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Relações internacionais da América Latina

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Relações Internacionais
da América Latina
Velhos e novos paradigmas
Amado Luiz Cervo
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DA AMÉRICA LATINA
VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Diretoria José Flávio Sombra Saraiva (diretor-geral)
Antônio Carlos Lessa
Antônio Jorge Ramalho da Rocha
Luiz Fernando Ligiéro
COLEÇÃORELAÇÕES INTERNACIONAIS
Conselho Editorial Estevão Chaves de Rezende Martins (presidente)
Amado Luiz Cervo
Andrew Hurrel
Antônio Augusto Cançado Trindade
Antônio Carlos Lessa
DenisRolland
Gladys Lechini
Hélio Jaguaribe
José Flávio Sombra Saraiva
Paulo Fagundes Vizentini
Thomas Skidmore
Coleção Relações Internacionais
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DA AMÉRICA LATINA
VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
AMADO LUIZ CERVO
AMADO LUIZ CERVO
R382
Relações internacionais da América Latina: velhos
e novos paradigmas / Amado Luiz Cervo.
Brasília: IBRI, 2001.
320 p. ; 23 cm. — (Relações internacionais ; 4)
ISBN 85-88270-05-6 (broch.)
1. Relações internacionais. I. Cervo, Amado Luiz.
II. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. III. Título.
CDD-327.11
Direitos desta edição reservados ao
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI)
Universidade de Brasília
Caixa postal 4400
70919-970 – Brasília, DF
Telefax (61) 307 1655
ibri@unb.br
Site: www.ibri-rbpi.org.br
Impresso no Brasil 2001
Efetuado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional
conforme Decreto nº 1.825, de 20.12.1907
4
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Sumário
Prefácio
Um continente em desenvolvimento............................................. 9
Apresentação .............................................................................. 13
Introdução ................................................................................. 17
Primeira parte
O ciclo dadiplomaciado desenvolvimento na América Latina
1. Abandono do paradigma liberal-conservador e esboço
do Estado desenvolvimentista (1930-1947)............................ 23
1.1. A América Latina ao tempo da depressão capitalista
e da Segunda Guerra Mundial......................................... 23
1.2. Rumo a novo paradigma de relações internacionais
da América Latina .......................................................... 52
2. Relações regionais e mundiais e da América Latina durante a
depressão capitalista e a Segunda Guerra Mundial ................... 63
2.1. Políticas exteriores e relações regionais............................. 63
2.2. O enquadramento latino-americano na ordem bipolar .... 81
3. Apogeu do Estado desenvolvimentista, cooperação
internacional e Guerra Fria 1947-1979 ................................... 97
3.1. Uma teoria latino-americana do Estado
desenvolvimentista ......................................................... 97
3.2. Ainserção internacional da América Latina entre a
Guerra Fria e a cooperação............................................ 112
5
AMADO LUIZ CERVO
Segunda parte
Argentina, Brasil e Venezuela
4. Adinâmica atlântica entre 1947 e 1959................................ 147
4.1. O sul do continente à época do peronismo ................... 147
4.2. Um balanço das relações interamericanas nos meados
dos anos 50, à época de Perón, Vargas e Pérez Jiménez .. 179
a) Estados Unidos ....................................................... 180
b) México, América Central e Caribe ........................... 182
c) Norte do continente sul-americano........................... 184
d) Cone Sul................................................................ 189
4.3. A ascensão de Stroessnere o triângulo
Argentina-Paraguai-Brasil.............................................. 197
4.4. O norte da América do Sul à época de Pérez Jiménez.... 203
5. A dinâmica do ângulo atlântico entre 1960 e 1979 ............... 211
5.1. Os primórdios da integração física na década de 1960 ... 211
5.1.1. O Cone Sul: da diplomacia da obstruçãoà
cooperação regional .............................................. 211
5.1.2. O norte da América do Sul: o isolacionismo
venezuelano ....................................................... 229
5.2. Relações regionais em compasso de espera na década
de 1970 ....................................................................... 236
5.2.1. O sul do continente latino-americano: as águas
e a geopolítica. .................................................... 236
5.2.2. O norte da América do Sul: a força do petróleo ..... 247
6. A construção de eixos bilaterais ............................................ 257
6.1. Novos equilíbrios às margens do Atlântico sul
(1980-1986) ................................................................ 257
6.2. O eixo Brasil-Venezuela................................................ 260
6.3. O eixo Brasil-Argentina................................................ 269
6
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Terceira parte
O ciclo da diplomacia neoliberal
7. Sob o signo neoliberal: as relações internacionais da América
Latina na virada do século .................................................... 279
7.1. A transição do Estado desenvolvimentista para o
Estado normal.............................................................. 280
7.2. Orientações externas dos regimes neoliberais ................. 284
7.3. Balanço das relações internacionais do Estado normal
e primeiras reações........................................................ 297
Siglas........................................................................................ 303
Bibliografia .............................................................................. 305
7
AMADO LUIZ CERVO
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Prefácio
Um continente em desenvolvimento
Este livro do historiador Amado Luiz Cervo, professor da
Universidade de Brasília, amplia o escopo dos seus estudos de relações
internacionais. AHistória da política exterior do Brasil, lançada em 1992
em parceria com Clodoaldo Bueno, ainda permanece seu trabalho de
referência mais conhecido. Além de outros livros que organizou ou
dos quais participou como colaborador, Cervo publicou duas obras
com enfoque bilateral: As relações históricas entre o Brasil e a Itália – O
papel da diplomacia (1992) e Depois das Caravelas – As relações entre
Portugal e Brasil, 1808-2000 (2000), este último em parceria com o
historiador português José Calvet de Magalhães. Ademais, juntamente
com o professor Mario Rapoport, da Universidade de Buenos Aires,
coordenou um estudo coletivo e transnacional, publicado em 1998
com o título História do Cone Sul.
As relações internacionais da América Latina: velhos e novos
paradigmas, o novo estudo individual do autor, envolve os países latino-
americanosde 1930 a nossos dias. Atese de Cervo, ou seja, o argumento
central de sua interpretação orgânica da história, é a existência de um
destino comum que perseguiram esses países desde os anos da depressão
capitalista. De fato, uma vez configurados os espaços nacionais, os
governos da região orientaram sua ação interna e externa para a meta
do desenvolvimento. O paradigma desenvolvimentista, a invenção
política latino-americana, foi esboçado e posto em marcha pelos
homens de Estado antes de haver sido teorizado pelos economistas da
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Em
sua gênese, o paradigma expressou a aspiração desses povos,
inconformados com a condição de infância social em que eram
mantidos desde o início do século XIX.
A fase desenvolvimentista das políticas exteriores dos países
latino-americanos conferiu, pois, nova funcionalidade à diplomacia.
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AMADOLUIZ CERVO
Seu movimento, cujo impulso brotava da vontade soberana dos
Estados, era embalado pela esperança de produzir condições favoráveis
e de trazer fatores concretos de progresso e melhoria das condições de
vida para as nações.
O desafio que os países da América Latina tiveram pela frente
foi o de administrar esse destino comum. Dividida em múltiplos
Estados, a região lidava com os nacionalismos, propensos a alimentar
ambições desmesuradas de presença exclusiva ou de influência
preponderante nas vizinhanças. A diplomacia da obstrução fez sucesso
em alguns casos, convivendo ou precedendo a da cooperação e da
integração. Destino comum nem sempre significou concerto político
e ação coordenada.
A administração do destino comum enfrentou, por outro lado,
as contingências da hegemonia norte-americana sobre a região. Findo
o período da Segunda Guerra Mundial, em que a América Latina extraiu
ganhos concretos da relação com os Estados Unidos, a fase posterior
desalinhou as estratégias externas. Até o término da Guerra Fria, o
objetivo primeiro da diplomacia norte-americana era o combate ao
comunismo e não o desenvolvimento politicamente induzido como
queriam os outros governos. Na América Latina, em geral, mesmo
em períodos de regime militar, a Guerra Fria foi muitas vezes tomada
comouma invenção externa à qual convinha dispensar baixa prioridade
nos desígnios nacionais. A menos que pudesse ser utilizada para trazer
a potência hegemônica aos fins do desenvolvimento.
Segundo o autor, foram precisamente essas distintas visões de
mundo e a falta de convergência das políticas exteriores dos países latinos
com relação aos Estados Unidos que reforçaram o sentimento de um
destino comum a ser realizado mediante ação coletiva coordenada.
Perón, Vargas, Pérez Jiménez, Kubitschek e Frondizi entenderam muito
cedo que a América Latina deveria falar de uma só voz se quisesse
exercer com proveito algum controle sobre a inelutável dependência
diante dos Estados Unidos.
Esse patamar de evolução das relações interlatino-americanas
foi alcançado apenas na década de 1980. Sua face coletiva concretizou
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
se nos chamados consensos diplomáticos que então se estabeleciam. Em
termos operacionais, contudo, foi mais importante o caminho que se
abriu para construção de eixos bilaterais: entre Brasil e Argentina, Brasil
e Venezuela, Venezuela e Colômbia. As malogradas iniciativas de
integração política, comercial e econômica, como o ABC, a Operação
Pan-Americana e a Alalc, foram substituídas por processos realistas,
flexíveis e operacionais. Mecanismos inexistentes ou pouco ativos
ganharam relevância, e ocuparam espaços importantes: o Grupo do
Rio e as questões da democracia; o Mercosul e a integração regional; as
negociações do Mercosul com a Comunidade Andina, na Alca e com
a União Européia; e assim por diante. Com Sarney e Alfonsín foi
possível acelerar o processo de integração Brasil-Argentina, que
consagrou quatro princípios basilares para o continente sul-americano:
(1) o de que a integração depende essencialmente do interesse dos agentes
econômicos, ao qual se soma a vontade política dos Governos; (2) o
de que a integração deve partir necessariamente de correntes de comércio
já existentes e com um certo grau de abrangência e complexidade;
(3) o de que a integração deve ir além da liberalização comercial, para
alcançar a área da produção; e (4) o de que a integração continental se
fará a partir da escala sub-regional, como um somatório de iniciativas
semelhantes à empreendida pelo Brasil e Argentina, ao amparo, porém
indo mais além, dos esquemas previstos na Aladi. O Mercosul, o mais
bem concebido de todos os mecanismos de integração, alavancou a
idéia de América do Sul, região de convergência política e de integração
econômica em substituição à América Latina, desde que o México
orientou-se para o norte.
