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Relações Internacionais da América Latina Velhos e novos paradigmas Amado Luiz Cervo r UDilC ■LI ■ b ■!■■ || .L-lEH -tAJ*— ■**! fà [VSTITITU BJU5LLEH0 DE KELAlULb LS7Efl>"A4;IDKAl5 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Diretoria José Flávio Sombra Saraiva (diretor-geral) Antônio Carlos Lessa Antônio Jorge Ramalho da Rocha Luiz Fernando Ligiéro COLEÇÃORELAÇÕES INTERNACIONAIS Conselho Editorial Estevão Chaves de Rezende Martins (presidente) Amado Luiz Cervo Andrew Hurrel Antônio Augusto Cançado Trindade Antônio Carlos Lessa DenisRolland Gladys Lechini Hélio Jaguaribe José Flávio Sombra Saraiva Paulo Fagundes Vizentini Thomas Skidmore Coleção Relações Internacionais RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA VELHOS E NOVOS PARADIGMAS AMADO LUIZ CERVO AMADO LUIZ CERVO R382 Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas / Amado Luiz Cervo. Brasília: IBRI, 2001. 320 p. ; 23 cm. — (Relações internacionais ; 4) ISBN 85-88270-05-6 (broch.) 1. Relações internacionais. I. Cervo, Amado Luiz. II. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. III. Título. CDD-327.11 Direitos desta edição reservados ao Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) Universidade de Brasília Caixa postal 4400 70919-970 – Brasília, DF Telefax (61) 307 1655 ibri@unb.br Site: www.ibri-rbpi.org.br Impresso no Brasil 2001 Efetuado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Decreto nº 1.825, de 20.12.1907 4 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Sumário Prefácio Um continente em desenvolvimento............................................. 9 Apresentação .............................................................................. 13 Introdução ................................................................................. 17 Primeira parte O ciclo dadiplomaciado desenvolvimento na América Latina 1. Abandono do paradigma liberal-conservador e esboço do Estado desenvolvimentista (1930-1947)............................ 23 1.1. A América Latina ao tempo da depressão capitalista e da Segunda Guerra Mundial......................................... 23 1.2. Rumo a novo paradigma de relações internacionais da América Latina .......................................................... 52 2. Relações regionais e mundiais e da América Latina durante a depressão capitalista e a Segunda Guerra Mundial ................... 63 2.1. Políticas exteriores e relações regionais............................. 63 2.2. O enquadramento latino-americano na ordem bipolar .... 81 3. Apogeu do Estado desenvolvimentista, cooperação internacional e Guerra Fria 1947-1979 ................................... 97 3.1. Uma teoria latino-americana do Estado desenvolvimentista ......................................................... 97 3.2. Ainserção internacional da América Latina entre a Guerra Fria e a cooperação............................................ 112 5 AMADO LUIZ CERVO Segunda parte Argentina, Brasil e Venezuela 4. Adinâmica atlântica entre 1947 e 1959................................ 147 4.1. O sul do continente à época do peronismo ................... 147 4.2. Um balanço das relações interamericanas nos meados dos anos 50, à época de Perón, Vargas e Pérez Jiménez .. 179 a) Estados Unidos ....................................................... 180 b) México, América Central e Caribe ........................... 182 c) Norte do continente sul-americano........................... 184 d) Cone Sul................................................................ 189 4.3. A ascensão de Stroessnere o triângulo Argentina-Paraguai-Brasil.............................................. 197 4.4. O norte da América do Sul à época de Pérez Jiménez.... 203 5. A dinâmica do ângulo atlântico entre 1960 e 1979 ............... 211 5.1. Os primórdios da integração física na década de 1960 ... 211 5.1.1. O Cone Sul: da diplomacia da obstruçãoà cooperação regional .............................................. 211 5.1.2. O norte da América do Sul: o isolacionismo venezuelano ....................................................... 229 5.2. Relações regionais em compasso de espera na década de 1970 ....................................................................... 236 5.2.1. O sul do continente latino-americano: as águas e a geopolítica. .................................................... 236 5.2.2. O norte da América do Sul: a força do petróleo ..... 247 6. A construção de eixos bilaterais ............................................ 257 6.1. Novos equilíbrios às margens do Atlântico sul (1980-1986) ................................................................ 257 6.2. O eixo Brasil-Venezuela................................................ 260 6.3. O eixo Brasil-Argentina................................................ 269 6 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Terceira parte O ciclo da diplomacia neoliberal 7. Sob o signo neoliberal: as relações internacionais da América Latina na virada do século .................................................... 279 7.1. A transição do Estado desenvolvimentista para o Estado normal.............................................................. 280 7.2. Orientações externas dos regimes neoliberais ................. 284 7.3. Balanço das relações internacionais do Estado normal e primeiras reações........................................................ 297 Siglas........................................................................................ 303 Bibliografia .............................................................................. 305 7 AMADO LUIZ CERVO 8 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Prefácio Um continente em desenvolvimento Este livro do historiador Amado Luiz Cervo, professor da Universidade de Brasília, amplia o escopo dos seus estudos de relações internacionais. AHistória da política exterior do Brasil, lançada em 1992 em parceria com Clodoaldo Bueno, ainda permanece seu trabalho de referência mais conhecido. Além de outros livros que organizou ou dos quais participou como colaborador, Cervo publicou duas obras com enfoque bilateral: As relações históricas entre o Brasil e a Itália – O papel da diplomacia (1992) e Depois das Caravelas – As relações entre Portugal e Brasil, 1808-2000 (2000), este último em parceria com o historiador português José Calvet de Magalhães. Ademais, juntamente com o professor Mario Rapoport, da Universidade de Buenos Aires, coordenou um estudo coletivo e transnacional, publicado em 1998 com o título História do Cone Sul. As relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas, o novo estudo individual do autor, envolve os países latino- americanosde 1930 a nossos dias. Atese de Cervo, ou seja, o argumento central de sua interpretação orgânica da história, é a existência de um destino comum que perseguiram esses países desde os anos da depressão capitalista. De fato, uma vez configurados os espaços nacionais, os governos da região orientaram sua ação interna e externa para a meta do desenvolvimento. O paradigma desenvolvimentista, a invenção política latino-americana, foi esboçado e posto em marcha pelos homens de Estado antes de haver sido teorizado pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Em sua gênese, o paradigma expressou a aspiração desses povos, inconformados com a condição de infância social em que eram mantidos desde o início do século XIX. A fase desenvolvimentista das políticas exteriores dos países latino-americanos conferiu, pois, nova funcionalidade à diplomacia. 9 maher Highlight maher Highlight AMADOLUIZ CERVO Seu movimento, cujo impulso brotava da vontade soberana dos Estados, era embalado pela esperança de produzir condições favoráveis e de trazer fatores concretos de progresso e melhoria das condições de vida para as nações. O desafio que os países da América Latina tiveram pela frente foi o de administrar esse destino comum. Dividida em múltiplos Estados, a região lidava com os nacionalismos, propensos a alimentar ambições desmesuradas de presença exclusiva ou de influência preponderante nas vizinhanças. A diplomacia da obstrução fez sucesso em alguns casos, convivendo ou precedendo a da cooperação e da integração. Destino comum nem sempre significou concerto político e ação coordenada. A administração do destino comum enfrentou, por outro lado, as contingências da hegemonia norte-americana sobre a região. Findo o período da Segunda Guerra Mundial, em que a América Latina extraiu ganhos concretos da relação com os Estados Unidos, a fase posterior desalinhou as estratégias externas. Até o término da Guerra Fria, o objetivo primeiro da diplomacia norte-americana era o combate ao comunismo e não o desenvolvimento politicamente induzido como queriam os outros governos. Na América Latina, em geral, mesmo em períodos de regime militar, a Guerra Fria foi muitas vezes tomada comouma invenção externa à qual convinha dispensar baixa prioridade nos desígnios nacionais. A menos que pudesse ser utilizada para trazer a potência hegemônica aos fins do desenvolvimento. Segundo o autor, foram precisamente essas distintas visões de mundo e a falta de convergência das políticas exteriores dos países latinos com relação aos Estados Unidos que reforçaram o sentimento de um destino comum a ser realizado mediante ação coletiva coordenada. Perón, Vargas, Pérez Jiménez, Kubitschek e Frondizi entenderam muito cedo que a América Latina deveria falar de uma só voz se quisesse exercer com proveito algum controle sobre a inelutável dependência diante dos Estados Unidos. Esse patamar de evolução das relações interlatino-americanas foi alcançado apenas na década de 1980. Sua face coletiva concretizou 