino integrado para as disciplinas de educação física e história (ou designação correspondente na escola). No caso da educação física, sugerimos a experiência da capoeira, inspirada no exemplo do Projeto Fera com Ciência. Propomos que, em um primeiro momento, seja efetivada a aula da referida disciplina com a vivência corporal da capoeira. Em um segundo momento, serão estimulados a leitura, a pesquisa e o debate sobre o assunto Capoeira X História do Brasil. Em um último momento, os alunos deverão cons- truir o conhecimento acerca do tema gerador, ensaiando quantas vezes forem necessárias, com a finalidade de apresentar uma encenação sobre o assunto para a comunidade escolar. O processo de construção do conhecimento aqui proposto con- substanciará uma opção de atividade interdisciplinar, pois o nível de envolvimento dos alunos tenderá a ser intenso e motivante para o aprendizado. Após o término da atividade, deve-se assistir às gravações, debatê-la no grupo de trabalho e editar o material, encerrando o pro- cesso com estímulo para novas construções e publicações. Síntese O estudo do presente capítulo, por intermédio da apresentação dos PCN para a educação física escolar brasileira, possibilitou o co- nhecimento acerca do universo de temas potenciais para o ensino das culturas de movimento. Optamos pelo formato dos PCN para categorizar os conteúdos de ensino para educação física escolar nos diferentes níveis de ensino, por se tratar de um documento governamental e, principalmente, por considerar a classificação adequada para a proposta. Constatou-se que, entre as culturas de movimento citadas nos PCN, há um leque bastante diversificado, como manifestações ginás- ticas, danças, lutas, esportes individuais, esportes coletivos e atividades lúdicas e recreativas. Capítulo 5 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 67 A apreciação dos conteúdos de ensino possíveis para serem desen- volvidos e organizados na educação física escolar permitiu ao leitor não somente a ampliação de suas perspectivas em relação à educação física no contexto educacional, mas, também, provocou a reflexão para a oti- mização dessas infindáveis potencialidades temáticas. 69 Neste capítulo, será apresentada uma crítica ao esportivismo na educação física escolar, além de uma alternativa viável para essa situa- ção, embasada nos princípios da transformação didático-pedagógica do esporte, apregoadapor Elenor Kunz e seus parceiros intelectuais. A crítica será centrada no modelo dominante da difusão do esporte brasileiro, com repercussões no ambiente escolar. É importante frisar que não se trata de um antiesportismo, mas de uma contraposição aos mode- los pelos quais o esporte é costumeiramente desenvolvido nas escolas. Para não nos limitarmos à criticidade, trataremos das proposi- ções da transformação didático-pedagógica do esporte, resultante de um trabalho de pesquisa consistente que se realiza, de forma interins- titucional, há cerca de vinte anos. Com base nos pressupostos críti- co-emancipatórios e na didática comunicativa, Kunz e colaboradores estão consolidando uma das contribuições mais significativas para a educação física escolar. Esperamos que, ao final dessa leitura ocorra um aumento da sua criticidade acerca da esportivização escolar e, principalmente, que a proposta aqui colocada o inspire a adentrar na discussão e participação proativa, no intuito de desencadear o oportuno processo de transfor- mação do esporte escolar. Esporte na escola e esporte da escola Um dos problemas mais urgentes da educação física escolar bra- sileira é o esportivismo, isto é, a adoção de um modelo conceitual e operacional voltado ao desenvolvimento das aulas que possuem como Esporte escolar 6 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 70 conteúdo o esporte, reproduzindo o modelo elitista e desumano, reforçado nos meios de comunicação de massa na sociedade capitalista (BRACHT, 1986). O questionamento mais vultoso a respeito é o seguinte: qual é o estilo de prática esportiva que se observa, costumeiramente, nas aulas de educação física brasileira? A resposta mais frequente seria: o esporte na escola, pois não se trata de um esporte da escola e sim de um esporte na escola. Isso configura uma situação de subordinação da instituição em relação ao esporte, na qual ele, quando é institucionalizado, chega à escola com status diferenciado, de forma que os órgãos de gestão não pertencentes à educação determinam as normas pelas quais os escolares devem se submeter (KUNZ, 2001). Essa manifestação esportiva, com pretensões seletistas e de rendimento, não condiz com um conceito de educação para todos, uma vez que não há lugar para todos da escola nesse modelo. A educação física escolar brasileira utilizou e ainda utiliza o espor- te como meio para os processos de ensino-aprendizagem dirigidos aos mais variados objetivos. Especialmente na década de 80 iniciou-se no Brasil um perío- do de crítica, talvez seja melhor dizer de denúncia, sobre a hegemonia e o modelo de esporte praticado nas escolas pela educação física. Uma das críticas era fundamentada em mo- delos teóricos de tendência marxista, que viam no fomento do esporte uma sequência, até mais rigorosa, do processo de alienação e retificação do homem que já acontecia na socie- dade [...]. Por outro lado, e independentemente dessa crítica ao esporte, surge outro modelo de crítica. Nesse, a crítica se dirige, especialmente, ao processo de aprendizagem dos es- portes no âmbito escolar, quando questiona a precocidade do ensino das modalidades esportivas para crianças nas séries ini- ciais [...]. Como a própria legislação da educação física escolar emitida pelo MEC (1980) proibia a introdução do aluno no aprendizado dos esportes na forma de iniciação à competição antes da quinta série ou antes dos dez anos de idade, estava formada a polêmica [...]. E para solucionar essa polêmica se descobriu, mais uma vez no exterior, um modelo de educa- ção física adequado ao que se estava procurando, ou seja, que atende à formação das habilidades básicas nas crianças sem envolvê-las demasiadamente no processo de treinamento de uma modalidade esportiva. Foi assim que, por muitos anos, a Capítulo 6 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 71 psicomotricidade conseguiu atrair o interesse de muitos pro- fessores de educação física (KUNZ, 2001, p. 16-17). A afirmação anterior aponta três críticas consistentes da educação física escolar que se caracterizava como esportivista. Existe, além disso, o posicionamento crítico referente à exclusividade do esporte nas aulas de educação física, deixando outras culturas de movimento, muitas ve- zes de caráter regional, excluídas do processo de ensino-aprendizagem da disciplina (BETTI, 1995). A sociedade brasileira necessita refletir sobre seus próprios problemas, contextualizá-los e encontrar caminhos apropriados para a sua solução. A esse respeito, com a educação física escolar, não deve ser diferente (BETTI, 1991). No universo da comunicação humana, a semiótica está presente em vários exemplos, não obstante nas aulas de educação física esco- lar, com suas mais variadas formas de linguagem, visto que, enquanto ciência que possui o signo (símbolo) como seu objeto de estudo, não é limitada somente aos símbolos linguísticos escritos, vai além, refere-se a todo e qualquer símbolo e suas possíveis inter-relações, o que inclui a linguagem corporal por meio do movimento (BETTI, 1994). A análise dos símbolos relacionados à educação física e ao esporte, no contexto da cultura ocidental, parece reforçar os ideais hegemônicos desumanos do fenômeno esportivo. A partir dessas críticas, surgiram, pouco a pouco, relevantes opções para preencher uma lacuna na escola; entre elas estão a peda- gogia crítico-emancipatória e uma didática comunicativa na educação física escolar. Quando se inicia o trabalho com uma determinada cultura de mo- vimento na perspectiva crítico-emancipatória, os alunos vivenciam os gestos na ação de se movimentar, na qual o movimento dito tecnica- mente correto cede espaço a uma prática de exploração da cultura de movimento corporal do educando (KUNZ, 2001). Pela necessidade explícita dessa abordagem educacional estar pautada nos processos de socialização das experiências motoras, com mais colegas que aprendem, é imprescindível, nessa proposta educacional, a ação comunicativa do professor, inclusive para orientar o desenvolvimento da aprendizagem dos educandos sobre um determinado assunto (BRACHT, 1986). Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 72 Existe, nessa proposição didática, uma primeira parte, denomina- da trabalho, que prescinde uma vivência corporal mais espontânea por parte dos aprendizes, em relação a uma dada cultura de movimento, sendo possível problematizar os gestos corporais que surgem dessa experiência motora (KUNZ, 1991). Nessa concepção pedagógica existem três tipos de competências: objetiva, social e comunicativa (KUNZ, 2001). A primeira está alinha- da com a categoria de trabalho na concepção crítico-emancipatória, ou seja, são os conteúdos, as técnicas, as instruções necessárias para a uti- lização dos gestos corporais no trabalho, no lazer e no próprio esporte (KUNZ, 2001). Segundo Kunz (2001, p. 38), a competência social, em relação aos aspectos do método, está voltada à “capacitação para assu- mir conscientemente papéis sociais e [à] possibilidade de reconhecer a inerente necessidade de se movimentar”. Já do ponto de vista da com- petência comunicativa, Kunz (2001, p. 38) refere-se ao “aperfeiçoa- mento das relações de entendimento de forma racional e organizada”. As obras relacionadas a essa concepção de ensino-aprendizagem re- tratam situações práticas vividas no cotidiano escolar, as quais podemos compreender observando o exemplo a seguir. Situação de ensino III [...] Saltar em diferentes formas, na caixa de saltos ou colchões utilizando um minitrampolim ou outro arranjo material de mesmo efeito. 1. Arranjo material: mini- trampolim fabricado com uma grande câmara de ar e lona ou tiras de borracha (também de câmara de ar) trançadas e presas na câmara em forma de tapete sobre um dos lados da câmara e, assim, possibilitar o salto sobre a mesma. 2. Transcendência de limites pela experimentação: as experiências se limitam ao conhecimento manipulativo do arranjo material,saltando para cima, para frente ou para trás, conhecendo, assim, a forma de reação do minitrampolim e as suas capacidades em utilizá-lo para os saltos. 3. Transcendência de limites de aprendizagem: aprendendo a executar saltos em distância e em altura, com ou sem utilização de alguma técnica tradicional dos saltos [...] 4. Transcendência de limites criando novas formas de saltar, ainda não vivenciadas e conhecidas, especialmente aquelas que podem ser resolvidas de forma coletiva. Exemplo: a partir do problema: vamos quebrar o recorde mundial do salto em distância, onde os alunos devem chegar à ideia de que esse problema só pode ser resolvido, para o seu caso, pela soma de saltos de uma equipe (KUNZ, 2001, p. 133). Capítulo 6 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 73 Não é possível apresentar apenas uma causa ou uma única barrei- ra para que a transformação didático-pedagógica do esporte ocorra nas escolas brasileiras. Entre os muitos obstáculos possíveis, estão as campanhas midiáticas constantemente emitidas pelos meios de comu- nicação de massa, que reforçam a supremacia do resultado esportivo, o modelo hegemônico do esporte, que privilegia o atleta que supera todas as adversidades e adversários para ser o número um, amplifican- do a visão individualista no esporte. Para evitar a redundância, devem ser citadas as características ditas inumanas do esporte de rendimento, como a especialização precoce e o doping no esporte. Dica de Filme Entenda mais o modelo hegemônico do esporte escolar a ser transformado assistindo ao filme Encontrando Forrester. É a história de um adolescente prodígio que almeja a carreira de escritor. Para isso, ele enfrenta os ditames do modelo esportivo escolar norte-americano e suas nuances. ENCONTRANDO Forrester. Direção de Gus Van Sant. Reino Unido/EUA: Columbia Pictures: Dist. Columbia Pictures; Sony Entertainment, 2001. 1 filme (136 min.), sonoro, legenda, color. Dica de Filme Da teoria para a prática Os esportes são meios estimulantes para o desenvolvimento integral dos educandos. Tanto nas modalidades individuais como nas coletivas, existem esportes para todos os meios terrestres, terra, ar e água. Entre as muitas culturas de movimento denominadas esportivas, existem as modalidades paradesportivas. Esses esportes podem ser desenvolvidos de forma adaptada no ambiente escolar e são muito interessantes quan- do praticados com pessoas com alguma deficiência. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 74 Com base na colocação anterior, sugerimos a elaboração, em conjunto com um profissional de educação física licenciado, de um plano de aula em uma concepção crítico-emancipatória. É necessá- rio que o responsável pela atividade esteja munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realização de filmagens e grava- ções de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, a fim de registrar a vivência que será proposta. Propomos o jogo de golbol. É um desporto paraolímpico volta- do a pessoas com deficiência sensorial, nesse caso a cegueira. Se não houver crianças com essa deficiência na escola em que a atividade será desenvolvida, algumas podem ser convidadas a participar da aula, pois todos os envolvidos aprenderão muito sobre a deficiência visual por intermédio dessa vivência. Primeiramente, todos devem trazer uma venda para os olhos. O espaço pode ser adaptado para diferentes condições, contudo, o piso deve ser apropriado para que os jogadores possam deslizar o corpo junto ao solo. São montadas duas equipes, uma de frente para a outra. Como afirmado anteriormente, as dimensões da quadra podem ser adaptadas às condições da escola e ao número de participantes. Cada equipe pode ser formada por dois jogadores. Dependendo da situação, o número de participantes por equipe pode ser alterado. São traçadas duas linhas paralelas de 6 metros de comprimento cada, equidistantes e separadas a uma distância de, pelo menos, 18 metros. É realizado um sorteio para decidir com qual equipe começa o jogo, que é jogado lançando a bola de trás de uma linha em direção à linha oposta. É interessante que a bola tenha um guizo. Os jogadores do outro lado devem ficar atentos e tentar defender a bola sem deixar que ela ultrapasse a linha. Agora a pergunta: onde está a proposta crítico-emancipatória? No nível mais elementar, as crianças ou adolescentes que experimentarem o golbol ficarão intrigados com a situação, sobretudo com a dificuldade de jogar sem enxergar. Assim, o orientador da atividade poderá proble- matizar a situação de ser portador ou não de visão. Poderá provocar um debate que trate da comparação entre pessoas com algum tipo de deficiência visual em relação às que enxergam. Caso haja participan- Capítulo 6 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 75 tes com tal deficiência, todos poderão observar as enormes habilidades sensoriais dessas pessoas, o que enriquecerá muito a vivência. Recomendamos que os alunos façam uma adaptação progressiva com a não vidência. Por exemplo, deslocar-se da sala de aula até o espa- ço da educação física com os olhos vendados. A aula será naturalmente crítica, em virtude da característica de oclusão da visão. Diante dessa circunstância, os alunos poderão ser indagados sobre como seria pos- sível adaptar outras atividades esportivas que eles praticam, como o futebol e o voleibol, entre