O livro de Amado Luiz Cervo revela as origens e a evolução
das tendências históricas que condicionaram as relações regionais. Chega
ao presente, em que se colocam os dilemas da inserção no mundo da
interdependência global. Sua análise paradigmática vem carregada de
esforço teórico de interpretação do processo histórico, que manipula e
organiza significativo estoque de dados empíricos.
Os leitores dispõem de um manual básico sobre as relações
internacionais da América Latina, fundamentado em extensa pesquisa
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AMADO LUIZ CERVO
documental nas chancelarias da região, especialmente no Itamaraty. O
livro de Cervo é de leitura acessível para iniciados nos estudos de relações
internacionais e útil para profissionais que requeiram tal conhecimento
no desempenho de suas funções.
Luiz Felipe de Seixas Corrêa
Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores
Brasília, setembro de 2001
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Apresentação
Este livro faz parte da coleção Relações Internacionais, organizada
academicamente pelo Instituto Brasileiro de Relações Interncionais
(IBRI), com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), sob
o alto patrocínio da Petrobras. A coleção, constituída de dez títulos a
serem lançados, gradualmente, até 2002, objetiva a formação das novas
gerações brasileiras na área, mas também atende à demanda crescente
da opinião pública nacional interessada nas novas conformações
internacionais e ávida por conhecer, de forma sistemática e organizada,
os grandes temas que envolvem a construção de um novo ordenamento
internacional na passagem para o novo milênio.
Os estudos acerca das relações internacionais têm merecido
atenção especial por parte dos grandes editores, não apenas nos centros
culturais de tradição na área, como Paris, Londres ou Nova Iorque.
Lançamentos de novos títulos e reedições de obras clássicas animam a
vida intelectual e política das universidades e editoras em muitas partes
do mundo. Livreiros de países latino-americanos, europeus e asiáticos
exibem ao público leitor ampla escolha de novos títulos dedicados aos
desdobramentos mais recentes da vida internacional. Estudos de caso,
investigações teóricas e extensas sínteses históricas são cada vez mais
consumidos por numerosas pessoas, ávidas pela compreensão do
mundo.
A internacionalização das sociedades, a ampliação dos mercados,
o impacto dos processos de integração regional e a economia política
da globalização são alguns dos fenômenos que despertam atenção
crescente. Mas há razões adicionais, como a crise de identidade das
nações acentuada pela realidade pós-bipolar e a fragmentação teórica
da ciência política ligada aos estudos dos fenômenos internacionais,
para explicar a animação editorial que se observa em torno do estudo
das relações internacionais.
O interesse dos leitores brasileiros tem esbarrado, no entanto,
em uma limitada reflexão própria acerca das relações internacionais.
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AMADO LUIZ CERVO
Preferiu-se traduzir novos manuais e adotar teorias da moda a enfrentar
o desafio da compreensão e da explicação a partir de circunstâncias
vividas. Foi-se buscar nos outros, equivocadamente, as razões das
próprias vicissitudes. Confundiu-se, algumas vezes, teoria com
ideologia. Absorveu-se e divulgou-se nas salas de aula grande quantidade
de textos de qualidade discutível. Produzidos com o objetivo precípuo
de doutrinar os desavisados, levando-os a crer que as relações entre os
povos, Estados e culturas chegou a seu ápice com a liberalização dos
mercados e com a economia política da globalização, esses textos não
realizam o desafio intelectual de desvendar as entranhas das relações
internacionais contemporâneas.
As contingências doBrasil exigiam, assim, uma coleção
concebida por estudiosos comprometidos com a renovação do
conhecimento a partir de uma perspectiva própria acerca das relações
internacionais, como aliás se procede em toda parte. No entanto, por
mais objetiva que se pretenda que ela seja, todo esforço nessa área de
reflexão está condicionado por motivações, informação, formação e
legado cultural.
Por conseguinte, a coleção Relações Internacionais vem suprir
uma grande lacuna. Preocupado com a percepção inédita, por parte da
sociedade brasileira, dos constrangimentos internacionais que impõem
ajustes de ordens diversas à formulação e implementação das políticas
públicas, do ponto de vista econômico, social e de segurança, o Instituto
Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) resolveu utilizar sua
condição de instituição decana nos estudos internacionalistas no Brasil
para, com seus parceiros, abrir a avenida da reflexão comprometida
com um olhar nacional sobre os grandes fenômenos da vida
internacional que envolvem a sociedade brasileira.
Estratégia comum alinha autores e livros. Em primeiro lugar,
eles pretendem contribuir para a formação da crescente mão-de-obra
brasileira interesada em compreender os desafios internacionais e traduzi-
los adequadamente para os atores sociais com interesses cuja realização
sofrem impactos diretos ou indiretos do meio internacional. Em
segundo lugar, os autores observam, com apreensão, o crescimento
exponenecial da comunidade brasileira de estudantes dos cursos de
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
graduação em Relações Internacionais a partir da década de 1990 e,
como conseqüência, da necessidade de prover base sólida para o
desenvolvimento dessas novas formações. Em terceiro lugar, preocupa
a cada um dos autores da coleção o plano secundário a que a tarefa de
produção de livros paradidáticos foi relegada, no Brasil, diante do rápido
surgimento de um público consumidor, ávido por boa bibliografia
que cumpra os requisitos formais de apresentação do conteúdo mínimo
preconizado pela Comissão de Especialistas de Ensino de Relações
Internacionais do Ministério da Educação.
José Flávio Sombra Saraiva
Organizador da Coleção Relações Internacionais
Brasília, outubro de 2001
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AMADO LUIZ CERVO
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Introdução
Este livro tem por objeto de estudo o ciclo da diplomacia para o
desenvolvimento que constituiu o paradigma de política exterior da
maior parte dos Estados latino-americanos, entre 1930 e 1986, mas
avança na análise das tendências do ciclo neoliberal posterior. A crise
de 1929 e a depressão capitalista dos anos 30 levantaram a questão do
paradigma de relações internacionais vigente na América Latina, cujas
origens situavam-se no período de independência, no início do século
XIX, e cujos parâmetros não serviam mais aos interesses da região.
Desde 1986, quando o presidente brasileiro José Sarney dispunha de
condições políticas para implementar processos de integração, seja ao
norte, com a Venezuela, seja ao sul, com a Argentina – embora somente
este tenha vingado – a filosofia do Estado desenvolvimentista, que
ainda presidira tais impulsos, pôr-se-ia à deriva. Encerrava-se, para a
América Latina um ciclo de relações internacionais e abria-se outro.
Decorridos mais de dez anos da mudança, ao iniciar-se o terceiro
milênio, convém proceder a uma avaliação do paradigma
desenvolvimentista e dos resultados que engendrou em cerca de sessenta
anos de história. Por um lado, porque a irrupção do neoliberalismo no
pensamento político e econômico levou alguns analistas à condenação
acrítica da fase anterior e à apologia da nova ordem internacional que
se convencionou chamar de globalização; por outro, porque parece
necessário perguntar se a mudança de paradigma de inserção
internacional trouxe benefícios sistêmicos para a região, na linha de
superação do atraso histórico com relação ao Primeiro Mundo; enfim,
porque a lógica do desenvolvimento parecia sugerir, no momento da
mudança e como hipótese operacional para a América Latina, não o
desmonte do núcleo central robusto das economias nacionais e sua
alienação, mas a transformação do Estado interventor, considerado
obsoleto no mundo globalizado, naquele tipo de Estado logístico que
se verifica como padrão de conduta dos governos nas economias
centrais.
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AMADO LUIZ CERVO
Se alguma base sólida de convergência existiu entre os anos 30
e o fim dos anos 80 na América Latina foi, sem dúvida, a formulação
de projetos nacionais de desenvolvimento. Sua viabilidade dependia,
contudo, das condições em que se assentassem as relações políticas e
econômicas entre os Estados da região. Rivalidades, ambições nacionais
desmesuradas, conflitos isolados, ciúmes e imagens do outro
propositalmente distorcidas agiram como fatores nocivos para a
harmonização das políticas exteriores. Mas aquela base de união sugeria
visões de mundo sintonizadas, bem como iniciativas de cooperação e
integração regional.O equilíbrio ou desequilíbrio desses dois conjuntos
de fatores, com a prevalência seja de forças antagônicas que brotavam
de dentro das nações e dos nacionalismos, seja de ação concertada pela
comunhão de interesses, animou a vida internacional dos países latino-
americanos. Este estudo pretende desvendar o jogo das relações regionais
e internacionais nesse período, dando ênfase à conduta dos três grandes
Estados localizados às margens do Atlântico sul.