10 maher Highlight maher Highlight maher Highlight RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS se nos chamados consensos diplomáticos que então se estabeleciam. Em termos operacionais, contudo, foi mais importante o caminho que se abriu para construção de eixos bilaterais: entre Brasil e Argentina, Brasil e Venezuela, Venezuela e Colômbia. As malogradas iniciativas de integração política, comercial e econômica, como o ABC, a Operação Pan-Americana e a Alalc, foram substituídas por processos realistas, flexíveis e operacionais. Mecanismos inexistentes ou pouco ativos ganharam relevância, e ocuparam espaços importantes: o Grupo do Rio e as questões da democracia; o Mercosul e a integração regional; as negociações do Mercosul com a Comunidade Andina, na Alca e com a União Européia; e assim por diante. Com Sarney e Alfonsín foi possível acelerar o processo de integração Brasil-Argentina, que consagrou quatro princípios basilares para o continente sul-americano: (1) o de que a integração depende essencialmente do interesse dos agentes econômicos, ao qual se soma a vontade política dos Governos; (2) o de que a integração deve partir necessariamente de correntes de comércio já existentes e com um certo grau de abrangência e complexidade; (3) o de que a integração deve ir além da liberalização comercial, para alcançar a área da produção; e (4) o de que a integração continental se fará a partir da escala sub-regional, como um somatório de iniciativas semelhantes à empreendida pelo Brasil e Argentina, ao amparo, porém indo mais além, dos esquemas previstos na Aladi. O Mercosul, o mais bem concebido de todos os mecanismos de integração, alavancou a idéia de América do Sul, região de convergência política e de integração econômica em substituição à América Latina, desde que o México orientou-se para o norte. O livro de Amado Luiz Cervo revela as origens e a evolução das tendências históricas que condicionaram as relações regionais. Chega ao presente, em que se colocam os dilemas da inserção no mundo da interdependência global. Sua análise paradigmática vem carregada de esforço teórico de interpretação do processo histórico, que manipula e organiza significativo estoque de dados empíricos. Os leitores dispõem de um manual básico sobre as relações internacionais da América Latina, fundamentado em extensa pesquisa 11 maher Highlight maher Highlight maher Highlight AMADO LUIZ CERVO documental nas chancelarias da região, especialmente no Itamaraty. O livro de Cervo é de leitura acessível para iniciados nos estudos de relações internacionais e útil para profissionais que requeiram tal conhecimento no desempenho de suas funções. Luiz Felipe de Seixas Corrêa Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores Brasília, setembro de 2001 12 maher Highlight RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Apresentação Este livro faz parte da coleção Relações Internacionais, organizada academicamente pelo Instituto Brasileiro de Relações Interncionais (IBRI), com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), sob o alto patrocínio da Petrobras. A coleção, constituída de dez títulos a serem lançados, gradualmente, até 2002, objetiva a formação das novas gerações brasileiras na área, mas também atende à demanda crescente da opinião pública nacional interessada nas novas conformações internacionais e ávida por conhecer, de forma sistemática e organizada, os grandes temas que envolvem a construção de um novo ordenamento internacional na passagem para o novo milênio. Os estudos acerca das relações internacionais têm merecido atenção especial por parte dos grandes editores, não apenas nos centros culturais de tradição na área, como Paris, Londres ou Nova Iorque. Lançamentos de novos títulos e reedições de obras clássicas animam a vida intelectual e política das universidades e editoras em muitas partes do mundo. Livreiros de países latino-americanos, europeus e asiáticos exibem ao público leitor ampla escolha de novos títulos dedicados aos desdobramentos mais recentes da vida internacional. Estudos de caso, investigações teóricas e extensas sínteses históricas são cada vez mais consumidos por numerosas pessoas, ávidas pela compreensão do mundo. A internacionalização das sociedades, a ampliação dos mercados, o impacto dos processos de integração regional e a economia política da globalização são alguns dos fenômenos que despertam atenção crescente. Mas há razões adicionais, como a crise de identidade das nações acentuada pela realidade pós-bipolar e a fragmentação teórica da ciência política ligada aos estudos dos fenômenos internacionais, para explicar a animação editorial que se observa em torno do estudo das relações internacionais. O interesse dos leitores brasileiros tem esbarrado, no entanto, em uma limitada reflexão própria acerca das relações internacionais. 13 maher Highlight maher Highlight AMADO LUIZ CERVO Preferiu-se traduzir novos manuais e adotar teorias da moda a enfrentar o desafio da compreensão e da explicação a partir de circunstâncias vividas. Foi-se buscar nos outros, equivocadamente, as razões das próprias vicissitudes. Confundiu-se, algumas vezes, teoria com ideologia. Absorveu-se e divulgou-se nas salas de aula grande quantidade de textos de qualidade discutível. Produzidos com o objetivo precípuo de doutrinar os desavisados, levando-os a crer que as relações entre os povos, Estados e culturas chegou a seu ápice com a liberalização dos mercados e com a economia política da globalização, esses textos não realizam o desafio intelectual de desvendar as entranhas das relações internacionais contemporâneas. As contingências doBrasil exigiam, assim, uma coleção concebida por estudiosos comprometidos com a renovação do conhecimento a partir de uma perspectiva própria acerca das relações internacionais, como aliás se procede em toda parte. No entanto, por mais objetiva que se pretenda que ela seja, todo esforço nessa área de reflexão está condicionado por motivações, informação, formação e legado cultural. Por conseguinte, a coleção Relações Internacionais vem suprir uma grande lacuna. Preocupado com a percepção inédita, por parte da sociedade brasileira, dos constrangimentos internacionais que impõem ajustes de ordens diversas à formulação e implementação das políticas públicas, do ponto de vista econômico, social e de segurança, o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) resolveu utilizar sua condição de instituição decana nos estudos internacionalistas no Brasil para, com seus parceiros, abrir a avenida da reflexão comprometida com um olhar nacional sobre os grandes fenômenos da vida internacional que envolvem a sociedade brasileira. Estratégia comum alinha autores e livros. Em primeiro lugar, eles pretendem contribuir para a formação da crescente mão-de-obra brasileira interesada em compreender os desafios internacionais e traduzi- los adequadamente para os atores sociais com interesses cuja realização sofrem impactos diretos ou indiretos do meio internacional. Em segundo lugar, os autores observam, com apreensão, o crescimento exponenecial da comunidade brasileira de estudantes dos cursos de 14 maher Highlight maher Highlight RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS graduação em Relações Internacionais a partir da década de 1990 e, como conseqüência, da necessidade de prover base sólida para o desenvolvimento dessas novas formações. Em terceiro lugar, preocupa a cada um dos autores da coleção o plano secundário a que a tarefa de produção de livros paradidáticos foi relegada, no Brasil, diante do rápido surgimento de um público consumidor, ávido por boa bibliografia que cumpra os requisitos formais de apresentação do conteúdo mínimo preconizado pela Comissão de Especialistas de Ensino de Relações Internacionais do Ministério da Educação. José Flávio Sombra Saraiva Organizador da Coleção Relações Internacionais Brasília, outubro de 2001 15 AMADO LUIZ CERVO 16 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Introdução Este livro tem por objeto de estudo o ciclo da diplomacia para o desenvolvimento que constituiu o paradigma de política exterior da maior parte dos Estados latino-americanos, entre 1930 e 1986, mas avança na análise das tendências do ciclo neoliberal posterior. A crise de 1929 e a depressão capitalista dos anos 30 levantaram a questão do paradigma de relações internacionais vigente na América Latina, cujas origens situavam-se no período de independência, no início do século XIX, e cujos parâmetros não serviam mais aos interesses da região. Desde 1986, quando o presidente brasileiro José Sarney dispunha de condições políticas para implementar processos de integração, seja ao norte, com a Venezuela, seja ao sul, com a Argentina – embora somente este tenha vingado – a filosofia do Estado desenvolvimentista, que ainda presidira tais impulsos, pôr-se-ia à deriva. Encerrava-se, para a América Latina um ciclo de relações internacionais e abria-se outro. Decorridos mais de dez anos da mudança, ao iniciar-se o terceiro milênio, convém proceder a uma avaliação do paradigma desenvolvimentista e dos resultados que engendrou em cerca de sessenta anos de história. Por um lado, porque a irrupção do neoliberalismo no pensamento político e econômico levou alguns analistas à condenação acrítica da fase anterior e à apologia da nova ordem internacional que se convencionou chamar de globalização; por outro, porque parece necessário perguntar se a mudança de paradigma de inserção internacional trouxe benefícios sistêmicos para a região, na linha de superação do atraso histórico com relação ao Primeiro Mundo; enfim, porque a lógica do desenvolvimento parecia sugerir, no momento da mudança e como hipótese operacional para a América Latina, não o desmonte do núcleo central robusto das economias nacionais e sua alienação, mas a transformação do Estado interventor, considerado obsoleto no mundo globalizado, naquele tipo de Estado logístico que se verifica como padrão de conduta dos governos nas economias centrais. 