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282 | Capítulo Dezoito n 2. Por que a ibutilida só deve ser administrada sob cuidadosa monitoração? n 3. Por que a ibutilida e a amiodarona foram efetivas na conver- são do ritmo cardíaco do Dr. J em ritmo sinusal normal? n 4. Que efeitos adversos da amiodarona poderiam ocorrer com a administração de doses diárias mais altas? FISIOLOGIA ELÉTRICA DO CORAÇÃO A atividade elétrica no coração, que determina a contração cardíaca rítmica, é uma manifestação do primoroso controle do coração sobre a despolarização celular e a condução de impulsos. Uma vez iniciado, o potencial de ação cardíaco é um evento espontâneo, que prossegue de acordo com as respostas características dos canais iônicos a mudanças na voltagem da membrana. Ao concluir um ciclo, a despolarização espontânea das células marcapasso assegura a repetição contínua do pro- cesso, sem interrupção. CÉLULAS MARCAPASSO E NÃO-MARCAPASSO O coração contém dois tipos de miócitos cardíacos — os que são capazes de iniciar espontaneamente potenciais de ação e aqueles que não têm essa capacidade. As células que possuem a capacidade de iniciar potenciais de ação espontâneos são denominadas células marcapasso. Todas as células marcapasso exibem automaticidade, isto é, a capacidade de despolarizar de maneira rítmica acima de um limiar de voltagem. A automati- cidade resulta na geração de potenciais de ação espontâneos. As células marcapasso são encontradas no nó sinoatrial (nó SA), no nó atrioventricular (nó AV) e no sistema de condução ventricular (feixe de His, ramos do feixe e fibras de Purkinje). Em seu conjunto, as células marcapasso constituem o sistema de condução especializado que governa a atividade elétrica do coração. O segundo tipo de células cardíacas, as células não-marcapasso, inclui os miócitos atriais e ventriculares. As células não-marcapasso sofrem contração em resposta à despolarização e são responsáveis pela maior parte da contra- ção cardíaca. Em situações patológicas, essas células não-mar- capasso podem adquirir automaticidade e, portanto, também passam a atuar como células marcapasso. POTENCIAIS DE AÇÃO CARDÍACOS Os íons não estão igualmente distribuídos através das membra- nas celulares. Os transportadores (bombas) impulsionam o K+ para dentro das células, enquanto retiram o Na+ e o Ca2+, dando origem a gradientes elétricos e químicos através da membrana. Esses gradientes determinam, em última análise, o potencial de membrana de uma célula cardíaca. O potencial de equilíbrio de Nernst para cada íon (ENa = +70 mV, EK = –94 mV e ECa = +150 mV) depende das concentrações relativas de íons no interior e no exterior da célula. A diferença entre o potencial de Nernst de um íon e o potencial da membrana celular determina a força propulsora para a entrada ou saída de íons da célula. O leitor deve consultar o Cap. 6, para uma discussão detalhada do potencial de equilíbrio de Nernst. Quando ocorre abertura de um canal iônico específico, o potencial de membrana aproxima-se do potencial de equilíbrio para este íon. Por exemplo, a abertura de um canal seletivo para K+ impulsiona o potencial de membrana para EK (−94 mV). O potencial de membrana final irá depender do número de canais de cada tipo, de sua condutância (i. é, capacidade de passagem de íons de cada canal) e da duração de abertura de cada canal. A membrana em repouso do miócito cardíaco é relativamente permeável aos íons K+ (visto que alguns tipos de canais seletivos para o K+ estão abertos), mas não a íons Na+ ou Ca+; por conseguinte, o potencial de membrana em repouso aproxima-se do potencial de equilíbrio para o K+. (O verdadeiro potencial de membrana do miócito cardíaco é mais alto do que o potencial de equilíbrio para o K+, devido à con- tribuição de outros canais iônicos no potencial de membrana em repouso.) A mudança do potencial de membrana exige o movimento de um número relativamente pequeno de