Este livro tem, portanto, como objetivo aprofundar o estudo
de um ciclo histórico e introduzir o estudo de outro ciclo. Na primeira
parte, tenta estabelecer a gênese e a evolução da teoria desenvolvimentista
latino-americana; na segunda, examina o comportamento externo dos
três países atlânticos durante o período em que aquela filosofia política
informou o processo decisório em matéria de relações exteriores; na
terceira, empreende, a título de conclusão, uma análise do paradigma
neoliberal de relações internacionais e de seus primeiros impactos sobre
as condições internas da América Latina.
O conhecimento exposto neste livro resultou da confrontação
metódica de conceitos com a base empírica de informação, em
constante diálogo entre a teoria e a história das relações internacionais.
O texto privilegiou, contudo, para a construção e a crítica do
argumento central e dos conceitos, a documentação diplomática do
acervo do Arquivo Histórico do Itamaraty, suficientemente rica para
abarcar a complexidade das relações interamericanas sob seus diversos
aspectos. Essa base de informação quase exclusiva, se impôs limites à
análise, conferiu-lhe a originalidade que a diferencia de outros estudos.
18
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Durante o período desenvolvimentista, o Estado brasileiro
demonstrou maior coerência entre as macropolíticas internas e as
diretrizes externas, o argentino maior instabilidade ao longo do tempo
e o venezuelano menor determinação. Essas distintas experiências
condicionavam as iniciativas dos governos no âmbito bilateral e
compeliam-nos a ver o espaço regional sob o prisma dos objetivos
estratégicos nacionais. Particular interesse será, portanto, dedicado ao
estudo dos entraves psicológicos, culturais e políticos; à cooperação
econômica entre as sociedades, por um lado e, por outro, ao estudo
dos fatores que uniram os três Estados atlânticos, em 1986, quando o
ciclo definhava, na vontade de engendrar moderno processo de
integração. Enfim, o estudo levanta a questão da integração latino-
americana de vertente sulina, que deixa de lado o grande potencial
posto à consideração dos tomadores de decisão pela Venezuelano
conjunto dos países da América do Sul.
As experiências neoliberais empreendidas pelos países da
América Latina ao termo do ciclo desenvolvimentista serão
interpretadas à luz da literatura especializada. Uma extensa bibliografia
anexa ao texto encaminha o leitor para o aprofundamento do estudo
das relações internacionais da região, entre 1930 e nossos dias.
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Primeira parte
O ciclo da diplomacia do
desenvolvimento na América Latina
AMADO LUIZ CERVO
22
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
1. Abandono do paradigma liberal-conservador
e esboço do Estado desenvolvimentista
(1930-1947)
1.1. A América Latina ao tempo da depressão capitalista
e da Segunda Guerra Mundial
A crise da economia capitalista desencadeada em 1929
provocou sobre a América Latina efeitos similares àqueles ressentidos
por outros mercados, como a diminuição, em 1932, para um quarto
de sua capacidade de importação. Os impostos de exportação, que
alimentavam o tesouro dos Estados, converteram-se em impostos de
importação, mesmo porque a industrialização já vinha sendo promovida
de longa data, embora a ritmo lento e sem continuidade1. Entretanto,
o que nos países capitalistas avançados configurou-se como fechamento
dos mercados e reforço do protecionismo, na América latina tomou o
rumo de um processo de modernização econômica, procurada com
determinação crescente por grupos dirigentes, que agregaram à
diplomacia o senso de conflito de interesses nas relações internacionais.
Até então, os Estados na América Latina serviam exclusivamente a
interesses dos grupos sociais hegemônicos – plantadores e exportadores
de produtos agrícolas ou produtores e exportadores de minerais –
deixando satisfeitas aquelas elites que se haviam apropriado do aparato
público. Importando os manufaturados, em um modelo de mercado
aberto, estes Estados contentavam, por outro lado, os interesses dos
países centrais exportadores de produtos da indústria moderna. O
entendimento entre elites sociais latino-americanas e países avançados
do capitalismo não era, contudo, um conluio de beneficiados para
manter estruturas de dominação aqui e lá, porém uma imposição que
se explica pela compulsão das estruturas hegemônicas do poder
1 García, Rigoberto et al. Economia y geografia del desarollo en América Latina. México:
Fondo de Cultura, 1987.
23
AMADO LUIZ CERVO
internacional. Adependência sempre foi objeto de críticas e insatisfações
por parte das elites latino-americanas, que lutavam por seus próprios
interesses contrariados, por exemplo, pelo colonialismo europeu epelo
protecionismo dos países centrais. Ademais, alguns dirigentes da região,
mais esclarecidos, sempre sonharam com o desenvolvimento moderno,
a exemplo do que observavam nos Estados Unidos.
Nos anos 30, contudo, novas demandas sociais eram perceptíveis
na América Latina, provenientes do crescimento da população urbana,
de uma burguesia nacional ávida por negócios e das forças armadas
que viam a segurança e a defesa em estado precário. A crise do
capitalismo e a redução das exportações primárias da América Latina
não foram a determinação principal, mas contribuíram para o reajuste
das estruturas de poder2. Mediante eleições, revoluções ou golpes de
Estado, os velhos donos do poder e da ordem conservadora cederam
espaço para dirigentes com visão mais ajustada às necessidades sociais e
ao desenvolvimento econômico.O estudo deve buscar explicações para
a nova inserção internacional da América Latina não nos Estados,
agentes inertes desde a época da independência, mas nas idéias, lutas e
propósitos das novas elites. Elas encarnavam então novos interesses sociais
e a esses novos interesses haveriam de voltar-se os Estados nacionais.
O regime unilateral de portas abertas e o laissez-faire que vinham
do século XIX cederam, pois, a novos projetos nacionais que
modificaram as políticas exteriores dos países latino-americanos. Não
apenas políticas exteriores defensivas, mas condutas ousadas e
autocompensatórias que sacrificavam o político ao econômico eram
ensaiadas em toda parte, em uma demonstração de que, finalmente,
os latino-americanos assimilavam um pouco do egoísmo dos grandes3.
A disputa pelo mercado latino-americano por parte de
europeus, norte-americanos, japoneses e soviéticos, como a penetração
de seus empreendimentos, passaram a ser percebidas como fenômenos
a dominar com vistas à superação de desequilíbrios estruturais dos
2 Moniz Bandeira, Luís Alberto. De Martí a Fidel; a Revolução Cubana e a América Latina.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p.22.
3 Paradiso, José. Debates y trajectoria dela política exterior argentina; orden, progresoy organización
nacional. Buenos Aires: Planeta, 1997. p. 81-95.
24
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
intercâmbios econômicos. A divisão do mundoem blocos antagônicos,
que precedeu a deflagração da Segunda Guerra Mundial, propiciou à
América Latina um acréscimo de poder de negociação, do qual alguns
países souberam tirar proveito. A adesão da região à aliança contra os
impérios centrais não foi cedida sem barganha aos Estados Unidos,
que ensaiavam, desde 1933, uma política de boa vizinhança para
alcançar o comando do forte movimento pan-americano com o fim
de assegurar a solidariedade continental.
O Brasil e o México contam entre os países que com maiores
ganhos exerceram esse poder de barganha, inaugurando a diplomacia
cooperativa responsável por resultados concretos em favor de seu
desenvolvimento. Paradoxalmente, um elevado grau de autonomia
pôde ser exercido por meio da ação diplomática desses países, nos anos
que precederam a guerra, ao ensejo da opção a fazer pelo lado das
democracias, e durante a mesma, em razão da importância estratégica
que essas nações representavam. O México pôde, assim, nacionalizar
seu petróleo em 1938 e domar interesses privados norte-americanos,
mesmo porque, ao acenar com negócios importantes do lado da
Alemanha, provocava a cooperação do grande vizinho. O Brasil pôde
desempenhar com maior desenvoltura esse duplo jogo com a Alemanha
e a Itália, por um lado, e os Estados Unidos, por outro, tirando enormes
benefícios com o objetivo de promover sua segurança, seu comércio
exterior eo seu processo de industrialização, cujas bases se consolidaram
com a implantação da grande usina siderúrgica de Volta Redonda em
1943. Entre os grandes, apenas a Argentina permanecia alheia à
diplomacia da barganha, embora obtivesse da Grã-Bretanha, rival dos
Estados Unidos no terreno dos negócios, o importante tratado de
comércio de 19334.
A depressão e a Segunda Guerra Mundial comportam para os
fins desse estudo três curtas fases: a primeira metade da década de 1930
4 Moura, Gerson. Sucessos e ilusões; relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda
Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1991. p.7-39; Ojeda, Mario. Alcances y limites de la
política exterior de México. México: Colégio de México, 1984.p.26-31; Jalabe, Silvia. La
política exterior argentina y sus protagonistas, 1880-1995. Buenos Aires: Grupo Editor
Latinoamericano, 1996. p. 39-54.
25
AMADO LUIZ CERVO
caracteriza-se pelos esforços de superação dos efeitos da depressão sobre
uma economia latino-americana que havia sido escancaradamente aberta
ao livre fluxo do comércio internacional; durante a segunda metade da
década, além desse cuidado, os dirigentes passaram a lidar com os
desafios da opção estratégica que haveriam de fazer diante do conflito
mundial e, enfim, desde 1939, o desafio consistia em administrar as
relações exteriores em contexto de guerra. A América Latina transitava
então, em suas relações internacionais, de mercado aberto, exportadora
de produtos primários e zeladora por prestígio político, para um
esquema em que à política exterior conferiu-se a tarefa de trazer insumos
concretosde desenvolvimento nacional.