17 maher Highlight AMADO LUIZ CERVO Se alguma base sólida de convergência existiu entre os anos 30 e o fim dos anos 80 na América Latina foi, sem dúvida, a formulação de projetos nacionais de desenvolvimento. Sua viabilidade dependia, contudo, das condições em que se assentassem as relações políticas e econômicas entre os Estados da região. Rivalidades, ambições nacionais desmesuradas, conflitos isolados, ciúmes e imagens do outro propositalmente distorcidas agiram como fatores nocivos para a harmonização das políticas exteriores. Mas aquela base de união sugeria visões de mundo sintonizadas, bem como iniciativas de cooperação e integração regional.O equilíbrio ou desequilíbrio desses dois conjuntos de fatores, com a prevalência seja de forças antagônicas que brotavam de dentro das nações e dos nacionalismos, seja de ação concertada pela comunhão de interesses, animou a vida internacional dos países latino- americanos. Este estudo pretende desvendar o jogo das relações regionais e internacionais nesse período, dando ênfase à conduta dos três grandes Estados localizados às margens do Atlântico sul. Este livro tem, portanto, como objetivo aprofundar o estudo de um ciclo histórico e introduzir o estudo de outro ciclo. Na primeira parte, tenta estabelecer a gênese e a evolução da teoria desenvolvimentista latino-americana; na segunda, examina o comportamento externo dos três países atlânticos durante o período em que aquela filosofia política informou o processo decisório em matéria de relações exteriores; na terceira, empreende, a título de conclusão, uma análise do paradigma neoliberal de relações internacionais e de seus primeiros impactos sobre as condições internas da América Latina. O conhecimento exposto neste livro resultou da confrontação metódica de conceitos com a base empírica de informação, em constante diálogo entre a teoria e a história das relações internacionais. O texto privilegiou, contudo, para a construção e a crítica do argumento central e dos conceitos, a documentação diplomática do acervo do Arquivo Histórico do Itamaraty, suficientemente rica para abarcar a complexidade das relações interamericanas sob seus diversos aspectos. Essa base de informação quase exclusiva, se impôs limites à análise, conferiu-lhe a originalidade que a diferencia de outros estudos. 18 maher Highlight maher Highlight maher Highlight maher Highlight RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Durante o período desenvolvimentista, o Estado brasileiro demonstrou maior coerência entre as macropolíticas internas e as diretrizes externas, o argentino maior instabilidade ao longo do tempo e o venezuelano menor determinação. Essas distintas experiências condicionavam as iniciativas dos governos no âmbito bilateral e compeliam-nos a ver o espaço regional sob o prisma dos objetivos estratégicos nacionais. Particular interesse será, portanto, dedicado ao estudo dos entraves psicológicos, culturais e políticos; à cooperação econômica entre as sociedades, por um lado e, por outro, ao estudo dos fatores que uniram os três Estados atlânticos, em 1986, quando o ciclo definhava, na vontade de engendrar moderno processo de integração. Enfim, o estudo levanta a questão da integração latino- americana de vertente sulina, que deixa de lado o grande potencial posto à consideração dos tomadores de decisão pela Venezuelano conjunto dos países da América do Sul. As experiências neoliberais empreendidas pelos países da América Latina ao termo do ciclo desenvolvimentista serão interpretadas à luz da literatura especializada. Uma extensa bibliografia anexa ao texto encaminha o leitor para o aprofundamento do estudo das relações internacionais da região, entre 1930 e nossos dias. 19 Primeira parte O ciclo da diplomacia do desenvolvimento na América Latina AMADO LUIZ CERVO 22 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS 1. Abandono do paradigma liberal-conservador e esboço do Estado desenvolvimentista (1930-1947) 1.1. A América Latina ao tempo da depressão capitalista e da Segunda Guerra Mundial A crise da economia capitalista desencadeada em 1929 provocou sobre a América Latina efeitos similares àqueles ressentidos por outros mercados, como a diminuição, em 1932, para um quarto de sua capacidade de importação. Os impostos de exportação, que alimentavam o tesouro dos Estados, converteram-se em impostos de importação, mesmo porque a industrialização já vinha sendo promovida de longa data, embora a ritmo lento e sem continuidade1. Entretanto, o que nos países capitalistas avançados configurou-se como fechamento dos mercados e reforço do protecionismo, na América latina tomou o rumo de um processo de modernização econômica, procurada com determinação crescente por grupos dirigentes, que agregaram à diplomacia o senso de conflito de interesses nas relações internacionais. Até então, os Estados na América Latina serviam exclusivamente a interesses dos grupos sociais hegemônicos – plantadores e exportadores de produtos agrícolas ou produtores e exportadores de minerais – deixando satisfeitas aquelas elites que se haviam apropriado do aparato público. Importando os manufaturados, em um modelo de mercado aberto, estes Estados contentavam, por outro lado, os interesses dos países centrais exportadores de produtos da indústria moderna. O entendimento entre elites sociais latino-americanas e países avançados do capitalismo não era, contudo, um conluio de beneficiados para manter estruturas de dominação aqui e lá, porém uma imposição que se explica pela compulsão das estruturas hegemônicas do poder 1 García, Rigoberto et al. Economia y geografia del desarollo en América Latina. México: Fondo de Cultura, 1987. 23 AMADO LUIZ CERVO internacional. Adependência sempre foi objeto de críticas e insatisfações por parte das elites latino-americanas, que lutavam por seus próprios interesses contrariados, por exemplo, pelo colonialismo europeu epelo protecionismo dos países centrais. Ademais, alguns dirigentes da região, mais esclarecidos, sempre sonharam com o desenvolvimento moderno, a exemplo do que observavam nos Estados Unidos. Nos anos 30, contudo, novas demandas sociais eram perceptíveis na América Latina, provenientes do crescimento da população urbana, de uma burguesia nacional ávida por negócios e das forças armadas que viam a segurança e a defesa em estado precário. A crise do capitalismo e a redução das exportações primárias da América Latina não foram a determinação principal, mas contribuíram para o reajuste das estruturas de poder2. Mediante eleições, revoluções ou golpes de Estado, os velhos donos do poder e da ordem conservadora cederam espaço para dirigentes com visão mais ajustada às necessidades sociais e ao desenvolvimento econômico.O estudo deve buscar explicações para a nova inserção internacional da América Latina não nos Estados, agentes inertes desde a época da independência, mas nas idéias, lutas e propósitos das novas elites. Elas encarnavam então novos interesses sociais e a esses novos interesses haveriam de voltar-se os Estados nacionais. O regime unilateral de portas abertas e o laissez-faire que vinham do século XIX cederam, pois, a novos projetos nacionais que modificaram as políticas exteriores dos países latino-americanos. Não apenas políticas exteriores defensivas, mas condutas ousadas e autocompensatórias que sacrificavam o político ao econômico eram ensaiadas em toda parte, em uma demonstração de que, finalmente, os latino-americanos assimilavam um pouco do egoísmo dos grandes3. A disputa pelo mercado latino-americano por parte de europeus, norte-americanos, japoneses e soviéticos, como a penetração de seus empreendimentos, passaram a ser percebidas como fenômenos a dominar com vistas à superação de desequilíbrios estruturais dos 2 Moniz Bandeira, Luís Alberto. De Martí a Fidel; a Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p.22. 3 Paradiso, José. Debates y trajectoria dela política exterior argentina; orden, progresoy organización nacional. Buenos Aires: Planeta, 1997. p. 81-95. 24 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS intercâmbios econômicos. A divisão do mundoem blocos antagônicos, que precedeu a deflagração da Segunda Guerra Mundial, propiciou à América Latina um acréscimo de poder de negociação, do qual alguns países souberam tirar proveito. A adesão da região à aliança contra os impérios centrais não foi cedida sem barganha aos Estados Unidos, que ensaiavam, desde 1933, uma política de boa vizinhança para alcançar o comando do forte movimento pan-americano com o fim de assegurar a solidariedade continental. O Brasil e o México contam entre os países que com maiores ganhos exerceram esse poder de barganha, inaugurando a diplomacia cooperativa responsável por resultados concretos em favor de seu desenvolvimento. Paradoxalmente, um elevado grau de autonomia pôde ser exercido por meio da ação diplomática desses países, nos anos que precederam a guerra, ao ensejo da opção a fazer pelo lado das democracias, e durante a mesma, em razão da importância estratégica que essas nações representavam. O México pôde, assim, nacionalizar seu petróleo em 1938 e domar interesses privados norte-americanos, mesmo porque, ao acenar com negócios importantes do lado da Alemanha, provocava a cooperação do grande vizinho. O Brasil pôde desempenhar com maior desenvoltura esse duplo jogo com a Alemanha e a Itália, por um lado, e os Estados Unidos, por outro, tirando enormes benefícios com o objetivo de promover sua segurança, seu comércio exterior eo seu processo de industrialização, cujas bases se consolidaram com a implantação da grande usina siderúrgica de Volta Redonda em 1943. Entre os grandes, apenas a Argentina permanecia alheia à diplomacia da barganha, embora obtivesse da Grã-Bretanha, rival dos Estados Unidos no terreno dos negócios, o importante tratado de comércio de 19334. A depressão e a Segunda Guerra Mundial comportam para os fins desse estudo três curtas fases: a primeira metade da década de 1930 4 Moura, Gerson. Sucessos e ilusões; relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1991. p.7-39; Ojeda, Mario. Alcances y limites de la política exterior de México. México: Colégio de México, 1984.p.26-31; Jalabe, Silvia. La política exterior argentina y sus protagonistas, 1880-1995. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1996. p. 39-54. 25 AMADO LUIZ CERVO caracteriza-se pelos esforços de superação dos efeitos da depressão sobre uma economia latino-americana que havia sido escancaradamente aberta ao livre fluxo do comércio internacional; durante a segunda metade da década, além desse cuidado, os dirigentes passaram a lidar com os desafios da opção estratégica que haveriam de fazer diante do conflito mundial e, enfim, desde 1939, o desafio consistia em administrar as relações exteriores em contexto de guerra. A América Latina transitava então, em suas relações internacionais, de mercado aberto, exportadora de produtos primários e zeladora por prestígio político, para um esquema em que à política exterior conferiu-se a tarefa de trazer insumos concretosde desenvolvimento nacional. Em maio de 1930, ao ser entrevistado por um jornalista de La Prensa de Buenos Aires, o estadista francês Eduard Herriot reconheceu a importância da América Latina para as relações econômicas internacionais da Europa: em razão de seu crescimento econômico e da industrialização recente, era vista como campo de inversões européias na indústria e fonte de suprimentos básicos, à condição que se substituíssem os controles do câmbio pela competição aberta entre as potências européias e entre a Europa e os Estados Unidos, ambos de importância similar para apoiar “o assombroso desenvolvimento industrial e comercial da América Latina”5. O presidente do Comitê França-América da Academia Francesa de Letras, Gabriel Hanotaux, apelava então à amizade entre Europa e América para viabilizar as relações úteis nos tempos de crise que o mundo enfrentava6. A expectativa, portanto, dos países capitalistas era de que o modelo de portas abertas do mercado interno que causara o atraso secular da região fosse reconvertido em modelo de sistema produtivo aberto, em que o desenvolvimento fosse tocado pelo empreendimento, pelo capital e pela tecnologia exógenos. Restava saber se as elites latino-americanas que chegaram ao poder iriam se conformar com a transição de um para outro esquema de dependência. 5 José de Paula Rodrigues Alves a Octávio Mangabeira, ofício, Buenos Aires, 14 maio 1930, AHI, lata 731, maço 10461. 6 Luís de Souza Dantas a Afrânio de Melo Franco, ofício, Paris, 18 jun. 1931, AHI, lata 1198l, maço 25929. 26 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS O mercado europeu criava dificuldades para importação de produtos primários latino-americanos em 1930, de acordo com o observador Peixoto de Magalhães, diplomata brasileiro servindo em Buenos Aires, de três maneiras: primeiramente, pelo fato de os lucros comerciais serem absorvidos pelas companhias internacionais que se beneficiavam das oscilações do câmbio e não pelos produtores locais; em segundo lugar, pelos excedentes de oferta que afetavam particularmente as exportações argentinas (carne, trigo); em terceiro lugar, em razão da preferência que vinha sendo dada à produção colonial européia. Em outros termos, o liberalismo, quando vigia, beneficiava a Europa, quando não, era abatido por mecanismos europeus de defesa7. Malcolm Robertson, ex-embaixador britânico na Argentina, denunciou esta incongruência do liberalismo e propôs que à Argentina fossem estendidos os privilégios que auferiam os domínios do império britânico8. Esse modo de fazer face aos desafios da depressão capitalista não tinha apoio na opinião nacional, como registrava The Times em 1932: “a política de comércio exterior britânico buscaria arranjos recíprocos privilegiados com os domínios, e somente depois com a Argentina e outras repúblicas latino-americanas que se dispusessem a comerciar a seu modo”9. As dificuldades para o incremento do comércio com a América do Sul, entre 1930-1933, segundo periódico especializado, eram os baixos preços das mercadorias e as restrições cambiais que bloqueavam na região fundos de exportadores estrangeiros. Além do livre comércio, os ingleses exigiam o câmbio livre para estimular o comércio10. Os dirigentes da América Latina, para fazer face à estagnação do comércio exterior, adotaram como estratégia os tratados com cláusula de nação mais favorecida, na suposição de que se desse respeito ao princípio da liberdade de comércio apregoado pela Liga das Nações. Entre 1930 e 1933, o Brasil firmou mais de três dezenas desses tratados. 7 N. Peixoto de Magalhães a Octávio Mangabeira, ofício, Buenos Aires, 12 out. 1930, AHI, lata 732, maço 10463. 8 LaNación, Buenos Aires, 17 nov. 1930. AHI, lata 732, maço 10463. 9 TheTimes, 19 jan. 1932, AHI, lata 731, maço 10461. 10 Birmingham Gazette, 31 jan. 1933. AHI, lata 731, maço 10461. 27 AMADO LUIZ CERVO Ao perceberem, contudo, que as nações recorriam a medidas indiretas de controle das importações, outra estratégia foi posta em execução, a dos tratados de reciprocidade e, logo depois, a de comércio compensado. Sacrificava-se o princípio da liberdade de comércio pelo do benefício compartido, com vantagem para América Latina, que passou a intercambiar seus produtos primários por máquinas e equipamentos com que tocar a indústria interna11. Ademais, a margem de manobra para lidar com a concorrência internacional acentuou-se, já que uma política liberal poderia ser mantida do lado dos Estados Unidos, em troca de créditos de exportação e de investimentos, e outra de compensação, do lado da Europa, em troca de armas e equipamentos industriais. Após o golpe de Estado que, em setembro de 1930, derrubou o governo constitucional da Argentina, restabelecendo, ao contrário do que sucederia no mês seguinte com a revolução de Getúlio Vargas no Brasil, o poder da oligarquia conservadora, George Lloyd Courthope, prestigioso banqueiro inglês, escreveu ao ex-presidente Marcello T. de Alvear que a city de Londres aguardava apenas a normalização institucional para assegurar ao país o apoio financeiro necessário para manter a preeminência dos negócios britânicos diante da concorrência norte-americana12. Com efeito, os acordos de maio de 1933 que limitaram as restrições ao comércio, como a imposição de quotas e os entraves ao pagamento, consolidaram a posição econômica da Grã-Bretanha na Argentina. Mesmo assim, os ingleses prosseguiam insistindo na liberalização de fundos congelados para estimular o comércio bilateral, enquanto os argentinos entendiam que este estímulo apenas favoreceria as importações provenientes do Reino Unido e que a via correta de promover o intercâmbio era o aumento de fluxos equilibrados de comércio de lado a lado13. Prosseguia, aliás, em vigência a norma antiliberal da política comercial britânica, que 11 Cervo, Amado, Bueno, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ática, 1992.p. 214-239. 12 N. Peixoto de Magalhães a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 8 jun. 1931, AHI, lata 732, maço 10463. 13 LaNación, 15 set. 1934, AHI, lata 732, maço, 10463. 28 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS concedia privilégios aos domínios em detrimento de aliados especiais como a Argentina, conforme registrava La Prensa em 1935: “A Grã- Bretanha ignorou o direito que tem a República Argentina de exigir que seus produtos recebam o mesmo tratamento aduaneiro que aqueles dos domínios, com base em um tratado que contém a cláusula de nação mais favorecida”14. A queixa argentina era antes uma defesa. Com efeito, as estatísticas das importações inglesas de trigo, outros cereais e carne, indicam que a Argentina permanecia, entre 1933 e 1935, o fornecedor quase exclusivo, com cerca de 80% dos fornecimentos externos15. Em outros termos, os conservadores argentinos andavam já sensíveis com as novas pressões sócio-econômicas internas e buscavam, como o governo brasileiro, resultados recíprocos e desenvolvimentistas do comércio internacional. Apesar de dirigir seu comércio de exportação sobretudo para o mercado inglês, os argentinos não se descuidavam de outros países europeus. AHolandaerao segundo comprador argentino na Europa em 1931, quando esse país comprava da América Latina um montante cinco vezes superior a suas exportações para a região. Já na época, contudo, a imprensa mostrava que esse desequilíbrio do comércio era ilusório, visto que a balança de pagamentos, conceito que agrega os lucros do capital investido, os fretes da marinha mercante e outras variáveis, era favorável ao país europeu16. Entre as decisões a que lançaram mão os países sul-americanos para atenuar os efeitos da depressão no início dos anos 30 e evitar a deterioração de seus fluxos financeiros e econômicos externos, o controle do câmbio e das remessas para o exterior impediaou criava dificuldades, por exemplo, para a expatriação de lucros de empreendimentos industriais e de empresas exportadoras estrangeiros sediados na região. Convinha estar atento para o conjunto e a complexidade das relações internacionais, caso o projeto de desenvolvimento nacional comandasse o processo decisório em política externa. 