outras, para as pessoas cegas. Vemos que, no exemplo desse tipo de abordagem do esporte na escola, não há uma preocupação com o aprimoramento dos gestos téc- nicos dos esportes, mas sim uma atenção especial para com as diferen- tes condições sensoriais humanas. Os alunos são estimulados a refletir criticamente acerca de um tema gerador, nesse caso a deficiência senso- rial. Isso poderá evoluir para tratar dos conteúdos de outras disciplinas, como a ótica, na física, o sistema visual, na biologia, a escrita braille, em língua portuguesa, entre outros bons exemplos de atividades próprias desse universo temático. Salientamos a relevância da atitude comunicativa entre professor e alunos, seja dirigindo a palavra, seja ouvindo, de maneira que eles possam se expressar e contribuir para a construção crítica do conhe- cimento. Na medida do possível, as gravações em vídeo podem ser aproveitadas para a realização de um feedback da atividade. No caso de existir uma criança com deficiência visual na escola, o tema poderá merecer um seminário sobre o assunto, aumentando a compreensão de todos na instituição a respeito. É possível tratar, também, de ou- tras formas de deficiência, basta usar um pouco de criatividade. Ati- vidades nesse formato podem contribuir muito para o processo da educação inclusiva. Síntese Neste capítulo, realizamos uma crítica à esportivização da educação física escolar e apresentamos as ideias centrais do professor Elenor Kunz Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 76 e seus colaboradores acerca da transformação didático-pedagógica dos esportes para o contexto escolar. O esporte foi cuidadosamente tratado como uma cultura de movi- mento importante de ser vivenciada pelos estudantes, mas foram apon- tados os equívocos do esportivismo da educação física escolar, sobretudo pelo caráter excludente e seletista do modelo hegemônico em vigência em nossa sociedade. No intuito de apontar uma saída possível para o esporte da escola e o esporte na escola, lançamos mão da abordagem crítico-emancipatória e da didática comunicativa. Os temas tratados no presente capítulo tornaram possível para o leitor a elevação de seu nível de criticidade sobre o esporte escolar de caráter dominante no Brasil, além de aumentarem seu conhecimento e compreensão acerca de uma contraproposta viável a esse modelo, ina- propriado para a educação no século XXI. 77 O presente capítulo avançará no estudo da concepção da apti- dão física para a educação física escolar. Serão apresentados os princi- pais pressupostos norteadoresda aptidão física na promoção da saúde da população. Também serão tratados os quatro parâmetros do fitness: a) aptidão cardiorrespiratória aeróbia; b) aptidão neuromuscular para alongamento; c) aptidão neuromuscular para força; d) aptidão psico- motora de equilíbrio e coordenação. Tais parâmetros estão alinhados com as principais recomendações internacionais para a promoção da saúde da população, por intermédio da prática regular das atividades físicas e do culto ao lazer ativo. Desejamos que, ao final da leitura do texto, o leitor fique sensibili- zado com as ideias da concepção da aptidão física para a educação física escolar, bem como aumente seu nível de conhecimento a respeito das evidências da atividade física em prol da saúde humana. Educação física e saúde Existe uma epidemia de inatividade física mundial na população infantojuvenil. Países como o Brasil já enfrentam esse problema em escalas preocupantes, o que acende o sinal de alerta para as autoridades de saúde pública e todas as instituições sociais de amparo à criança e ao adolescente (SILVA, 2008). Uma das frentes para reverter esse quadro social é a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo, o que envolve cultura e, sendo assim, tem tudo a ver com a educação, logo, com a educação física escolar. Por essa e outras razões, tem sido desenvolvida nas últimas duas décadas a Educação física e saúde 7 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 78 concepção pedagógica da aptidão física, voltada ao ensino formal da referida disciplina. Duas tendências básicas por meio das quais a aptidão física se manifesta como referência principal para a questão da saúde na educação física. A primeira delas – a aptidão física relacio- nada a habilidades – tem como objetivo viabilizar desempe- nhos, de acordo com as necessidades da vida cotidiana, do mundo do trabalho, dos desportos e das atividades recreativas. A segunda tendência – aptidão física relacionada à saúde – preocupa-se mais em difundir qualidades que precisam ser tra- balhadas constantemente para se obter o nível mais desejado, como condicionamento aeróbio, força e resistência muscular (FERREIRA, 2001, p. 43). É diante dessa última tendência que desenvolveremos o nosso raciocínio. Assim, segue um quadro que retrata os possíveis benefícios da prática regular e orientada de exercícios e atividades físicas. Quadro Benefícios possíveis do exercício e da atividade física para a saúde e o desempenho físico. INFLUÊNCIA NO DOMÍNIO DO RENDIMENTO CORPORAL NO DOMÍNIO DA SAÚDE Aumento de: • débito cardíaco • densidade capilar • densidade mitocondrial • mobilização de ácidos graxos como fonte de energia • inervação das placas motoras • tolerância ao calor e produção sudorífera • produção de endorfinas • eficiência dos músculos esque- lético e cardíaco Diminuição de: produção (ou aumento da remoção) de lactato a uma dada porcentagem do VO2máx em esforço Resulta em um aumento da endurance. Aumento de: • vascularização miocardia • HDL (colesterol bom) Diminuição de: • frequência cardíaca em repouso • pressão arterial • LDL (colesterol ruim) • colesterol total Normalização de: • tolerância à glicose Resulta na diminuição do risco de acidentes cardiovasculares. Capítulo 7 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 79 INFLUÊNCIA NO DOMÍNIO DO RENDIMENTO CORPORAL NO DOMÍNIO DA SAÚDE Ao nível da com- posição corporal Ao nível da força e resistência muscular Ao nível da flexibilidade Outros efeitos • Aumento da massa muscular • Diminuição da porcen- tagem de massa gorda Resulta na: • maior efi- ciência no movimento • menor risco de doença • maior auto- estima • Aumento da força e resistência muscular Resulta na: • maior eficiência e capacidade funcional • redução do risco de lesões mus- culares • redução do risco de do- res lombares • Maior elasticidade da massa muscular, ligamentar e tendinosa • Maior amplitude articular Resulta na: • maior eficiên cia • redução do risco de lesões músculo-ten- dinosas • redução do risco de do- res lombares • Retarda- mento da osteoporose • Redução do risco de câncer • Redução do estresse Fonte: Tani et al. (2006, p. 116). Ao observarmos o quadro anterior, percebemos o quanto o desenvolvimento das aptidões físicas pode colaborar com a melhoria da saúde, a considerar a relação de itens apontados como benefícios decorren- tes da prática dos exercícios físicos. E quais seriam as aptidões físicas preco- nizadas? O conjunto de atividades que compõem os chamados quatro parâ- metros do fitness são: a) aptidão aeróbia; b) aptidão flexibilidade; c) aptidão força muscular; d) aptidão coordenação muscular (ESPANHA, 2007). A primeira é uma valência cardiopulmonar, pois é dependente da forma e função desses órgãos para garantir um desempenho satisfatório, compreendendo as modalidades de esforço físico em que há presença de oxigênio suficiente para garantir a manutenção do metabolismo cor- poral (NAHAS, 2010). As demais três valências são diretamente rela- cionadas ao componente neuromuscular, pois o desempenho adequado Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 80 dessas outras aptidões é dependente do aparelho locomotor trabalhando em harmonia com o sistema nervoso (NAHAS, 2010). A flexibilidade é a capacidade de mover uma dada articulação nas maiores amplitudes possíveis. A força muscular corresponde à capacidade física de se opor a uma resistência externa por meio da contração muscular. A coordenação, juntamente com o equilíbrio, são as capacidades psico motoras que mais influenciam o controle dos movimentos corporais (NAHAS, 2010). Não é possível nomear somente um fator para que as ações da disci- plina de educação física sejam efetivas no combate ao sedentarismo e às suas consequências nas instituições de ensino no Brasil. Países com ótimas condições de infraestrutura física e de pessoal para a educação física e o esporte, como os EUA, também estão passando por sérios problemas de saúde na infância e na adolescência, por conta da epidemia de obesidade, hipertensão arterial, diabetes e sedentarismo. O acesso a produtos e servi- ços de alta tecnologia e a facilidade de obter alimento estimulam o com- portamento sedentário na população. Apesar da educação física escolar brasileira não estar obtendo êxito na prevenção do sedentarismo e das suas respectivas repercussões à saúde humana, menciono um fator decisivo para agravar o presente quadro, o próprio descompromisso político e social da maioria das escolas e, principalmente, de grande parte dos professores de educação física escolar, no tocante à promoção da saúde infantojuvenil. Não há como aceitar essa posição das instituições de ensino e dos profissionais responsáveis pela educação física na escola, uma vez que são conhecidas as recomendações internacionais da prática de exercícios físi- cos e esportivos com intensidade de moderada à forte, durante uma hora, pelo menos uma vez ao dia, como previsto no Guia de Atividade Física para Crianças e Adolescentes, da Organização Mundial da Saúde, pauta- do em pesquisas com alta evidência e cientificidade (ESPANHA, 2007). No entanto, um conjunto de autores tem questionado os anda- mentos da educação física enquanto área da saúde. A saúde não é um objeto, um presente. Portanto, ninguém pode dar saúde: o médico não dá saúde, o profissional de edu- cação física não dá saúde, a atividade física não dá saúde. A saúde resulta de possibilidades, que abrangem as condições de vida, de modo geral, e, em particular, ter acesso a trabalho, serviços de saúde, moradia, alimentação, lazer, conquistados por direito ou por interesse ao longo da vida (CARVALHO, 2001, p. 14). Capítulo 7 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 81 Carvalho (2001, p. 16) denuncia que “hoje, o que se observa é, predominantemente, a formação voltada para a iniciativa privada, aca- demias, hotéis, clubes que reproduzem a políticavoltada para o consumo e para os interesses das indústrias de cosméticos”. Essa posição nos faz refletir sobre os destinos da saúde brasileira, enquanto interesse público. Nesse ínterim, Palma (2001, p. 24) afirma que “tratar de saúde é [...] compreender as tramas so- ciais que se desenrolam nos pro- jetos e políticas públicas. Parece ingênuo aceitar o determinante biológico como a única razão para conferir as análises sobre o processo saúde-doença”. Apreciar o campo da saúde para além dos signos da semio- logia clássica, pautados nas des- crições precisas das doenças, parece mais adequado, correspondendo a uma evolução conceitual e operacional para o estudo e o trabalho em saúde (PALMA, 2001). De acordo com Nahas e Garcia (2010, p. 8), “a atividade física ha- bitual representa uma das importantes características do estilo de vida individual e que pode afetar a saúde (positiva ou negativamente)”. Se- gundo esses últimos autores, há outros aspectos que são determinantes para a percepção de bem-estar. Tais fatores integram o chamado Pentá- culo do bem-estar, que consiste em: alimentação, controle do estresse, relacionamentos e comportamentos preventivos nas atividades da vida diária (por exemplo: cuidados com a higiene pessoal, escovar os dentes, etc.) (NAHAS; GARCIA, 2010). Da teoria para a prática A educação física brasileira sofre com os embates políticos e ideo- lógicos acerca das concepções e da epistemologia dessa área de conhe- cimento e atuação profissional, provavelmente denominada de forma equivocada como educação física. O Centro de Estudos do Laboratório de Apti- dão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs) é uma referência brasileira na área da atividade física para saúde. Destaca-se, nesse centro, o projeto Agita São Paulo, adotado interna- cionalmente para a promoção da saúde, por intermédio da prática regular de exercícios físicos. Para conhecer mais sobre o Celafiscs e suas produções, acesse o site <http://www.celafiscs.institucional.ws/>. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 82 Atualmente, existem dois grupos opostos digladiando-se: de um lado, alguns membros do Conselho Federal de Educação Física (Con- fef ) e, do outro, alguns dos integrantes do Colégio Brasileiro de Medi- cina do Esporte (CBCE). Os primeiros defendem a profissão como área da saúde, já o segundo grupo sustenta a profissão como área da educa- ção. Até o presente momento, não se chegou a um consenso sobre os diversos aspectos da profissão e, consequentemente, das competências e habilidades concernentes a essa área. Contudo, independentemente dessa discussão político-ideológica, está o quadro preocupante de saúde pública na infância e na adolescência, no que se refere ao sedentarismo e suas consequências dramáticas à saúde humana. Nesse sentido, com relação à promoção da saúde da população, a concepção de educação física escolar relativa à aptidão física, empreen- dida pelo professor Marcos Nahas, está em consonância com esse desa- fio de nosso tempo. O desenvolvimento adequado das aptidões físicas cardiopulmonares e neuromusculares nas diferentes faixas etárias pode propiciar resultados oportunos para a prevenção de diversas doenças, além de potencializar a qualidade de vida das pessoas. Com base nas colocações anteriores, sugerimos a elaboração, em conjunto com um profissional de educação física licenciado, um plano de aula na concepção da aptidão física. É necessário estar munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realização de fil- magens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, a fim de registrar a vivência proposta. Entre as propostas existentes para trabalhar os conceitos de aptidão física na educação física escolar, podemos lançar mão do conhecimento do controle da frequência cardíaca. Considerando o nível de conhe- cimento matemático necessário para realizar com êxito a proposta a seguir, aconselhamos que essa atividade seja realizada no 5º ano do Ensino Fundamental. Lembramos que a atividade pode ser moldada para outros anos, mesmo os anteriores, bem como ser desenvolvida de forma interdisciplinar, respeitadas, pelo menos, as habilidades das crianças para operações básicas da matemática. A experiência ocorre da seguinte forma: o professor pede para os alunos colocarem uma das mãos junto ao peito e sentir os batimentos cardíacos. Em seguida, pergunta se alguém consegue sentir o coração Capítulo 7 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 83 batendo em outra parte do corpo. Começa a festa, os alunos vão se agitar tentando encontrar outro lugar para sentir o coração bater. Após isso, o professor mostra o dedo indicador e o médio, ambos aconselha- dos para apalpar a pele e sentir os batimentos cardíacos. Para continuar com a abordagem, de forma a promover a interação dos alunos, o pro- fessor pede a eles que, após terem sentido os batimentos cardíacos em si mesmos, com cuidado, formem duplas e tentem sentir no colega. Caso não encontrem, devem pedir ajuda ao colega para encontrar. Para dar prosseguimento à atividade, o professor vai explicar que, quando o corpo está em repouso, parado e relaxado, a pulsação é menor do que quando está em movimento, como caminhando ou correndo. É aqui que o professor provocará os alunos