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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Jovino José Balbinot 2 SUMÁRIO 1 A FILOSOFIA ............................................................................................. 3 2 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ....................................................................... 8 3 AS CONCEPÇÕES DE HOMEM E A EDUCAÇÃO ....................................... 12 4 AXIOLOGIA – A VIDA MORAL, A EDUCAÇÃO E OS VALORES................... 19 5 AS TEORIAS FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO, RACIONALISMO, EMPIRISMO, ILUMINISMO, IDEALISMO E REALISMO .................................................... 26 6 O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO DE EDUCAÇÃO: MARXISMO, PRAGMATISMO E EXISTENCIALISMO ........................................................ 36 3 1 A FILOSOFIA A vida é um contínuo caminhar em um mundo de constantes mudanças e transformações. O contexto em que se vive faz o homem construir sua vida permeado de interferências e estabelecendo diversas relações. O desenvolvimento tecnológico e científico alcançou patamares jamais pensados. As intervenções na natureza, em direção do progresso, resultaram em transformações climáticas com consequências irreparáveis. A impressão é que estamos todos de cabeça baixa correndo na direção do que não sabemos ao certo. Nesse sentido, nos perguntamos: em que a filosofia, primeiro conhecimento lógico e racional, poderá contribuir para a educação num momento onde resultado imediato e lucrativo é objetivo prioritário da humanidade? Os conhecimentos científicos e tecnológicos são extremamente importantes. Mas o que é o conhecimento? Por que não são todos os homens beneficiados pela tecnologia? Podemos interferir na vida humana? Qual é a importância do homem quando não possui mais forças para produzir? O que é a Ética? O que é a Moral? Quem é o homem, afinal? Para refletir e buscar respostas para essas e outras questões, organizamos a disciplina de Filosofia da Educação em temas que percorrem a história do pensamento e contemplam assuntos relacionados ao ser e ao existir do homem. Desejamos propiciar a reflexão e a discussão para contribuir na sua formação de profissional do ensino e aprendizagem. Nossa intenção é despertar o gosto pela filosofia e a busca ao aprofundamento dos temas em leituras de obras filosóficas. Estudaremos e discutiremos os seguintes temas: 1. Filosofia. 2. Filosofia da educação. 3. Concepções de homem e a educação. 4. Axiologia – A vida moral, educação e valores. 5. As teorias filosóficas da educação: racionalismo, empirismo, iluminismo, idealismo e realismo. 6. O pensamento contemporâneo de educação: marxismo, pragmatismo e existencialismo. 4 1.1 A Filosofia e sua origem Na história do pensamento, encontramos as narrativas míticas como primeira tentativa de resposta às questões relacionadas ao mundo e ao homem. Conforme lembra Cotrim (1993), os gregos cultuavam uma série de deuses (Zeus, Hera, Ares, Atena, etc.) heróis e semideuses (Teseu, Hércules, Perseu, etc.). E acrescenta que, relatando a vida dos deuses e dos heróis e seus envolvimentos com os homens, os gregos criaram uma rica mitologia constituída por um conjunto de lendas e crenças que, por princípios simbólicos, fornecem explicações para a realidade universal. Sendo assim, podemos afirmar que, o mito foi e continua sendo um relato importante para explicar os fatos da vida humana. Sabemos que, muitas são as questões e, portanto, a filosofia permitirá refletir sobre o sentido da existência humana e sobre os fins da educação. Desse modo, a disciplina Filosofia da Educação tem como objetivo principal fomentar a dúvida e a reflexão nos agentes de aprendizado e de mudanças favorecendo a formação crítica, capaz de buscar a compreensão da realidade social, educacional e pessoal e ainda, discutir o papel da filosofia na formação histórica do ocidente enfatizando aspectos relacionados à educação. Também são objetivos da disciplina: compreender o significado e a importância da filosofia para reflexão das práticas cotidianas e especificamente da prática docente; entender os entrecruzamentos em filosofia e filosofia da educação; estabelecer ligações entre os principais períodos da filosofia e a história da educação; analisar educação a partir das relações sociais, políticas, econômicas e culturais estabelecidas ao longo da história da humanidade; compreender a educação no contexto histórico atual do Brasil; compreender o multiculturalismo, as questões de identidade e diversidade na formação educacional. 1.2 O que é Filosofia? Perguntar é, entre as habilidades do ser humano, a mais comum e a mais repetida no cotidiano das pessoas. Desde criança fazemos perguntas como: O que é? Como é? Quando é? Por que é? Perguntamos porque queremos entender as coisas, o mundo, o universo e a nós mesmos. E assim, não nos damos conta que na própria pergunta está implícita uma resposta. Por exemplo, quando perguntamos o que é a educação, já temos a certeza que é possível educar. Quando buscamos o sentido etimológico do termo filosofia notamos que a origem é grega e composta por duas palavras: filo e sofia. Filo significa amante ou amigo e sofia significa sabedoria. Temos que, filosofia significa “amor à sabedoria”. 5 1.3 Filosofia é reflexão Percebemos que a filosofia está ligada ao conjunto do saber humano. Na sociedade de transformação em que vivemos, necessitamos do conhecimento e buscamos a sabedoria. A filosofia é um conhecimento rigoroso e radical, vai às raízes das questões mais profundamente que qualquer outra ciência; lá onde as outras se dão por satisfeitas, ela continua a indagar e perguntar. Chauí (2003, p. 20) considera que: A reflexão filosófica é o pensamento interrogando-se a si mesmo ou pensando-se a si. É a concentração mental na qual o pensamento se volta para si para examinar, compreender e avaliar suas ideias, vontades, desejos e sentimentos. A reflexão filosófica é radical porque vai à raiz do pensamento, é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para pensar-se a si mesmo, para conhecer como é possível o próprio pensamento ou o próprio conhecimento. A filosofia é um conhecimento e se distingue das outras ciências pelo seu objeto de estudo. Enquanto estas dedicam a sua pesquisa em problemas específicos, por exemplo, a geografia estudando a terra e o espaço e a medicina buscando respostas para a saúde dos humanos, a filosofia volta-se para o ontológico, para o estudo do ser. Quer entender a essência humana. 1.4 A Filosofia é útil A sociedade de resultados imediatos considera que ter é mais importante que ser. A filosofia contribui para o exercício da liberdade do pensar por meio da reflexão crítica no que se refere à nossa existência, cultura, sentido da vida e contribui para a construção da nossa humanidade. Neste sentido, nos perguntamos então, qual a utilidade da filosofia? Se abandonar a ingenuidade e o preconceito do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja liberdade e felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. (CHAUÍ, 2003, p. 24). 6 Filosofar é refletir profundamente acerca da realidade na qual vivemos. Provavelmente não há pessoa que não filosofe; ou, pelo menos, todo homem setorna filósofo em alguma circunstância de sua vida. Quando filosofamos, ampliamos a nossa compreensão do mundo. Ao filosofarmos, aprendemos a pensar além do que nos ensinaram a respeito do certo ou errado, do justo ou injusto, libertando-nos de ideias do senso comum, alterando nosso entendimento, nossas concepções, reeducando o nosso olhar e, consequentemente, ampliando nossa visão de mundo. 1.5 Filosofia é conhecimento A filosofia abrange diversos campos de investigação. Aranha (2006) destaca que a lógica investiga condições de validade dos argumentos e dita regras do pensamento correto; a metafísica estuda o ser enquanto ser, independentemente de suas determinações particulares; a teoria do conhecimento estuda as relações entre sujeito e objeto no ato de conhecer; a epistemologia estuda o conhecimento científico do ponto de vista crítico; a antropologia investiga a concepção de ser humano; a axiologia reflete sobre a natureza e as características do valor; a filosofia política busca o entendimento sobre as relações de poder; a ética reflete sobre as noções, os princípios e os fins que fundamentam a vida moral; a estética reflete sobre a arte e o sentimento que as obras de arte despertam nos seres humanos; a filosofia da linguagem é a reflexão sobre a linguagem como elemento estruturador que explica a relação do ser humano com a realidade e a filosofia da educação reflete sobre a educação e a pedagogia. Investiga o ser humano que quer formar, os valores emergentes que se contrapõem a outros, já decadentes, e os pressupostos do conhecimento subjacentes aos métodos e procedimentos utilizados. Entre os filósofos há diferenças na definição destes campos, entretanto, todos tratam dos mesmos assuntos, diferenciando-se apenas na forma de agrupamento. Saiba Mais Marilena de Souza Chauí nasceu em 4 de setembro de 1941. É professora emérita de Filosofia Política e Estética da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Especialista na obra de Baruch Espinoza, é autora de diversas obras entre as quais, o livro didático Convite à Filosofia. 