14 La Prensa, 4 dez. 1935, AHI, lata 732, maço 10463. 15 Idem. 2 maio 1935, AHI, lata 732, maço 10463. 16 Ibidem. 31 jan. 1933, AHI, lata 732, maço 10463. 29 AMADO LUIZ CERVO Foram de pouca valia, no contexto dos anos 30 e da transição de seu paradigma de relações internacionais, as relações da América Latina com a União Soviética. Mas não foram irrelevantes. A União Soviética dirigia então suas energias políticas para a Europa e para a promoção de seus interesses comerciais, em uma demonstração de realismo que deixara para trás a fase da exportação da revolução como prioridade externa. Na América Latina, interessava-se pela consolidação dos partidos comunistas nos diferentes países, mas não descurava a possibilidade de fazer negócios17. A sociedade anônima Iuyamtorg era o instrumento com que a União Soviética movia-se na América Latina com o intuito de fomentar seu comércio.O presidente dessa empresa, Alexander Mikin, apresentou em maio de 1931 ao ministro da Fazenda do Brasil, José Maria Whitaker, uma proposta minuciosa de intercâmbio bilateral, nos moldes com que a empresa já operava nos Estados Unidos (onde se denominava Amtorg), Argentina, Chile e Uruguai. Os dois obstáculos que o executivo soviético via para o desenvolvimento das relações comerciais com o Brasil eram as dificuldades de créditos bancários e a ausência de uma sucursal da Iuyamtorg no Rio de Janeiro. No mês seguinte, Mikin entreteve-secom o ministro brasileiro em Montevidéu, A.G. de Araújo Jorge, após haver obtido a recomendação da embaixada brasileira em Buenos Aires. AURSS pretendia iniciar compras de café, cacau, borracha e couros do Brasil. Araújo Jorge ponderava ao Itamaraty as vantagens dessa aproximação oportuna que já produzia frutos concretos e importantes nos países do continente naquele momento de crise internacional. Perguntava se o governo brasileiro estaria em condições de sobrepor esses interesses econômicos às razões de ordem política que até o momento explicavam o distanciamento18. Contudo, de Buenos Aires, Lafayette de Carvalho e Silva descrevia problemas de relacionamento com autoridades e partidos políticos, que induziram o governo a cassar a autorização para a empresa soviética funcionar na 17 Rapoport, Mario. Política y diplomacia en la Argentina; las relaciones com E.E.U.U. y la URSS. Buenos Aires: Tesis, 1987. p.11-15. 18 A. G. de Araújo Jorge a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 29 set. 1931, AHI, lata 1034, maço 17837. 30 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Argentina, onde se instalara em 192719. As autoridades chilenas não haviam autorizado a instalação formal da empresa no país e a legação brasileira em Santiago desaconselhava ao governo de Vargas atender à sugestão vinda de Montevidéu no sentido de estabelecer relações comerciais com a URSS20. Getúlio Vargas consultou seu ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco, acerca da conveniência de autorizar o funcionamento no país daquela agência soviética de comércio. Ante parecer contrário de sua assessoria de comércio exterior, aconselhou Vargas a negar essa autorização em razão de desconfianças acerca da atuação política que a Iuyamtorg poderia vir a exercer21. Na Argentina, apesar da representação dos advogados da empresa a fim de que o poder Executivo tornasse sem efeito o decreto que suspendera a autorização da Iuyamtorg, a imprensa acusava-a de propaganda comunista e se opunha ao restabelecimento do comércio pela via da representação formal22. Em 1934, a empresa somente conservava sua sede de Montevidéu, onde, aliás, seu presidente, Alexander Mikin, fora acreditado como ministro soviético, sendo o Uruguai o único país sul- americano a reconhecer oficialmente o regime de Moscou e a estabelecer com ele relações diplomáticas (a Colômbia o faria em 1935, após haver o México rompido essas relações). Mas a opinião dos representantes brasileiros no Uruguai tornou-se contrária àquela expressa por Araújo Jorge em 1931.Em maio de 1934, o Serviço de Passaportes do Itamaraty informava ao secretário-geral que o consulado em Montevidéu negara um pedido de visto para que um diretor viesse ao Brasil e aconselhava terminantemente impedir a vinda de qualquer representante da empresa ao país, levando em conta a imensa documentação proveniente das legações na Argentina e no Uruguai que comprovavam “que a referida 19 Lafayette de Carvalho e Silva a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 24 nov. 1931, AHI, lata 731, maço 10461. 20 Legação do Brasil a Afrânio de Melo Franco, ofício, Santiago, 22 out. 1931, AHI, lata 1034, maço 17837. 21 Afrânio de Melo Franco a Getúlio Dornelles Vargas, despacho, Rio de Janeiro, 19 nov. 1931, AHI, lata 1034, maço 17837. 22 LaNación, 2 dez. 1931, AHI, lata 731, maço 10461. La Prensa, 19 jun. 1932, AHI, lata 731, maço 10461. 31 AMADO LUIZ CERVO sociedade russo-uruguaia tem como pretexto o intercâmbio comercial e como finalidade a expansão das idéias subversivas comunistas, onde quer que ela consiga estender os seus tentáculos”23. As reações da diplomacia latino-americana, diante da tentativa soviética de penetração comercial na região por meio da agência Iuyamtorg, comprovaram que, na primeira metade dos anos 30, ainda longe dos tempos da Guerra Fria, aos países da região repugnava a contaminação comunista ao ponto de contra ela estarem dispostos a sacrificar interesses comerciais, mesmo nas adversas condições com que a depressão capitalista limitava os negócios. Também pode-se conjecturar acerca da determinação dos dirigentes latino-americanos em manter as rédeas do novo processo de desenvolvimento como explicação para sua atitude de fechar as portas à penetração soviética. Havia repugnância mesmo de movimentos de esquerda latino- americanos pelos métodos de aliciamento de camponeses e operários fomentados desde Moscou e pela pregação de assalto ao capital privado. Por essa razão, a União Soviética viu-se na necessidade de repensar sua ação na América Latina e, desde 1935, optou pela composição de alianças de libertação nacional, embriões das frentes populares que vingaram em alguns países24. Adepressão capitalista parecia, aliás, não afetar certos mercados que demandavam os produtos latino-americanos. Ao lado da União Soviética, era o Japão que buscava a região no início da década de 1930, por meio da companhia de navegação Osaka Shosen Kaisha, despertando interesses e ciúmes entre Argentina, Uruguai e Brasil pelo fornecimento de produtos agrícolas25. O desequilíbrio do comércio com a Austrália e o interesse em diversificar as parcerias motivaram, em 1933, a viagem de comissários japoneses de comércio para a 23 Lucillo Bueno a Félix de B. Cavalcanti de Lacerda, ofício, Montevidéu, 25 fev. 1934, AHI, lata 301, maço 4452. Serviço de Passaportes ao secretário-geral, memorandum, Rio de Janeiro, 8 maio 1934, AHI, lata 731, maço 10461. 24 Varas, Augusto (org). América Latina y la Unión Soviética; unanueva relación. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano,1987. p.10-11. 25 N. Peixoto de Magalhães a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 14 fev. 1933, AHI, lata 732, maço 10463. 32 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS América do Sul, onde pretendiam obter fornecimentos de lã, algodão, couros, trigo, carnes e outros produtos26. O esforço japonês alarmava os círculos de negócios americanos, em 1935. Oswaldo Aranha, embaixador brasileiro em Washington, escreveu ao ministro das Relações Exteriores, Macedo Soares, relatandoa “invasão comercial japonesa na América do Sul”. Após haverem despertado a simpatia dos produtores locais com as aquisições de produtos agrícolas, os comerciantes japoneses começaram a repassar aos consumidores da região a preços baixos variada gama de bens que incluíam medicamentos, munições, alimentos, tecidos, vidraçarias, calçados, papel, celulose, roupas e brinquedos. Ao avaliar essa estratégia de penetração, Aranha alertava para o propósito japonês de competir abertamente pela conquista dos mercados sul-americanos, como tentara Herbert Hoover com a finalidade de alijar a Grã-Bretanha e a Alemanha e garantir a preponderância americana sobre os mercados vizinhos. Segundo a imprensa norte-americana, osjaponeses estariam concorrendo em condições favoráveis em razão dos baixos salários pagos a sua mão- de-obra, da flexibilidade de sua produção a gostos diferentes, da habilidade em vencer os obstáculos monetários e tarifários criados pela crise do capitalismo, do engajamento agressivo de sua diplomacia, do envio de missões comerciais representando interesses de meia centena de empresas, do uso pragmático de uma diplomacia cultural e, ainda, em razão de núcleos de imigrantes radicadosnospaíses da região. Poderia haver exagero nessa avaliação da opinião americana, segundo Aranha. Convinha, contudo, ter em mente os dois princípios da política norte- americana a tal respeito: evitar o imperialismo japonês no Pacífico por meio de um sistema coletivo, de que eram exemplo os tratados de Washington, e conter qualquer penetração política no hemisfério por parte de uma potência européia ou asiática27. Por seu lado, a imprensa latino-americana denunciou a campanha antinipônica na América do Sul fomentada por homens de 26 LaMañana, Montevidéu, 3 set. 1933, AHI, lata 731, maço 10461. 27 Oswaldo Aranha a José Carlos Macedo Soares, ofício, Washington, 28 mar. 1935, AHI, lata 731 maço 10461. 