Em maio de 1930, ao ser entrevistado por um jornalista de La
Prensa de Buenos Aires, o estadista francês Eduard Herriot reconheceu
a importância da América Latina para as relações econômicas
internacionais da Europa: em razão de seu crescimento econômico e
da industrialização recente, era vista como campo de inversões européias
na indústria e fonte de suprimentos básicos, à condição que se
substituíssem os controles do câmbio pela competição aberta entre as
potências européias e entre a Europa e os Estados Unidos, ambos de
importância similar para apoiar “o assombroso desenvolvimento
industrial e comercial da América Latina”5. O presidente do Comitê
França-América da Academia Francesa de Letras, Gabriel Hanotaux,
apelava então à amizade entre Europa e América para viabilizar as relações
úteis nos tempos de crise que o mundo enfrentava6. A expectativa,
portanto, dos países capitalistas era de que o modelo de portas abertas
do mercado interno que causara o atraso secular da região fosse
reconvertido em modelo de sistema produtivo aberto, em que o
desenvolvimento fosse tocado pelo empreendimento, pelo capital e
pela tecnologia exógenos. Restava saber se as elites latino-americanas
que chegaram ao poder iriam se conformar com a transição de um
para outro esquema de dependência.
5 José de Paula Rodrigues Alves a Octávio Mangabeira, ofício, Buenos Aires, 14 maio 1930,
AHI, lata 731, maço 10461.
6 Luís de Souza Dantas a Afrânio de Melo Franco, ofício, Paris, 18 jun. 1931, AHI, lata
1198l, maço 25929.
26
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
O mercado europeu criava dificuldades para importação de
produtos primários latino-americanos em 1930, de acordo com o
observador Peixoto de Magalhães, diplomata brasileiro servindo em
Buenos Aires, de três maneiras: primeiramente, pelo fato de os lucros
comerciais serem absorvidos pelas companhias internacionais que se
beneficiavam das oscilações do câmbio e não pelos produtores locais;
em segundo lugar, pelos excedentes de oferta que afetavam
particularmente as exportações argentinas (carne, trigo); em terceiro
lugar, em razão da preferência que vinha sendo dada à produção colonial
européia. Em outros termos, o liberalismo, quando vigia, beneficiava
a Europa, quando não, era abatido por mecanismos europeus de
defesa7. Malcolm Robertson, ex-embaixador britânico na Argentina,
denunciou esta incongruência do liberalismo e propôs que à Argentina
fossem estendidos os privilégios que auferiam os domínios do império
britânico8. Esse modo de fazer face aos desafios da depressão capitalista
não tinha apoio na opinião nacional, como registrava The Times em
1932: “a política de comércio exterior britânico buscaria arranjos
recíprocos privilegiados com os domínios, e somente depois com a
Argentina e outras repúblicas latino-americanas que se dispusessem a
comerciar a seu modo”9. As dificuldades para o incremento do comércio
com a América do Sul, entre 1930-1933, segundo periódico
especializado, eram os baixos preços das mercadorias e as restrições
cambiais que bloqueavam na região fundos de exportadores estrangeiros.
Além do livre comércio, os ingleses exigiam o câmbio livre para estimular
o comércio10.
Os dirigentes da América Latina, para fazer face à estagnação
do comércio exterior, adotaram como estratégia os tratados com
cláusula de nação mais favorecida, na suposição de que se desse respeito
ao princípio da liberdade de comércio apregoado pela Liga das Nações.
Entre 1930 e 1933, o Brasil firmou mais de três dezenas desses tratados.
7 N. Peixoto de Magalhães a Octávio Mangabeira, ofício, Buenos Aires, 12 out. 1930, AHI,
lata 732, maço 10463.
8 LaNación, Buenos Aires, 17 nov. 1930. AHI, lata 732, maço 10463.
9 TheTimes, 19 jan. 1932, AHI, lata 731, maço 10461.
10 Birmingham Gazette, 31 jan. 1933. AHI, lata 731, maço 10461.
27
AMADO LUIZ CERVO
Ao perceberem, contudo, que as nações recorriam a medidas indiretas
de controle das importações, outra estratégia foi posta em execução, a
dos tratados de reciprocidade e, logo depois, a de comércio
compensado. Sacrificava-se o princípio da liberdade de comércio pelo
do benefício compartido, com vantagem para América Latina, que
passou a intercambiar seus produtos primários por máquinas e
equipamentos com que tocar a indústria interna11. Ademais, a margem
de manobra para lidar com a concorrência internacional acentuou-se,
já que uma política liberal poderia ser mantida do lado dos Estados
Unidos, em troca de créditos de exportação e de investimentos, e outra
de compensação, do lado da Europa, em troca de armas e equipamentos
industriais.
Após o golpe de Estado que, em setembro de 1930, derrubou
o governo constitucional da Argentina, restabelecendo, ao contrário
do que sucederia no mês seguinte com a revolução de Getúlio Vargas
no Brasil, o poder da oligarquia conservadora, George Lloyd
Courthope, prestigioso banqueiro inglês, escreveu ao ex-presidente
Marcello T. de Alvear que a city de Londres aguardava apenas a
normalização institucional para assegurar ao país o apoio financeiro
necessário para manter a preeminência dos negócios britânicos diante
da concorrência norte-americana12. Com efeito, os acordos de maio
de 1933 que limitaram as restrições ao comércio, como a imposição
de quotas e os entraves ao pagamento, consolidaram a posição
econômica da Grã-Bretanha na Argentina. Mesmo assim, os ingleses
prosseguiam insistindo na liberalização de fundos congelados para
estimular o comércio bilateral, enquanto os argentinos entendiam que
este estímulo apenas favoreceria as importações provenientes do Reino
Unido e que a via correta de promover o intercâmbio era o aumento
de fluxos equilibrados de comércio de lado a lado13. Prosseguia, aliás,
em vigência a norma antiliberal da política comercial britânica, que
11 Cervo, Amado, Bueno, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ática,
1992.p. 214-239.
12 N. Peixoto de Magalhães a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 8 jun. 1931,
AHI, lata 732, maço 10463.
13 LaNación, 15 set. 1934, AHI, lata 732, maço, 10463.
28
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
concedia privilégios aos domínios em detrimento de aliados especiais
como a Argentina, conforme registrava La Prensa em 1935: “A Grã-
Bretanha ignorou o direito que tem a República Argentina de exigir
que seus produtos recebam o mesmo tratamento aduaneiro que aqueles
dos domínios, com base em um tratado que contém a cláusula de
nação mais favorecida”14.
A queixa argentina era antes uma defesa. Com efeito, as
estatísticas das importações inglesas de trigo, outros cereais e carne,
indicam que a Argentina permanecia, entre 1933 e 1935, o fornecedor
quase exclusivo, com cerca de 80% dos fornecimentos externos15. Em
outros termos, os conservadores argentinos andavam já sensíveis com
as novas pressões sócio-econômicas internas e buscavam, como o
governo brasileiro, resultados recíprocos e desenvolvimentistas do
comércio internacional.
Apesar de dirigir seu comércio de exportação sobretudo para o
mercado inglês, os argentinos não se descuidavam de outros países
europeus. AHolandaerao segundo comprador argentino na Europa
em 1931, quando esse país comprava da América Latina um montante
cinco vezes superior a suas exportações para a região. Já na época,
contudo, a imprensa mostrava que esse desequilíbrio do comércio era
ilusório, visto que a balança de pagamentos, conceito que agrega os
lucros do capital investido, os fretes da marinha mercante e outras
variáveis, era favorável ao país europeu16. Entre as decisões a que
lançaram mão os países sul-americanos para atenuar os efeitos da
depressão no início dos anos 30 e evitar a deterioração de seus fluxos
financeiros e econômicos externos, o controle do câmbio e das remessas
para o exterior impediaou criava dificuldades, por exemplo, para a
expatriação de lucros de empreendimentos industriais e de empresas
exportadoras estrangeiros sediados na região. Convinha estar atento
para o conjunto e a complexidade das relações internacionais, caso o
projeto de desenvolvimento nacional comandasse o processo decisório
em política externa.
14 La Prensa, 4 dez. 1935, AHI, lata 732, maço 10463.
15 Idem. 2 maio 1935, AHI, lata 732, maço 10463.
16 Ibidem. 31 jan. 1933, AHI, lata 732, maço 10463.
29
AMADO LUIZ CERVO
Foram de pouca valia, no contexto dos anos 30 e da transição
de seu paradigma de relações internacionais, as relações da América
Latina com a União Soviética. Mas não foram irrelevantes. A União
Soviética dirigia então suas energias políticas para a Europa e para a
promoção de seus interesses comerciais, em uma demonstração de
realismo que deixara para trás a fase da exportação da revolução como
prioridade externa. Na América Latina, interessava-se pela consolidação
dos partidos comunistas nos diferentes países, mas não descurava a
possibilidade de fazer negócios17.
A sociedade anônima Iuyamtorg era o instrumento com que a
União Soviética movia-se na América Latina com o intuito de fomentar
seu comércio.O presidente dessa empresa, Alexander Mikin, apresentou
em maio de 1931 ao ministro da Fazenda do Brasil, José Maria
Whitaker, uma proposta minuciosa de intercâmbio bilateral, nos
moldes com que a empresa já operava nos Estados Unidos (onde se
denominava Amtorg), Argentina, Chile e Uruguai. Os dois obstáculos
que o executivo soviético via para o desenvolvimento das relações
comerciais com o Brasil eram as dificuldades de créditos bancários e a
ausência de uma sucursal da Iuyamtorg no Rio de Janeiro. No mês
seguinte, Mikin entreteve-secom o ministro brasileiro em Montevidéu,
A.G. de Araújo Jorge, após haver obtido a recomendação da embaixada
brasileira em Buenos Aires. AURSS pretendia iniciar compras de café,
cacau, borracha e couros do Brasil. Araújo Jorge ponderava ao Itamaraty
as vantagens dessa aproximação oportuna que já produzia frutos
concretos e importantes nos países do continente naquele momento
de crise internacional. Perguntava se o governo brasileiro estaria em
condições de sobrepor esses interesses econômicos às razões de ordem
política que até o momento explicavam o distanciamento18. Contudo,
de Buenos Aires, Lafayette de Carvalho e Silva descrevia problemas de
relacionamento com autoridades e partidos políticos, que induziram
o governo a cassar a autorização para a empresa soviética funcionar na
17 Rapoport, Mario. Política y diplomacia en la Argentina; las relaciones com E.E.U.U. y la
URSS. Buenos Aires: Tesis, 1987. p.11-15.