íons através da mem- brana. Por conseguinte, apesar da abertura e do fechamento dos canais iônicos, os gradientes de concentração iônicos através da membrana permanecem relativamente estáveis, e o potencial de Nernst para cada íon permanece constante. Os potenciais de ação cardíacos são notavelmente mais lon- gos do que os dos nervos ou dos músculos esqueléticos, com duração de quase meio segundo. Os potenciais de ação cardí- acos prolongados proporcionam a despolarização sustentada e contração necessárias para esvaziar as câmaras cardíacas. As células do nó sinoatrial (SA) regulam o ritmo do coração em freqüências cardíacas em repouso normais situadas entre 60 e 100 batimentos/min, enquanto as células musculares ventri- culares coordenam a contração que ejeta sangue do coração (Fig. 18.1). As células do nó SA disparam espontaneamente em um ciclo definido por três fases, designadas como fase 4, fase 0 e fase 3 (Fig. 18.2 e Quadro 18.1). A fase 4 consiste em despolarização espontânea lenta, produzida por uma corrente marcapasso de entrada (If). Essa despolarização espontânea é responsável pela automaticidade do nó SA. Os canais que transportam a corrente If são ativados durante a fase de repolarização do potencial de ação anterior. Os canais de If são canais catiônicos não- seletivos, embora a maior parte da corrente marcapasso seja transportada por íons Na+, visto que, em potenciais de mem- brana negativos, a força propulsora para a entrada de Na+ é maior que aquela para o efluxo de K+. A fase 0 consiste em uma despolarização mais rápida mediada por canais de Ca2+ regulados por voltagem e altamente seletivos, que, com a sua abertura, impulsionam o potencial de membrana para ECa. Na fase 3, os canais de Ca2+ fecham-se lentamente, e ocorre aber- tura dos canais seletivos de K+, resultando em repolarização da membrana. Quando o potencial de membrana repolariza para cerca de −60 mV, a abertura dos canais de If é desencadeada, e o ciclo começa novamente. Embora a corrente If (marcapasso de entrada) seja responsá- vel pela despolarização espontânea lenta na fase 4 do potencial de ação do nó SA, a cinética dessa despolarização é modulada por canais de Na+ regulados por voltagem, que também são expressos no nó. Existem gradientes de expressão dos canais de Na+ e dos canais de Ca2+ no nó SA, de modo que as células na borda do nó expressam um número relativamente maior de canais de Na+ regulados por voltagem, enquanto as células situadas no centro do nó expressam um número relativamente maior de canais de Ca2+ regulados por voltagem. A expressão dos canais de Na+ regulados por voltagem no nó SA é responsá- vel, em parte, pelo efeito de certos agentes antiarrítmicos sobre a automaticidade das células do nó SA (ver adiante). Ao contrário das células nodais SA, os miócitos ventricula- res não sofrem despolarização espontânea em condições fisio- lógicas. Em conseqüência, o potencial de membrana do miócito ventricular em repouso permanece próximo a EK até que a célula Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 283 A Célula do nó SA -120 -80 -40 0 40 80 120 160 B Célula muscular ventricular ECa +150 mV ENa +70 mV +10 -55 EK -94 mV E m (m V) 0 100 200 300 400 500 Tempo (ms) D es po la riz aç ão R epolarização -120 -80 -40 0 40 80 120 160 ECa +150 mV ENa +70 mV -86 +47 EK -94 mV E m (m V) 0 100 200 300 400 500 Tempo (ms) D es po la riz aç ão R epolarização Fig. 18.1 Potenciais de ação do nó SA e das células musculares ventriculares. O potencial de membrana em repouso de uma célula do nó sinoatrial (SA) é de aproximadamente −55 mV, enquanto aquele de uma célula muscular ventricular é de −86 mV. As áreas sombreadas representam a despolarização aproximada necessária para deflagrar um potencial deação em cada tipo de célula. Em seu conjunto, os potenciais de ação cardíacos duram aproximadamente meio segundo. As células do nó SA (A) despolarizam até um pico de +10 mV, enquanto as