7 Conclusão Reconhecemos que não é tão fácil apresentar a definição de filosofia, pois estamos falando de um conhecimento que ultrapassa o período de dois mil e quinhentos anos de história do pensamento. O objetivo deste capítulo foi demonstrar que em nossa forma de pensar, acreditar, agir e expressar estão presentes crenças e valores que, na maior parte do tempo e das vezes, não percebemos. Nas ações humanas estão intenções e é tarefa da filosofia, através de reflexão e análise, perceber e entender quais são essas intenções e quais são os objetivos das atitudes no mundo da educação. Estudar e aprender filosofia significa não estar acomodado com os acontecimentos do mundo, mas sim, angustiado e entusiasmado em entender o sentido do pensar e do agir dos humanos. Referências CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: ser, saber e fazer. 8. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 1993. 8 2 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Como já afirmamos anteriormente, o filosofar é parte inerente ao ser humano. Desde criança fazemos perguntas sobre o mundo e tudo o que nele percebemos. E a filosofia da educação? Há relação entre filosofia e educação? Por que filosofia da educação? Acreditamos que ela é importante porque contribui para uma reflexão crítica sobre as questões educacionais e possibilita uma compreensão mais profunda da educação, por meio do entendimento acerca do homem. 2.1 Educação e Filosofia Severino (1994) defende que a educação é vista pelos homens como uma prática social e que se desenvolve como atividade de trabalho, utilizando ferramentas simbólicas. Dizendo de outra forma, o homem é o que ele faz. Nota-se que o trabalho é preocupação constante entre humanos. E faz sentido, pois dedicamos parte significativa do nosso tempo e da nossa vida ao trabalho. Se o homem é o que faz então é necessária a preparação, através do ensino, de uma profissão que satisfaça as necessidades pessoais e dê um sentido à vida. A escola com o seu currículo, atividades pedagógicas e os conteúdos programáticos compõe uma das mediações do homem viabilizando o processo intencional da educação. São as atividades práticas que possibilitam ao homem construir sua própria condição de ser especialmente humano. Ele é em função daquilo que faz, e não em função de sua situação originária natural. Por isso, ao contrário do que pensavam os filósofos antigos, não é bem o agir que segue o ser, mas o ser que segue o agir. Dessa maneira, trabalhar é condição imprescindível para que o indivíduo se humanize, para que seja um ser humano. O trabalho é mediação iniludível da humanização dos indivíduos e, consequentemente, sua ausência ou deturpação de suas condições constituem mediações da desumanização. Assim, tanto o trabalho é necessário para humanizar os indivíduos, como pode também degradá-los e desumanizá-los, fazendo com que percam sua especificidade humana (SEVERINO, 1994, p. 59). Se a preocupação com o trabalho é inerente ao ser humano, pois ocupa um terço do tempo da vida, as demais dimensões da vida humana possuem igual ou ainda maior importância. Se o trabalho é a mediação do ser humano na relação com a natureza, em busca do sustento da existência material, a organização social e a relação com os seus semelhantes produzem o sentido do convívio e da partilha. O ser humano é um ser com os outros. O lazer, a arte, a música, o esporte, pertencem ao ser humano e propiciam o prazer da vida. Lembramos também que o ser humano se relaciona 9 consigo mesmo e, portanto, é um ser simbólico que encontra sentido nos valores e interesses que lhe são próprios. 2.2 A reflexão filosófica A filosofia da educação se debruça sobre esses problemas do homem e da sociedade e se preocupa em responder questões como: O que é o homem? O que é educação? Por que educar? É possível educar? Essas e outras questões servem como orientação para as opções educacionais, dizendo de outra forma, determinarão os fins da educação. Aranha (2006) lembra que se a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto, o exercício se dá a partir dos problemas propostos pelo nosso existir e é inevitável que entre esses problemas estejam os que se referem à educação. Notamos que o processo ensinar e aprender se torna algo necessário e comum na sociedade. Segue-se uma rotina pensada e determinada por pessoas escolhidas para pensar a educação. A filosofia quer entender melhor e, portanto, quer examinar a concepção de humanidade que orienta a ação pedagógica. Os objetivos educacionais passam pelo entendimento de quais são os valores que orientam as ações dos educadores. Cabe à filosofia, entre outras coisas, examinar a concepção de humanidade que orienta a ação pedagógica, para que não se eduque a partir da noção abstrata e atemporal de “criança em si”, de “ser humano em si”, tal como a que persistiu na concepção essencialista de educação. Do mesmo modo, não há como definir objetivos educacionais se não tivermos clareza dos valores que orientam nossa ação. O filósofo deve avaliar os currículos, as técnicas e os métodos para julgar se são adequados ou não aos fins propostos sem cair no tecnicismo, risco inevitável sempre que os meios são supervalorizados e se desconhecem as bases teóricas do agir. (ARANHA, 2006, p. 25). No que se refere ao currículo, vale lembrar que é sim preocupação da filosofia entender quais as intenções do ensinar. A realidade do futuro educador interfere no seu olhar e pensar sobre o mundo. Sendo assim, a escolase constrói com a presença dos profissionais de ensino e dos alunos. Quando o currículo é único o indivíduo desaparece e o resultado estará voltado para os interesses políticos e ideológicos dos representantes do poder. Os estudantes são ignorados nas próprias características quando são obrigados a seguir um currículo pensado por um grupo que se apropria de conteúdos voltados para competências e habilidades que atendem o mundo do trabalho. 10 2.3 O filósofo da educação A presença do filósofo é exatamente essa de estar em todo o ato educativo e no cotidiano da vida. Significa ainda, estar atento, pensar, fazer perguntas, duvidar. O estar presente em tudo resulta na filosofia da linguagem, filosofia política, filosofia da história, filosofia da comunicação, filosofia jurídica, filosofia da arte, filosofia da cultura e a filosofia da educação. Nesse sentido, Perissé (2008) destaca que ao investigar a filosofia verificamos no seu cerne uma constante relação com a educação, na medida em que ela educa o nosso pensamento, educa-nos para os valores humanizantes, para a convivência, educa-nos para saborear a vida e para morrer com dignidade. Quando tomamos conhecimento que o pensamento é educado, ou dito de outra forma, há a educação do nosso pensar, a responsabilidade no educador se manifesta intensamente e faz com que surja um novo agir. 2.4 O Professor de Filosofia O mundo humano é construído de relações. O professor assume uma identidade que lhe é própria quando está na relação com os seus alunos. A relação com o outro nos faz ser. A interação entre professor e aluno possibilita aprendizagem e o resultado é o conhecimento. Sendo assim, faz-se necessária a conscientização de que cada espaço é único, cada aluno possui uma identidade resultante das inúmeras relações que estabelece no mundo. Pensar que vivemos num determinado tempo e espaço significa tomar consciência de que somos seres da coexistência. No processo do coexistir construímos sentidos e contribuímos para a realização pessoal, de si e do outro. As coisas se tornam realidade na exata medida que estão em relação com um ser consciente que faz com que essa coisa exista, no caso da filosofia da educação, conhecimento é reflexão e construção. A natureza responde se fizermos perguntas, o importante é fazer perguntas. O profissional da educação contribui no processo do pensar e do agir para a valorização das diversas áreas do saber. Portanto, educação e pedagogia estão no mesmo caminhar. E a filosofia da educação possibilita uma reflexão contínua e crítica sobre os assuntos educacionais, trabalhando na compreensão dos objetivos, fins, problemas do ensino, do homem e da sociedade. Refletir sobre ação e prática do profissional da educação é tarefa da filosofia da educação. O resultado dessa reflexão possibilita a compreensão do educador sobre sua presença no mundo, as intenções de seu trabalho e a responsabilidade de intervir na formação das futuras gerações da sociedade. 11 2.5 A finalidade da educação Ao pensar sobre a finalidade da educação é necessário que se reflita as concepções de homem e sociedade. Se considerarmos como Platão, que o homem está entre a “ignorância e a sabedoria”, que não é um ser acabado e tem potencialidades a serem desenvolvidas, haverá uma possibilidade de atuação da educação e um caminho para ela trilhar. Entendemos que a educação deve contribuir para a construção de nossa humanidade, em outras palavras, a finalidade precípua da educação é a formação humana do homem, a partir dos valores inalienáveis do ser humano. Conclusão A filosofia da educação possibilita ao profissional da educação refletir sobre as influências das correntes filosóficas na formação do conhecimento humano e sua relação com as ciências. E ainda, analisar e entender sua prática no exercício do ensinar. Ele precisa compreender que o mundo se constrói através das diversas relações que o homem estabelece permeadas pela educação. Portanto, o professor precisa refletir sobre a realidade que vive e saber de sua função social na profissão que exerce, contribuindo assim para a formação consciente e de qualidade para seus alunos. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006. PERISSÉ, Gabriel. Introdução à Filosofia da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. 12 3 AS CONCEPÇÕES DE HOMEM E A EDUCAÇÃO A essência e a existência humana são questões antigas, mas que permanecem muito atuais. É por isso que continuamos buscando respostas que possam nos ajudar a definir os rumos da nossa vida. Notamos que a concepção de homem diverge bastante. Assim nos perguntamos: Por que há essas diferenças nas concepções? Quem está certo? Qual resposta é verdadeira? Há uma resposta verdadeira? No mundo antigo encontramos Platão que nos ensina que o homem é um ser de possibilidades, possui potencialidades que poderão ser desenvolvidas, por isso, a importância da educação ter clareza de seus objetivos, isto é, que homem quer formar e para qual sociedade. Já no mundo contemporâneo, a presença de Sartre, nos lembra que não podemos dizer o que é o homem, porque ele é livre no sentido em que não há nada anterior à existência que lhe indique o caminho, não há sinais, pistas definidas. Assim se dá porque, para Sartre, não há uma essência humana, apenas o que há é a existência. Cada um será o que ele fizer de si mesmo. 3.1 O que é homem? O que é o homem? É esta a primeira e principal pergunta da filosofia. Se pensarmos nisto, a própria pergunta não é uma pergunta abstrata ou objetiva. Nasceu daquilo que refletimos sobre nós mesmos e sobre os outros, queremos saber, em relação ao que refletimos, vimos, somos e em que coisa podemos nos tornar; se realmente e dentro de que limites somos protagonistas da história, de nós próprios, da nossa vida e do nosso destino. Dito de outra forma, estamos diante de uma questão antropológica, a primeira que se coloca em qualquer situação vivida pelo homem, mesmo que ele próprio não tome consciência disso, porque todas as nossas concepções de mundo e formas de agir partem de uma ideia de homem que a elas se encontra subjacente. 13 E o que é antropologia? O termo origina-se do grego anthopos (homem) e logos (teoria, ciência), portanto significa todas as teorias a respeito do ser humano. Dentre elas, destacam-se a antropologia científica e a filosófica. A antropologia científica pode ser física ou cultural. A primeira estuda a evolução humana como corpo físico e animal, ao longo do tempo, desde os primatas, e a cultural trata das diferentes culturas sob os mais diversos aspectos, como relações familiares, estruturas de poder, costumes, tradições, linguagem etc. A antropologia filosófica é a investigação sobre o conceito que o ser humano faz de si próprio, de suas faculdades, habilidades e ações que orientam sua vida, ao responder à questão: “O que é o ser humano?” (ARANHA, 2006, p. 150). O conceito de ser humano é preocupação da filosofia da educação quando pergunta: Que tipo de homem se quer formar? As diversas teorias pedagógicas tentam compreender o conceito de homem que anima suas diretrizes. Por exemplo: a educação tradicional valoriza a transmissão da cultura geral e a realização intelectual do homem. Para cumprir esse projeto, centra a atividade escolar na figura do professor, transmissor do conhecimento. Já na proposta da escola nova o ensino se volta à existência, à vida e à atividade do aluno, passando este a ser o centro do processo. As duasteorias pedagógicas denotam expectativas diferentes de transformação do homem naquilo que ele deve ser. Em cada uma delas serão priorizados valores que determinam a escolha dos conteúdos a serem transmitidos e a maneira de transmiti-los a partir dos objetivos propostos, os quais se postulam a partir de uma questão essencial que é o tipo de homem se quer formar. Sendo assim e para facilitar nossos estudos, destacaremos três concepções de homem que se puseram ao longo da história: a concepção essencialista ou metafísica; a concepção naturalista ou cientificista e a concepção histórico-social. 14 3.2 A Concepção Essencialista ou Metafísica A busca pela essência humana é antiga. Na Grécia antiga, os primeiros filósofos, também chamados de filósofos da natureza, trabalharam um novo conceito de universo e para isso definiram um elemento como princípio de todas as coisas. Os elementos encontrados diferem entre os pensadores. Tales de Mileto defendeu que é a água. Para Anaxímenes é o ar. Heráclito disse que tudo está em constante mudança e o fogo é o elemento necessário para isso. Para Anaximandro é o infinito que dá origem a todos os seres. Na mesma época Sócrates desenvolveu um método que usa de constantes perguntas, considerando a ironia e a maiêutica, na busca da verdadeira essência que estaria presente em cada ser humano. Para Platão existem dois mundos, o mundo inteligível e o mundo sensível, e o verdadeiro está no mundo inteligível. O mundo sensível é o mundo das sombras, das representações e, portanto, um mundo imperfeito. Nota-se mais uma vez a preocupação com a essência humana. Já para Aristóteles, todas as coisas possuem em si quatro causas. A causa material, ou a matéria; a causa formal, ou a forma; a causa eficiente, quem produziu e a causa final, a finalidade. Portanto, a essência das coisas está em sua matéria, forma, causa eficiência e finalidade. Notamos que o enfoque é metafísico e as perguntas são: O que é real? O que é natural? O que é sobrenatural? O ramo central da metafísica é a ontologia, ela investiga em quais categorias as coisas estão no mundo e quais as relações dessas coisas entre si. Em metafísica, a essência de algo é constituída pelas suas propriedades. O oposto da essência são os acidentes da coisa, isto é, aquelas propriedades mutáveis. Na perspectiva essencialista a educação é concebida como processo de atualização da potência da essência humana, mediante o desenvolvimento das características específicas contidas em sua substância, visando sempre um estágio de plena perfeição e atualização total. Nessa essência se encontram inscritos valores que presidem a ação do homem e que definem os fins da educação. Portanto, os critérios de toda ação são critérios propriamente éticos (SEVERINO, 1994, p. 35). 15 Nesta visão, no entanto, percebemos que há limites. Ou seja, quando consideramos o interior do indivíduo como centro e que há formas ideais de educação, estamos determinando a priori o que é o homem e como ele deve ser educado. O importante é a essência e não existência humana. 3.3 A Concepção Cientificista ou Naturalista Na Idade Moderna (século XVII), a filosofia de Descartes, racionalismo; Locke, empirismo, bem como o desenvolvimento do método científico inaugurado por Galileu e Newton, fez surgir uma concepção de conhecimento que até hoje orienta nossa forma de pensar: o pensamento científico. A ciência se torna o único caminho verdadeiro que investiga todas as coisas no mundo. Sendo assim, a responsabilidade da ciência se torna muito grande, pois o conhecimento obtido por ela será usado na vida das pessoas. Na tarefa de descobrir a verdade, dentro de sua esfera de atuação, a ciência precisa de métodos. Na perspectiva naturalista, a educação é concebida como processo de desenvolvimento de um organismo vivo, cujas potencialidades físico-biológicas e sociais já se encontram inscritas no homem, como ser natural, sempre visando um aumento individual e social da vida. Fins e valores se encontram, pois, expressos na adequação às leis naturais que regulam a vida, e os critérios de avaliação são fundamentalmente técnicos (SEVERINO, 1994, p. 35). Na educação, a visão naturalista desenvolveu teorias como o behaviorismo. Como afirma Aranha (2006), o behaviorismo, ou psicologia comportamentalista, influencia até hoje diversas tendências na educação, inspirando uma metodologia que enfatiza a rigorosa programação dos passos para se adquirir o conhecimento, bem como as técnicas e os procedimentos pedagógicos. Skinner, um dos representantes dessa tendência, criou a ‘máquina de ensinar’. E acrescenta que a tendência naturalista é a tentativa de adequar as ciências humanas ao método das ciências da natureza, que se baseia na experimentação, no controle e na generalização, com vistas à eficácia e ao aprimoramento tecnológico. No Brasil, as reformas de ensino na década de 1970, basearam-se nos fundamentos tecnicistas. A intenção era a segurança e o desenvolvimento nacional adotando 16 modelos internacionais. No campo da educação são realizadas reformas para atender às áreas tecnológicas. Assim, o ensino técnico, que formava mão de obra para o mundo do trabalho, é intensificado e imprime novas mudanças na estrutura organizacional da formação educacional no Brasil, ainda mais intencionais. No Brasil, a formação educacional imprime o ser profissionalizante e a presença de técnicos para o trabalho. Sendo assim, o ensino passa a prestar serviço ao estado e ao mundo do trabalho para o desenvolvimento econômico. E nesta concepção, quais são os limites? Notamos que há visão parcial do problema educacional centrada numa visão mecanicista do homem que determina educação como adestramento. Ou seja, o resultado no trabalho de ensino e a consequência do método escolhido e adotado. 