33 AMADO LUIZ CERVO negócios americanos que pressionavam os governos a romper com os acordos de comércio que serviam de instrumento, desde antes da Primeira Guerra, à penetração japonesa28. Em 1937, o Japão exportou mercadorias para a América Latina no valor de 164 milhões de ienes, mas uma queda verificar-se-ia no ano seguinte, não em razão da campanha norte-americana, mas, segundo o representante brasileiro naquele país, N. Tabajara, em razão das restrições cambiais latinas e dos fornecimentos requeridos pelo exército do Japão engajado na China29. Como reagiram os norte-americanos ante as perspectivas de negócios dos países da América do Sul com a Europa, a URSS e o Japão? Para os latinos, obviamente, essas oportunidades deveriam ser exploradas sem prejudicar a colocação de seus produtos no mercado do norte. Para os americanos, elas representavam ameaças a seus interesses comerciais e políticos, motivo por que não somente procuravam a elas contrapor-se como haveriam de amenizar sua tradicional prepotência ao longo da década30. Já em 1933, o secretário de Estado CordellHull visitou a Argentina com a finalidade de recompor de modo franco e despretensioso o estrago nas relações bilaterais causado pelo secretário de Estado assistente, Francis White, que tivera até há pouco, a seu cargo, os negócios com a América Latina31. A literatura disponível não explora suficientemente este contexto de barganha que se abriu à América Latina nos anos da depressão capitalista e da divisão do mundo em blocos antagônicos. Não pôde assim determinar com objetividade o desempenho e os limites da nova diplomacia de cooperação destinada a apoiar os projetos 28 ElTiempo, Bogotá, 14abr. 1934;JornaldoCommércio,RiodeJaneiro, 17jun. 1935, AHI, lata 731, maço 10461. Octávio de Abreu Botelho a Agamemnon de Magalhães, ofício, Buenos Aires, 12 fev. 1936. AHI, lata 732, maço 10463. 29 N. Tabajara a Oswaldo Aranha, ofício, Yokoama, 15 nov. 1938, AHI, lata 731, maço 10461. 30 Dessa prepotência, os norte-americanos deram provas ainda no início da década por meio de tratamento insultuoso e do assassinato brutal cometido por autoridades policiais de três estudantes mexicanos que regressavam a seu país. Legação do Brasil a Afrânio de Melo Franco, ofícios, México, 15 jul. e 27 nov. 1931, AHI, lata 1626, maço 34994. 31 EveningStar, Washington, 28 dez. 1933, AHI, lata 301, maço 4416. 34 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS nacionais de desenvolvimento. É necessário estimular o estudo dos documentos das chancelarias, indispensável para a compreensão desse momento de transição das políticas exteriores do continente. Não eram apenas confrontos de interesse entre Estados Unidos e Alemanha que estavam em jogo, como amiúde se vê escrito. Outras oportunidades existiam, que acirravam a competição sobre o terreno dos negócios e da política internacional, com a presença de velhos e a irrupção de novos atores, Grã-Bretanha, Itália, Espanha, União Soviética, Japão e outros. A potência hegemônica da área, os Estados Unidos, foi encurralada pelos governos latinos, os quais acabaram por ceder-lhe a solidariedade continental e a cooperação de guerra por preço compensador. De modo muito experto, o governo de Roosevelt convocou a delegação de alguns países, dentre os quais o Brasil, para uma conferência preliminar que se realizou em Washington, em maio de 1933, em preparação à grande Conferência Monetária e Econômica Mundial de Londres. A delegação brasileira, composta por uma dezena de peritos, foi recebida pelo presidente e negociou com autoridades do Departamento de Estado, na presença de Cordell Hull, por quatro dias, um vasto programa que não só se destinava a alinhar as posições a serem mantidas em Londres, como ainda a debelar obstáculos ao intercâmbio bilateral. Na dimensão mundial, como na bilateral, buscavam os Estados Unidos apoio ao comércio livre e desembaraçado de entraves cambiais, de direitos alfandegários, de quotas e de outros obstáculos, como também medidas que viessem estabilizar as moedas. Propunham a generalização de acordos comerciais com cláusula de nação mais favorecida como fórmula para debelar os entraves ao livre comércio, mas não concordavam com limites aos direitos alfandegários, visto que as tarifas norte-americanas eram muito elevadas. Buscavam, pois, o liberalismo dos outros mercados, preservando os instrumentos de proteção do próprio. No que tangia ao principal produto brasileiro de exportação, o café, os negociadores americanos ameaçaram com um imposto aduaneiro, caso o Brasil não liberalizasse fundos americanos retidos por controles cambiais, e alcançaram o que queriam. A Conferência, de cunho preliminar, de Washington acabou com uma 35 AMADO LUIZ CERVO declaração em que ambos os governos anunciavam que havia “forte identidade de propósito e de política entre os dois governos” acerca de atitudes a tomar na Conferência de Londres32. Estava-se, ainda, na época do alinhamento servil da diplomacia brasileira ao interesse norte- americano que havia caracterizado a conduta do Itamaraty durante a República Velha. Na segunda metade dos anos 30, o comércio exterior da América Latina esteve de forma crescente relacionado com a divisão do mundo em blocos antagônicos que antecederam a conflagração mundial.O Japão encontrava dificuldades para colocar seus produtos na América Central e do Sul. Um relatório do conselheiro do Ministério dos Negócios Exteriores, Yasundo Sudo, de regresso de uma viagem de estudo em 1935, revelou que as exportações totais para a área representaram, em 1934, 5% das exportações japonesas (104 milhões sobre 2,1 milhões de ienes). Restrições crescentes, entre as quais figuravam os direitos de importação e denúncias de tratados de comércio, eram impostas pelos países da região à entrada de produtos japoneses. O relatório de Sudo não registrou o antiniponismo como uma das causas para esse declínio, mas assim mesmo previaatitudes de repulsão aos produtos japoneses na América do Sul. Três razões explicavam o declínio da exportação japonesa: os constrangimentos de balanças de pagamento que operavam nos limites do suportável e forçavam restrições às importações; aumento de importações feitas recentemente na expectativa de mais restrições a serem adotadas pelos governos; as pressões de Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha que perdiam mercados para os bens japoneses na América Central e do Sul. Sudo concluiu com uma crítica à política de comércio exterior do próprio Japão, voltada para exportações sem o necessário equilíbrio de importações para ajudar a harmonizar as contas externas da América Latina33. Poderia ir mais longe na proposta de meios com que viabilizar os negócios japoneses, sugerindo à potência do Oriente os mecanismos 32 Delegação do Brasil à Conferência Monetária e Econômica Mundial e a Afrânio de Melo Franco, relatórios e ofícios vários, 1933, AHI, lata 1019, maço 17262. 33 The Japan Advertiser, Tóquio, 7 fev. 1935, AHI, lata 1016, maço 17163. 36 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS que logo se implantariam no comércio entre a América Latina e os dois maiores contendores externos: os créditos que os Estados Unidos cederiam para financiar seu comércio e o esquema das listas de compensação que provocariam o incremento espetacular do comércio alemão. Sem uma boa política, o Japão não somente deixava de fortalecer sua presença na região, como ainda perdia terreno. Norte- americanos e locais uniam-se para combater os produtos japoneses, alegando os primeiros que eles competiam deslealmente com os produtos americanos e os segundos com as indústrias nacionais, em razão dos baixos preços. Foi o motivo invocado pelo governo do Peru para denunciar em 1935 o tratado de comércio com o Japão34. Nesse mesmo ano, um decreto chileno se sobrepôs ao tratado com o Japão firmado em 25 de setembro de 1897, impondo uma sorte de comércio compensado com o intuito de aumentar as exportações de nitrato e estabelecer o equilíbrio das trocas que fora desfeito com a invasão dos manufaturados de baixo preço. Uma missão chilena ao Japão obteria em 1937 da Federação dos Exportadores Japoneses para a América Latina um acordo geral dispondo sobre meios e mecanismos para solver as dificuldades e incrementar o comércio a contento de ambas as partes35. Por essa época, o comércio do Japão com a Colômbia era incipiente, mas o desequilíbrio tão acentuado que o governo colombiano viu-se na contingência de denunciar o tratado de comércio bilateral, firmado em 1905, mesmo porque a indústria nacional, cujas fábricas fechavam em razão da concorrência, o pressionava nesse sentido. Mas havia perspectivas de compra de volume importante de café para forçar a penetração de manufaturados japoneses no mercado do país. Isso inquietava o Brasil, obviamente36. A imprensa colombiana, acuada pela 34 La Prensa, 16 abr. 1935, AHI, lata 1016, maço 17163. 35 Rodrigues Alves a José C. de Macedo Soares, ofício, Santiago, 1 fev. 1935; P. Leão Veloso a José C. Macedo Soares, ofício, Tóquio, 26 ago. 1936; Consulado do Brasil a Mário de Pimentel Brandão, ofício, Kobe, 10 maio 1937, AHI, lata 1034, maço 17837. 36 Manoel Coelho Rodrigues a José Carlos de Macedo Soares, ofício, Bogotá, 26 nov. 1934; Legação do Brasil a José Carlos de Macedo Soares, Bogotá, ofício, 2 mar. 1935, AHI, lata 1037, maço 17949. 