células musculares ventriculares (B) despolarizam até um pico de +47 mV. Observe que o potencial de ação ventricular apresenta uma fase de platô muito mais longa. Esse platô longo assegura um tempo adequado para a contração dos miócitos ventriculares antes do início do próximo potencial de ação. Os potenciais de equilíbrio de Nernst dos principais íons (ECa, ENa, EK) são mostrados nas linhas horizontais tracejadas. Em, potencial de membrana. A Potencial de ação do nó SA Po te nc ia l d e m em br an a (m V) 40 -60 -40 -20 0 20 Tempo (ms) Fases do Potencial de Ação do Nó SA Principais Correntes Fase 4 If = Corrente marcapasso, principalmente a corrente de Na+ para dentro da célula. IK1 = corrente de K+ retificadora, para fora da célula Fase 0 ICa = Corrente de Ca2+ para dentro da célula 0 Fase 4 Fase 0 Fase 3 IK1 ICa IK If IK1 ICa IK1 IK1 IK If If If 150 0 150 Tempo (ms) Co rre nt es a tra vé s da m e m br an a (µA /µ F) 0 4 2 -2 -4 -6 Fase 3 IK = Corrente retificadora de K+ tardia, para fora da célula K+ K+ Na+ Ca2+ (As correntes para fora da célula são +; B Correntes iônicas do potencial de ação do nó SA as correntes para dentro da célula são -) Fig. 18.2 Potencial de ação do nó SA e correntes iônicas. A. As células do nó SA são lentamente despolarizadas pela corrente marcapasso (If) (fase 4), que consiste em um fluxo de íons sódio (principalmente) e cálcio para dentro da célula. A despolarização até o potencial limiar abre os canais de cálcio regulados por voltagem e altamente seletivos, que impulsionam o potencial de membrana para Eca (fase 0). Com o fechamento dos canais de cálcio e a abertura dos canais de potássio (fase 3), ocorre repolarização do potencial de membrana. B. O fluxo de cada espécie iônica correlaciona-se aproximadamente com cada fase do potencial de ação. As correntes positivas indicam um fluxo de íons para fora da célula (azul), enquanto as correntes negativas são para dentro da célula (cinza). seja estimulada por uma onda de despolarização iniciada pelas células marcapasso adjacentes. As cinco fases do potencial de ação dos miócitos ventriculares resultam de uma cascata intri- cadamente entrelaçada de aberturas e fechamentos de canais; as fases são numeradas de 0 a 4 (Fig. 18.3, Quadro 18.1). Na fase 0, a ascensão do potencial de ação de despolarização muito rápida é causada por um aumento transitório da corrente da Na+ para dentro da célula através dos canais de Na+ regulados por voltagem (observe que as correntes na fase 0 dos potenciais de ação do nó SA e miócitos ventriculares são transportados por diferentes íons—Ca2+ e Na+, respectivamente). A abertura dos canais de Na+ leva a um rápido influxo de Na+ (INa), que respon- de pela despolarização e impulsiona o potencial de membrana para ENa (+ 70 mV). Apesar de ser grande, o aumento da condu- tância de Na+ durante a fase 0 dura apenas 1−2 milissegundos, devido à inativação dos canais de Na+ em função do tempo e da voltagem. A inativação dos canais rápidos de Na+ provoca uma 284 | Capítulo Dezoito acentuada redução da corrente de Na+ para dentro da célula. O tempo necessário para que os canais de Na+ se recuperem de sua inativação dependente da voltagem e do tempo determina o período refratário do miócito. O período refratário refere-se ao tempo durante o qual não pode haver disparo de outro potencial de ação. Isso serve como mecanismo protetor para assegurar ao coração um tempo suficiente para a ejeção do sangue de suas câmaras. O período refratário estende-se do início da ascensão do potencial de ação até a fase de repolarização. A INa constitui a principal determinante da velocidade de condução do impulso através do ventrículo. A ativação da INa dependente do limiar despolariza rapida- mente a membrana. Entretanto, a fase ascendente termina antes de alcançar ENa e é seguida de uma fase inicial de repolarização rápida de cerca de +20 mV. Essa fase 1 de repolarização é uma conseqüência de