3.4 A Concepção histórico-social Nessa nova perspectiva encontramos uma diferença significativa sobre o conceito de homem. Há uma superação na visão do homem considerado essência espiritual pelos metafísicos e considerado corpo natural pelos cientistas. Essa significativa mudança, caracterizada pela crítica ao mecanicismo newtoniano, ao empirismo de Locke, e pela primazia do sentimento sobre a razão, desenrolou-se no período do Romantismo Alemão (século XVIII). Destacamos a presença de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que exerceu grande influência, revolucionando, desde então, as teorias pedagógicas. Rousseau deslocou o centro tradicional do processo educativo, fixado no professor, para o discípulo. Mais ainda, colocou o sentimento, cuja sede era o coração ou a consciência moral, no centro de sua visão do homem. 3.5 A Dialética na Educação Hegel (1770-1831) é outro filósofo que contribui na nova visão de homem como um ser histórico social em constante mudança. Ao desenvolver a filosofia do devir, concebeu o ser como processo, como movimento, como vir-a-ser. Com isso, privilegiou a história, mudando a direção da antropologia: o homem passou a ser pensado como ser-no-tempo. E aproveitando de Hegel a concepção dialética da história, Marx transformou o idealismo hegeliano em materialismo: o mundo material é anterior ao 17 espírito, e este deriva daquele. De acordo com o materialismo histórico marxista, para se estudar o homem e a sociedade, é preciso partir da análise do que os homens fazem e da forma como produzem os bens materiais necessários à vida. Só então será possível compreender como eles pensam e o que eles são. Na perspectiva histórico-social, a educação é concebida como processo individual e coletivo de constituiçãode uma nova consciência social e de reconstituição da sociedade pela rearticulação de suas relações políticas. Fins e valores se definem pelo tipo de relação de poder que os homens estabelecem entre si, na sua prática real, sendo os critérios de avaliação da ação e da educação eminentemente políticos (SEVERINO, 1994, p. 35). Nota-se que para Marx não há natureza humana universal, como queriam as filosofias essencialistas. Como seres práticos, os homens se definem pela produção e pelo trabalho coletivo. Assim, as condições econômicas estabelecem os modelos sociais em determinadas circunstâncias. Por isso, Marx se recusava a definir o homem de forma abstrata, buscando compreendê-lo como homem real (concreto), sempre situado em um contexto histórico-social. Finalmente, percebemos que a relação do homem com a natureza, com o mundo, com os outros homens e consigo mesmo, passa por questões filosóficas. No entanto, o pensar e o agir também são educados nas diversas relações humanas. Sendo assim, a educação e a filosofia encontram-se no mesmo processo de construção humana. Somos o que pensamos e pensamos conforme fomos educados. Saiba Mais O filósofo Georg Wilheim Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart no ano de 1770 e faleceu em 1831. Foi o principal pensador do idealismo alemão elevando o racionalismo para o auge da filosofia. Criou o método dialético de pensar que mais tarde tornou-se referência para o filósofo Karl Marx. 18 Conclusão As concepções de homem apresentadas oferecem algumas possibilidades de estudo e análise do ser humano. Quem é o homem afinal? É o homem o que ele pensa ser? Ou ele é o que ele faz? Seria o homem o que ele sente? Ou o que ele acredita? Notamos que a reflexão é significativa e extensa. No entanto, importa perceber que a antropologia deve orientar o trabalho do professor. Assim, precisamos entender quais são as concepções de homem que estão no nosso pensar e na nossa prática. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. 19 4 AXIOLOGIA – A VIDA MORAL, A EDUCAÇÃO E OS VALORES A presença da filosofia na educação é necessária. Estudamos até o momento as diferentes concepções de homem e as diversas teorias do conhecimento. Chegou o momento de refletirmos sobre outro aspecto de extrema importância referente ao agir humano. Estamos diante da axiologia, ou seja, queremos entender a importância dos valores na vida. Sendo assim, nosso estudo se volta para a moral e a ética. Definir o ser humano como um ser em construção significa conceber que é necessário ter alguns parâmetros para guiá-lo. Sim, como veremos em alguns momentos do nosso estudo, o homem é um ser livre e presente no mundo. No entanto, também afirmamos que esse ser livre é um ser de relações. 4.1 A axiologia Axiologia ou teoria dos valores. No cotidiano da vida nos perguntamos sobre o sentido e o valor dos nossos atos e dos nossos pensamentos e assim construímos nosso ser e existir no mundo. Aranha (2006) lembra que o ser humano é capaz de transformar a natureza conforme suas necessidades existenciais, por meio de uma ação intencional e planificada e que ao estabelecer as suas prioridades, o homem escolhe os meios e os fins da ação a partir de valores. E acrescenta que desde o nascimento nos encontramos envoltos por valores herdados, porque o mundo cultural é um sistema de significados estabelecidos por outros. Somos seres históricos e, portanto, herdeiros das produções dos que nos antecederam. Percebemos então que a ação humana é livre, intencional e está relacionada a necessidades existenciais. Sendo assim, podemos afirmar que os valores internalizados pelo homem permitem a vida ética. No estudo dos valores, dos princípios, da moral e da ética, encontramos diversos posicionamentos. 20 4.2 O que é moral? LA TAILLE (2006) afirma que chamamos de moral os sistemas de regras e princípios que respondem à pergunta “como devo agir?”. Como todos os sistemas morais pressupõem, por parte do indivíduo que os legitima, a experiência subjetiva de um sentimento de obrigatoriedade, identificamos esse sentimento como invariante psicológico do plano moral. Reservamos o conceito de ética para as respostas à pergunta “que vida eu quero viver?”, portanto, à questão da felicidade ou vida boa. E identificamos na expansão de si próprio, a motivação psicológica a ser necessariamente contemplada, para que um indivíduo experimente o sentimento perene de bem-estar subjetivo. A moral está relacionada ao dever e, portanto, está ligada às normas e às leis. Como devo agir? A resposta nos parece óbvia, ou seja, segundo as normas e as leis das instituições e do país em que vive. No entanto, a ética está relacionada aos valores e princípios que resultam na vida boa e na felicidade. A ética responde à pergunta “como quero viver?” Querer está mais relacionado à vontade do indivíduo e as escolhas que o mesmo faz no cotidiano da vida. 4.3 A educação e os valores Segundo Aranha (2006), desde o nosso nascimento nos encontramos envoltos por valores herdados, porque o mundo cultural é um sistema de significados estabelecidos por outros. E acrescenta que estamos sempre fazendo juízos de valor, quando as pessoas e as coisas provocam em nós atração ou repulsa, quando julgamos que algo é bom ou mau, belo ou feio, se é útil, e assim por diante. Notamos que estamos sempre pensando e avaliando a partir dos critérios criados na sociedade em que vivemos. Somos seres presentes numa cultura onde se vive uma determinada moral e ética e por isso temos condições de fazer o juízo de valor. Juízos de fato são aqueles que dizem que algo é ou existe, e que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor são avaliações sobre coisas, pessoas, situações e são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião (CHAUÍ, 2003, p. 307). Em todo momento, quando olhamos as pessoas e as coisas, emitimos opiniões acerca de tudo e assim estamos estabelecendo um juízo de valor. Dizendo de outra forma, somos construtores de sentido, criamos nosso ambiente, transcendendo os limites impostos pela natureza. Severino (1994) diria que o homem é um ser eminentemente prático; sua existência se define com a contínua construção de seu modo de ser, 21 mediante sua prática que é intencional e marcada por uma referência a objetivos e fins. Na relação com a natureza, com os outros e com nosso ser subjetivo exercemos uma ação transformadora consciente a que chamamos de trabalho, instrumento de intervenção humana no mundo. Ainda em Severino (1994) vemos que é pela mediação de sua consciência subjetiva que o homem pode intencionalizar sua prática, pois essa consciência é sensível a valores. E acrescenta que, ao agir, o homem está sempre se referenciando a valores, de tal modo que todos os aspectos de sua realidade, todos os objetos de suas experiências, todas as situações que vive e todas as relações que estabelece são atravessadas por um coeficiente de valoração. 