para que contem os batimen- tos cardíacos antes, durante e após o exercício físico. Sugerimos que os educandos se dividam em pequenos grupos e determinem, com o auxí- lio do professor, as atividades físicas que conhecem e que possam ser co- locadas em uma ordem sucessiva do menor para o maior esforço. Nesse caso, andar, depois correr, depois correr e saltar e assim por diante. Ao final de cada atividade, os alunos anotam no caderno a contagem dos batimentos cardíacos de cada colega da turma que for possível aferir. Como atividade de volta à calma, indicamos que, pelo menos, seja trabalhado um exemplo em sala de aula, ilustrando os resultados de um dos alunos para que todos vejam a tendência do coração de bater mais rápido quanto mais intenso é o esforço físico. Como sugestão, o professor pode solicitar, como lição de casa, que escrevam no seu cader- no, passando a limpo, os dados de tomadas de frequência cardíaca nas diferentes atividades em que se envolveram. Esse trabalho permite uma continuidade igualmente interessante, explorando diversos aspectos da aptidão física, por possibilitar o conhe- cimento de variáveis, como frequência cardíaca de repouso, de exercício, de recuperação, de reserva e máxima. Operações básicas de matemática serão usadas para determinar alguns dados. Vários instrumentos de con- trole da atividade e do exercício físico podem ser inseridos nas aulas, como os monitores de frequência cardíaca, atualmente mais acessíveis à população, e escalas de esforço percebido, como a RPE, de Gunnar Borg, material que funciona como uma medida subjetiva do esforço para quem o pratica, variando em uma escala de 6 até 20, em que o 6 equi- vale a nenhum esforço (correspondente a 60 batimentos por minuto) e Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 84 20, ao máximo esforço (condizente com 200 batimentos por minuto) (BORG, 2000). Todo esse conteúdo provocará imenso interesse nos alu- nos do 5º ano e, como afirmamos anteriormente, abrirá caminhos para importantes trabalhos, inter e, até mesmo, transdisciplinares. Síntese O estudo nesse capítulo aprofundou a concepção da aptidão física para a educação física escolar e suas repercussões para a promoção da saúde da população. As ideias do professor Marcos Nahas em relação à aptidão física para a educação física escolar foram expostas, a fim de provocar a refle- xão, no mínimo necessária, da estratégica função social da cultura do lazer ativo. Além de justificar a difusão dessa perspectiva pedagógica nas escolas, tratamos dos quatro parâmetros do fitness, aptidão aeróbia, força, alongamento e controle motor do equilíbrio e coordenação.Esperamos que a aproximação com essa temática suscite a emer- gente relevância da educação física em prol da saúde. Almejamos que, também, tenham sido aprendidos importantes conceitos e dicas sobre o quanto exercícios e atividades físicas são importantes para aprimorar a qualidade de vida. 85 Este capítulo justifica a importância da educação física nos con- textos do pré-escolar e anos iniciais da escolarização. É consensual que as contribuições oriundas das vivências corporais das mais diversas culturas de movimento existentes são de extrema rele- vância para a sociedade humana em todas as fases da vida dos indivíduos. No entanto, é no nível precoce de escolaridade que a educação física se faz imprescindível, visto que, durante a infância, são alicerçadas as bases fundamentais do sujeito, ou seja, afetividade, cognição e motricidade. A estruturação básica da personalidade e a sua abertura inicial para o mundo das relações sociais florescem nesse momento da vida e, consideran- do o papel das experiências das culturas de movimento nessas condições, será enfocada a defesa de uma cinepedagogia na infância, considerando o arcabouço de informações científicas que reforçam a presente tese. Esperamos que, ao final deste capítulo, o leitor esteja sensibilizado quanto à relevância da educação física em prol da infância, bem como eleve seu entendimento e compreensão a respeito das principais evi- dências teóricas que apoiam a difusão das culturas de movimento nas pré-escolas e escolas do Brasil. Primeiros passos na educação física escolar Os primeiros anos de vida são decisivos para o desenvolvimento das principais habilidades motoras que servirão de alicerce para toda a vida. Manipulando objetos, estabilizando ou locomovendo o corpo em um dado espaço, seguimos vivendo em atividades cotidianas relativas ao trabalho e ao lazer ou, até mesmo, na participação esportiva especia- lizada (GALLAHUE; OZMUN, 2003). Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental 8 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 86 Dessa maneira, tanto a Educação Infantil quanto os primeiros dois ciclos do Ensino Fundamental correspondem à etapa mais importante do desenvolvimento das habilidades motoras, o que eleva muito a im- portância do trabalho nesses níveis de ensino. Na Educação Infantil existem duas tendências básicas para a or- ganização curricular, uma delas dirigida às atividades espontâneas e outra voltada ao preparo instrumental da criança para a alfabetização (SAYÃO, 1999). Diante das questões lúdicas e instrumentais está a psicomotricida- de, sobretudo no que diz respeito à formação do esquema motor. Tal esquema é a representação de uma habilidade motora interiorizada pelo sujeito, por intermédio de sua atividade psicomotora em plena intera- ção com o meio. A criança em idade pré-escolar sente grande apreço pelos jogos e brinquedos infantis, meios propícios para o desenvolvi- mento de um amplo repertório motor. Elas demonstram grande inte- resse e curiosidade pelas atividades da cultura infantil, que se afirmam como conteúdo pedagógico da pré-escola. Um novo aprendizado ou aperfeiçoamento de um dado movimento decorre de uma adaptação de algo que já compreendia o esquema motor da criança (SILVA, 1989). Porém, além das questões de ordem psicomo- tora que tendem a prevalecer nesses espaços educativos, existem outras que fundamentam uma crítica relevante direcionada à abordagem da psi- comotricidade (que considera o ideal de criança universal), considerando questões como etnia, diferença de classe social e gênero (SAYÃO, 1999). De acordo com Sayão (1999, p. 55), “pelo que temos observado, o conhecimento produzido pela educação psicomotora vem sendo há al- gum tempo o conteúdo das aulas ministradas às crianças seja na Educação Infantil, seja nas primeiras séries do ciclo básico”. Contudo, não se podem negligenciar afirmações como as de Henry Wallon, célebre autor da psi- cologia do desenvolvimento, que colocou o movimento humano como predecessor e interlocutor das outras dimensões da pessoa, ou seja, a afeti- vidade e a cognição, o que reforça a importância da psicomotricidade na infância e alerta os educadores para o seu real papel (SILVA, 1989). Uma criança chega à escola sabendo alguns números. Com eles aprende algumas contas, processo que estimula seu raciocí- nio, fazendo com que aprenda contas mais complicadas, e isso não para nunca enquanto a criança estudar. Espera-se que essa Capítulo 8 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 87 criança saiba aplicar esse conhecimento na sociedade em que vive. O mesmo se dá com as letras e as palavras. Com as ativi- dades corporais, deveria ocorrer processo semelhante: a criança começa sabendo alguns brinquedos, melhora sua habilidade na- queles que sabe, com isso aprende outros, aprende a realizá-los em grupos, com regras mais complicadas, a saltar mais, a lançar melhor, a girar com mais equilíbrio, e só o que a gente espera é que esses conhecimentos todos da matemática, da escrita e da leitura, da educação física, possam se entrelaçar num todo que garanta a esse aluno uma vida de participação social satisfatória, de dignidade, de justiça, de felicidade ( SILVA, 1989, p. 220). Outro aspecto de grande relevância na educação física de pré-esco- las e dos anos iniciais do Ensino Fundamental é a questão do conheci- mento do próprio corpo. O corpo foi tradicionalmente aprisionado nas instituições de ensino, contrariando suas pulsões. Poderíamos ressaltar o quanto é comum este tipo de ação por parte dos profissionais da área de educação física, que traba- lham diretamente com a educação, com o corpo e com o mo- vimento. No mínimo, é algo curioso. Ao mesmo tempo que educa o indivíduo pelo corpo, pelo movimento, o professor de educação física é orientado por objetivos educacionais – e a escola é boa nisso – que podem, de certo modo, cercear o movimento, inibindo, pelo corpo, o psíquico, em prol da for- mação de alunos educados, para não dizermos adestrados ou termos afins (MATTHIESEN, 2001, p. 136). Não podemos esquecer que os espaços de aprendizagem cons- tituem importantes centros de convívio social de uma comunidade. Neles se encontram pessoas de várias idades, pais, professores, alunos, de diferentes etnias, negros, brancos, índios, pardos, de gêneros distin- tos. Enfim, tanto as pré-escolas quanto as escolas de educação básica possibilitam aos seus atores sociais múltiplas formas de convivência, o que contribui muito com os processos de socialização, integração e relacionamento da criança com o mundo exterior (COLETIVO DE AUTORES, 2002). Nesse ínterim, as aulas de educação física propi- ciam momentos facilitadores das variadas formas de interação social. Mais do que um simples espaço de convivência, as instituições de ensino podem corroborar para a construção histórico-social do sujeito, uma vez que se pautam em práticas pedagógicas, o que inclui a educação física. Os aprendizes devem ser estimulados a desenvolver a criticidade e a autonomia e, a partir de suas práxis, transformarem-se em agentes sobre o mundo (COLETIVO DE AUTORES, 2002). Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 88 Ao situar nosso enfoque em crianças de escola de 1º Grau, estamos tratando de um universo em que os atos motores são indispensáveis, não só na relação com o mundo, mas também na compreensão dessas relações. Por um lado, temos a ativi- dade simbólica, isto é, as representações mentais; por outro temos o mundo concreto, real, com o qual se relaciona o su- jeito. Ligando-os esta à atividade corporal. Não se passa do mundo concreto à representação mental senão por intermédio da ação corporal (SILVA, 1989, p. 81). Devemos, enquanto sujeitos envolvidos direta ou indiretamente com a educação, entender, definitivamente, que o movimento corpo- ral é de extrema importância para o desenvolvimento infantil e, nesse sentido, a educação física cumpre papel destacado emtal processo. Contudo, para além disso, ressalto que não apenas a educação física, enquanto disciplina acadêmica que trata do corpo e do movimento, mas as demais disciplinas podem, também, incorporar os ideais de uma pedagogia do movimento, uma cinepedagogia, considerando que todas as operações mentais necessitam do corpo e de sua gestualidade para aprender um determinado símbolo. ReflitaReflita Após serem levantadas tantas justificativas em prol do ensino da edu- cação física na Educação Infantil e nos anos inciais do Ensino Funda- mental, indagamos: diante das evidências apresentadas, quais são os principais motivos de haver, tão comumente, uma negligência da edu- cação pública e privada em relação à disciplina em questão no currículo das instituições brasileiras de ensino? ReflitaReflita Da teoria para a prática A educação física na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental é imprescindível para o desenvolvimento inte- gral da pessoa, cognitiva, motora e afetivamente. Esquemas motores Capítulo 8 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 89 mal elaborados nas primeiras três infâncias, compreendidas do nas- cimento até os dez anos de idade, poderão refletir em todo percurso de vida do indivíduo, que poderá se deparar com dificuldades adap- tativas em inúmeras circunstâncias, como no trabalho, no lazer ou no cotidiano. Um conjunto de atividades bastante interessante para se desenvol- ver nesse período de vida é o da cultura de movimento circense, uma vez que congrega uma diversidade de práticas corporais estimulantes para essas faixas etárias, tais como equilibrismo, contorcionismo, acrobacias, malabarismo, trapezismo, dramatizações, entre outros. Não obstante, a cultura circense traz consigo um repertório vasto de instrumentos a serem explorados pelas crianças, como o trapézio, o rolo, a fantasia do palhaço, as massas do malabarista e tantos mais. Com base na colocação anterior, sugerimos a elaboração, em con- junto com um profissional de educação física licenciado, de um plano de ensino em uma concepção construtivista. É necessário estar munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realização de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, a fim de registrar a atividade proposta. A escola circense pode funcionar tanto na educação física da pré-escola quanto nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse caso, será provocada uma vivência direcionada ao primeiro ciclo do Ensino Fundamental. É importante salientar a concepção de ensino da educação física a ser posta em prática, ou seja, a construtivista, a qual poderemos conhecer melhor no décimo capítulo desta obra. O plano de ensino deve apresentar alguns elementos básicos, como ementa, bibliografia básica e complementar, objetivo geral, objetivos específicos, conteúdos de ensino, metodologia e avaliação. Assim, suge- rimos a realização de uma ampla pesquisa sobre as atividades da cultura circense, principalmente as relativas aos movimentos corporais, visto que a aula é de educação física nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Isso pode ser implementado de forma interdisciplinar ou transdisciplinar, conforme os objetivos educacionais e condições que a escola forneça. O plano poderá ter a seguinte distribuição dos conteúdos de ensino, em um semestre letivo de um 5º ano escolar, considerando a realidade de terem apenas duas horas-aula semanais, de 45 minutos, para a disciplina. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 90 Primeiro bimestre a) Planejamento participativo com os alunos, atividades de pes- quisa do conteúdo e avaliação diagnóstica da turma: 1 a 2 encontros. b) Equilibrismo: 4 a 5 encontros. c) Contorcionismo: 4 a 5 encontros. d) Acrobacias: 6 a 8 encontros. e) Avaliação somativa do primeiro bimestre: 1 a 2 encontros. Total de encontros previstos no primeiro bimestre: 18 horas-aula de 45 minutos. Segundo bimestre a) Malabarismo: 4 a 5 encontros. b) Dramatizações: 1 a 2 encontros. c) Ensaios combinados: 6 a 8 encontros (etapa áurea da constru- ção e/ou reconstrução do conhecimento vivenciado). d) Avaliação formativa em forma de apresentação circense: 1 encontro. e) Assistir às gravações em vídeo: 1 encontro. f ) Edição do vídeo das aulas da turma e apresentação final do vídeo: 2 encontros. Total de encontros previstos no segundo bimestre: 18 horas-aula de 45 minutos. Total geral de encontros previstos: 36 horas-aula de 45 minutos. É importante observar que a ordem proposta dos conteúdos res- peita a aquisição progressiva do condicionamento físico das crianças, necessário às vivências corporais, respeitados os períodos de intervalos, ótimos para recuperação do organismo. Salientamos que as crianças tendem a ser bastante agitadas nesse período de desenvolvimento. As atividades da cultura circense exi- gem de seus participantes muita concentração para conseguir êxito Capítulo 8 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 91 nos desafios que são propostos aos aprendizes. Entretanto, cabe lem- brar que isso exige atenção redobrada para a prevenção de acidentes e preparo para a prestação de primeiros socorros e urgências, situa- ções que exigem a presença de um profissional capaz de prestar pronto atendimento em uma eventual necessidade. Esse é um dos principais argumentos da eminência de as aulas de educação física serem ministradas por profissional especializado nos conhecimentos biológicos do corpo humano, além dos princí- pios do treinamento desportivo, úteis na preservação da integridade física, e da preparação física dos alunos nos diferentes estágios da construção do conhecimento, mesmo considerando o fato de não haver preocupação exagerada nessa proposta de plano de ensino, em relação à técnica dos movimentos e, muito menos, com a espetacula- rização da atividade, pelo fato de haver um instante de ensaios e uma respectiva apresentação. Síntese Neste capítulo, justificou-se a importância da educação física na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, sob o prisma da perspectiva psicomotora. Constatou-se que o movimento humano é de essência dialética, uma via de mão dupla, um vai e vem constante. O movimento vai de dentro para fora do sujeito, como forma de expressão, ao passo que vem de fora para dentro para moldá-lo. Nesses fluxos de movimento ocorrem as aprendizagens. Foi possível compreender que nas primeiras três infâncias, ou seja, até os dez anos de idade cronológica, o movimento cumpre um papel decisivo na formação da pessoa em sua tríade indissociável: afetividade, cognição e motricidade. Nesse ínterim, a educação física, enquanto disciplina e área de in- tervenção profissional, por interatuar diretamente com a gestualidade, possui uma responsabilidade social crucial para a formação integral dos educandos. 