dois eventos: (1) a rápida inativação de INa dependente da voltagem e (2) a ativação de correntes transitó- rias de K+ (Ito; corrente transitória para fora da célula). A fase 2, isto é, a fase de platô do potencial de ação ven- tricular, é peculiar da eletrofisiologia das células cardíacas. O platô é mantido por um equilíbrio precisamente sintonizado entre uma corrente de Ca2+ para dentro da célula, através de dois tipos de canais de Ca2+ (ICa.T, ICa.L), e uma corrente de K+ para fora da célula, através de vários tipos de canais de K+ (Ik, IK1, Ito). Notavelmente, são utilizadas apenas algumas ce ntenas de canais por célula para manter esse equilíbrio preciso. Devido à abertura de apenas um pequeno número de canais, a condutância total da membrana é lenta. A alta resistência da membrana durante a fase de platô isola eletricamente as células cardíacas, permitindo uma rápida propagação do potencial de ação com pouca dissipação da corrente. Durante a fase de platô, duas correntes distintas de Ca2+ — a corrente transitória de Ca2+, ICa.T, e a corrente de longa duração de Ca2+, ICa.L — medeiam o influxo de Ca2+ necessário para iniciar a contração. Os canais de Ca2+ de tipo T sofrem inativação com o decorrer do tempo e mostram-se insensíveis ao bloqueio pelas diidropiridinas, como a nifedipina e a nitren- dipina. A corrente através dos canais de Ca2+ de tipo L (ICa.L) proporciona a corrente de Ca2+ dominante em praticamente todas as células cardíacas. A ICa.L é ativada em −30 mV e sofre inativação lenta (centenas de milissegundos). Mostra-se sensí- vel ao bloqueio pelas diidropiridinas (nifedipina), benzodiaze- pínicos (diazepam) e fenilalquilaminas (verapamil), conforme discutido adiante. Os canais de Ca2+ de tipo L transportam a corrente para dentro da célula durante a fase de platô; como o Ca2+ estimula a contração dos miócitos cardíacos, esses canais são cruciais para o acoplamento da excitabilidade da membrana à contração miocárdica. Em oposição às correntes de Ca2+ para dentro das células, existem correntes para fora da célula através dos canais de K+, que são ativadas durante a fase de platô. Com a inativação dependente do tempo das correntes de Ca2+ para dentro da célula, as correntes de K+ (principalmente IK) impulsionam rapidamente o potencial de membrana para EK, repolarizando, assim, a célula na fase 3. Entretanto, esses canais são inca- pazes de impulsionar o potencial de membrana até EK, visto que sofrem desativação em −40 mV. Na fase 4 o potencial de membrana em repouso é restabelecido pela ativação das cor- rentes de K+ independentes do tempo (IK1), que impulsionam o potencial de membrana próximo ao potencial de equilíbrio do K+. Na prática clínica, a atividade elétrica global do coração é medida, mais do que as alterações iônicas que ocorrem em nível celular. Essa atividade global é fornecida pelo eletrocar- diograma ou ECG (Boxe 18.1 e Fig. 18.4). QUADRO 18.1 Principais Características das Fases do Potencial de Ação das Células do Nó SA e dos Miócitos Ventriculares Células do Nó SA Segmento Características Principal Corrente Subjacente Fase 4 Despolarização lenta Corrente If para dentro da célula (transportada principalmente por íons Na+) Fase 0 Fase ascendente do potencial de ação Corrente de Ca2+ para dentro da célula através dos canais de Ca2+ sensíveis à voltagem (ICa) Fase 3 Repolarização Corrente de K+ para fora da célula através dos canais de K+ (Ik) Miócitos Ventriculares Segmento CaracterísticasPrincipal Corrente Subjacente Fase 4 Potencial de membrana em repouso Correntes para dentro e para fora da célula são iguais Fase 0 Despolarização rápida Corrente de Na+ para dentro da célula através dos canais de Na+ (INa) Fase 1 Fase precoce de repolarização Diminuição da corrente de Na+ para dentro da célula e efluxo de íons K+ através dos canais de K+ (Ito) Fase 2 Platô Equilíbrio entre a corrente de Ca2+ para dentro da célula através dos canais de Ca2+ (ICa) e a corrente de K+ para fora da célula através dos canais de K+ (IK, Ik1) Fase 3 Fase tardia da repolarização rápida Diminuição da corrente de Ca2+ e grande aumento da corrente de K+ para fora da célula Farmacologia do Ritmo Cardíaco | 285 Fig. 18.3 Potencial de ação ventricular e correntes iônicas. A. No potencial de membrana em repouso (fase 4), as correntes para dentro e para fora da célula são iguais e o potencial de membrana aproxima-se do potencial de equilíbrio do K+ (Ek). Durante a fase de ascensão do potencial de ação (fase 0), ocorre um grande aumento transitório na condutância de Na+. Esse evento é seguido de um breve período de repolarização inicial (fase 1), que é mediado por uma corrente transitória de K+ para fora da célula. O platô do potencial de ação (fase 2) resulta da oposição de uma corrente de Ca2+ para dentro da célula e de uma corrente de K+ para fora da célula. A membrana repolariza-se (fase 3) quando a corrente de Ca2+ diminui e predomina a corrente de K+ para fora da célula. B. Os fluxos iônicos que dão origem ao potencial de ação ventricular consistem em um padrão complexo de mudanças de permeabilidades iônicas, separadas no tempo. Observe em particular que a corrente de Na+ na fase 0 é muito grande, porém extremamente breve. 60 -90 -60 -30 0 30 A Potencial de ação ventricular Po te nc ia l d e m em br an a (m V) 0 300 Tempo (ms) Tempo (ms) Fases do Potencial de Ação Ventricular Principais Correntes Fase 4 IK1 = Corrente de K + retificadora, para fora da célula INa/Ca = Corrente de Na+ e de Ca2+ para dentro da célula Fase 0 INa = Corrente de Na+ rápida para dentro da célula 0 Fase 4 Fase 0 Fase 2 Fase 1 Fase 3 IK1 INa ICa IK INa/Ca IK, IK1, Ito Ito IK1 INa/Ca ICa IK1 Ito IK1 IK INa/Ca INa/Ca INa 300 Co rre nt es a tra vé s da m e m br an a (µA /µ F) 0 2 -2 -4 -6 -380 4 Fase 3 IK = Corrente de K+ retificadora tardia para fora da célula Fase 2 ICa = Corrente de Ca2+ para dentro da célula IK = Corrente de K+ retificadora tardia para fora da célula IK1 = Corrente de K + retificadora, para fora da célula Ito = Corrente de K+ transitória para fora da célula Fase 1 Ito = Corrente de K+ transitória para fora da célula K+ K+ K+ K+ Na+ Ca2+ Na+/Ca2+ Na+/Ca2+ (As correntes para fora da célula são +; as correntes para dentro da célula são -) B Correntes iônicas do potencial de ação ventricular BOXE 18.1 O Eletrocardiograma O eletrocardiograma (ECG ou EKG) é utilizado para demonstrar alterações nos impulsos cardíacos através do registro de potenciais elétricos em vários locais na superfície do corpo. O registro do ECG reflete alterações na excitação do miocárdio. A compreensão básica do ECG é útil para discutir as aplicações clínicas dos diversos agentes antiarrítmicos. O eletrocardiograma normal contém três formas de ondas elétricas: a onda P, o complexo QRS e a onda T (Fig. 18.4). A onda P representa a despolarização atrial; o complexo QRS representa a despolarização ventricular; e a onda T representa a repolarização ventricular. O ECG não mostra de modo explícito a repolarização atrial, visto que a repolarização atrial é “dominada” pelo complexo QRS. O ECG também contém dois intervalos e um segmento: o intervalo PR, o intervalo QT e o segmento ST. O intervalo PR estende-se do início da onda P (despolarização inicial dos átrios) até o início da onda Q (despolarização inicial dos ventrículos). Por conseguinte, o comprimento do intervalo PR varia de acordo com a velocidade de condução através do nó AV. Por exemplo, se um paciente tiver um bloqueio elétrico no nó AV, a velocidade de condução através do nó AV diminui, e o intervalo PR aumenta. O intervalo QT começa no início da onda Q e termina no final da onda T, representando toda a seqüência de despolarização e repolarização ventriculares. O segmento ST começa no final da onda S e termina no início da onda T. Esse segmento, que representa o período durante o qual os ventrículos estão