4.4 O homem e a cultura O homem, pela inteligência, cria formas de adaptação que o permite administrar as imposições do meio, e ainda, modificar o ambiente. Essas modificações constituem nossa cultura. Nós humanos, igualmente, somos produto cultural. Não há humano fora da cultura, pois ela é o nosso ambiente e nela somos socialmenteformados (com valores, crenças, regras, objetos, conhecimentos etc.) e historicamente determinados (com as condições e concepções da época na qual vivemos). Em suma, o homem não nasce humano e, sim, torna-se humano na vida social e histórica no interior da cultura. (CORTELLA, 2001, p. 42). Afirmamos aqui que a cultura é o conjunto de resultados da ação humana sobre o mundo, em determinado tempo e espaço e por intermédio do trabalho. Por outro lado, o homem também é um produto cultural, por ser social e historicamente determinado. Torna-se humano por vivenciar/produzir valores, crenças, regras, conhecimentos, condições e concepções da época em que vive. Sendo assim, os valores tornam-se produtos ideais. Toda vez que atribuímos um valor a algo, estabelecemos algum tipo de comparação. Para existir um processo de comparação necessitamos de parâmetros de análise. E esses parâmetros são construídos culturalmente na medida em que nos apropriamos de um sistema de significados já estabelecidos por outros. Isto acontece de forma dialética, ou seja, na medida em que nos apropriamos, somos, também, apropriados por esse sistema de significados já estabelecidos por outros. Percebemos assim que, conforme atendemos ou transgredimos os padrões socialmente estabelecidos, nossos comportamentos são avaliados como bons ou maus e, quanto mais estamos imersos em determinado padrão de socialização, também avaliamos como bons os comportamentos alheios que se aproximam do padrão cultural que incorporamos e como maus aqueles que dele se distanciam. 22 No entanto, é necessário justificar que essa padronização de vida permeada por valores que se tornam universais se consolida nos fundamentos da moral e da ética. Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, à conduta correta e à incorreta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças de casta ou de classes muito profundas podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social (CHAUÍ, 2003, p. 310). A moral está em relação com o agir humano no que refere às normas, leis e valores. As pessoas emitem juízos de valor referentes às mais diversas áreas do existir humano. Temos então, valores econômicos, vitais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos, políticos, educacionais, e assim, sucessivamente. 4.5 O que é ética? O estudo da moral e da ética em filosofia da educação tem o objetivo de demonstrar o quanto o ser humano, que se constrói nas diversas relações e que vive um longo período da vida na escola, carrega para os diversos espaços da vida o resultado deste trabalho realizado pela educação. Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, veremos que nele a ética afirma três grandes princípios da vida moral: 1. Por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa; 2. A virtude é uma excelência alcançada pelo caráter, tanto assim que a palavra grega que a designa é arte, que quer dizer excelência. É a força interior do caráter que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados, que existem na natureza de todo ser humano; 3. A conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias nem pelos instintos, ou por vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação (CHAUÍ, 2003, p. 310). 23 A ética é a parte da filosofia que se ocupa do estudo dos fundamentos da vida moral. A ética se pergunta o que é o bem e o mal. A Moral define o que é o bem e o mal, dependendo de onde se alicerce a análise, quer seja na ordem cósmica, como afirmava Epicuro; na vontade de Deus, como defendia São Tomás de Aquino; ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência humana, de acordo com a perspectiva existencialista. Assim, na luta humana para sobrepujar os limites impostos pela natureza, o comportamento socialmente aceito varia de local para local, de época para época. Saiba Mais Epicuro, filósofo do período helenístico que nasceu em 341 e viveu até o ano de 269 antes de Cristo, afirmava que a filosofia era o caminho da felicidade. O controle do homem sobre a dor e o prazer resultava na vida feliz. Conclusão A formação integral do homem resulta do conhecimento ético, político e estético. O estudo da moral e da ética é fundamental para qualquer atividade educativa. Entendemos que a educação e os educadores possuem um compromisso ético voltado para os sujeitos humanos no desenvolvimento de sua construção pessoal e profissional. Não é possível conceber a formação dos profissionais da educação que estarão ligados diariamente com os pequenos cidadãos do mundo, sem pensar no ensino que objetiva a formação moral e ética. Neste sentido e para complementar nossos estudos, apresentamos o texto a seguir. Filhos da Cidadania Era uma vez uma família, como muitas outras; de um lado o Pai chamado de Sociedade, do outro a Mãe chamada Cidadania. A “Cidadania” e o “Sociedade” resolveram que não mais determinariam normas de conduta para seus filhos e que a partir daquela data eles teriam que conviver na família em harmonia, mas sem imposições, pois a “Cidadania” e o “Sociedade queriam ver se seus filhos estavam prontos para seguir a vida em Democracia. A Moral, filha do meio foi logo tomando a frente: - Todos devem se orientar por mim, pois sou eu que direciono a conduta e quem me contrariar certamente será punido. Vocês sabem muito bem que Papai (Sociedade) confia muito em mim e certamente a convivência em harmonia será conquistada nem que seja pela imposição, tenho regras claras e penalidades baseadas em leis, nada foge a meus olhos. 24 A Ética, filha mais velha, ironizou a moral e disse: – Deixa de ser metida, tudo o que você faz é baseado nas minhas conquistas, sou eu que garanto a felicidade, não existe harmonia sem pensar em mim, muitas vezes as leis são colocadas de lado, e interpretadas segundo minha visão, sem contar que sua conduta, Dona Moral, é sempre muito discutida e muitas vezes não é aceita por todos; veja, antigamente era imoral usar minissaias e a mulher trabalhar fora. Graças a minha ética, somos todos iguais. Você mudou suas ignorantes leis, já no meu caso, continuou a falar a Ética, - sou sempre bem-vinda, tenho portas abertas em todos os lugares a qualquer época. Não me venha com essa, disse a Moral, você está ultrapassada, as pessoas só agem porque têm medo de mim e das minhas punições. Por exemplo, os motoristas respeitam a velocidade máxima permitida somente nos trechos em que colocamos radares, eles não pensam em você, eles têm medo das multas, em rodovias que não têm radares o número de acidentes é 90% maior do que as que têm radares. A Ética baixou a cabeça, por alguns minutos, com tristeza nos olhos, retomou o fôlego e disse: A culpa não é minha. As pessoas não me conhecem. Quem me conhece nem se preocupa com os radares, pois elas sabem dos perigos do trânsito e respeitam a velocidade em todos os trechos da rodovia. Se todos agissem sob minha orientação não teríamos acidentes. Moral, você não garante a harmonia, veja quantas crianças abandonadas, pessoas vivendo na miséria, pais perdendo seus filhos, quanta marginalidade e a lei de Gerson... – Tudo isso – comentou a ética – pode não ser imoral, mas comcerteza não têm nenhum pouquinho de ética. Nisso o Bom Senso, filho caçula, pediu a palavra e disse: Meninas, não briguem, na verdade precisamos de vocês duas, pois não consigo imaginar uma moral que não seja baseada na ética, como não acredito em ética que desabone a moral; quando a moral está equivocada a ética entra e muda as leis, não podemos ter somente a ética porque muitas pessoas são imaturas e não conhecem a grandeza que está por trás dos seus ensinamentos. Portanto, precisamos também da moral para orientá-las no processo de amadurecimento. Foi quando Papai Sociedade abriu um sorriso e chamou seus filhos para perto e disse: 25 Tenho muito orgulho de vocês meus filhos, tenho certeza que no futuro, o Bom Senso, a Ética e a Moral construirão famílias sensacionais com muita harmonia, pois vocês são a cara da sua Mãe: a Cidadania (MORETTO, 2007, p. 67-68). Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. CORTELLA, Mario Sergio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. LA TAILLE, Yves de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006. MORETTO, Vasco Pedro. Planejamento: planejando a educação para o desenvolvimento de competências. Petrópolis: Vozes, 2007. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. 26 5 AS TEORIAS FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO, RACIONALISMO, EMPIRISMO, ILUMINISMO, IDEALISMO E REALISMO O conhecimento é um fenômeno que acompanha a história do homem desde suas origens, possibilitando novas aprendizagens. Basta observarmos os avanços, numa rede de relações, das descobertas, invenções, produções e transformações da realidade nos séculos que se passaram. No entanto, quando queremos entender o que é o conhecimento nos deparamos com questões fundamentais. Uma das questões é sobre a essência do conhecimento. Ou seja, o sujeito cognoscente determina ou é determinado pelo objeto? Aranha (2006) defende que quando falamos em conhecimento podemos designar não só o ato de conhecer como uma relação que se estabelece entre a consciência e o objeto conhecido, mas também o produto do conhecimento, o resultado desse ato - saber adquirido e acumulado. Quando pensamos escola estamos tratando do conhecimento produzido e transmitido de forma, muitas vezes, não refletidas de como se constrói o conhecimento. Destaca ainda a teoria do conhecimento como a parte da filosofia que investiga as relações entre o sujeito cognoscente (o sujeito que conhece) e o objeto conhecido no ato de conhecer. Dá como exemplo a forma como apreendemos o real, se essa apreensão deriva principalmente de nossas sensações, ou se existem ideias anteriores a qualquer experiência, se é possível conhecer a realidade, o que é verdadeiro e o que é falso. Diversos são os estudos e as explicações sobre essas questões. No entanto, escolhemos trabalhar com cinco possibilidades de resposta: racionalismo, empirismo, iluminismo, idealismo e realismo. 