18 A. G. de Araújo Jorge a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 29 set. 1931, AHI,
lata 1034, maço 17837.
30
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Argentina, onde se instalara em 192719. As autoridades chilenas não
haviam autorizado a instalação formal da empresa no país e a legação
brasileira em Santiago desaconselhava ao governo de Vargas atender à
sugestão vinda de Montevidéu no sentido de estabelecer relações
comerciais com a URSS20.
Getúlio Vargas consultou seu ministro das Relações Exteriores,
Afrânio de Melo Franco, acerca da conveniência de autorizar o
funcionamento no país daquela agência soviética de comércio. Ante
parecer contrário de sua assessoria de comércio exterior, aconselhou
Vargas a negar essa autorização em razão de desconfianças acerca da
atuação política que a Iuyamtorg poderia vir a exercer21. Na Argentina,
apesar da representação dos advogados da empresa a fim de que o poder
Executivo tornasse sem efeito o decreto que suspendera a autorização
da Iuyamtorg, a imprensa acusava-a de propaganda comunista e se
opunha ao restabelecimento do comércio pela via da representação
formal22. Em 1934, a empresa somente conservava sua sede de
Montevidéu, onde, aliás, seu presidente, Alexander Mikin, fora
acreditado como ministro soviético, sendo o Uruguai o único país sul-
americano a reconhecer oficialmente o regime de Moscou e a estabelecer
com ele relações diplomáticas (a Colômbia o faria em 1935, após haver
o México rompido essas relações). Mas a opinião dos representantes
brasileiros no Uruguai tornou-se contrária àquela expressa por Araújo
Jorge em 1931.Em maio de 1934, o Serviço de Passaportes do Itamaraty
informava ao secretário-geral que o consulado em Montevidéu negara
um pedido de visto para que um diretor viesse ao Brasil e aconselhava
terminantemente impedir a vinda de qualquer representante da empresa
ao país, levando em conta a imensa documentação proveniente das
legações na Argentina e no Uruguai que comprovavam “que a referida
19 Lafayette de Carvalho e Silva a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 24 nov.
1931, AHI, lata 731, maço 10461.
20 Legação do Brasil a Afrânio de Melo Franco, ofício, Santiago, 22 out. 1931, AHI, lata
1034, maço 17837.
21 Afrânio de Melo Franco a Getúlio Dornelles Vargas, despacho, Rio de Janeiro, 19 nov.
1931, AHI, lata 1034, maço 17837.
22 LaNación, 2 dez. 1931, AHI, lata 731, maço 10461. La Prensa, 19 jun. 1932, AHI, lata
731, maço 10461.
31
AMADO LUIZ CERVO
sociedade russo-uruguaia tem como pretexto o intercâmbio comercial
e como finalidade a expansão das idéias subversivas comunistas, onde
quer que ela consiga estender os seus tentáculos”23.
As reações da diplomacia latino-americana, diante da tentativa
soviética de penetração comercial na região por meio da agência
Iuyamtorg, comprovaram que, na primeira metade dos anos 30, ainda
longe dos tempos da Guerra Fria, aos países da região repugnava a
contaminação comunista ao ponto de contra ela estarem dispostos a
sacrificar interesses comerciais, mesmo nas adversas condições com que
a depressão capitalista limitava os negócios. Também pode-se
conjecturar acerca da determinação dos dirigentes latino-americanos
em manter as rédeas do novo processo de desenvolvimento como
explicação para sua atitude de fechar as portas à penetração soviética.
Havia repugnância mesmo de movimentos de esquerda latino-
americanos pelos métodos de aliciamento de camponeses e operários
fomentados desde Moscou e pela pregação de assalto ao capital privado.
Por essa razão, a União Soviética viu-se na necessidade de repensar sua
ação na América Latina e, desde 1935, optou pela composição de
alianças de libertação nacional, embriões das frentes populares que
vingaram em alguns países24.
Adepressão capitalista parecia, aliás, não afetar certos mercados
que demandavam os produtos latino-americanos. Ao lado da União
Soviética, era o Japão que buscava a região no início da década de
1930, por meio da companhia de navegação Osaka Shosen Kaisha,
despertando interesses e ciúmes entre Argentina, Uruguai e Brasil pelo
fornecimento de produtos agrícolas25. O desequilíbrio do comércio
com a Austrália e o interesse em diversificar as parcerias motivaram,
em 1933, a viagem de comissários japoneses de comércio para a
23 Lucillo Bueno a Félix de B. Cavalcanti de Lacerda, ofício, Montevidéu, 25 fev. 1934,
AHI, lata 301, maço 4452. Serviço de Passaportes ao secretário-geral, memorandum, Rio
de Janeiro, 8 maio 1934, AHI, lata 731, maço 10461.
24 Varas, Augusto (org). América Latina y la Unión Soviética; unanueva relación. Buenos Aires:
Grupo Editor Latinoamericano,1987. p.10-11.
25 N. Peixoto de Magalhães a Afrânio de Melo Franco, ofício, Buenos Aires, 14 fev. 1933,
AHI, lata 732, maço 10463.
32
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
América do Sul, onde pretendiam obter fornecimentos de lã, algodão,
couros, trigo, carnes e outros produtos26.
O esforço japonês alarmava os círculos de negócios americanos,
em 1935. Oswaldo Aranha, embaixador brasileiro em Washington,
escreveu ao ministro das Relações Exteriores, Macedo Soares, relatandoa “invasão comercial japonesa na América do Sul”. Após haverem
despertado a simpatia dos produtores locais com as aquisições de
produtos agrícolas, os comerciantes japoneses começaram a repassar
aos consumidores da região a preços baixos variada gama de bens que
incluíam medicamentos, munições, alimentos, tecidos, vidraçarias,
calçados, papel, celulose, roupas e brinquedos. Ao avaliar essa estratégia
de penetração, Aranha alertava para o propósito japonês de competir
abertamente pela conquista dos mercados sul-americanos, como tentara
Herbert Hoover com a finalidade de alijar a Grã-Bretanha e a Alemanha
e garantir a preponderância americana sobre os mercados vizinhos.
Segundo a imprensa norte-americana, osjaponeses estariam concorrendo
em condições favoráveis em razão dos baixos salários pagos a sua mão-
de-obra, da flexibilidade de sua produção a gostos diferentes, da
habilidade em vencer os obstáculos monetários e tarifários criados pela
crise do capitalismo, do engajamento agressivo de sua diplomacia, do
envio de missões comerciais representando interesses de meia centena
de empresas, do uso pragmático de uma diplomacia cultural e, ainda,
em razão de núcleos de imigrantes radicadosnospaíses da região. Poderia
haver exagero nessa avaliação da opinião americana, segundo Aranha.
Convinha, contudo, ter em mente os dois princípios da política norte-
americana a tal respeito: evitar o imperialismo japonês no Pacífico por
meio de um sistema coletivo, de que eram exemplo os tratados de
Washington, e conter qualquer penetração política no hemisfério por
parte de uma potência européia ou asiática27.
Por seu lado, a imprensa latino-americana denunciou a
campanha antinipônica na América do Sul fomentada por homens de
26 LaMañana, Montevidéu, 3 set. 1933, AHI, lata 731, maço 10461.
27 Oswaldo Aranha a José Carlos Macedo Soares, ofício, Washington, 28 mar. 1935, AHI,
lata 731 maço 10461.
33
AMADO LUIZ CERVO
negócios americanos que pressionavam os governos a romper com os
acordos de comércio que serviam de instrumento, desde antes da
Primeira Guerra, à penetração japonesa28. Em 1937, o Japão exportou
mercadorias para a América Latina no valor de 164 milhões de ienes,
mas uma queda verificar-se-ia no ano seguinte, não em razão da
campanha norte-americana, mas, segundo o representante brasileiro
naquele país, N. Tabajara, em razão das restrições cambiais latinas e
dos fornecimentos requeridos pelo exército do Japão engajado na
China29.
Como reagiram os norte-americanos ante as perspectivas de
negócios dos países da América do Sul com a Europa, a URSS e o
Japão? Para os latinos, obviamente, essas oportunidades deveriam ser
exploradas sem prejudicar a colocação de seus produtos no mercado
do norte. Para os americanos, elas representavam ameaças a seus interesses
comerciais e políticos, motivo por que não somente procuravam a elas
contrapor-se como haveriam de amenizar sua tradicional prepotência
ao longo da década30. Já em 1933, o secretário de Estado CordellHull
visitou a Argentina com a finalidade de recompor de modo franco e
despretensioso o estrago nas relações bilaterais causado pelo secretário
de Estado assistente, Francis White, que tivera até há pouco, a seu
cargo, os negócios com a América Latina31.
A literatura disponível não explora suficientemente este
contexto de barganha que se abriu à América Latina nos anos da
depressão capitalista e da divisão do mundo em blocos antagônicos.