despolarizados, corresponde à fase do platô do potencial de ação ventricular. DETERMINAÇÃO DA FREQÜÊNCIA DE DISPARO O sistema de condução especializado do coração consiste no nó SA, nó AV, feixe de His e sistema de Purkinje. Essas dife- rentes populações de células apresentam diferentes freqüências intrínsecas de disparo. Três fatores determinam a freqüência de disparo. Em primeiro lugar, à medida que aumenta a taxa de despolarização espontânea na fase 4, a freqüência de dispa- ro aumenta, visto que o potencial limiar (o potencial mínimo necessário para deflagrar um potencial de ação) é alcançado mais rapidamente no final da fase 4. Em segundo lugar, à medi- da que o potencial limiar torna-se mais negativo, a freqüência de disparo aumenta, visto que o potencial limiar é alcançado mais rapidamente no final da fase 4. Em terceiro lugar, à medida que o potencial diastólico máximo (o potencial de membrana em repouso) torna-se mais positivo, a freqüência de disparo aumenta, visto que é necessário menos tempo para repolarizar a membrana por completo no final da fase 3. Como as várias populações de células marcapasso possuem diferentes freqüências intrínsecas de disparo, a população de células marcapasso com a freqüência de disparo mais rápida estabelece a freqüência cardíaca. O nó SA possui a freqüência de disparo intrínseca mais rápida — 60−100 vezes por minuto — e constitui o marcapasso nativo do coração. As células do nó atrioventricular (AV) e do feixe de His disparam intrinseca- mente entre 50 e 60 vezes por minuto, enquanto as células do sistema de Purkinje exibem a freqüência de disparo intrínseca mais lenta — 30–40 vezes por minuto. As células do nó AV, do 286 | Capítulo Dezoito feixe de His e do sistema de Purkinje são denominadas células marcapasso latentes, visto que o seu ritmo intrínseco é ultrapas- sado pela automaticidade mais rápida do nó SA. Em um meca- nismo denominado supressão por overdrive, o nó SA suprime o ritmo intrínseco das outras populações de células marcapasso e as arrasta a disparar na freqüência de disparo nodal SA. FISIOPATOLOGIA DA DISFUNÇÃO ELÉTRICA As causas de disfunção elétrica no coração podem ser divididas em defeitos na formação do impulso e defeitos na condução do impulso. No primeiro caso, a automaticidade do nó SA é interrompida ou alterada, resultando em batimentos omitidos ou batimentos ectópicos, respectivamente. No segundo caso, ocorre alteração da condução do impulso (p. ex., no caso de ritmos de reentrada), podendo ocorrer arritmias sustentadas. DEFEITOS NA FORMAÇÃO (NÓ SA) DO IMPULSO Como marcapasso nativo do coração, o nó SA desempenha um papel essencial na formação normal do impulso. Os eventos elétricos que alteram a função nodal SA ou afetam a supressão por overdrive podem resultar em comprometimento da forma- ção do impulso. A automaticidade alterada e a atividade defla- grada constituem dois mecanismos comumente associados à formação defeituosa do impulso. Automaticidade Alterada Alguns mecanismos que alteram a automaticidade do nó SA são fisiológicos. Em particular, o sistema nervoso autônomo modula freqüentemente a automaticidade do nó SA como partede uma resposta fisiológica. Na estimulação simpática, durante o exercício físico, o aumento na concentração de catecolaminas leva a uma maior ativação dos receptores �1-adrenérgicos. A ativação dos receptores �1 provoca a abertura de um maior número de canais das células marcapasso (canais If); a seguir, uma corrente marcapasso maior é conduzida através desses canais; e ocorre despolarização de fase 4 mais rápida. A estimu- lação simpática também induz a abertura de um maior número de canais de Ca2+ e, portanto, desvia o limiar para potenciais mais positivos. Ambos os mecanismos aumentam a freqüência cardíaca. O nervo vago parassimpático afeta o nó SA através de vários mecanismos, que se opõem à regulação simpática da freqüência cardíaca. A liberação de acetilcolina pelo nervo vago