5.1 O Racionalismo O conhecimento pela razão é uma concepção antiga e essa forma encontra-se primeiramente em Platão, que admite a existência de um mundo suprassensível, denominado mundo inteligível. No mundo sensível vive-se de representações da realidade perfeita que se encontra no mundo inteligível. O mito da caverna de Platão mostra claramente a existência dos dois mundos, ou seja, do mundo das sombras ou mundo sensível e o mundo da verdade e da realidade que é o mundo inteligível. Já para Santo Agostinho, as verdades e os conceitos são irradiados por Deus para nosso espírito. Essa duplicidade de mundo é explicada como cidade de Deus e cidade dos homens. A perfeição e a verdade estão na cidade de Deus, enquanto na cidade dos homens encontramos a imperfeição. 27 No mundo moderno, Descartes e Leibniz são defensores da teoria das ideias inatas, cujos conceitos são originários da razão. Descartes, filósofo francês que viveu no Século XVII, entre os anos de (1596 – 1650), destacou-se por ter afirmado que o conhecimento é resultado da dúvida e se dá através de um percurso metodológico usando a razão. Contrim (1993) lembra que, para Descartes, é preciso, inicialmente, colocarmos todos os nossos conhecimentos em dúvida, questionando tudo para, para analisarmos se existe algo na realidade de que possamos ter plena certeza. O método cartesiano considera todas as percepções sensoriais como incertas. O filósofo prosseguiu colocando em dúvida a existência de tudo aquilo que constitui a realidade e o próprio conteúdo dos pensamentos. E chegou a conclusão que a única verdade era que os seus pensamentos existiam. Descartes só interrompe a cadeia de dúvidas diante de seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso; se penso, existo: “Cogito, ergo sum”, “Penso, logo existo”. Eis aí o fundamento para a construção de toda a sua filosofia. Mas este “eu” cartesiano é puro pensamento, uma res cogitans (um ser pensante), já que, no caminho da dúvida, a realidade do corpo (res extensa, coisa extensa, material) foi colocada em questão (ARANHA, 2003, p. 131). O racionalismo é a forma de entendimento que vê no pensamento, na razão, a principal fonte de conhecimento humano. Todo verdadeiro conhecimento, segundo o racionalismo, se funda no pensamento. Este é, portanto, a verdadeira fonte de conhecimento. Descartes quer primeiramente oferecer regras certas e fáceis que, corretamente observadas, levarão ao conhecimento verdadeiro de tudo aquilo que se pode conhecer. No discurso sobre o método, estas regras são quatro: 1) a evidência racional, que se alcança mediante um ato intuitivo que se autofundamenta; 2) a análise, uma vez que para a intuição é necessário simplicidade, que se alcança mediante a decomposição do complexo em partes elementares; 3) a síntese, que deve partir de elementos absolutos ou não dependentes de outros, e proceder em direção aos elementos relativos ou dependentes, dando lugar a uma cadeia de nexos coerentes; 4) o controle, efetuado mediante a enumeração completa dos elementos analisados e a revisão das operações sintéticas. Em suma, para proceder com retidão em qualquer pesquisa, é preciso repetir o movimento de simplificação e rigorosa concatenação, típico do procedimento geométrico (REALE; ANTISERI, 2005, p. 288). 28 Como podemos notar, Descartes apresentou o método com regras certas para que, com o uso da razão, o conhecimento seja o resultado. Descartes é considerado um dos principais filósofos racionalistas e defende que só podemos conhecer seguindo os passos do racionalismo. 5.2 O Empirismo Para o empirismo, a única fonte de conhecimento humano é a experiência. O sujeito cognoscente não tira os seus conteúdos da razão, tira-os exclusivamente da experiência. O ser humano está, por natureza, vazio. Todos os nossos conceitos, incluindo os mais abstratos, provêm da experiência. O empirismo parte dos fatos concretos: a criança começa por ter experiências concretas e com base nessas percepções vai construindo conceitos. John Locke é considerado fundador do empirismo. Segundo ele o ser humano ao nascer é uma tábula rasa, ou um papel em branco, que a experiência vai cobrindo aos poucos. Segundo Contrim (1993), John Locke combateu duramente a doutrina de que o homem possui certas ideias inatas, isto é, ideias anteriores a toda e qualquer experiência sensorial. Lembra que, na obra Ensaio acerca do entendimento humano, Locke afirma que nada existe em nossa mente que não tenha sua origem nos sentidose que todas as ideias que possuímos são adquiridas ao longo da vida mediante o exercício da experiência sensorial e da reflexão. Para Locke, nossas primeiras ideias, as sensações, nos vêm à mente através dos sentidos (experiência sensorial), sendo moldadas pelas qualidades próprias dos objetos externos e depois, combinando as sensações, por um processo de reflexão, a mente desenvolve outra série de ideias que não poderia ser obtida das coisas externas, tais como a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer e o raciocinar. Assim, percebemos a diferença clara entre as duas formas de conhecer. Para o racionalismo só podemos conhecer através da razão e para o empirismo, o conhecimento se dá através da experiência. Em primeiro lugar, quando nossos sentidos entram em relação com objetos sensíveis particulares, transmitem ao espírito muitas percepções distintas das coisas, segundo os vários modos em que tais objetos agem sobre nossos sentidos. E assim chegamos a ter ideias do amarelo, do branco, do quente, do frio, do macio, do duro, do amargo, do doce, e de todas as que chamamos de qualidades sensíveis (...). Em segundo lugar, a outra fonte da qual a experiência extrai as ideias que fornece ao intelecto é a percepção das operações de nosso espírito em nós mesmos, assim como é aplicado às ideias que tem; operações que, quando a alma reflete e as considera, fornecem ao intelecto outro conjunto de ideias que não poderiam ser obtidas das coisas externas. Tais são: perceber, pensar, duvidar, crer, raciocinar, conhecer, querer e todas as diversas ações de nosso 29 espírito; e como nós mesmos somos conscientes delas e as observamos, delas recebemos em nosso intelecto ideias igualmente distintas como as que provêm dos corpos que agem sobre nossos sentidos. (REALE; ANTISERI, 2005, p. 112). No conhecimento empírico, a experiência é dupla. Ou seja, nossa observação tanto pode visar objetos externos da sensibilidade, como operações internas da própria mente. No caso dos objetos externos as ideias são de sensação, no segundo caso, de reflexão. No entanto, sem a sensação a mente não teria com que operar e não teria ideias de reflexão. No método empirista, a posição do objeto conhecido é mais importante que a do sujeito que o conhece, pois a verdade está no objeto e só pode ser alcançada pela experiência. Da combinação dessas diferentes posições surgiu o que se denomina ciência moderna, cuja diretriz foi dada pelo filósofo alemão Immanuel Kant. Em sua obra Crítica da razão pura (1781), ele afirma que o conhecimento é sempre algo produzido pela razão, mas que ela nunca é “pura”, pois depende dos dados obtidos pelos sentidos. (GALLO, 2014, p. 42). Immanuel Kant, filósofo alemão, nasceu em 1724 e viveu até 1804 contribuindo, através do seu pensamento, para a origem de um novo método para o conhecimento chamado método científico. Kant foi um dos principais filósofos de sua época e principal representante do Iluminismo. Para Contrim (1993), o papel que Kant atribuiu ao sujeito representou para a filosofia uma revolução comparável à de Copérnico na astronomia. Ou seja, antes de Kant, afirmava-se que a função da nossa mente era assimilar a realidade do mundo, onde se considerava importante a atividade mental do sujeito ou, dito de outra forma, o racionalismo dogmático, enquanto outros filósofos ressaltavam o papel determinante do objeto real exterior, ou seja, o empirismo. Kant, através do racionalismo crítico, formulou a síntese entre sujeito e objeto, entre racionalismo dogmático e empirismo, mostrando que, ao conhecermos a realidade do mundo, participamos de sua construção mental, ou seja: das coisas conhecemos a priori só o que nós mesmos colocamos nelas. O conhecimento filosófico dá continuidade ao pensamento dos filósofos na história da humanidade. O que possibilita retornar ao passado, contemplar o que foi pensado e vivido e, no novo tempo e contexto, elaborar um novo modo de pensar. 5.3 O Iluminismo O Iluminismo foi um movimento filosófico que se destacou na Europa no Século XVIII e teve como representantes os filósofos: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-1755); Diderot (1713- 1784); Voltaire (1694- 1778) e Immanuel Kant (1724-1804). 