Não pôde assim determinar com objetividade o desempenho e os
limites da nova diplomacia de cooperação destinada a apoiar os projetos
28 ElTiempo, Bogotá, 14abr. 1934;JornaldoCommércio,RiodeJaneiro, 17jun. 1935, AHI,
lata 731, maço 10461. Octávio de Abreu Botelho a Agamemnon de Magalhães, ofício,
Buenos Aires, 12 fev. 1936. AHI, lata 732, maço 10463.
29 N. Tabajara a Oswaldo Aranha, ofício, Yokoama, 15 nov. 1938, AHI, lata 731, maço
10461.
30 Dessa prepotência, os norte-americanos deram provas ainda no início da década por meio
de tratamento insultuoso e do assassinato brutal cometido por autoridades policiais de três
estudantes mexicanos que regressavam a seu país. Legação do Brasil a Afrânio de Melo
Franco, ofícios, México, 15 jul. e 27 nov. 1931, AHI, lata 1626, maço 34994.
31 EveningStar, Washington, 28 dez. 1933, AHI, lata 301, maço 4416.
34
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
nacionais de desenvolvimento. É necessário estimular o estudo dos
documentos das chancelarias, indispensável para a compreensão desse
momento de transição das políticas exteriores do continente. Não eram
apenas confrontos de interesse entre Estados Unidos e Alemanha que
estavam em jogo, como amiúde se vê escrito. Outras oportunidades
existiam, que acirravam a competição sobre o terreno dos negócios e
da política internacional, com a presença de velhos e a irrupção de
novos atores, Grã-Bretanha, Itália, Espanha, União Soviética, Japão e
outros. A potência hegemônica da área, os Estados Unidos, foi
encurralada pelos governos latinos, os quais acabaram por ceder-lhe a
solidariedade continental e a cooperação de guerra por preço
compensador.
De modo muito experto, o governo de Roosevelt convocou a
delegação de alguns países, dentre os quais o Brasil, para uma conferência
preliminar que se realizou em Washington, em maio de 1933, em
preparação à grande Conferência Monetária e Econômica Mundial
de Londres. A delegação brasileira, composta por uma dezena de
peritos, foi recebida pelo presidente e negociou com autoridades do
Departamento de Estado, na presença de Cordell Hull, por quatro
dias, um vasto programa que não só se destinava a alinhar as posições
a serem mantidas em Londres, como ainda a debelar obstáculos ao
intercâmbio bilateral. Na dimensão mundial, como na bilateral,
buscavam os Estados Unidos apoio ao comércio livre e desembaraçado
de entraves cambiais, de direitos alfandegários, de quotas e de outros
obstáculos, como também medidas que viessem estabilizar as moedas.
Propunham a generalização de acordos comerciais com cláusula de
nação mais favorecida como fórmula para debelar os entraves ao livre
comércio, mas não concordavam com limites aos direitos alfandegários,
visto que as tarifas norte-americanas eram muito elevadas. Buscavam,
pois, o liberalismo dos outros mercados, preservando os instrumentos
de proteção do próprio. No que tangia ao principal produto brasileiro
de exportação, o café, os negociadores americanos ameaçaram com
um imposto aduaneiro, caso o Brasil não liberalizasse fundos americanos
retidos por controles cambiais, e alcançaram o que queriam. A
Conferência, de cunho preliminar, de Washington acabou com uma
35
AMADO LUIZ CERVO
declaração em que ambos os governos anunciavam que havia “forte
identidade de propósito e de política entre os dois governos” acerca de
atitudes a tomar na Conferência de Londres32. Estava-se, ainda, na
época do alinhamento servil da diplomacia brasileira ao interesse norte-
americano que havia caracterizado a conduta do Itamaraty durante a
República Velha.
Na segunda metade dos anos 30, o comércio exterior da
América Latina esteve de forma crescente relacionado com a divisão
do mundo em blocos antagônicos que antecederam a conflagração
mundial.O Japão encontrava dificuldades para colocar seus produtos
na América Central e do Sul. Um relatório do conselheiro do Ministério
dos Negócios Exteriores, Yasundo Sudo, de regresso de uma viagem
de estudo em 1935, revelou que as exportações totais para a área
representaram, em 1934, 5% das exportações japonesas (104 milhões
sobre 2,1 milhões de ienes). Restrições crescentes, entre as quais
figuravam os direitos de importação e denúncias de tratados de
comércio, eram impostas pelos países da região à entrada de produtos
japoneses. O relatório de Sudo não registrou o antiniponismo como
uma das causas para esse declínio, mas assim mesmo previaatitudes de
repulsão aos produtos japoneses na América do Sul. Três razões
explicavam o declínio da exportação japonesa: os constrangimentos de
balanças de pagamento que operavam nos limites do suportável e
forçavam restrições às importações; aumento de importações feitas
recentemente na expectativa de mais restrições a serem adotadas pelos
governos; as pressões de Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha que
perdiam mercados para os bens japoneses na América Central e do
Sul. Sudo concluiu com uma crítica à política de comércio exterior do
próprio Japão, voltada para exportações sem o necessário equilíbrio de
importações para ajudar a harmonizar as contas externas da América
Latina33. Poderia ir mais longe na proposta de meios com que viabilizar
os negócios japoneses, sugerindo à potência do Oriente os mecanismos
32 Delegação do Brasil à Conferência Monetária e Econômica Mundial e a Afrânio de Melo
Franco, relatórios e ofícios vários, 1933, AHI, lata 1019, maço 17262.
33 The Japan Advertiser, Tóquio, 7 fev. 1935, AHI, lata 1016, maço 17163.
36
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
que logo se implantariam no comércio entre a América Latina e os
dois maiores contendores externos: os créditos que os Estados Unidos
cederiam para financiar seu comércio e o esquema das listas de
compensação que provocariam o incremento espetacular do comércio
alemão.
Sem uma boa política, o Japão não somente deixava de
fortalecer sua presença na região, como ainda perdia terreno. Norte-
americanos e locais uniam-se para combater os produtos japoneses,
alegando os primeiros que eles competiam deslealmente com os
produtos americanos e os segundos com as indústrias nacionais, em
razão dos baixos preços. Foi o motivo invocado pelo governo do Peru
para denunciar em 1935 o tratado de comércio com o Japão34. Nesse
mesmo ano, um decreto chileno se sobrepôs ao tratado com o Japão
firmado em 25 de setembro de 1897, impondo uma sorte de comércio
compensado com o intuito de aumentar as exportações de nitrato e
estabelecer o equilíbrio das trocas que fora desfeito com a invasão dos
manufaturados de baixo preço. Uma missão chilena ao Japão obteria
em 1937 da Federação dos Exportadores Japoneses para a América
Latina um acordo geral dispondo sobre meios e mecanismos para solver
as dificuldades e incrementar o comércio a contento de ambas as
partes35. Por essa época, o comércio do Japão com a Colômbia era
incipiente, mas o desequilíbrio tão acentuado que o governo colombiano
viu-se na contingência de denunciar o tratado de comércio bilateral,
firmado em 1905, mesmo porque a indústria nacional, cujas fábricas
fechavam em razão da concorrência, o pressionava nesse sentido. Mas
havia perspectivas de compra de volume importante de café para forçar
a penetração de manufaturados japoneses no mercado do país. Isso
inquietava o Brasil, obviamente36. A imprensa colombiana, acuada pela
34 La Prensa, 16 abr. 1935, AHI, lata 1016, maço 17163.
35 Rodrigues Alves a José C. de Macedo Soares, ofício, Santiago, 1 fev. 1935; P. Leão Veloso
a José C. Macedo Soares, ofício, Tóquio, 26 ago. 1936; Consulado do Brasil a Mário de
Pimentel Brandão, ofício, Kobe, 10 maio 1937, AHI, lata 1034, maço 17837.
36 Manoel Coelho Rodrigues a José Carlos de Macedo Soares, ofício, Bogotá, 26 nov. 1934;
Legação do Brasil a José Carlos de Macedo Soares, Bogotá, ofício, 2 mar. 1935, AHI, lata
1037, maço 17949.
37
AMADO LUIZ CERVO
indústria nacional que perdia mercado, não apoiava a guerra comercial
que movia o Japão contra americanos e ingleses dentro do território37.
Mas os importadores de tecidos e vestuário exigiam, com o intuito de
retomar as compras, uma nova regulamentação, que foi alcançada por
troca de notas em maio de 1935, estabelecendo um modus vivendi
com mecanismos de comércio compensado. Segundo a legação
brasileira, o Brasil não deveria preocupar-se com esse comércio, visto
que o principal produto brasileiro importado pelo Japão, que a
Colômbia não produzia, era o algodão, já que o consumo de café no
império do Oriente era ínfimo38.
O governo japonês discordava, todavia, do argumento dos
preços baixos, contando, aliás, com parte da opinião latina que via
neles uma vantagem prática contra a elevação do custo de vida, e
trabalhava com a hipótese da campanha antinipônica dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha. O próprio Peru, ao denunciar o tratado de
comércio com o Japão, firmou outro com a Grã-Bretanha, em que
lhe concedia redução alfandegária de 25% sobre os manufaturados em
troca apenas de açúcar de sua produção, infringindo a norma de nação
mais favorecida. O acordo em negociação entre o Japão e a Colômbia
foi suspenso em razão da conclusão de outro com Washington. A
Argentina mantinha suas quotas para a entrada de produtos japoneses
em razão de seu grande comércio com a Grã-Bretanha.
Esses e outros fatos levaram o governo japonês à conclusão de
que as dificuldades de seu comércio na América do Sul provinham de
Washington e Londres39. Aofensivajaponesa, não esmorecia, contudo.