dá início a uma cascata de sinalização intracelular que: (1) reduz a corrente marcapasso ao diminuir a probabilidade de abertura dos canais das células marcapasso; (2) desvia o limiar para potenciais mais positivos ao diminuir a probabi- lidade de abertura dos canais de Ca2+; e (3) torna o potencial diastólico máximo (equivalente ao potencial de membrana em repouso nessas células de disparo espontâneo) mais negativo ao aumentar a probabilidade de abertura dos canais de K+. O nó SA, os átrios e o nó AV são mais sensíveis do que o sistema de condução ventricular aos efeitos da estimulação vagal. Em condições patológicas, a automaticidade pode ser altera- da quando as células marcapasso latentes assumem o papel do nó SA como marcapasso do coração. Quando a freqüência de disparo do nó SA torna-se patologicamente lenta, ou quando ocorre comprometimento na condição do impulso, pode ocorrer um batimento de escape quando um marcapasso latente inicia um impulso. A disfunção prolongada do nó SA pode resultar em uma série de batimentos de escape, conhecida como ritmo de escape. Por outro lado, ocorre um batimento ectópico quando as células marcapasso latentes desenvolvem uma freqüência de disparo intrínseca, que é mais rápida do que a freqüência nodal SA, em alguns casos apesar da presença de um nó SA de função normal. A isquemia, as anormalidades eletrolíticas ou o aumento do tônus simpático podem resultar em uma série de batimentos ectópicos, denominada ritmo ectópico. A lesão tecidual direta (como a que pode ocorrer após infar- to do miocárdio) também resulta em automaticidade alterada. A lesão tecidual pode causar desorganização estrutural na membrana celular. As membranas acometidas são incapazes de manter gradientes iônicos, que são de suma importância na manutenção dos potenciais de membrana apropriados. Se o potencial de membrana em repouso se tornar suficientemente positivo (mais positivo do que −60 mV), as células não-mar- capasso podem começar a despolarizar espontaneamente. A perda de conectividade da junção comunicante (gap junction) constitui outro mecanismo pelo qual a lesão tecidual resulta em alteração da automaticidade. A conectividade elétrica direta é importante para a liberação efetiva da supressão por overdri- ve do nó SA para os miócitos cardíacos restantes. Quando há ruptura da conectividade em decorrência de lesão tecidual, a supressão por overdrive não é transmitida eficientemente, e as células não suprimidas podem iniciar o seu próprio ritmo. Esse ritmo anormal pode levar a arritmias cardíacas. Atividade Deflagrada Ocorrem pós-despolarizações quando um potencial de ação normal deflagra despolarizações anormais adicionais. Isto é, o primeiro potencial de ação (normal) deflagra oscilações adi- cionais do potencial de membrana, podendo levar a arritmias. Existem dois tipos de pós-despolarizações — as pós-despolari- zações precoces e as pós-despolarizações tardias. Quando a pós-despolarização ocorre durante o potencial de ação incitador, é denominada pós-despolarização pre- PR P T QT R Q S QRS ST 5 mm = 0,2 segundo 5 mm = 0,5 mV Fig. 18.4 Eletrocardiograma. O eletrocardiograma (ECG ou EKG) mede os potenciais de superfície corporal induzidos pela atividade elétrica cardíaca. A onda P reflete a despolarização atrial, o complexo QRS representa a despolarização ventricular, e a onda T indica a repolarização ventricular. O intervalo PR estende-se desde o início da onda P (despolarização inicial dos átrios) até o início da onda Q (despolarização inicial dos ventrículos). O intervalo QT começa no início da onda Q e termina no final da onda T, representando todo o intervalo da despolarização e repolarização ventriculares. O segmento ST começa no final da onda S e termina no início da onda T, representando o período durante o qual os ventrículos estão despolarizados (i. é, a fase de platô do potencial de ação).
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