30 Desenvolvido principalmente na França, considerada seu centro, mas com desdobramentos também na Alemanha e na Inglaterra, o Iluminismo teve como principal característica a defesa da força da ciência e da racionalidade crítica, capazes de “iluminar” o futuro da humanidade contra a fé, a superstição e os dogmas. Pelo exercício da razão e pela produção de conhecimentos, o ser humano seria capaz de emancipar-se das diversas dominações a que estava submetido – sociais, políticas e econômicas. O movimento não se limitou à filosofia, estendendo-se para a arte e, principalmente, para a política (GALLO, 2014, p. 145). As ideias iluministas como a liberdade, igualdade e fraternidade, voltadas à defesa do ser humano, influenciaram na independência das colônias na América e na Revolução Francesa. Na educação, o filósofo iluminista que mais se destacou, foi Jean-Jacques Rousseau. Aranha (2006) lembra que, antes do Iluminismo, os fins da educação encontravam-se na formação do indivíduo para Deus ou para a vida em sociedade, mas com Rousseau, a formação do ser humano passou a ser integral, ou seja, o ser educado para si mesmo. O centro, no mundo moderno passa a ser o indivíduo e esse busca respostas na filosofia e na ciência para que seja autossuficiente e assim se baste a si mesmo. O homem é reconhecido e valorizado pela sua autonomia e liberdade, capaz de tornar-se cidadão. 5.4 O Idealismo Importante dizer que para a filosofia, idealismo significa ter consciência da realidade. São as ideias que produzem a realidade porque o ser é dado pela consciência sobre o ser. Somos o que pensamos. E neste sentido vamos entender quais os principais representantes desta forma de pensar e as origens de sua filosofia. Os seguidores do idealismo acreditam que a ideia é a única verdade. Ou seja, a verdade existe independentemente de nós entendermos e aceitarmos. Entre os nomes mais importantes no mundo filosófico destacamos Platão na Antiguidade e Santo Agostinho na Idade Média. Para Platão a verdade está no mundo inteligível e por meio do esforço filosófico poderemos alcançá-la além da representação da verdade que está no mundo sensível. Para Santo Agostinho também, a verdade que está ligada a Deus, pode ser alcançada através do uso da razão. 31 No mundo moderno Hegel foi o filósofo que melhor representou o idealismo. Esse filósofo alemão, Friedrich Hegel, nasceu no ano de 1770 e viveu até o ano de 1831. Propôs um sistema filosófico considerando o mundo em constante movimento e num contínuo processo histórico voltado para o alcance da autoconsciência humana e da razão. Severino (1992) acrescenta que foi pensando no princípio da contradição que Hegel concebeu sua filosofia que valoriza a história, a evolução e a transformação. Para ele, o real no seu conjunto e todas as coisas em particular existem num processo contínuo de mudança e, o mais importante, trata-se de uma evolução por contradição: esse é o processo dialético. As coisas mudam constantemente e no seu interior carregam o seu contrário. A vida caminha para a morte. O novo se transforma em velho. O branco ganha cores escuras e assim todas as coisas se transformam. Hegel denomina dialética ao processo que passa por um momento de afirmação, por um momento de negação e por um momento de superação, cada um deles se posicionando em relação ao seu anterior. É a tese, a antítese e a síntese. Podemos tomar como exemplo, a título de uma ilustração bem simplificada, o caso da formação do ser humano individual. Essaformação começa no estágio da infância. A criança é um organismo vivo que mal se desprega do mundo natural, como se prolongasse sua vida uterina, confundindo-se com o mundo que o envolve e não se distinguindo dos objetos. Faz corpo com seu ambiente, não tem consciência da própria autonomia. É o seu momento de tese. Mas, na vida do ser humano, esse estágio é logo negado pelo estágio da adolescência. É o estágio em que o indivíduo se nega como criança, recusa a condição infantil e se representa como absolutamente autônomo, quer viver como se não dependesse de mais ninguém. Daí os famosos conflitos. Nega tudo que questiona sua autonomia, rebela-se contra toda autoridade. Nega para se afirmar num outro patamar. Momento da antítese. Mas eis que chega a idade adulta: o que é de fato amadurecer, ser adulto? É dar-se conta de não ser mais tão dependente do outro (como vivenciava a criança) nem tão independente em relação ao outro (como extrapolava o adolescente). O adulto é um ser autônomo dentro de limites objetivos que condicionam todo indivíduo humano. Momento da síntese (SEVERINO, 1992, p. 135-136). Percebemos a origem de um novo método de compreensão da realidade, o método dialético. Hegel desenvolveu a filosofia do devir, tudo está em movimento e faz parte da transformação. Também podemos dizer que tudo é processo. Assim, Hegel desenvolve a dialética idealista, ou seja, a realidade é a manifestação da ideia. Pensar a educação como processo significa pensar na educação em transformação. Assim que, nenhum modo de pensar a educação é absolutamente verdadeiro ou falso, sagrado ou profano, nobre ou vulgar, rico ou indigente. Não posso afirmar que um modo de pensar seja melhor que o outro. No entanto, o importante é que o pensamento cuide de experimentar e questionar sempre. 32 Para os idealistas o ensino deve voltar-se para a busca da verdade por meio da razão e assim alcançar a autorrealização. É na relação com a totalidade da existência, o cosmos, que adquirirmos o verdadeiro entendimento de nós mesmos. Para os idealistas religiosos a principal função da educação é abrir a alma para Deus. Outro aspecto importante dos pensadores idealistas e defender um ensino profundo. Por isso, defendem métodos baseados em diálogo com outras pessoas. Acreditam que o estudante deve ser encorajado a desenvolver hábitos de entendimento, paciência, tolerância e trabalho árduo. A metodologia de palestras é um recurso valorizado, assim como, a aprendizagem por imitação. Por idealismo entendemos a concepção segundo a qual o nosso conhecimento não está assentado na experiência sensível, que por ser transitória, não fornece certeza alguma, e sim no acesso a uma realidade não sensível, composta por ideias. O melhor exemplo que podemos dar de uma “realidade não sensível” seria: aquela na qual habitariam as figuras geométricas de duas dimensões – os círculos e os quadrados perfeitos, que jamais poderiam existir em nosso mundo, e, portanto, não podem ser percebidos por nossos sentidos (um círculo que vejo desenhado num papel é um objeto tridimensional: o traço do lápis tem profundidade e largura) (PORTO, 2012, p. 10). Destacamos que para os idealistas o uso de materiais que ajudem nas habilidades de leitura e escrita é importante, mas acreditam que estes materiais devam ser utilizados no sentido de ensinar o aluno a pensar, desenvolvendo habilidades conceituais, estimulando ideias a respeito do mundo e das coisas. O objetivo do uso da literatura em geral além do entretenimento possibilita explorar materiais que tragam a ideia de verdade, fraternidade, família e muitas outras. Tornando-os mais nobres e racionais, pois as ideias podem modificar vidas. Nesta visão de que tudo está em processo, o aprendiz é visto como imaturo. Sendo assim, o professor deve ser alguém capaz de guiar o estudante pelos caminhos corretos. Desta forma, deve ser alguém bem informado, detentor de grande conhecimento e boas qualidades pessoais. Portanto, o professor tem grande importância na educação, pois é um modelo para o aprendiz. Sócrates, para os idealistas, é o modelo de professor: encorajava os alunos a fazerem perguntas, num ambiente apropriado para a aprendizagem. 33 Na concepção idealista destacamos os filósofos Platão na Antiguidade, Santo Agostinho da Idade Média. Nesta visão notamos uma filosofia da educação conservadora, elitista. Platão, por exemplo, defende uma elite intelectual formada por filósofos-reis. Santo Agostinho acreditava na superioridade da vida monástica, pois nela usufruíam-se as mais elevadas qualidades de vida e inteligência. Para esses filósofos, a função do professor não seria transmitir conhecimento, mas conduzir o aluno na busca do conhecimento que está em seu interior. No entanto, essa educação não seria para todos, mas para alguns poucos escolhidos. 5.5 O Realismo O realismo é uma das filosofias mais antigas do mundo ocidental e possui algumas variações, ou seja, o realismo Aristotélico, o realismo moderno e o realismo contemporâneo. A filosofia antiga, representada pela metafísica de Aristóteles, parte da afirmação de que a realidade ou o ser existem em si mesmos independente da mente humana e que, enquanto tais, podem ser conhecidos pela razão. No mundo moderno a preocupação teve outra direção, seria possível conhecer a realidade? É considerando esses conhecimentos que faremos nosso estudo sobre o realismo e o realismo na educação. Podemos, então, perguntar: O que é isso que chamamos de coisa real (coisas naturais e coisas artificiais ou culturais)? Diremos que uma coisa é chamada real porque pertence a um conjunto de entes que possuem em comum a mesma estrutura ontológica: são entes que existem fora de nós, estão no mundo diante de nós, isto é, são um ser; são entes que existem quer nós os percebamos ou não, quer nós os usemos ou não; estão presentes no mundo, mesmo que não estejam presentes para nós, pois podem estar presentes para todos ou ficar presentes para nós em algum momento, isto é, são uma realidade; são entes que começam a existir e podem desaparecer, mesmo que seu desaparecimento seja muito mais lento do que o nosso, são entes que duram e possuem duração, isto é, são temporais; são entes que se transformam no tempo, são produzidos pela ação de outros e produzem outros, obedecendo a certos princípios, isto é, são causas e efeitos, são causalidades. Ser, realidade, temporalidade e causalidade é um conceito ontológico, que descreve a essência dos entes chamados “coisas” (CHAUÍ, 2003, p. 205). A realidade está e existe independentemente da consciência humana. As coisas são. No entanto, no momento que tomamos consciência da existência das coisas e do mundo, isso se torna realidade para nós. Sendo assim, nossa intenção é compreender a educação como realidade existente. A princípio, percebemos que o realismo é a corrente filosófica que se opõe ao idealismo. 