O consulado brasileiro em Guayaramerin relatou em 1938 o
incremento do consumo deprodutosjaponesesno mercado boliviano,
por ocasião da visita de uma missão comercial e industrial do Japão.
Tecidos de seda já dominavam o mercado. Industriais japoneses
37 ElEspectador, Bogotá 18 e 25 mar. 1935; El Pais, Bogotá, 25 mar. 1925, AHI, lata 1037,
maço 17949.
38 Manoel Coelho Rodrigues a José Carlos de Macedo Soares, Bogotá, ofícios de 10 abr., 20
maio, 27 jun., 8 jul., 9 ago., e 30 ago. 1935, AHI, lata 1037, maço 17949.
39 Oscar Corrêa a José Carlos de Macedo Soares, exposição, Kobe, 29 fev. 1936, AHI, lata
1016, maço 17163.
38
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
acompanharam a missão com o fim de obter condições para instalar
fábricas de manufaturados como tecidos, porcelanas, cristais, etc. O
consulado advertiu a chancelaria brasileira que o plano japonês colocaria
em risco propósitos de industriais paulistas que também pretendiam
investir na Bolívia, montando lá diversas fábricas. O risco que todos
os estrangeiros haveriam de enfrentar vinha, contudo, do nacionalismo
boliviano, que era adverso a esses negócios e comprometia a estabilidade
futura dos contratos40. Outro exemplo da ofensiva japonesa verificava-
se na Argentina, cujas quotas de importação de produtos japoneses
eram fixadas em função do volume das exportações para aquele país.
Encontrando dificuldades para prosseguir abastecendo-se com a lã
australiana, oscomerciantesjaponeses propuseram em 1939 o aumento
da quota argentina em troca de tecidos e outros manufaturados41.
Percebem-se, pois, diversos problemas enfrentados pelo
comércio deexportação japonêsparaa América do Sul: guerra comercial
americana, restrições cambiais, baixa capacidade de importação
japonesa, reação do nacionalismo econômico latino. Quatro fortes
condicionamentos pesavam sobre suas possibilidades: a disposição dos
governos latinos de barganhar seu mercado por vantagens recíprocas a
investir no processo de desenvolvimento; o aumento da autonomia
decisória latina no contexto da depressão capitalista e da divisão do
mundo em bloco; o acirramento da competição internacional com o
aparecimento de novos centros produtores no mundo; e a aliança a
ceder aos Estados Unidos em troca de ganhos econômicos e estratégicos.
Para tudo, a solução parecia passar pelo sistema de comércio compensado,
feito de quotas equilibradas quanto ao valor total do intercâmbio,
exatamente como procedia o Brasil com o conjunto de suas trocas
com a Alemanha e a Itália.
O Brasil abrigava em 1938 a maior colônia de japoneses em
um país estrangeiro, cerca de duzentos mil. O comércio bilateral
40 J. de Mendonça Lima a Mário de Pimentel Brandão, ofício, Guayaramerin, 5 fev. 1938,
AHI, lata 1034, maço 17838.
41 José Rodrigues Alves a Oswaldo Aranha, ofício,Buenos Aires, 24 ago. 1939, AHI, lata
732, maço 10463.
39
AMADO LUIZ CERVO
ascendeu de um milhão de ienes em 1921 para seis milhões em 1935,
saltando para 75 milhões em 1937. As expectativas eram de chegar a
um bilhão em poucos anos. Esse incremento era explicado pela troca
de missões comerciais em 1935 (Missão Hirao) e 1936 (Missão Salgado
Filho), pelo esforço do embaixador brasileiro Leão Veloso, acreditado
emTóquio desde 1935, e por uma ativa diplomacia cultural42. Iniciada
a guerra, a imprensa japonesa alarmou-se com o projeto norte-
americano de constituir uma corporação exportadora interamericana
dispondo de um capital de dois bilhões de dólares, destinada a financiar
toda a circulação de riqueza no continente, excluindo europeus e asiáticos
do envolvimento com o comércio regional. As autoridades japonesas
apelavam aos interesses argentinos e brasileiros realizados com seu
comércio com a Inglaterra e o Japão para opor-se ao empreendimento
monopolista americano43.
Em termos comparativos, se malogrou, durante a depressão
capitalista, a tentativa soviética de penetração comercial na América
Latina por razões políticas e ideológicas, o esforço japonês esbarrou
em outros obstáculos, como a resistência do nacionalismo econômico
local, a reação diplomática e política norte-americana e a baixa capacidade
japonesa de consumo de produtos primários latino-americanos.
O comércio com a Grã-Bretanha prosseguia sendo o eixo
principal dos negócios externos da Argentina na segunda metade dos
anos 30. As trocas foram novamente reguladas pelo acordo de comércio
de 1º de dezembro de 1936. No quinquênio 1935-1939, um quinto
das importações da Argentina provinha do Reino Unido, enquanto
esse absorvia um terço das exportações totais. Computados dividendos,
juros bancários, fretes e outras variáveis, era equilibrada a balança de
pagamentos bilateral segundo observava TheTimes44. ParaLaNación,
as dificuldades desse comércio prosseguiam sendo as mesmas dos anos
anteriores: baixa rentabilidade das empresas ferroviárias britânicas na
42 Japan News-Week, Tóquio, 3 dez. 1938, AHI, lata 1198, maço 25946.
43 Consulado do Brasil a Oswaldo Aranha, ofício, Kobe, 25jun. 1940, AHI lata 1016, maço
17163.
44 TheTimes, Londres, 6 jan. 1940, AHI, lata 732, maço 10463.
40
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
Argentina; taxação britânica sobre a carne argentina superior àquela
imposta à carne proveniente dos domínios; subsídios aos produtores
de carne do Reino; pressão dos domínios pelo abastecimento do
mercado inglês com seus produtos agrícolas45. Em 1938 verificou-se
um decréscimo de 25 milhões de pesos na entrada de produtos ingleses
na Argentina. O início da guerra abriu novas perspectivas para os
negócios bilaterais segundo o Financial News de 30 de outubro de
1939, já que as importações de carnes haveriam de aumentar e a retirada
da Alemanha do mercado local – 10% das importações totais argentinas
– representaria novas oportunidades para outros fornecedores
externos46.
Com relação aos anos 20, o comércio da Argentina com a
França chegou a cair 40% nos anos 30. O princípio “comprar de quem
nos compra” embaraçava os negócios, sobretudo porque as duas
economiasnão eram complementares. Em 4 demarço de 1936 firmou-
se um acordo por troca de notas, cuja finalidade era a de superar as
dificuldades, mas, assim mesmo, esse comércio não apresentava um
desempenho promissor. A Argentina buscou então outros países,
mormente a Holanda, com a qual firmou um tratado de comércio
que ofereceu facilidades para a imigração holandesa e elevou as trocas
bilaterais acima daquelas registradas entre o Brasil e a Holanda47.
Na segunda metade dos anos 30, o Brasil reformulou com
senso muito pragmático sua política de comércio exterior, que passou
a fundar-se em três princípios: primeiro, aproveitar as rivalidades dos
blocos antagônicos em formação para provocar a competição interna e
elevar o poder de barganha nas negociações externas; segundo, manter
a política de comércio liberal do lado dos Estados Unidos, forçando-
os, contudo, a agir em razão das condições de competição provocadas;
terceiro, incrementar o intercâmbio com a Alemanha (e a Itália) por
45 La Nación, 4 mar. 1936, AHI, lata 732, maço 10463.
46 Régis de Oliveira a Oswaldo Aranha, ofício, Londres, 30out. 1939, AHI, lata 732, maço
10463.
47 João P. da Silva a José Carlos de Macedo Soares, ofício, Paris, 7 abr. 1936; Rui Ribeiro
Couto a Oswaldo Aranha, ofício, Haia, 27 out. 1938, AHI, lata 732, maço 10463.
41
AMADO LUIZ CERVO
meio de mecanismos de comércio compensado. Em 1938, Renato de
Azevedo, membro do Comitê Misto de Negociação Comercial Brasil-
Estados Unidos com sede em Nova Iorque, fez um balanço da reação
dos homens de negócio e do governo americanos a essa política.
Os norte-americanos opuseram-se, desde o tratado bilateral de
comércio de 2 de fevereiro de 1935 que firmaram com o Brasil, à
utilização por este país dos marcos compensados no comércio com a
Alemanha, convertendo-os no “cavalo de batalha” das negociações.
A seu turno, os negociadores brasileiros se negavam a entrar em
discussões com os norte-americanos sobre as relações comerciais de
seu país com outras nações. Tanto é verdade que o Brasil haveria de
firmar em 6 de junho do ano seguinte o ajuste de compensação com a
Alemanha. Sem limitar a liberdade de movimento da diplomacia
econômica do Brasil, o tratado com os Estados Unidos e o comitê de
negociação que dele resultara destinavam-se exclusivamente, no modo
brasileiro de ver e de operar, a remover obstáculos que porventura
viessem a dificultar o desenvolvimento do comércio entre os dois países.
E esses eram quatro, segundo os brasileiros: (a) restrições cambiais; (b)
escassez de créditos para o comércio; (c) inexistência no Brasil de
indústrias com capacidade de produção em escala para atender o
mercado norte-americano; (d) deficiência dos transportes marítimos.
As restrições cambiais a que o governo brasileiro fora forçado a
recorrer em razão do desequilíbrio de suas contas externas representavam
o obstáculo mais determinante, responsável pela quase paralisia do
comércio com osEstadosUnidos. Por outro lado, o importador brasileiro
buscava de preferência a Alemanha (alçada em 1938 à condição de
primeiro fornecedor do Brasil) em razão das facilidades do comércio
compensado, a França e a Inglaterra, em razão dos créditos que ofereciam.