93 Este capítulo apresenta o estudo conceitual e contextual do de- senvolvimento motor, a exposição de dois modelos teóricos considera- dos oportunos para a compreensão do fenômeno junto às escolas e os marcos referencias de desenvolvimento dos movimentos cruciais para os processos de escolarização. Partiremos de uma abordagem ecológica e complexa para o enten- dimento do desenvolvimento motor ao longo da vida, contrapondo-se às ideias consideradas mecanicistas e organísmicas. Os modelos teóricos do português Vitor da Fonseca e dos norte-americanos Gallahue e Ozmun serão ilustrados para facilitar a aprendizagem do desenvolvimento motor e da adequação desse conhecimento aos diferentes níveis de ensino. Os principais marcos desenvolvimentais serão mostrados para que seja viá- vel a sua identificação junto aos alunos no ambiente escolar. Esperamos, com a leitura deste capítulo, que o leitor compreenda o quanto o desenvolvimento do movimento humano influi a formação global de uma pessoa. Mudanças do comportamento motor ao longo da vida O que é desenvolvimento motor? É o processo sequenciale contí- nuo relacionado à idade, pelo qual o comportamento motor se modifica (HAYWOOD; GETCHEL, 2004, p. 19). Ele sofre interferências múl- tiplas, desde a hereditariedade, correspondente à transmissão genética de geração para geração, até os estímulos ambientais, equivalentes aos memes derivados de aprendizagens e adaptações diversas que ocorrem ao longo da existência (GALLAHUE; OZMUN, 2003). No caso da inadequação Desenvolvimento motor 9 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 94 dos estímulos ambientais, tendo como exemplo a inibição dos movimen- tos corporais de uma criança nas duas primeiras infâncias, é provável que ela apresente sim defasagem em seu desenvolvimento motor. Muitas são as formas de classificar os movimentos corporais; não obstante, existem muitas explicações para os processos desenvol- vimentais. Uma maneira interessante de classificar os movimentos corporais é agrupá-los em categorias, ou seja, habilidades motoras manipulativas, estabilizadoras e locomotoras (GALLAHUE; OZ- MUN, 2003). Como já vimos, são exemplos destas categorias: a) manipulativa – escrever, pintar, arremessar uma bola, chutar uma bola, etc.; b) estabilizadora – permanecer em pé parado em uma esquina, flutuar o corpo na água, etc.; c) locomotora – nadar, correr, andar, entre outros. Cada habilidade motora, ou seja, cada movimento que possui um objetivo definido é dependente de estruturas neuromusculares em dife- rentes níveis de maturação. Por exemplo, uma menina que tenta pedalar uma bicicleta pela primeira vez precisará desenvolver o controle motor relativo àquela forma de equilíbrio dinâmico para conseguir dar vazão ao gesto. A esse respeito, destaca-se o papel das valências psicomotoras, tais como: coordenação motora fina; coordenação motora grossa; equi- líbrio corporal; esquema corporal; organização espaço-temporal, latera- lidade, entre outros (ECKERT, 1993). Por essa razão, é tão importante que uma criança, desde a mais tenra idade, participe ativamente de vivências corporais de forma preferencialmente lúdica, nas quais possa, no ato de se movimentar, incorporar o maior repertório motor possível, respeitados os aspectos de faixa etária, estado de saúde, motivação e segurança para essas práticas. Além de o movimento corporal ser oportuno para o desenvolvi- mento das habilidades propriamente motoras, é consensual entre os estudiosos que se servem dos aspectos do desenvolvimento humano que o desenvolvimento cognitivo − o que inclui a inteligência − está atrelado ao sucesso do desenvolvimento da mobilidade corporal, visto que as evidências neurocientíficas mais modernas são contundentes ao apontar que pensamos tal como agimos (RATEY, 2002). Percebe-se que existem muitas teorias sobre inteligência, mas nenhuma delas se contrapõe ao relevante papel do movimento corporal como elemento Capítulo 9 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 95 ativo do desenvolvimento dessa capacidade, o que nos faz pensar nos motivos de grande parte das aulas em ambientes escolares exigirem a imobilidade dos aprendizes (FONSECA, 1998a). Existem diversas teorias sobre o desenvolvimento motor. Cada uma delas possui um axioma, um modelo para ilustrar seus aspectos mais relevantes. No presente capítulo, optamos por apresentar um modelo teórico europeu e outro americano, o primeiro presente na obra de Vitor da Fonseca (1998b) e o segundo, no livro de David Gallahue e John Ozmun (2003). Iniciamos com a proposta dos estágios neuropsicomotores, em que a ontogênese repete a filogênese, conforme a ilustração a seguir: Quadro Estágios de desenvolvimento neuropsicomotor, em acordo com a ontogenia e filogenia da espécie humana. FILOGÊNESE ONTOGÊNESE ESTÁGIO Peixe e réptil Feto e recém-nascido Neuromotricidade Mamífero Até 10 meses Tônico-motricidade Primata 12-24 meses Sensório-motricidade Homem Até 6 anos Perceptivo-motricidade Adolescência Psicomotricidade Fonte: Fonseca (1998b). Primeiramente, é necessário realizar um breve esclarecimento. Ontogênese representa a origem e evolução de uma espécie em todo seu percurso de vida, do nascimento até a morte. Filogênese refere-se à origem e evolução de uma espécie a partir de um ancestral comum, des- de um protozoário (animal de uma única célula) até o ser humano mo- derno (com trilhões de células em um só corpo) ( FONSECA, 1998b). Segundo essa representação, o embrião ou feto, no útero materno, vive no meio aquático por um dado momento até o termo, assim como um ancestral antigo da espécie humana possivelmente viveu nos mares primitivos em tempos pré-históricos, há bilhões de anos ( FONSECA, Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 96 1998b). Nesse nível de desenvolvimento, o comportamento motor de um huma- no assemelha-se ao de um peixe ou réptil; é a fase da neuromotricidade (FON- SECA, 1998b). Com o passar da idade, os bebês humanos crescem e se desenvol- vem, cada qual em seu ritmo maturacional, perpassando cada estágio e, em cada salto qualitativo no comportamento motor, as mudanças vão sendo percebidas, a citar o momento em que os pais presenciam o filho, que mal conseguia ficar em pé, dar os primeiros passos sobre dois apoios. É interessante ressaltar que o último estágio, o da psicomotricidade, é o mais avançado, atingindo seu ápice na adoles- cência humana. Como uma ressalva, somente os humanos conseguem alcançar tamanha complexidade evolutiva, tornando-se capazes de dançar, nadar, correr e praticar esportes de alto grau de sofisticação (FONSECA, 1998b). O segundo modelo teórico selecionado para este capítulo é o da ampulheta, conforme apresentamos a seguir. Figura Modelo da ampulheta para o desenvolvimento motor. As fases do desenvolvimento motor 14 anos e acima de 11 a 13 anos de 7 a 10 anos Estágio maduro Estágio elementar Estágio inicial Estágio de pré-controle Estágio de inibição de reflexos Estágio de decodificação de informações Estágio de codificação de informações Estágio de utilização permanente Estágio de aplicação Estágio transitório de 6 a 7 anos de 4 a 5 anos de 2 a 3 anos de 1 a 2 anos do nascimento até 1 ano de 4 meses a 1 ano dentro do útero e até 4 meses de idade Fase motora reflexiva Fase motora rudimentar Fase motora fundamental Fase motora especializada Faixas etárias aproximadas de desenvolvimento Os estágios de desenvolvimento motor Utilização permanente na vida diária Utilização permanente recreativa Utilização permanente competitiva Fonte: adaptado de Gallahue e Ozmun (2003, p. 46). Capítulo 9 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 97 Aqui, a descrição é bastante distinta; mesmo que haja as equipara- ções com o modelo anterior, podemos aproveitar a figura para, inclu- sive, traçarmos paralelos entre as fases do desenvolvimento motor e a organização dos níveis de ensino vigentes no Brasil. Citamos, por exemplo, as primeiras três fases de desenvolvimento motor: reflexa, rudimentar e fundamental, que correspondem à Educa- ção Infantil. A fase subsequente, ou seja, a dos movimentos especializados equivale aos demais níveis de ensino, passando pelo Ensino Fundamental, Médio e Superior. É relevante pautar-se em um constructo teórico dessa natureza para planejar, executar e avaliar o desenvolvimento de habilida- des motoras nos diferentes níveis e modalidades de ensino, respeitando os marcos desenvolvimentais do ser humano ao longo da vida. Se tomarmos como exemplo o caminhar sem apoio, constataremos que se trata de um fenômeno observado de forma comum na primeira infância humana, no período correspondente ao final do primeiro ano de vida e meados do segundo. Se a criança não marchar e andar sem apoio até os dois anos de idade, teremos um sinal de alerta do desenvol- vimento, que deve ser averiguado (ROSA NETO, 2002). O movimen- to de correr, executado de forma proficiente, ocorre mesmo no final da segunda infância, em que os movimentos típicos da fase fundamental, como saltar, trepar,rolar, arremessar, entre outros, perpassam o estágio final de maturação (GALLAHUE; OZMUN, 2003). Entre as habilidades ditas estabilizadoras do corpo humano, um bebê consegue permanecer na posição de sentar, com o controle do tron- co ereto, por volta dos cinco meses de idade (GALLAHUE; OZMUN, 2003). O movimento de pinça, típico da espécie humana, caracterizado pela oposição do polegar sobre o dedo indicador, ocorre já na primeira in- fância e, assim como o andar, constitui sinal de alerta importante a crian- ça não apresentá-lo ao final dos dois primeiros anos de vida extrauterina (ECKERT, 1993). Andar, correr e saltar são exemplos de habilidades mo- toras locomotoras, visto que são caracterizados como movimentos transla- tórios do corpo humano no espaço (GALLAHUE; OZMUN, 2003). O estudo do desenvolvimento motor é vasto, tornando difícil a tarefa de escrever, em tão poucas palavras, as suas principais nuances. Tratan- do-se das realidades da educação física escolar brasileira, podemos recorrer a outros modelos, talvez até mais adequados a uma dada circunstância. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 98 ReflitaReflita O cérebro humano sofreu evoluções ao longo de milhões de anos, equipando-se de capacidades psicomotoras. As evidências são consis- tentes para a noção de desenvolvimento do pensar tal como se age, observadas as demandas da espécie para sobreviver e perpetuar-se. O sedentarismo constatado em larga escala na população atual produzirá evoluções na forma de sentir, pensar e agir do humano do futuro? ReflitaReflita Da teoria para a prática Uma experiência que pode ser marcante para a vida acadêmica e profissional com desenvolvimento motor é conhecer e, se possível, participar das atividades do Laboratório de Desenvolvimento Huma- no (Ladehu), do Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos (Cefid), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Florianópolis. Seja como aluno da instituição ou como colaborador, o contato com as atividades do Ladehu poderão estimular a construção do conhecimento sobre desenvolvimento motor. Outra experiência muito oportuna é conhecer o Núcleo Desen- volver, órgão da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) que funciona junto ao Hospital Universitário (HU), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesse núcleo, crianças da rede pú- blica de ensino de Florianópolis, com queixa de problemas de desen- volvimento humano, são encaminhadas para atendimento. Trata-se de uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais da saúde e da educação, todos contratados da FCEE. Reuniões semanais são realizadas para discutir os casos de cada paciente. São momentos muito ricos de aprendizagem. Os profissio- nais apresentam os pareceres de suas avaliações específicas de cada área de conhecimento e intervenção profissional. A partir daí, é Capítulo 9 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 99 traçado um plano de trabalho, em conjunto, para cada paciente. É interessante acompanhar o resultado de um trabalho integrado das diferentes profissões. Com base nos exemplos, sugerimos a elaboração, em conjunto com um profissional de educação física licenciado, de uma avaliação motora com um educando que esteja na terceira infância. Deverá ser utilizada a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM), de Rosa Neto (2002), instrumento que consiste em uma bateria motora, que reúne provas de coordenação motora, equilíbrio, esquema corporal, organi- zação espaço-temporal e lateralidade, dirigidas a crianças entre 2 e 11 anos de idade. Não é difícil preparar o material, pois o livro Manual de Avaliação Motora – EDM, do mesmo autor, apresenta os componentes do kit de avaliação, com suas devidas especificações. Munido do material e de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realização de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, deve-se preparar uma sala em acordo com as orientações contidas no livro supracitado. Escolhe-se uma criança que curse o Ensino Fundamental, preferencialmente entre 7 e 12 anos de idade. É interessante considerar o fato de fazer a expe- riência com um aluno que mostre indícios de dificuldade de aprendi- zagem, o que permitirá um momento de maior atenção sobre ele, por intermédio da avaliação com a bateria motora EDM. Com o auxílio do profissional da área, são aplicados os testes e analisados os resultados encontrados. As filmagens permitirão observar mais atentamente os aspectos não objetivos desses testes. Também será possível trocar ideias com os pais ou responsáveis dos alunos, além de estender aos demais profissionais da escola os resultados obtidos acerca do educando com dificuldades, no intuito de colaborar com o seu pro- cesso de desenvolvimento motor. Com os dados, será possível traçar o perfil motor do estudante, sua idade motora positiva ou negativa, além de sua lateralidade. São seis provas motoras avaliadas, mais a lateralidade. A vivência com a EDM possibilita muitos aprendizados. Nesse caso, o maior aproveita- mento será em relação à observação dos estágios de desenvolvimento motor de um aluno em idade compatível com os primeiros anos do Ensino Fundamental. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 100 É importante salientar que todas as atividades propostas nessa obra são de caráter meramente experimental e com finalidades acadêmicas. A intervenção profissional em educação física é regulamentada por lei e só pode ser conduzida por profissional habilitado para o exercício. Por isso, é imprescindível que as experiências sejam acompanhadas por um profissional de educação física. Síntese O estudo deste capítulo possibilitou uma compreensão mais am- pliada acerca do processo de desenvolvimento motor, em nível concei- tual e contextual, sobretudo no que se refere à escola. Iniciamos com a conceituação do tema, seguido de sua devida contextualização escolar e paradigmática, sendo esta última, situada nesse texto, pertencente a uma visão ecológica e complexa do desenvol- vimento motor. Na sequência, foram apresentados os modelos teóricos de Vitor da Fonseca e de Gallahue e Ozmun, a fim de exibir um quadro com a progressão etária condizente com o desenvolvimento motor. As habilidades motoras principais para a escolarização foram categorizadas e devidamente apresentadas em marcos evolutivos, o que auxiliou mui- to na ampliação do conhecimento a esse respeito. O preparo necessário para identificar o processo de desenvolvi- mento motor nos alunos dos diferentes níveis de ensino, obviamente, não pode se encerrar com a apreensão dos conhecimentos do presente capítulo. Apenas uma breve abordagem não basta, pois o tal desenvol- vimento é muito complexo e, como vimos, envolve múltiplos fatores. No entanto, creio que a compreensão sobre o assunto, por parte do leitor, já ultrapassou o senso comum, o que torna explícito o quanto o desenvolvimento motor interfere na aprendizagem escolar e, conse- quentemente, no desenvolvimento integral do ser humano. 101 O capítulo tratará da construção do conhecimento nas aulas de educação física, inspirado nas ideias construtivistas de João Batista Freire da Silva e seus colaboradores, em suas obras clássicas. O autor é um dos maiores expoentes do pensamento acerca da educação físi- ca escolar brasileira. Acompanhado de bons parceiros intelectuais, na maioria de suas produções, lançou generosas contribuições teóricas no campo da motricidade humana. Apoiado em concepções desenvolvi- mentistas piagetianas, aborda, de forma brilhante, as manifestações das culturas de movimento no contexto escolar. Devido a esse fator e considerando as bem elaboradas proposições de organização curricular, propostas por meio de sugestões de atividades e relatos de experiências de ensino-aprendizagem, o texto aqui desenvolvido estará impregnado dos ideais construtivistas difundidos pelo autor, sobretudo no que se refere ao uso do jogoenquanto meio para potencializar a aprendizagem em suas formas de exercício, simbolismo e regras. Esperamos que, ao final deste capítulo, o entendimento e compreen- são, por parte do leitor, sobre construtivismo nas aulas de educação física escolar sejam aprimorados e que ocorra o estímulo quanto a adotar o jogo como proposta didático-pedagógica para o laboro educacional. Educação física construtivista A concepção de educação física escolar denominada interacionis- ta-construtivista surgiu no Brasil, na década de 80 do século XX, com as ideias pedagógicas do professor João Batista Freire da Silva (DARIDO, 2008). Na obra Educação de corpo inteiro, publicada em 1989, Silva propôs uma metodologia baseada na epistemologia genética do biólogo Construção do conhecimento nas aulas de educação física 10 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 102 suíço Jean Piaget, opondo-se ao modelo mecanicista das aulas de educa- ção física escolar, que sustentava o ensino de gestos esportivos estéreis. Passou a reconsiderar o conhecimento prévio da criança, entendida por ele como especialista em brincadeira (DARIDO, 2008). A epistemologia genética significa o estudo do problema da ori- gem do conhecimento, pois genética refere-se à origem e epistemologia do conhecimento (PIAGET, 1974). Jean Piaget denominou o processo de origem e desenvolvimento da inteligência como construtivismo, no sentido de que toda elaboração mental de uma pessoa se dá a partir de uma base de conhecimento anterior (normalmente, sensório-motora), parecido com uma parede, em que os tijolos vão sendo assentados uns sobre os outros (PIAGET, 1974). Muito se discute sobre o inatismo ou hereditariedade na teoria pia- getiana, no entanto, ela considera os aspectos inatos e os adquiridos como a experiência para a construção do conhecimento, tratando-se de uma proposta interacionista, contrariando críticas radicais feitas às suas obras. Quanto à hereditariedade da inteligência como tal, vamos en- contrar a mesma distinção. Por uma parte, uma questão de estrutura: a “hereditariedade especial” da espécie humana e de suas “linhagens” particulares comporta certos níveis de inteli- gência, superiores aos dos símios etc. Mas, por outra parte, a atividade funcional da razão [...] está vinculada, evidentemen- te, à “hereditariedade geral” da própria organização vital: assim como o organismo não poderia adaptar-se às variações ambien- tais se não estivesse já organizado, também a inteligência não poderia apreender qualquer dado exterior sem certas funções de coerência [...], de relacionamento etc., que são comuns a toda e qualquer organização intelectual (PIAGET, 1987, p. 14). A base do ideal construtivista, na educação, não obstante na edu- cação física, está pautada na epistemologia genética, ou seja, no estudo da origem do conhecimento no ser humano. Ainda que o construti- vismo pedagógico não tenha sido desenvolvido por Piaget, suas ideias influenciaram gerações de educadores, que constituíram o construti- vismo como forma de trabalho pedagógico. Parte dessa construção se deve ao princípio da equilibração, ou seja, de que há uma tendência de os organismos vivos se tornarem mais complexos a cada avanço de estágio de aprendizagem (PIAGET, 1987). Os avanços na aprendiza- gem derivam de processos de assimilação de conceitos e sua acomo- dação e, nesse ínterim, o jogo é entendido como meio propício para Capítulo 10 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 103 desencadear processos de aprendizagem, devido às suas alternâncias e oposições entre os mundos interno e externo do indivíduo. Se o jogo está na raiz mesmo do desenvolvimento, o mais pre- cioso atributo humano, aquele do qual nasceu toda a cultura humana, isto é, as representações mentais, seu papel educativo é decisivo e vai além da educação escolar. Se a escola nunca soube lidar com essa questão, porque nunca a compreendeu, isso não destituiu o jogo de sua importância na educação das pessoas, por- que ela não ocorre somente nas escolas. Porém, se o ensino formal trabalha na contramão da inteligência criativa, alijando de seu currículo o ócio, o lazer, o lúdico, o jogo, e se os jovens ocupam parte de suas vidas em salas de aula, sem dúvida isso constitui um prejuízo considerável para a civilização humana. É um quadro grave e os ministros da educação de nosso país vão pouco além de acreditar que a melhora do ensino depende do aumento do número de horas-aula e quantidade de matrículas (SILVA, 2002). Vários estudiosos do fenômeno lúdico atribuem ao jogo a proprie- dade da imersão, em que a percepção do jogador dirige-se para tudo aquilo que é relativo ao jogo, predispondo-o à alienação do que ocorre fora do espaço e do tempo do jogo. Ocorre, possivelmente, um retorno para si mesmo enquanto se está jogando (SILVA, 2002). Existem várias formas de classificar os jogos. Em uma concepção construtivista, eles são classificados em três tipos: de exercício, carac- terísticos dos recém-nascidos e dos lactentes, predominante entre as crianças de 0 a 2 anos de idade; simbólicos, típicos da primeira infân- cia, entre os 3 e os 7 anos de idade; de regras, a partir dos 7 anos de idade, aproximadamente (SILVA; SCAGLIA, 2003). Os jogos de exercício são condizentes com o período sensório-motor, em que a criança apreende o mundo externo a partir de suas interações cor- porais com o meio ambiente, sobretudo por meio do movimento corporal (SILVA, 1989). Os jogos simbólicos equivalem ao período pré-operacional, em que se dão as construções e representações do real, tendo a característica ímpar do faz de conta (SILVA, 1989). Por fim, os jogos de regras, rela- tivos aos períodos das operações concretas e das operações formais (abs- tratas), exigem maior grau de conhecimento prévio dos educandos para o seu desenvolvimento, naturalmente são de maior complexidade, tendo como exemplo, na educação física, esportes como o futebol (SILVA, 1989). Traduzindo, nos jogos de exercício, a criança pequena apenas chuta a bola e corre atrás dela; nos jogos simbólicos, ela chuta, corre, defende, Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 104 ataca, entre outras coisas, porém, com um forte componente de fazer de conta; e nos jogos de regras, é o jogo propriamente dito, regrado, compartilhado de forma comum entre todos os participantes. No Brasil, devido ao fato de a cultura futebolística impregnar-se no imaginário infantil de milhares de meninos e, até mesmo, de meninas apaixonados pelo esporte, joga-se futebol em todo e qualquer espaço e em qualquer hora. Dessa forma, terrenos baldios, pequenos espaços domésticos e até mesmo o trânsito se tornam palcos de celebração e de recreação do jogo de futebol. Para isso, bolas são improvisadas em todos os formatos possíveis e imagináveis. Com toda essa variação de repertó- rio motor, não é de surpreender que os jogadores brasileiros sejam tão habilidosos diante dessa cultura de movimento (SILVA, 2003). Em um único gesto técnico esportivo que possa ser praticado por um grupo de crianças, constataremos igualdades e diferenças ( SILVA, 1991). Pensando no próprio futebol, quando tomamos como exemplo o “chute de bicicleta”, se pedirmos a um grupo de crianças para fazê-lo, na dimensão de igualdade, todas as tentativas serão classificadas como chutes de bicicleta, contudo, cada participante dará o referido chute executando a habilidade motora à sua maneira, que será única, assim como uma impressão digital (SILVA, 1991). Toda essa diversidade de jogos (de exercícios simbólicos e de regras), de movimentos iguais, de gestos diferentes e, também, os mais variados contextos educacionais possíveis favorecem uma construção inigualável de conhecimentos nas aulas de educação física escolar ( SILVA, 2005). Sugestão de Leitura A obra, a seguir referenciada, constitui um marco teórico da educação na- cional. As influên cias das ideias da epistemologia genética do biólogo suíço JeanPiaget estão presentes no texto, apontando caminhos para a utiliza- ção desses conhecimentos na realidade da educação física escolar. SILVA, J. B. F. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione, 1989. Sugestão de Leitura Capítulo 10 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 105 Da teoria para a prática A escola é um espaço privilegiado para a educação física dita cons- trutivista. As possibilidades de aprendizagem são infinitas, além de ser perceptível que a escola é uma instituição ainda muito carente de ino- vações, sobretudo com relação à educação física. Nesse sentido, sugerimos a elaboração, em conjunto com um pro- fissional de educação física licenciado, de um plano de aula pautado em uma concepção construtivista. É necessário estar munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realização de filmagens e gra- vações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, a fim de registrar a experiência. Propomos o jogo simbólico chamado telefonema. Essa atividade pode ser, inclusive, desenvolvida em dias chuvosos e é ideal para o Ensino Funda- mental e Médio. O professor adentra o espaço da sala de aula portando um telefone, cumprimenta os alunos e encena um faz de conta, no qual recebe um telefonema de um técnico de um esporte qualquer (pode-se utilizar um evento esportivo que esteja em evidência no período da aula). No dito telefonema, a pessoa do outro lado da linha solicita ao professor que os alunos construam algum produto ou artifício para me- lhorar o desempenho esportivo da modalidade em questão. Se for o caso da Copa do Mundo de Voleibol, por exemplo, poderá ser um tênis com mais propulsão ou qualquer outra coisa que a imaginação permitir. A atividade pode ser individual, no entanto, é oportuna para ser realizada em grupo. A missão dos estudantes é desenvolver o referido produto ou artifício e criar um comercial para sua divulgação. Uma das regras é que todos participem. A apresentação do comercial configura-se na parte final da atividade. Tal atividade é muito produtiva no sentido de construção do conhe cimento. Mais interessante ainda é a constatação de que os alu- nos trazem consigo muitos saberes preestabelecidos, que se traduzem em problematizações riquíssimas. Durante o jogo simbólico, muitos conteúdos emocionais são expressos pelos educandos e a criatividade é estimulada. Assistir às gravações em vídeo, editá-lo com a ajuda dos alunos e compartilhar a produção com a comunidade escolar elevam o rendimento da proposta. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 106 Síntese O estudo deste capítulo evidenciou as contribuições de cunho construtivista para a educação física escolar e, por extensão, para toda a educação. O tratamento dado aqui, ao que se designa construtivismo, esteve pautado nas obras tradicionais do autor João Batista Freire da Silva e de seus parceiros intelectuais. Os conceitos centrais da episte- mologia genética abordados foram: equilibração, assimilação, acomo- dação e estágios de desenvolvimento cognitivo. O jogo foi apresentado como forte contribuinte aos processos de ensino-aprendizagem, em prol da educação. Esperamos ter estimulado o leitor quanto a se inteirar acerca da proposta construtivista na educação física escolar, além de subsidiá-lo com o mínimo de entendimento e compreensão sobre esse tema. 107 O presente capítulo tratará das experiências de ensino mais significativas que já experimentei em minha vida acadêmica e profissio- nal em educação física, na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em um primeiro instante, será apresentado, de forma sucinta, o espectro de Muska Mosston e sua aplicabilidade didático-pedagógica, por considerar o modelo teórico muito prestativo ao contexto educa- cional. Em seguida, serão abordadas duas propostas didáticas, uma para construção de jogos e outra de cirandas. Ambas as proposições têm sido utilizadas, ao longo dos últimos dez anos, em cursos de formação e capacitação de professores com grande êxito. A oportunidade de jogar um jogo pré-definido e dirigido, por si só, já é uma oportunidade de contato com o prazer típico das atividades lúdicas. Por outro lado, construir os jogos e jogá-los configura-se em uma experiência ainda mais estimulante, principalmente com os alunos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, con- siderando o predomínio do universo criativo, espontâneo e gratuito do jogo, comum na segunda e, também, na terceira infância. Experiências na educação física pré-escolar e escolar Com relação à educação física na pré-escola e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, existem muitas experiências bem-sucedidas no contexto brasileiro, merecedoras de ampla difusão no âmbito nacional e internacional. Experiências com o movimento 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 108 Quanto à Educação Infantil brasileira, há uma antiga