34 Os filósofos realistas afirmam que a educação deve propiciar ao aprendiz estudar o mundo, experimentá-lo, pesquisar a matéria. Se todas as coisas possuem em si quatro causas, conforme afirma Aristóteles, a causa material, formal, eficiente e a causa final, essa deve ser a compreensão dos jovens estudantes. Assim, a investigação científica pode conduzir aos mais profundos e fundamentais tipos de questões filosóficas e auxilia o indivíduo a tornar-se consciente de si mesmo, sendo, portanto capaz de pensar suas próprias ações. Os realistas pensam a educação como processo contínuo de desenvolvimento da alma humana, por meio da experiência. A preocupação é equipar os estudantes com conhecimento objetivo do passado e do presente e auxiliá-los no avanço do conhecimento, provendo conhecimento básico e essencial aos mesmos.Para os filósofos realistas a educação deve ter um caráter prático, defendendo uma visão de que se aprende mais verdadeiramente no mundo material onde realmente se vive. A única realidade é o mundo material e o estudo do mundo exterior é o único meio confiável de encontrar a verdade. Para Chauí (2003), realismo é a posição filosófica que afirma a existência objetiva ou em si da realidade externa como uma realidade racional em si e por si mesma e, portanto, que afirma a existência da razão objetiva. Sendo assim, as escolas devem ensinar os fatos fundamentais sobre o universo, apresentando os materiais de estudos de forma agradável e interessante. A observação e experimentação são instrumentos imprescindíveis para o conhecimento. Não podemos nos restringir apenas ao fato, mas ao modo de como se chegar ao mesmo. O método defendido pelos realistas é o expositivo, assim que, qualquer outro método que venha a ser utilizado deve buscar um conhecimento organizado e fidedigno. O estudo prático também é defendido por essa corrente filosófica. Assim que, os professores devem ter uma visão crítica do que fazem e servem de modelos para o desenvolvimento de futuros estudantes. Saiba Mais O Iluminismo foi a filosofia da Europa no Século XVIII. Liberdade, igualdade e fraternidade são os princípios do Iluminismo. Os principais representantes são os filósofos: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-1755); Diderot (1713- 1784); Voltaire (1694- 1778) e Immanuel Kant (1724-1804). 35 Conclusão O estudo das teorias do conhecimento é indispensável para a educação. A experiência nos mostra que toda prática representa uma teoria. Os principais pensadores da humanidade produziram teorias e essas definiram métodos e escolheram conteúdos para o cotidiano da escola. Para melhor compreender o ser humano e a sua prática, no contexto em que vive, é necessário entender o que ele pensa e quais os objetivos dos que o ensinaram a pensar dessa forma. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006. ______; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2003. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: ser, saber e fazer. 8. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 1993. GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2014. PORTO, Leonardo Sartori. Filosofia da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. (Coleção Passo-a-passo). REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. São Paulo: Paulus, 2004. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1992. ______. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. 36 6 O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO DE EDUCAÇÃO: MARXISMO, PRAGMATISMO E EXISTENCIALISMO As correntes filosóficas do mundo moderno, racionalismo, empirismo, idealismo e realismo, contribuíram na origem de novas concepções educacionais. Nesta unidade, nosso estudo se centraliza no pensamento contemporâneo de educação e apresentaremos o marxismo, o pragmatismo e o existencialismo. 6.1 O Marxismo Na história do pensamento encontramos diversas formas de ver, perceber e pensar o mundo e as coisas nele contidas. Notamos que o tempo e o espaço, ou melhor, que o contexto interfere no pensamento do homem. Karl Marx nasceu no século XIX e viveu entre os anos de 1818 a 1883. O contexto em que Marx nasceu e cresceu era de desenvolvimento industrial e de crescimento econômico. Portanto, o centro de pesquisa e estudo do filósofo é a economia. Na época da universidade, o jovem Marx conheceu os seguidores e as ideias do filósofo Hegel e por esse pensamento foi bastante influenciado. Vale destacar o conceito de dialética e de alienação que exerceram maior influência na sua forma de viver em relação ao mundo. Aranha (2003) lembra que, ao analisar o ser social, Marx desenvolve uma nova antropologia, segundo a qual não existe natureza humana idêntica em todo tempo e lugar. O ser humano é o protagonista da história e, portanto, constrói o mundo e constrói a si mesmo. E acrescenta que, como o existir decorre do agir, o indivíduo se autoproduz à medida que transforma a natureza pelo trabalho. Por ser o trabalho uma ação coletiva, a condição humana depende da sua existência social. Por outro lado, o trabalho é um projeto e como tal depende da consciência que antecipa a ação do pensamento. Com isso se estabelece a dialética pensar-agir. Notamos com clareza a diferença entre o método dialético de Hegel e do filósofo Karl Marx. Ou seja, Hegel, como filósofo idealista, parte da tese, antítese e síntese no sentido da ideia. Enquanto que a dialética de Marx é materialista, ou seja, parte da realidade. 37 Marx chama de práxis a ação humana transformadora da realidade. Nesse sentido, o conceito de práxis não de identifica propriamente com a prática, mas significa a união dialética da teoria e da prática. Isto é, ao mesmo tempo em que a consciência é determinada pelo modo como é produzida a existência, também a ação humana é projetada, refletida e consciente. Por isso a filosofia marxista é também conhecida como filosofia da práxis. (ARANHA, 2003, p. 265- 266). Marxismo é essa filosofia que se desenvolveu a partir do pensamento e atuação de Karl Marx. Ele trabalhou conceitos como luta de classes, mais-valia, alienação e ideologia todos voltados à prática do homem através do trabalho na realidade em que vive. No entanto há uma diferença em Hegel que pensa a alienação como a incapacidade de reconhecer a verdade e conectada ao pensamento humano. Para Marx, a alienação não é do espírito que objetiva a si próprio, mas ocorre com o operário por ele não ter o controle do produto do seu trabalho, portanto a alienação é do trabalho. E acrescenta que, o homem apenas pode ser compreendido nas relações com outros homens, ou nas relações sociais. Ele é um ser em contínua atividade no mundo buscando transformá-lo e transformando a si mesmo. O homem é produto e produz as circunstâncias sociais. Segundo o materialismo marxista, as relações humanas com a natureza no esforço de produzir a existência e as relações entre proprietários e não proprietários é que configuram as formas de pensar, como moral, direito, filosofia, ciência, educação, e assim por diante. Para Marx, esses dois níveis de realidade – a produção material e a produção simbólica – são explicados pelos conceitos de infraestrutura e superestrutura: a infraestrutura ou estrutura material da sociedade é a base econômica, isto é, as formas pelas quais são produzidos materialmente os bens necessários à vida (...) e a superestrutura corresponde ao modo jurídico-política (estado, direito etc.) e à estrutura ideológica (formas de consciência social). A superestrutura compreende as instituições criadas para organizar as relações humanas, bem como se revela no modo de conceber o mundo, expresso nas obras de literatura, filosofia, códigos, costumes, concepções políticas etc. (ARANHA, 2006, p. 195). O marxismo teve grande influência na formulação de críticas à sociedade capitalista e suas instituições sociais, entre elas, a educação escolar. A educação para o marxismo é uma atividade humana intencional e deve visar transformação social. Neste sentido, a educação dos educadores é uma preocupação relevante. A educação marxista critica uma atuação pautada na distinção das classes sociais. Ela deve ser pública, pois todos devem ter acesso à educação. A filosofia marxista contribuiu para a formulação de muitas propostas educacionais alternativas.
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