Faltava aos norte-americanos experiência em comércio exterior, enquanto
abundavam em filosofia política. Por certo, se o Brasil desenvolvesse
em escala as indústrias cujos produtos tinham mercado garantido nos
Estados Unidos (óleos vegetais, madeiras, manganês e outros minérios),
o equilíbrio do comércio bilateral poderia estabelecer-se, estimulando
seu crescimento. Enfim, as taxas dos fretes marítimos elevaram-se
precisamente em razão da queda do volume do comércio e da grande
42
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
oferta de serviços, que forçaram as companhias a estabelecer uma
conferência de fretes48.
As soluções viriam para essas dificuldades, não pelo efeito de
negociações entre americanos e latinos, mas pelo das pressões oriundas
da Europa que afetavam a segurança e os interesses da potência
hemisférica. Com efeito, logo após a Conferência de Munique, Arthur
Krock expôs no NewYorkTimesosplanospráticos em prol da unidade
hemisférica preparados por uma comissão interministerial presidida
pelo subsecretário de Estado Summer Welles e aprovados pelo
presidente Roosevelt. As iniciativas preventivas diante de ameaças
européias haveriam de produzir resultados em variadas frentes de ação.
Asconferênciaspan-americanasdestinar-se-iam ao intercâmbio de idéias
culturais, diplomáticas e políticas; a Marinha e o Exército dos EUA
seriam modernizados; a rodovia pan-americana estender-se-iado
México ao Panamá e à América do Sul; seria estimulada a produção
agrícola na América Latina de produtos a serem adquiridos pelos Estados
Unidos, como madeiras, plantas medicinais einseticidas, borracha etc.49.
O contexto histórico da guerra modificou profundamente o
movimento das relações internacionais na primeira metade dos anos
40 para a América Latina como um todo. O periódico londrino The
Financial News previa desde 1940 uma melhora sensível do comércio
de exportação da região, com o aparecimento de saldos favoráveis, em
razão da alta dos preços e do aumento da demanda, mas ainda em
razão de deslocamentos para os Estados Unidos e a Europa atlântica
dos eixos comerciais que antes existiam entre a América Latina e a
Europa central50. Novas companhias britânicas foram criadas para
administrar o comércio em tempo de guerra e a tonelagem marítima
então empregada no comércio entre o Reino Unido e a América do
Sul elevou-se a 1 milhão de toneladas. Cogitavam os ingleses em
substituir a Alemanha, a Itália e os países ocupados pelos exércitos
alemães, tanto como fornecedores quanto como compradores de
48 Renato de Azevedo a J.G. Moniz, considerações, Nova Iorque, 19 abr. 1938, AHI, lata
1028, maço17597. Cf. ofício do mesmo dia.
49 The New York Times, 26 out. 1938, AHI, lata 1239, maço 27636.
50 The Financial News, London, 22 abr. 1940, AHI lata 731, maço 10761.
43
AMADO LUIZ CERVO
mercadorias da América do Sul51. Havia, entretanto, dificuldades nas
relações com a Grã-Bretanha. As medidas adotadas pelo governo
britânico para fiscalização do comércio dos neutros em 1939 sofreram
sérias reservas do governo brasileiro que reclamava de prejuízos diretos
e indiretos. Alista negra de empresas não foi reconhecida, os confiscos
de encomendas feitas à Alemanha e a censura da correspondência
diplomática, com a destruição de parte dela realizada pelos ingleses em
Gibraltar, eram inaceitáveis. Mas a decisão brasileira de estabelecer
relações diplomáticas com o Canadá, domínio imperial britânico,
recebeu acolhida muito favorável52.
Novas perspectivas se abriam para o comércio com a URSS. A
Câmara dos Deputados da Argentina tomou a iniciativa de propor em
1942 o estabelecimento de relações diplomáticas e comerciais, estas
últimas suspensas em 1930 com a cassação da licença de funcionamento
da empresa soviética Iuyamtorg. Aimprensa tendia a apoiar tal iniciativa
nos países latinos, como, por outro lado, hostilizava o regime de Franco
na Espanha, por suas ligações com Hitler e Mussolini.
Para os Estados Unidos voltavam-se as atenções dos latino-
americanos com o início da guerra. Mesmo porque o governo e a
diplomacia de Roosevelt mostravam-se extremamente ativos, alçando
a América Latina a um grau de importância que nunca tivera nas
considerações econômicas, políticas e estratégicas. A estratégia de
Roosevelt compreendia uma série de planos concretos: (a) estabelecer
um gigantesco monopólio do comércio intra e extrazonal; (b) fornecer
créditos às importações e exportações dos Estados Unidos na região;
(c) usar fundos americanos para estabilizar as moedas dos países latinos
e desencorajar o comércio compensado53. A grande corporação
comercial das Américas não foi instalada, mesmo porque muitas
dificuldades foram percebidas para seu funcionamento, mas o
51 Moniz de Aragão a Oswaldo Aranha, ofício, Londres, 11 set. 1940, AHI, lata 731, maço
10461.
52 Meira Penna à Divisão Política e Diplomática, memorando, Rio de Janeiro, 17 jan. 1940,
AHI, lata 1198, maço 25947.
53 Embaixada do Brasil a Oswaldo Aranha, ofício, Washington, 18 jun. 1940, AHI, lata
1130, maço 22565.
44
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA AMÉRICA LATINA: VELHOS E NOVOS PARADIGMAS
fornecimento de abundantes créditos americanos para o comércio
regional constituiu fator decisivo para seu incremento de acordo com
as necessidades americanas e os interesses dos países do sul. À frente do
Comitê Econômico-Financeiro Interamericano, Summer Welles
levantava as potencialidades e as necessidades dos países hemisféricos
quanto ao comércio exterior e propunha aprovação de leis que
convertessem o Export-Import Bank no grande financiador das trocas54.
O subsecretário de Estado Summer Welles recebeu em janeiro
de 1940 um extenso relatório apresentado por E. P. Thomas, membro
do Comitê Comercial Brasil-Estados Unidos com sede em Nova
Iorque. O documento incorporava dados de uma visita ao Rio de
Janeiro levada a efeito em janeiro de 1939, ocasião em que Thomas
encontrara-se com os membros do comitê que tinha sede no Rio e
com o chanceler Oswaldo Aranha. As reclamações americanas até então
diziam respeito aos atrasados comerciais e às restrições cambiais que
emperravam o comércio bilateral. Daí a importância que se deu nas
negociações à abertura de linhas de crédito. O comitê recomendava ao
governo americano créditos e investimentos para desenvolver extensa
gama de produtos que seriam requeridos pelo mercado americano
(bauxita, cromo, carvão, cacau, ferro, níquel, manganês, borracha,
carnaúba, peles, seda, amêndoas, babaçu, tabaco, fibras vegetais). O
Brasil deveria substituir outros fornecedores e converter-se em fornecedor
principal ao mercado americano. Para tanto, os investimentos americanos
no Brasil seriam estimulados (eram de 194 milhões de dólares em
1936, segundo o relatório), particularmente os investimentos privados
paraaprodução mineral, ostransporteseos serviçospúblicos. Aconselhava
para o Brasil a redução da burocracia na concessão de passaportes e no
registro de empresas, bemcomo o fortalecimento da estrutura bancária,
o incremento do turismo, tratamento igualitário ao capital nacional e
americano, estímulo e não apenas permissão à entrada de capitais. O
relatório apontava enfim cinco fatores que impediam a ampliação dos
investimentos estrangeiros no Brasil: (a) restrições legais para a
exploração mineira e do potencial hidráulico; (b) restrições legais para
54 Idem, ofício, Washington, 12 jul. 1940, AHI, lata 1130, maço 22565.
45
AMADO LUIZ CERVO
exploração e refinamento do petróleo; (c) uma constituição outorgada
pelo Executivo, em conflito com o Judiciário; (d) restrições legais à
imigração e à liberdade de movimento de estrangeiros; (e) entraves da
lei de sociedades anônimas à colaboração entre capital nacional e
estrangeiro55.
A proteção às indústrias locais enumerada no relatório de
Thomas como uma das dificuldade nas relações econômicas do Brasil
com os Estados Unidos também era denunciada pelo periódico portenho
La Prensa, no caso argentino56. Com efeito, nas percepções de lideranças
dos dois países, essa proteção era indispensável ao fortalecimento das
economias nacionais e à diversificação de suas estruturas rumo ao
capitalismo moderno.O desafio em harmonizar interesses antagônicos
norte-americanos e latino-americanos a esse respeito, voltados os primeiros
ao liberalismo doutrinário cuja aplicação manteria as estruturas vigentes,
foi em boa medida vencido pela disposição comum de unir os esforços
de guerra. A assertiva aplica-se sobretudo nas relações entre o Brasil e
os Estados Unidos.
A imprensa latino-americana noticiava no início de 1942 a
estreita cooperação e o perfeito entendimento entre Estados Unidos e
Brasil na defesa hemisférica contra eventuais ameaças das potências do
Eixo57. Essa avaliação reforçou-se com o encontro entre os presidentes
Roosevelt e Vargas em Natal, emjaneiro de 1943, destinado aexaminar
a segurança das Américas. A imprensa norte-americana salientou sua
importância, vendo nele o reconhecimento do papel de liderança latino-
americana por parte do Brasil nos esforços continentais de guerra e a
demonstração das relações especiais e da perfeita amizade existente entre
ambos os países. Não repercutiram no continente as interpretações da
imprensanazista alemã, segundo a qual Roosevelt viajara com a intenção
de implorar por uma expedição de cinqüenta mil brasileiros

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