discussão acerca da intervenção profissional, assinalada por Sayão (2002, p. 59), apontando que “o problema está nas concepções de trabalho pedagógico desses profissionais que, geralmente, fragmentam as funções de uns e de outros, isolando-se em seus próprios campos”. Esse problema é gerador de diversos conflitos indesejáveis na Educação Infantil, o que inclui a par- ticularidade da educação física. Sayão (2002, p. 59) também coloca que, em suas experiências no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), [...] os pontos de encontro realizados durante o estágio, discu- tia-se que a interação, a brincadeira e as diferentes linguagens da criança são os eixos fundamentais num processo educativo no qual a criança é vista como um todo indissociável. Portanto, não se trata de atribuir funções específicas para um outro profis- sional designar hora para a brincadeira, hora para a interação e hora para as linguagens. O professor de educação física deve ser mais um adulto com quem as crianças estabelecem interações na creche. No entanto, só se justifica a necessidade de um profissio- nal dessa área na Educação Infantil se as propostas educativas que dizem respeito ao corpo e ao movimento estiverem plenamente integradas ao projeto da instituição (SAYÃO, 2002, p. 59). A citação anterior demonstra o quanto a educação física, tanto na Educação Infantil quanto nos anos iniciais do Ensino Fundamental, deve estar pautada no desenvolvimento do aluno integral, sem priorizar a espe- cificidade da área de atuação, mas sim construindo um projeto político-pe- dagógico de natureza transdisciplinar, pluridisciplinar e interdisciplinar. Cada projeto político-pedagógico, quando inclui a educa- ção física em seu currículo, precisa contemplar, entre outras questões: qual o papel da educação física naquela unidade? Qual a concepção de infância que a instituição assume e que será incorporada pelas ações na educação física? Qual o papel do professor de educação física? Como a unidade irá orga- nizar o trabalho pedagógico entre os diferentes profissionais? (SAYÃO, 2002, p. 48). A ação de brincar, de jogar, é imprescindível no contexto educacio- nal, configurando-se, sobretudo, na Educação Infantil, como metodo- logia de ensino e, inclusive, tema transversal prioritário. Brincar de diferentes formas; construir brinquedos; brincar em diferentes espaços; utilizar objetos culturais durante as brinca- deiras alterando-os pela imaginação ou pela ação transformadora em brinquedos [...] Interagir com as outras crianças do grupo; Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 109 com os adultos, com crianças de outros grupos étnicos, com as famílias, com a comunidade da creche ou NEI [...] Manifestar-se através de diferentes linguagens, o que significa permitir e reco- nhecer que a oralidade, a escrita, o desenho, a dramatização, a música, o toque, a dança, a brincadeira, o jogo, os ritmos, as inú- meras formas de movimentos corporais, são todos eles expressõesdas crianças, que não podem ficar limitadas a um segundo plano (SAYÃO, 2002, p. 60). Um dos modelos mais interessantes a que tive acesso para ilustrar metodologias de ensino voltadas à autonomia é o espectro de Muska Mosston. Nele, percebemos a distinção entre os métodos anômios, hete- ronômios e autônomos (MOSSTON; ASHWORTH, 1986). Do mais simples (condicionado) ao mais complexo (reflexivo) (KRUG, 2009), em que o desejo educacional do aprender a aprender reside em uma ten- tativa de uma “educa-ação” para pensar livremente, algo característico do ócio, no tempo da liberdade de liberdade, que é o lazer, essencialmente. Quadro Espectro de Muska Mosston. CLASSIFICAÇÃO MÉTODOS COMPORTAMENTO Autonomia Solução de problemas Criativo Reprodutivo Heteronomia Descoberta orientada Heteronomia Programação individualizada Heteronomia Orientação recíproca Heteronomia Tarefas Anomia Comandos Fonte: Mosston e Ashworth (1986). Compreende-se que o aprendiz pode recorrer ao mais experien- te (andaime) para aprimorar e ampliar suas habilidades e seu saber. Porém, não é possível perder a ideia ou ideal de convergência da bus- ca da autonomia e da liberdade de liberdade. Para isso, o orientador deve desprover-se do ideal de poder a que está atrelado. É difícil para qualquer pessoa desprender-se disso, assim como o é para o professor, mestre, orientador ou como queira denominar esse que essencialmente deve ser um amigo. Trata-se de não fazer de seu aluno uma continuidade de sua exis- tência, alguém que vai trabalhar alienadamente para manter o status quo. É necessário não atrapalhar o aluno em seu processo de criação. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 110 Basta, como mediador do processo, mostrar o caminho da sublimação, da ação de sublimar, ou seja, fazer arte. Parece-nos que seria melhor um mundo com mais crianças arteiras. Infelizmente, ainda prevalece a mera reprodução dos saberes acumulados. O mais medíocre exemplo do fracasso da instituição escolar são os parâmetros de avaliação (KRUG, 2009). Eles, de forma geral, apontam para a aquisição de conceitos básicos, tidos como saberes obrigatórios. Embora já exista documento da Unesco apontando diretrizes para a educação do século XXI, como aprender a conviver, aprender a conhe- cer, aprender a estar e aprender a ser, ainda pouco se faz nesse sentido, sobretudo quando se trata de avaliação. Quanta limitação. Um mundo de possibilidades diante de nós e um ínfimo saber a ser reproduzido. Que incoerência com a natureza, sobretudo, a natureza da criança. O pior do processo de avaliação é o sentimento de culpa que o aprendiz desenvolve, a partir da transferência do professor, quando não aprende aquilo que deseja esse professor. É triste imaginar que, na maio- ria das vezes, ocorre a frustração do aluno em não realizar o desejo do docente e a frustração do docente em não realizar o seu desejo no aluno. Por isso, proponho: vamos sublimar. Vamos fazer da escola um espaço de realização e, sobretudo, sublimação de nossos desejos. Para tanto, volto a mencionar que é preciso mais recreação, lazer, jogo, brin- cadeira e brinquedo. Esse discurso não é hipócrita. Há muito ouço, vejo e leio sobre a importância de brincar na escola. Porém, percebo um brincar muitas vezes desprovido de seu sentido mais verdadeiro, ou seja, a espontaneidade e a liberdade. Devemos fazer desse discurso uma prática no processo de ensino-aprendizagem. Porém, precisamos perder o medo de ousar, de fazer de forma desprendida. Ensino que não prio- rize o poder e a hierarquia social. Ensino que não preconize a ilusão de poucos. Retomando o modelo apresentado anteriormente, de Muska Mosston, percebemos, em seu cume, o método de ensino de solução de problemas (MOSSTON; ASHWORTH, 1986). Tal método condiz com uma atividade autônoma. Na base da pirâmide, os métodos mais diretivos, por meio de comandos e tarefas, mais característicos de um processo de condicionamento, infelizmente, ainda são os mais utiliza- dos no processo de ensino-aprendizagem, nos mais diferentes níveis de escolarização (MOSSTON; ASHWORTH, 1986). Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 111 Vale lembrar que toda aprendizagem promove desenvolvimento, pois, seja ele qual for, somente decorre da aprendizagem, ou seja, da mudança. Logo, quando se muda, desenvolve-se, e isso é fascinante. A disciplina, academicamente, é caracterizada por um conjunto de conteúdos que pertencem ao corpo de uma determinada área de conhe- cimento. Um dos maiores problemas educacionais contemporâneos está relacionado à tendência de disciplinarização dos conteúdos, ou seja, sepa- ram-se as informações deixando-as isoladas umas das outras. Logo, quem estuda matemática não aprende normalmente que a matemática está pre- sente em tudo que entendemos como existente, por isso muitos jovens ain- da se perguntam, muitas vezes, o motivo de fazer todos aqueles cálculos. No entanto, mais importante que o conteúdo disciplinar é o con- teúdo transdisciplinar, aquele que transcendente, como mencionado anteriormente. Nesse sentido, destaco a natureza, autonomia, liberda- de, razão, cidadania, diversidade emocional, humanidade e, possivel- mente o principal, que é o amor. Acredito que o amor é a mola propulsora de todos os nossos pen- samentos, sensações e ações. Precisamos entendê-lo melhor para traba- lhar esse conteúdo transdisciplinar. Psicanaliticamente, entende-se amor como uma falta. Essa falta deve ser sublimada com as diversas formas de manifestações artísticas. Assim, pensar na ação de ensinar, educar, é pensar em cuidar, nutrir, preencher a falta por meio do exercício da arte, da sublimação. Quaisquer manifestações de ensino-aprendizagem ma- temáticas, linguísticas, musicais, esportivas, entre outras, uma vez feitas como sublimações, como manifestações artísticas, serão bem-aventura- das, sobretudo se o corpo estiver liberto e em movimento. Para sair do discurso e fazer, convidamos a ler e experimentar a pro- posta a seguir. Proposta que caracterizamos como didática, pois os elemen- tos comuns ao fenômeno jogo foram dispostos em uma espécie de matriz, na qual é possível manipular seus elementos para provocar a aprendiza- gem. Sua maior serventia se dá no sentido da construção. A utilização adequada dessa proposta simples pode proporcionar boas safras. Não há garantias do sucesso, porém, há segurança em afirmar que minhas expe- riências pessoais foram sempre surpreendentes no que se refere à questão do desenvolvimento da autonomia. Por isso, o anseio em dividi-las com todos os educadores e interessados no desenvolvimento humano. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 112 Construção de jogos e cirandas Será apresentada aqui a proposta didática para construção de jogos e cirandas. Primeiramente, ressaltamos que as cirandas são entendidas como manifestações de jogo. Assim, como mencionado anteriormente, toda ciranda é jogo, porém, nem todo jogo é ciranda. A ideia de ousar na organização de uma matriz para manipular variáveis do jogo começou a ser esboçada ainda no período em que eu era estudante de Educação Física na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), mais precisamente no período em que era estudan- te e estagiava no Serviço Social do Comércio (Sesc), de Florianópolis. Nesse local, desenvolvia diversas tarefas, entre elas estava a escolinha de futsal. Em um lapso de racionalidade, resolvi adotar uma estratégia di- ferenciada, quando, defrontei-me com aquela situação, comum a mui- tos, de que prevalecia no grupo de meninos a vontade de jogar única e exclusivamente a modalidade de futsal, tal como ela é. Destaco que não sou contrário à prática da modalidade futsal em seu conjunto típico de regras, porém, acredito que a diversidade pode contribuir para algo a mais no processo. Foi assim que passei a observar o grupo e o jogo de futsal tal como ele é. Tive a feliz experiência de, anteriormente, ser atleta dessamodalidade. Refleti muito sobre as ca- racterísticas do jogo e seus elementos constitutivos. Quando optei pela forma de intervir, pensei que encontraria muita resistência do grupo, porém foi somente enquanto falava. Quando eles começaram a jogar, percebi que a resistência era mais minha do que deles com relação à mudança. Rapidamente, as crianças mostraram sua essência, a criati- vidade diante de todas as possibilidades existentes no fenômeno jogo. Questionei-me se estava sendo muito diretivo ao propor algo contrário ao seu movimento inicial. Certamente, não consegui resposta ainda, porém sei que o processo foi muito interessante. A intenção era que eles desenvolvessem as habilidades necessárias ao futsal, de maneira a não recorrer aos condicionamentos dos proces- sos pedagógicos de ensino dos gestos programados. Considerei o jogo uma oportunidade mais natural e espontânea para que isso ocorresse. Contudo, levei em consideração a diversidade, a pluralidade de possibi- lidades que o jogo oferece. Acreditei que poderia contribuir com o de- senvolvimento de habilidades motoras. Porém, o mais pertinente ainda Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 113 estava por vir, consorciar os jogos com a possibilidade de os próprios aprendizes construírem seus jogos em um espaço democrático. Foi no- tável. É impressionante o que crianças podem fazer quando o adulto não atrapalha. Isso me fez lembrar de um psicanalista do denominado grupo do meio, que mencionou que, quando o adulto não atrapalha, as crianças brincam (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). Para explicar a primeira proposta, de construir jogos, vou recorrer aos próprios relatos dessa experiência de estágio para ilustrar como é possível a utilização dessa matriz. Proposta didática 1: construção de jogos Ao posicionar-me diante do grupo de crianças, solicitei que for- massem uma roda, um círculo de testa. Eles até corresponderam ao meu pedido; no entanto, enquanto eu falava e eles apenas ouviam pas- sivamente, notei certa dispersão. Tomei como base a utilização do jogo. Tão logo comecei a explicar as regras, percebi a prontidão, sobretudo pelo fato de eu ter delegado a eles a responsabilidade de construir um jogo que não fosse o de futsal, tal como ele é. Coloquei-os em uma posição ativa no processo. Essa foi a diferença básica no estado de aten- ção pessoal de cada criança envolvida. Verifiquei o quanto eles estavam presos ao condicionamento e dependentes de que alguém lhes dissesse o que deveria ser feito. Adotei o esquema de Muska Mosston, mais especificamente a descoberta orientada paralelamente com a matriz que estava em meus planos mentais, assim como exponho a seguir. Matriz para construção de jogos Objetivo + número de participantes + espaço físico + materiais + disposição dos participantes + regras (inicial, desenvolvimento e final) O objetivo era conhecido por todos, construir um jogo pré-des- portivo para o futsal. Contudo, eram treze crianças, em uma quadra poliesportiva, com uma bola à sua inteira disposição. Partindo desses aspectos, perguntei a eles: “quantos jogarão?”; um dos participantes ra- pidamente contou quantos eram e disse: “seis para cada lado e um espe- ra a vez”. Achei apropriado intervir, mostrando que havia outras possi- bilidades. Perguntei: “será que existe a possibilidade de os treze estarem jogando?”, um menino propôs: “que tal fazer dois times com seis cada e um sempre jogando junto com aquela equipe que está com a bola?” Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 114 Pensei eu: “que interessante”. A sua proposta estimula sete a desenvol- verem habilidades de ataque em vantagem numérica, bem como obriga seis pessoas a defenderem em desvantagem numérica. O grupo aprovou o que os amigos manifestaram. Melhor ainda foi a reação deles quando eu aprovei, não apenas com palavras, mas com minhas atitudes. Concluí, posteriormente, que, naquele momento, estávamos to- dos jogando para jogar. Pensei em muitos outros aspectos depois da experiência, intuí que diversos deles, de ordem espaço-temporal, fo- ram estimulados. Voltando ao momento em que construímos o jogo, rapidamente, questionei-os: “em que espaço vai acontecer este jogo?”, um deles disse: “na quadra de futsal”. Validei o que o menino disse, porém perguntei: “olhem bem para o espaço da quadra, será que é possível jogar nesse espaço de outra forma?”, prontamente, o mesmo menino respondeu: “sim! Sim! Vamos colocar as traves nas laterais”. Curiosamente, todos olharam para mim. Eles leram a minha expres- são. Não verbalizei nada, apenas minha expressão validou a ideia. Eles saíram em disparada, até com certa coordenação do grupo, e levaram as traves até o lugar estipulado, ainda com requintes de precisão. Disse a eles: “muito bom. Agora, vocês irão jogar com esta bola que tenho aqui em minhas mãos”. Contudo, perguntei: “será que tem alguma parte do corpo que, no futsal, não pode utilizar para jogar e que hoje vocês possam utilizar neste jogo que estão fazendo?”, prontamente, um respondeu: “as mãos”. Validei, também prontamente, porém, lem- brei que no futsal o goleiro pode usar as mãos. Então, dois ou três interferiram, quase ao mesmo tempo, dizendo: “todos serão goleiros e jogadores de linha”. Validando a ideia e percebendo que todos os treze estavam inquietos para experimentar o jogo que haviam construído, deixei-os realizar. As lembranças que me vêm à mente, de vê-los jogar naquela tarde, após aquele envolvimento coletivo, são quase indescritíveis. Posso dizer que me comovo com o prazer que eles sentiram ao jogarem o jogo que eles haviam criado. Refleti que, por um momento, aqueles meninos construíram, simbolicamente, um mundo em que gostariam de viver, com suas próprias leis. Confesso que, naquele dia, as teorias fizeram sentido. Foi naquele exato momento que tive um lampejo do que é recreação, do que é lazer, do que é liberdade de liberdade, ainda que mediada por um adulto. Pelas suas expressões, sei que, naquela tarde, Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 115 todos tinham se deparado com o sentimento de liberdade que tantos adultos, incluindo eu, esforçaram-se para suprimir de cada uma daque- las crianças. O semestre prosseguiu, os encontros aconteciam duas vezes por semana. Já no segundo encontro, todos estavam animados com a ideia de fazer um jogo diferente. Assim, cada dia, um ou mais jogos eram con- feccionados por eles. Minha intervenção era problematizar, o restante eles faziam. Por vezes, as regras não ficavam muito adequadas, porém, democraticamente, eles modificavam as regras para que o jogo aconte- cesse melhor. Tudo ocorreu de forma que, em um determinado momen- to, minha posição enquanto instrutor já não era mais tão importante. Continuaram as vivências, até que um dia um menino comentou: “puxa, faz tanto tempo que não jogamos futsal. Nem precisava mais chamar escolinha de futsal”. “Interessante o que ele disse”, pensei. O que mais me chamou atenção não foi o que ele colocou, mas a sua expressão de alegria ao mencionar isso diante do grupo, que concor- dou, anuindo com a cabeça. Porém, a sinalização denotava que eles não precisavam de alguém lhes dizendo o que deveria ser feito. Era como se cada um tivesse desenvolvido a consciência de poder escolher o que fa- zer naquele espaço de jogo, assim como para suas respectivas vidas. Foi, então, que propus a organização de um torneio de futsal, que deveria, contudo, ser organizado por eles. O resultado foi esplendoroso. Eles foram capazes de fazer tudo, desde a arbitragem até a premiação. Havia até prêmio para o artilheiro. O mais engraçado foi observar tudo isso acontecer sem dar uma só ideia. O sentimento que tive ao sair da quadra após esse dia de tor- neio, lembrando-me também do comentário que o menino havia feito sobre não jogarem mais futsal, foi que minha intervenção tinha sido importante para eles, mesmo que eu não fosse mais importante e/ou necessário.Não tinha e não exercia mais nenhuma representação de poder sobre eles. Devo afirmar, contudo, que havia um respeito, uma cumplicidade, como se eles soubessem que eu sabia. Engraçado, não foram necessárias exposições teóricas sobre filosofia para fazê-los enten- dê-la em um sentido aplicado. Bastou oportunizar o espaço, o tempo e ajudar todos a lembrarem do que são capazes de fazer com suas ideias diante de tantas possibilidades que o jogo e a vida oferecem. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 116 Penso que, depois dessa breve “fábula real”, relativa à experiência lúdica com essas crianças na escolinha de futsal do Sesc de Florianópo- lis, não são necessários comentários adicionais. Acredito que as crianças da experiência mencionada integraram diversos conceitos importantes para construir a autonomia. Proposta didática 2: construção de jogos rítmicos (cirandas) Pude experimentar, também, a construção de cirandas. Contudo, o público foi outro. Não eram mais crianças. Dessa vez, foram os adultos que tiveram contato com a proposta pela primeira vez. Os momentos para essas construções sempre se deram em cursos de exten- são ou aulas em cursos de Pós-graduação. Isso não impediu as pessoas de realizarem as construções de cirandas. Dessa forma, contarei sobre a primeira vez em que utilizei a proposta de construir cirandas com um grupo de pessoas. Foi durante um treinamento do Grupo de Estudos em Recreação na Educação e Saúde (Geres), projeto do qual fui autor e coordenador. Por trabalhar com recreação, já tinha experimentado diversos tipos de cirandas, tanto com crianças quanto com adultos. O resulta- do sempre foi primoroso e isso me chamava atenção, sobretudo pelo caráter lúdico da atividade. Com o tempo, refleti que, na essência, uma ciranda era também um jogo, pois lá estavam os mesmos elemen- tos presentes, isto é, espaço, tempo, participantes, enfim, as regras de forma geral, assim como as características inerentes ao jogo, como o princípio de que a realidade interna de tal atividade prevalece sobre a sua realidade externa. Tomado por esse insight, procurei pesquisar algo que fosse similar a uma matriz. Encontrei algumas menções sobre tipologias de cirandas. Porém, algo como eu estava estruturando não encontrei, embora acre- dite que exista algo, inclusive melhor e, se não existe, é devido ao fato de ser possivelmente desnecessário. Vamos aos fatos da experiência, o valor fundamental, no meu ponto de vista, em relação à proposta. Foi sempre comum, nos lugares em que estive lecionando, pedi- rem-me: “você tem as músicas gravadas, ou as letras, pois se não tiver não conseguirei lembrar”. Nesses momentos, reportava-me brevemente a Platão, na Antiguidade. De acordo com a história clássica da filosofia, Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 117 Platão nada escrevia, alegava que era importante, para desenvolver a memória, não escrever o que pensa, mais sim lembrar. Nesse caso, sem- pre dizia a tais pessoas: “lamento, não tenho essas letras escritas, porém, indico o livro x, o vídeo y, entre outros”. Contudo, salientava que o importante era viver a experiência de fazer as cirandas acontecerem para memorizá-las. Nesses momentos, sentia certa angústia por não poder ajudar com algo mais, afinal, ali estavam professores que, no dia seguin- te ao curso, tentariam aplicar aquelas cirandas com seus alunos. Voltava para casa pensando em como subsidiá-los. Munido do tal insight e, também, da ideia de autonomia, pensei em adaptar a experiência com jogo nas cirandas. Posso afirmar que foi muito produtivo. Como expus anteriormente, a primeira oportunidade foi no trei- namento do Geres. Cheguei até a quadra onde havia cinco estudantes de Educação Física ansiosos com a ideia de participar do projeto. As intenções estavam à flor da pele. Reuni o grupo em uma roda, no cha- mado círculo de testa. Pedi a eles: “alguém pode me ajudar a lembrar de uma ciranda?”, uma das participantes mais extrovertidas puxou a ciranda clássica: “Roda cutia, de noite, de dia, o galo cantou e a casa caiu.” Todos realizaram a atividade coordenadamente, sem precisar dizer nada. Pensei rapidamente nisso e depois refleti sobre a possibilidade de memorizar informações por meio da música e da dança. Contudo, dei continuidade ao treinamento propondo: “agora vamos fazer outra ciranda, diferente dessa e de qualquer outra que vocês conheçam”. Não precisei sequer terminar de falar e já ouvia rumores, insinuando que não seria possível. Pensei: “eles são adultos, para nós, experientes, as possibilidades são menores, tamanha a carga de interditos e recalques que recebemos por meio de um ensino de condicionamentos”. Resolvi deixar a problematização de lado e recorri à descoberta orientada, dizendo: “sei que o desafio não é fácil, mas vamos tentar de outra maneira. Digo, não pode mais ser roda cutia, tem de ser outra coisa”. Logo percebi que seria mais fácil, pois uma jovem tratou de Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 118 dizer: “pula gato”. Então, prosseguimos com a música, cantando e brin- cando, inclusive inserindo o movimento de um gato pulando: “Pula gato, de noite, de dia, o galo cantou e a casa caiu.” Foi então que interferi novamente, dizendo: “agora não será mais de noite, de dia, terá de ser diferente”. Rapidamente, um rapaz disse: “pula gatinho (entrou o diminutivo) pra dentro e pra fora, o galo cantou e a casa caiu”. Sem pestanejar, até pelo fato de que ninguém conseguiria pestanejar naquele momento, realizamos a ciranda com a nova substituição. No entanto, um detalhe me surpreenderia, sem que eu precisasse indagar o grupo, uma menina tratou de fazer valer a sua voz e substituir o restante. Ela cantarolou com o grupo e de- pois sozinha: “pula gatinho, pra dentro e pra fora, o cachorro latiu e o gato fugiu”. Todos terminamos aquela etapa da ciranda rindo e aplaudindo a aluna. Imagine só, ela estava pensando o todo, enquanto eu, para tentar facilitar para o grupo, estava parcializando a construção da ciranda. A única coisa que considerei pertinente naquele momento foi perguntar a ela se poderia nos ensinar a brincar com a ciranda que ela havia ajudado a construir. Foi então que ela determinou quem seria o cachorro, quem seriam as pessoas da roda, em que espaço aconteceria a brincadeira, entre outras questões típicas de um jogo. Brincamos várias vezes até que todos fossem cachorros e gatos. Foi muito divertido. Depois de terminar o treinamento, deparei-me com o comporta- mento silencioso do grupo, ali constatei a ansiedade depressiva, carac- terística da integração de um novo conceito (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). Não obstante, aconteceu um fato incomum, ninguém veio até mim, após o curso, pedir a letra das músicas que havíamos construído. Matriz para construção de cirandas Objetivo + número de participantes + espaço físico + materiais + disposição dos participantes + regras (inicial, de desenvolvimento e final) + música (acordes, letra e ritmo) Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 119 Refletindo um pouco sobre essa experiência, posso afirmar que os recursos para construir cirandas são ilimitados. A única limitação que pode existir é acreditar em um repertório acabado para as cirandas. Tomando como base essa matriz, constata-se que uma ciranda se difere do jogo unicamente devido a seus elementos musicais. Existe um grande debate em torno da modificação das cirandas e jogos; alguns defendem que a tradição é melhor, pois brincadeira é coisa séria, afinal, mudanças podem ser inadequadas aos princípios morais e ferir os sentimentos dos participantes, dependendo da maneira como a brincadeira será condu- zida. Outros se lançam nas metamorfoses musicais sem receio algum, inclusive inserindo outros ritmos e situações mais contemporâneas e próximas da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), tipo hip hop. O que penso sobre isso? Acredito quea mudança é importante, desde que parta do desejo do aprendiz e seja intermediada pela figura do orientador diante dos princípios morais de uma determinada comu- nidade, sem deixar, é claro, de ressaltar a tradição, isto é, podemos fazer o hip hop ou o rock da Roda Cutia, porém sem deixar de mencionar a bela história da origem popular e infantil da ciranda já conhecida. Como consideração final, prefiro pontuar que as cirandas são ilimita- das quando utilizamos a criatividade e não a mera reprodutibilidade. Pense: quantas habilidades podem ser desenvolvidas quando estamos reproduzin- do uma ciranda? Agora reflita: quantas habilidades podem ser desenvolvi- das ao construir, ao recriar cirandas? Tome suas próprias conclusões. Prefiro assim. Apenas preciso repetir que a ação de criar, ou a recreação, precisa acontecer nos espaços de desenvolvimento humano, principalmente, na escola, com as crianças, em um processo de ensino-aprendizagem, no qual o corpo em movimento diante de atividades lúdicas esteja atuante, parti- cipando ativamente, pois esse é o único e verdadeiro sintoma de prazer de estar, de ser e de aprender, ou seja, gostar de fazer. Os jogos de construção já estão presentes de forma natural nas crianças a partir das primeiras duas infâncias, ou seja, nos primeiros seis anos. Os jogos de faz de conta, típicos da segunda infância, em que o egocentrismo infantil predomina no comportamento, são exemplos evidentes dos jogos de construção. O método de ensino da descoberta orientada está no nível de desenvolvimento intermediário da autono- mia dos aprendizes, o que reforça a necessidade de utilizá-lo quando o professor perceber a dificuldade dos alunos na solução de problemas. Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 120 Acredita-se que a não utilização ou subutilização dos jogos de cons- trução na educação física seja apenas um dos reflexos negativos do bojo da problemática da educação brasileira. Os processos pouco efetivos de formação acadêmica e profissional em educação física, a desvalorização da carreira de professor, o sucateamento das escolas, a cultura de repro- dução de conteúdos de ensino vigentes de forma acrítica, a escassez e/ ou insuficiência de cursos de formação continuada são apenas alguns exemplos a citar. Infelizmente, com relação a esse assunto, o maior vilão apontado no quadro negativo tem sido o próprio pro- fissional de educação física que atua nas escolas do Brasil. Tenho a pretensão de contribuir para a reversão desse quadro; contudo, estou ciente de que, sem um tra- balho coletivo, a longo prazo, isso não mudará substancialmente. Da teoria para a prática As pré-escolas são como terras férteis. Tudo que é semeado e cui- dado com carinho germina de forma esplendorosa. Os pequeninos são como flores, juntos compõem um jardim com cheiro de futuro, com as cores de todas as coisas boas da vida e o brilho da esperança. Infelizmente, esses jardins não têm sido suficientemente cuidados. Quando o acompanhamento é inapropriado, seja pelo abandono ou pelo mimo, podem se tornar ervas daninhas. Em contrapartida, se forem aten- didas apropriadamente, com respeito, responsabilidade, meritocracia e bons exemplos, florescem e contagiam os corações mais insensíveis. É impossível não gostar incondicionalmente das crianças, da in- fância, sua espontaneidade genuína, liberdade e criatividade. Vemos nos seus olhos, sorriso, na sua peraltice o que a natureza produziu de mais fabuloso. Sentimos o sensível afinando-se com o inteligível, na busca de harmonia, de ritmo. Entre um tropeço e outro, entre um sorriso e um choro manhoso, a esperança de um mundo melhor está com eles. Para saber mais sobre o espectro dos estilos de ensino propostos por Muska Mosston, considerando a relevância desse conteúdo para a metodologia do ensino da disciplina de educação física, é de extrema valia ler a obra escrita pela professora Dircema Krug, cuja referência expomos a seguir. KRUG, D. F. Metodologia do ensino: educação física. Curitiba: JM, 2009. Saiba mais Capítulo 11 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 121 Que bom seria o mundo dito real se considerássemos um pouco de cada sonho, de cada fantasia infantil e transportássemos o que é considerado útil para a realidade. Mesmo encharcadas de egoísmo, uma vez que são regadas em demasia, ainda creio na infância e no futuro da humanidade. Contudo, como são tão dependentes dos adultos para tudo, até para aprender a fazer escolhas, acredito que a sociedade está defasada de cuidadores dignos de tal responsabilidade. Para dar continuidade ao raciocínio, porém com outra conotação, será proposta uma atividade