37 AMADO LUIZ CERVO indústria nacional que perdia mercado, não apoiava a guerra comercial que movia o Japão contra americanos e ingleses dentro do território37. Mas os importadores de tecidos e vestuário exigiam, com o intuito de retomar as compras, uma nova regulamentação, que foi alcançada por troca de notas em maio de 1935, estabelecendo um modus vivendi com mecanismos de comércio compensado. Segundo a legação brasileira, o Brasil não deveria preocupar-se com esse comércio, visto que o principal produto brasileiro importado pelo Japão, que a Colômbia não produzia, era o algodão, já que o consumo de café no império do Oriente era ínfimo38. O governo japonês discordava, todavia, do argumento dos preços baixos, contando, aliás, com parte da opinião latina que via neles uma vantagem prática contra a elevação do custo de vida, e trabalhava com a hipótese da campanha antinipônica dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. O próprio Peru, ao denunciar o tratado de comércio com o Japão, firmou outro com a Grã-Bretanha, em que lhe concedia redução alfandegária de 25% sobre os manufaturados em troca apenas de açúcar de sua produção, infringindo a norma de nação mais favorecida. O acordo em negociação entre o Japão e a Colômbia foi suspenso em razão da conclusão de outro com Washington. A Argentina mantinha suas quotas para a entrada de produtos japoneses em razão de seu grande comércio com a Grã-Bretanha. Esses e outros fatos levaram o governo japonês à conclusão de que as dificuldades de seu comércio na América do Sul provinham de Washington e Londres39. Aofensivajaponesa, não esmorecia, contudo. O consulado brasileiro em Guayaramerin relatou em 1938 o incremento do consumo deprodutosjaponesesno mercado boliviano, por ocasião da visita de uma missão comercial e industrial do Japão. Tecidos de seda já dominavam o mercado. Industriais japoneses 37 ElEspectador, Bogotá 18 e 25 mar. 1935; El Pais, Bogotá, 25 mar. 1925, AHI, lata 1037, maço 17949. 38 Manoel Coelho Rodrigues a José Carlos de Macedo Soares, Bogotá, ofícios de 10 abr., 20 maio, 27 jun., 8 jul., 9 ago., e 30 ago. 1935, AHI, lata 1037, maço 17949. 39 Oscar Corrêa a José Carlos de Macedo Soares, exposição, Kobe, 29 fev. 1936, AHI, lata 1016, maço 17163. 38 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS acompanharam a missão com o fim de obter condições para instalar fábricas de manufaturados como tecidos, porcelanas, cristais, etc. O consulado advertiu a chancelaria brasileira que o plano japonês colocaria em risco propósitos de industriais paulistas que também pretendiam investir na Bolívia, montando lá diversas fábricas. O risco que todos os estrangeiros haveriam de enfrentar vinha, contudo, do nacionalismo boliviano, que era adverso a esses negócios e comprometia a estabilidade futura dos contratos40. Outro exemplo da ofensiva japonesa verificava- se na Argentina, cujas quotas de importação de produtos japoneses eram fixadas em função do volume das exportações para aquele país. Encontrando dificuldades para prosseguir abastecendo-se com a lã australiana, oscomerciantesjaponeses propuseram em 1939 o aumento da quota argentina em troca de tecidos e outros manufaturados41. Percebem-se, pois, diversos problemas enfrentados pelo comércio deexportação japonêsparaa América do Sul: guerra comercial americana, restrições cambiais, baixa capacidade de importação japonesa, reação do nacionalismo econômico latino. Quatro fortes condicionamentos pesavam sobre suas possibilidades: a disposição dos governos latinos de barganhar seu mercado por vantagens recíprocas a investir no processo de desenvolvimento; o aumento da autonomia decisória latina no contexto da depressão capitalista e da divisão do mundo em bloco; o acirramento da competição internacional com o aparecimento de novos centros produtores no mundo; e a aliança a ceder aos Estados Unidos em troca de ganhos econômicos e estratégicos. Para tudo, a solução parecia passar pelo sistema de comércio compensado, feito de quotas equilibradas quanto ao valor total do intercâmbio, exatamente como procedia o Brasil com o conjunto de suas trocas com a Alemanha e a Itália. O Brasil abrigava em 1938 a maior colônia de japoneses em um país estrangeiro, cerca de duzentos mil. O comércio bilateral 40 J. de Mendonça Lima a Mário de Pimentel Brandão, ofício, Guayaramerin, 5 fev. 1938, AHI, lata 1034, maço 17838. 41 José Rodrigues Alves a Oswaldo Aranha, ofício,Buenos Aires, 24 ago. 1939, AHI, lata 732, maço 10463. 39 AMADO LUIZ CERVO ascendeu de um milhão de ienes em 1921 para seis milhões em 1935, saltando para 75 milhões em 1937. As expectativas eram de chegar a um bilhão em poucos anos. Esse incremento era explicado pela troca de missões comerciais em 1935 (Missão Hirao) e 1936 (Missão Salgado Filho), pelo esforço do embaixador brasileiro Leão Veloso, acreditado emTóquio desde 1935, e por uma ativa diplomacia cultural42. Iniciada a guerra, a imprensa japonesa alarmou-se com o projeto norte- americano de constituir uma corporação exportadora interamericana dispondo de um capital de dois bilhões de dólares, destinada a financiar toda a circulação de riqueza no continente, excluindo europeus e asiáticos do envolvimento com o comércio regional. As autoridades japonesas apelavam aos interesses argentinos e brasileiros realizados com seu comércio com a Inglaterra e o Japão para opor-se ao empreendimento monopolista americano43. Em termos comparativos, se malogrou, durante a depressão capitalista, a tentativa soviética de penetração comercial na América Latina por razões políticas e ideológicas, o esforço japonês esbarrou em outros obstáculos, como a resistência do nacionalismo econômico local, a reação diplomática e política norte-americana e a baixa capacidade japonesa de consumo de produtos primários latino-americanos. O comércio com a Grã-Bretanha prosseguia sendo o eixo principal dos negócios externos da Argentina na segunda metade dos anos 30. As trocas foram novamente reguladas pelo acordo de comércio de 1º de dezembro de 1936. No quinquênio 1935-1939, um quinto das importações da Argentina provinha do Reino Unido, enquanto esse absorvia um terço das exportações totais. Computados dividendos, juros bancários, fretes e outras variáveis, era equilibrada a balança de pagamentos bilateral segundo observava TheTimes44. ParaLaNación, as dificuldades desse comércio prosseguiam sendo as mesmas dos anos anteriores: baixa rentabilidade das empresas ferroviárias britânicas na 42 Japan News-Week, Tóquio, 3 dez. 1938, AHI, lata 1198, maço 25946. 43 Consulado do Brasil a Oswaldo Aranha, ofício, Kobe, 25jun. 1940, AHI lata 1016, maço 17163. 44 TheTimes, Londres, 6 jan. 1940, AHI, lata 732, maço 10463. 40 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS Argentina; taxação britânica sobre a carne argentina superior àquela imposta à carne proveniente dos domínios; subsídios aos produtores de carne do Reino; pressão dos domínios pelo abastecimento do mercado inglês com seus produtos agrícolas45. Em 1938 verificou-se um decréscimo de 25 milhões de pesos na entrada de produtos ingleses na Argentina. O início da guerra abriu novas perspectivas para os negócios bilaterais segundo o Financial News de 30 de outubro de 1939, já que as importações de carnes haveriam de aumentar e a retirada da Alemanha do mercado local – 10% das importações totais argentinas – representaria novas oportunidades para outros fornecedores externos46. Com relação aos anos 20, o comércio da Argentina com a França chegou a cair 40% nos anos 30. O princípio “comprar de quem nos compra” embaraçava os negócios, sobretudo porque as duas economiasnão eram complementares. Em 4 demarço de 1936 firmou- se um acordo por troca de notas, cuja finalidade era a de superar as dificuldades, mas, assim mesmo, esse comércio não apresentava um desempenho promissor. A Argentina buscou então outros países, mormente a Holanda, com a qual firmou um tratado de comércio que ofereceu facilidades para a imigração holandesa e elevou as trocas bilaterais acima daquelas registradas entre o Brasil e a Holanda47. Na segunda metade dos anos 30, o Brasil reformulou com senso muito pragmático sua política de comércio exterior, que passou a fundar-se em três princípios: primeiro, aproveitar as rivalidades dos blocos antagônicos em formação para provocar a competição interna e elevar o poder de barganha nas negociações externas; segundo, manter a política de comércio liberal do lado dos Estados Unidos, forçando- os, contudo, a agir em razão das condições de competição provocadas; terceiro, incrementar o intercâmbio com a Alemanha (e a Itália) por 45 La Nación, 4 mar. 1936, AHI, lata 732, maço 10463. 46 Régis de Oliveira a Oswaldo Aranha, ofício, Londres, 30out. 1939, AHI, lata 732, maço 10463. 47 João P. da Silva a José Carlos de Macedo Soares, ofício, Paris, 7 abr. 1936; Rui Ribeiro Couto a Oswaldo Aranha, ofício, Haia, 27 out. 1938, AHI, lata 732, maço 10463. 41 AMADO LUIZ CERVO meio de mecanismos de comércio compensado. Em 1938, Renato de Azevedo, membro do Comitê Misto de Negociação Comercial Brasil- Estados Unidos com sede em Nova Iorque, fez um balanço da reação dos homens de negócio e do governo americanos a essa política. Os norte-americanos opuseram-se, desde o tratado bilateral de comércio de 2 de fevereiro de 1935 que firmaram com o Brasil, à utilização por este país dos marcos compensados no comércio com a Alemanha, convertendo-os no “cavalo de batalha” das negociações. A seu turno, os negociadores brasileiros se negavam a entrar em discussões com os norte-americanos sobre as relações comerciais de seu país com outras nações. Tanto é verdade que o Brasil haveria de firmar em 6 de junho do ano seguinte o ajuste de compensação com a Alemanha. Sem limitar a liberdade de movimento da diplomacia econômica do Brasil, o tratado com os Estados Unidos e o comitê de negociação que dele resultara destinavam-se exclusivamente, no modo brasileiro de ver e de operar, a remover obstáculos que porventura viessem a dificultar o desenvolvimento do comércio entre os dois países. E esses eram quatro, segundo os brasileiros: (a) restrições cambiais; (b) escassez de créditos para o comércio; (c) inexistência no Brasil de indústrias com capacidade de produção em escala para atender o mercado norte-americano; (d) deficiência dos transportes marítimos. As restrições cambiais a que o governo brasileiro fora forçado a recorrer em razão do desequilíbrio de suas contas externas representavam o obstáculo mais determinante, responsável pela quase paralisia do comércio com osEstadosUnidos. Por outro lado, o importador brasileiro buscava de preferência a Alemanha (alçada em 1938 à condição de primeiro fornecedor do Brasil) em razão das facilidades do comércio compensado, a França e a Inglaterra, em razão dos créditos que ofereciam. Faltava aos norte-americanos experiência em comércio exterior, enquanto abundavam em filosofia política. Por certo, se o Brasil desenvolvesse em escala as indústrias cujos produtos tinham mercado garantido nos Estados Unidos (óleos vegetais, madeiras, manganês e outros minérios), o equilíbrio do comércio bilateral poderia estabelecer-se, estimulando seu crescimento. Enfim, as taxas dos fretes marítimos elevaram-se precisamente em razão da queda do volume do comércio e da grande 42 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS oferta de serviços, que forçaram as companhias a estabelecer uma conferência de fretes48. As soluções viriam para essas dificuldades, não pelo efeito de negociações entre americanos e latinos, mas pelo das pressões oriundas da Europa que afetavam a segurança e os interesses da potência hemisférica. Com efeito, logo após a Conferência de Munique, Arthur Krock expôs no NewYorkTimesosplanospráticos em prol da unidade hemisférica preparados por uma comissão interministerial presidida pelo subsecretário de Estado Summer Welles e aprovados pelo presidente Roosevelt. As iniciativas preventivas diante de ameaças européias haveriam de produzir resultados em variadas frentes de ação. Asconferênciaspan-americanasdestinar-se-iam ao intercâmbio de idéias culturais, diplomáticas e políticas; a Marinha e o Exército dos EUA seriam modernizados; a rodovia pan-americana estender-se-iado México ao Panamá e à América do Sul; seria estimulada a produção agrícola na América Latina de produtos a serem adquiridos pelos Estados Unidos, como madeiras, plantas medicinais einseticidas, borracha etc.49. O contexto histórico da guerra modificou profundamente o movimento das relações internacionais na primeira metade dos anos 40 para a América Latina como um todo. O periódico londrino The Financial News previa desde 1940 uma melhora sensível do comércio de exportação da região, com o aparecimento de saldos favoráveis, em razão da alta dos preços e do aumento da demanda, mas ainda em razão de deslocamentos para os Estados Unidos e a Europa atlântica dos eixos comerciais que antes existiam entre a América Latina e a Europa central50. Novas companhias britânicas foram criadas para administrar o comércio em tempo de guerra e a tonelagem marítima então empregada no comércio entre o Reino Unido e a América do Sul elevou-se a 1 milhão de toneladas. Cogitavam os ingleses em substituir a Alemanha, a Itália e os países ocupados pelos exércitos alemães, tanto como fornecedores quanto como compradores de 48 Renato de Azevedo a J.G. Moniz, considerações, Nova Iorque, 19 abr. 1938, AHI, lata 1028, maço17597. Cf. ofício do mesmo dia. 49 The New York Times, 26 out. 1938, AHI, lata 1239, maço 27636. 50 The Financial News, London, 22 abr. 1940, AHI lata 731, maço 10761. 43 AMADO LUIZ CERVO mercadorias da América do Sul51. Havia, entretanto, dificuldades nas relações com a Grã-Bretanha. As medidas adotadas pelo governo britânico para fiscalização do comércio dos neutros em 1939 sofreram sérias reservas do governo brasileiro que reclamava de prejuízos diretos e indiretos. Alista negra de empresas não foi reconhecida, os confiscos de encomendas feitas à Alemanha e a censura da correspondência diplomática, com a destruição de parte dela realizada pelos ingleses em Gibraltar, eram inaceitáveis. Mas a decisão brasileira de estabelecer relações diplomáticas com o Canadá, domínio imperial britânico, recebeu acolhida muito favorável52. Novas perspectivas se abriam para o comércio com a URSS. A Câmara dos Deputados da Argentina tomou a iniciativa de propor em 1942 o estabelecimento de relações diplomáticas e comerciais, estas últimas suspensas em 1930 com a cassação da licença de funcionamento da empresa soviética Iuyamtorg. Aimprensa tendia a apoiar tal iniciativa nos países latinos, como, por outro lado, hostilizava o regime de Franco na Espanha, por suas ligações com Hitler e Mussolini. Para os Estados Unidos voltavam-se as atenções dos latino- americanos com o início da guerra. Mesmo porque o governo e a diplomacia de Roosevelt mostravam-se extremamente ativos, alçando a América Latina a um grau de importância que nunca tivera nas considerações econômicas, políticas e estratégicas. A estratégia de Roosevelt compreendia uma série de planos concretos: (a) estabelecer um gigantesco monopólio do comércio intra e extrazonal; (b) fornecer créditos às importações e exportações dos Estados Unidos na região; (c) usar fundos americanos para estabilizar as moedas dos países latinos e desencorajar o comércio compensado53. A grande corporação comercial das Américas não foi instalada, mesmo porque muitas dificuldades foram percebidas para seu funcionamento, mas o 51 Moniz de Aragão a Oswaldo Aranha, ofício, Londres, 11 set. 1940, AHI, lata 731, maço 10461. 52 Meira Penna à Divisão Política e Diplomática, memorando, Rio de Janeiro, 17 jan. 1940, AHI, lata 1198, maço 25947. 53 Embaixada do Brasil a Oswaldo Aranha, ofício, Washington, 18 jun. 1940, AHI, lata 1130, maço 22565. 44 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS fornecimento de abundantes créditos americanos para o comércio regional constituiu fator decisivo para seu incremento de acordo com as necessidades americanas e os interesses dos países do sul. À frente do Comitê Econômico-Financeiro Interamericano, Summer Welles levantava as potencialidades e as necessidades dos países hemisféricos quanto ao comércio exterior e propunha aprovação de leis que convertessem o Export-Import Bank no grande financiador das trocas54. O subsecretário de Estado Summer Welles recebeu em janeiro de 1940 um extenso relatório apresentado por E. P. Thomas, membro do Comitê Comercial Brasil-Estados Unidos com sede em Nova Iorque. O documento incorporava dados de uma visita ao Rio de Janeiro levada a efeito em janeiro de 1939, ocasião em que Thomas encontrara-se com os membros do comitê que tinha sede no Rio e com o chanceler Oswaldo Aranha. As reclamações americanas até então diziam respeito aos atrasados comerciais e às restrições cambiais que emperravam o comércio bilateral. Daí a importância que se deu nas negociações à abertura de linhas de crédito. O comitê recomendava ao governo americano créditos e investimentos para desenvolver extensa gama de produtos que seriam requeridos pelo mercado americano (bauxita, cromo, carvão, cacau, ferro, níquel, manganês, borracha, carnaúba, peles, seda, amêndoas, babaçu, tabaco, fibras vegetais). O Brasil deveria substituir outros fornecedores e converter-se em fornecedor principal ao mercado americano. Para tanto, os investimentos americanos no Brasil seriam estimulados (eram de 194 milhões de dólares em 1936, segundo o relatório), particularmente os investimentos privados paraaprodução mineral, ostransporteseos serviçospúblicos. Aconselhava para o Brasil a redução da burocracia na concessão de passaportes e no registro de empresas, bemcomo o fortalecimento da estrutura bancária, o incremento do turismo, tratamento igualitário ao capital nacional e americano, estímulo e não apenas permissão à entrada de capitais. O relatório apontava enfim cinco fatores que impediam a ampliação dos investimentos estrangeiros no Brasil: (a) restrições legais para a exploração mineira e do potencial hidráulico; (b) restrições legais para 54 Idem, ofício, Washington, 12 jul. 1940, AHI, lata 1130, maço 22565. 45 AMADO LUIZ CERVO exploração e refinamento do petróleo; (c) uma constituição outorgada pelo Executivo, em conflito com o Judiciário; (d) restrições legais à imigração e à liberdade de movimento de estrangeiros; (e) entraves da lei de sociedades anônimas à colaboração entre capital nacional e estrangeiro55. A proteção às indústrias locais enumerada no relatório de Thomas como uma das dificuldade nas relações econômicas do Brasil com os Estados Unidos também era denunciada pelo periódico portenho La Prensa, no caso argentino56. Com efeito, nas percepções de lideranças dos dois países, essa proteção era indispensável ao fortalecimento das economias nacionais e à diversificação de suas estruturas rumo ao capitalismo moderno.O desafio em harmonizar interesses antagônicos norte-americanos e latino-americanos a esse respeito, voltados os primeiros ao liberalismo doutrinário cuja aplicação manteria as estruturas vigentes, foi em boa medida vencido pela disposição comum de unir os esforços de guerra. A assertiva aplica-se sobretudo nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. A imprensa latino-americana noticiava no início de 1942 a estreita cooperação e o perfeito entendimento entre Estados Unidos e Brasil na defesa hemisférica contra eventuais ameaças das potências do Eixo57. Essa avaliação reforçou-se com o encontro entre os presidentes Roosevelt e Vargas em Natal, emjaneiro de 1943, destinado aexaminar a segurança das Américas. A imprensa norte-americana salientou sua importância, vendo nele o reconhecimento do papel de liderança latino- americana por parte do Brasil nos esforços continentais de guerra e a demonstração das relações especiais e da perfeita amizade existente entre ambos os países. Não repercutiram no continente as interpretações da imprensanazista alemã, segundo a qual Roosevelt viajara com a intenção de implorar por uma expedição de cinqüenta mil brasileiros
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