prática. Sugerimos a elaboração, em con- junto com um profissional de educação física licenciado, de um plano de aula para construir cirandas com os alunos da Educação Infantil. Há quem pense que eles não são capazes de fazer paródias; tais pessoas estão tremendamente enganadas. É conveniente munir-se de um termo de consentimento livre e escla- recido, para realização de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou responsáveis dos alunos, a fim de registrar a vivência que será pro- posta. Crianças em idade pré-escolar podem ser reunidas em um grupo. Aconselhamos uma ação com dinamismo, que é necessário, pois, sem uma postura animada e dramatizada, não há comunicação fluida com as crian- ças. Para abrir o canal de diálogo com os pequeninos, é imperativo atrair a atenção deles por alguns instantes, pelo menos por um tempo suficiente para dar uma breve direção à atividade. A experiência mostra que a tendên- cia é que essa atividade seja dirigida por eles com o passar do tempo. Aconselhamos a direção da ciranda chamada Eu vou andar de trem. Forma-se um trenzinho, crianças adoram imitar um trem, seu movi- mento, seus ruídos. A música, de domínio público, é a seguinte: “Eu vou andar de trem, vocês também” (As crianças repetem) “Parou” (As crianças repetem) “Dedinho para frente” (As crianças repetem) “Mais para frente” (As crianças repetem) Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 122 A cantoria segue acompanhada da imitação dos gestos, algo que as crianças adoram fazer, acham graça. O professor recomeça: “Eu vou andar de trem, vocês também”. As crianças seguem repetindo e, quando termina o “mais para frente com os dedinhos”, movimenta-se outra parte do corpo, que vai se somando a cada nova rodada. Ao final, vários gestos são feitos. Aqui, vem a transformação. É difícil problematizar com os peque- nos, mas, por meio de pistas, ou seja, o método da descoberta orientada do espectro de Muska Mooston, eles poderão parodiar e descobrir novas possibilidades de movimento. Por exemplo, o professor diz: “Não vamos mais andar de trem. Do que a gente pode andar agora?” As crianças, sem titubear, dirão várias formas diferentes e sem muita ordem: “de cavalo, de carrinho, de bicicleta”, entre outros. Então, conforme for o movimento de outros veículos de transporte, os alunos se movimentarão no mundo. Exemplo: “Eu vou andar de carro, vocês também”, e assim por diante. O que funciona muito bem, em nível afetivo, é reforçar positiva- mente as opiniões das crianças. Quando elas contribuem com a brin- cadeira, ganham um abraço de todos. Por haver diferentes níveis de desenvolvimento entre os pequeninos, aquele que der uma ou duas ideias primeiro poderá assumir a função de dinamizador e passar a vez para outro, a fim de que outras crianças possam, também, receber o reforço positivo, com sobressaltos interessantes nas variáveis psíquicas, como autoestima, autoconceito e autoimagem. A exploração das cirandas por meio de paródias é ilimitada. Síntese O capítulo retratou as experiências mais significativas em relação à construção de jogos e cirandas ao longo de minha vida acadêmica e profissional, tendo como plano de fundo a associação dessas vivências com o uso dos métodos de ensino do espectro de Muska Mosston. Foram apresentados, deforma sintética, os principais conceitos do referido espectro, bem como sua utilidade no cotidiano escolar. Em segui- da, foram expostas duas propostas didáticas, uma para construção de jogos e outra para construção de cirandas, ambas direcionadas ao público infantil. 123 Este capítulo apresentará as possibilidades interdisciplinares e transdisciplinares da educação física escolar. Serão apresentadas as for- mas mais comuns de trabalho interdisciplinar, seguidas de sugestões de composições, no contexto da educação física escolar. A transdisciplina- ridade será conceituada e tratada como opção ótima para a organização de uma pedagogia de projetos no âmbito escolar. Desejamos que, ao encerrarmos este capítulo, seja possível não ape- nas levar o leitor a compreender a educação física como disciplina fértil para o desenvolvimento da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na escola, mas, sobretudo, subsidiá-lo com modelos oportunos do traba- lho pedagógico por meio de projetos. Interfaces entre a disciplina educação física e as demais disciplinas escolares Existem critérios apontados nos PCN para a seleção dos temas transversais, que são: a) a urgência social; b) a abrangência nacional; c) a possibilidade de ensino e aprendizagem no Ensino Fundamental; d) o favorecimento à compreensão da realidade e à participação social, tendo como exemplos a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde, a orientação sexual e temas locais (BRASIL, 1997a). A transdisciplinaridade pressupõe um trabalho educacional em que múltiplas disciplinas dialogam entre si, na busca da construção de um conhecimento comum a todas, sem interdições entre os diferentes saberes (IRRIBARRY, 2003). Inter e transdisciplinaridade 12 Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 124 Ambas, transversalidade e interdisciplinaridade se fundamen- tam na crítica de uma concepção de conhecimento que toma a realidade como um conjunto de dados estáveis, sujeitos a um ato de conhecer isento e distanciado. Ambas apontam a complexidade do real e a necessidade deste considerar a teia de relações entre os seus diferentes e contraditórios aspectos. Mas diferem uma da outra, uma vez que a interdisciplinarida- de refere-se a uma abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento, enquanto a transversalidade diz respeito prin- cipalmente à dimensão didática (BRASIL, 1997a, p. 40). A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabele- cer, na prática educativa, uma relação entre aprender na reali- dade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistema- tizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade) [...] Os temas transver- sais, portanto, dão sentido social a procedimentos e conceitos próprios das áreas convencionais, superando assim o aprender apenas pela necessidade escolar (BRASIL, 1997a, p. 40-41). Consideramos que transdisciplinaridade e interdisciplinaridade não significam o mesmo trabalho didático-pedagógico, mesmo que tenham algumas características em comum e se complementem. A pluridisciplinaridade não possui aspectos do alcance e da com- plexidade da transdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem, portanto ambas não são sinônimas (IRRIBARRY, 2003). As disciplinas referem-se a áreas específicas de um dado saber científico, mesmo que nem todas as ciências se configurem como disciplinas. Existem semelhanças entre transdisciplinaridade e interdiscipli- nariedade, contudo, reforça-se o fato de que são trabalhos educativos distintos e com amplitudes diferentes. A interdisciplinaridade consiste em um processo educacional com, pelo menos, dois níveis hierarqui- zados e com propósitos diferentes, subordinados a uma supervisão ou coordenação pedagógica, assegurando que os objetivos disciplinares e interdisciplinares sejam atingidos no processo ensino-aprendizagem (IRRIBARRY, 2003). A não efetivação da interdisciplinaridade é de natureza multifa- torial. Contudo, acredito que três fatores são determinantes para que as ações interdisciplinares não ocorram com frequência e eficiência suficientes nas escolas brasileiras. Assim, cito a insuficiência de planos de carreira para docentes, a prevalente baixa qualidade dos cursos de Capítulo 12 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 125 formação de professores e a ine- xistência, salvo raras exceções, de planejamento didático-pe- dagógico de qualidade nas ins- tituições de ensino. É notório que a resolução desses três fato- res apontados não asseguraria o sucesso do trabalho interdisci- plinar, mas consistiria em passo importante nesse rumo. Da teoria para a prática Um dos exemplos mais interessantes de processo educativo de cunho transdisciplinar já aplicados foi a denominada Paideia, ou seja, o modelo educacional aristocrático dos antigos cidadãos gregos. Denomino aristocrático pelo fato de a chamada democracia grega não propiciar uma educação exatamente laica e para todos, consideran- do a escravidão, segregação étnica e cultura machista que subjugava as mulheres da época. Excluindo o caráter elitista e patriarcal daquele modelo educativo, podemos subtrair dele uma essência transdisciplinar de grande valor para nosso tempo, desde que sejam realizadas as devidas adaptações, necessárias à contemporaneidade. O local chamado escola, frequentado pelas crianças atenienses, referia-se ao lugar de nada fazer. Os encontros eram realizados nas cha- madas palestras, locais ao ar livre onde se realizavam os encontros para aprender. Quem conduzia os infantes eram os pedótribas, escravos es- pecializados na condução, tutoria, proteção e instrução dessas crianças nas diferentes disciplinas necessárias à formação integral do cidadão gre- go, do homem livre que viveria a plenitude do ócio criativo. Havia ba- sicamente dois livros homéricos, Ilíada e Odisseia. No caso da Odisseia, existiam vários textos em que o protagonista Odisseu (na mitologia grega) partia para grandes jornadas e vivia aventuras estonteantes com seus companheiros. A ideia central eram as viagens, as descobertas dos mundos distantes e o desejo de sabedoria e do desconhecido, o amor pelo saber, traduzido como filosofia. Tratando-se de interdisciplinaridade, não se pode perder a oportunidade de acompanhar os trabalhos do programa Sala de Professor, exibido pela TV Escola, um canal de TV aberto, à disposição dos professores e ligado ao Ministério da Educação (MEC). O progra- ma sugere projetos para serem desenvolvidos em várias disciplinas, a partir da observação de vídeos educativos. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação Física FAEL 126 Com base na exposição dos primórdios da história da educação grega, sugerimos a elaboração, em conjunto com um profissional de educação física licenciado, de um plano de ensino de característica transdisciplinar. Para a realização da atividade, é necessário que se esteja munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para reali- zação de filmagens e gravações de áudio, assinado pelos pais ou respon- sáveis dos alunos, a fim de registrar a experiência. Como faziam os antigos gregos, deve-se propor uma viagem para um local curioso e, de preferência, desconhecido pelos alunos. Pode ser um ponto turístico de sua própria cidade. É decisivo que esse lugar requeira o uso de algum meio de transporte para ser acessado, como um barco ou um balão. É necessário certificar-se de que há algum conto ou uma história qualquer escrita a respeito desse lugar, para que se possa trabalhar com lei- tura de texto. Ao propor a atividade, os alunos devem ser reunidos, a fim de que se conte tal história. É preciso ser versátil nessa fase. Pode-se recorrer a outros meios, como teatro de fantoches ou mesmo contação de histórias. Após essa etapa, deve ser feito um levantamento com os alunos sobre o que seria necessário para fazer a jornada ao lugar da história. No caso de haver personagens na história,pode-se adotar a dramatização, caso contrário, divide-se o grupo conforme for necessário para o traba- lho coletivo. Supondo que o local escolhido dependa de uma navegação por um lago ou rio, tudo terá de ser preparado, desde a embarcação, os equipamentos de segurança e socorro até a alimentação e tudo mais. Todos os professores terão de trabalhar juntos, pois não haverá como fazer isso em uma única disciplina. Matemática, português, geo- grafia, história, enfim, todos deverão trabalhar juntos, dando a sua con- tribuição. Um projeto dessa magnitude requer um semestre inteiro de estudos. Envolver os alunos, independente do ano em que estejam, será fundamental em todos os processos, desde o planejamento até a execu- ção e a avaliação correspondente. Se algum professor argumentar que não sabe nada sobre navegação, não deverá servir de empecilho, pois todos pesquisarão o que for necessário para construir o conhecimento para alcançar o objetivo do projeto. Em nossa suposição, nesse caso a navegação por um determinado trecho de rio, tudo terá de ser minuciosamente preparado. Será imprescindível um projeto escrito, relacionando as pessoas que viajarão, custos, equipamentos, Capítulo 12 Fundamentos e Metodologia da Educação Física 127 entre outras coisas. Serão necessários cálculos para fabricar um determinado tipo de embarcação, verificar a distância e o tempo da navegação, a massa dos viajantes e dos utensílios que serão transportados, o empuxo da embar- cação, entre outras coisas. Será preciso identificar a localização, mediante o estudo de orientação dos pontos cardeais, com a utilização de mapas e cartas de navegação e de uma bússola. Para reconhecer o local com toda imersão que ele merece, sua história deve ser estudada. Ocorrerá toda a preparação física oportuna para o transporte das cargas, da embarcação e das atividades próprias da navegação, a citar velejar, remar e nadar, caso seja necessário. O objetivo da proposta transdisciplinar relatada não é detalhar toda a atividade passo a passo, mas apresentar uma linha de raciocínio sufi- ciente para que os professores da escola, ao seu tempo e em respeito às condições de realização, busquem algo exitoso a partir desse modelo. Ressalto a imperiosidade de o trabalho ser coletivo, considerando a necessidade de interação com outras disciplinas escolares. Síntese O presente estudo destacou a eminência da pedagogia de projetos de cunho interdisciplinar e transdisciplinar no contexto escolar. Os ter- mos interdisciplinaridade e transdisciplinaridade foram conceituados e devidamente exemplificados em circunstâncias práticas exequíveis. Apresentaram-se formas diferentes de trabalho interdisciplinar com a educação física, no intuito de ampliar o leque de interações viáveis com outras disciplinas escolares. Foram sugeridos temas geradores para pro- postas transdisciplinares envolvendo as culturas de movimento. Esperamos que você esteja mais familiarizado com os temas abor- dados neste capítulo, principalmente com os exemplos de trabalho pedagógicos propostos. Se conseguir viabilizar algumas das ideias de projetos aqui explanadas, acredito que irá experimentar momentos muito profícuos na sua atuação docente, sobretudo pelos trabalhos in- terdisciplinares e transdisciplinares demandarem um trabalho coletivo. Alerto que será oportuno constituir um grupo de professores coesos e politicamente comprometidos com a proposta. Se isso for viabilizado, não haverá barreiras para impedir o sucesso dos programas. 129 BETTI, I. C. R. Esporte na escola: mas é só isso professor? Motriz, v. 1, n. 1, p. 25-31, 1995. BETTI, M. 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Diversas áreas têm se beneficiado dessa modalidade educacional, inclusive aquelas de tradição presencial, como as profissões da área da saúde. A Educação a Distância oportuniza a muitas pessoas o acesso a infor- mações com qualidade crescente. Isso ocorre até mesmo de maneira assíncrona, sem que os sujeitos de aprendi- zagem tenham de estar reunidos em um mesmo horário para aprender um dado conteúdo. Muitos cursos na modalidade a distância são oferecidos para a formação de professores da educação básica. Nesse ínterim, a Educação Física é reconhecidacomo pertencente à área da saúde e possui um espaço legítimo e privilegiado de atuação nas instituições de ensino. Diante desse cenário, contribuir para que professores de diversas disciplinas ampliem seus saberes acerca da Educação Física, de maneira crítica, consiste em uma tarefa de altíssima relevância.