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Disciplina: Análises Toxicológicas e Ambientais Professora: Idylla Tavares Exercício Unidade 01 O Exercício da Unidade 01 será utilizado para compor a nota da Unidade 01, valendo 2 pontos, sendo cada questão avaliada em 0,4 pontos. As respostas deverão ser entregues no dia da avaliação, podendo ser feito em grupos de 2, 3 ou 4 pessoas. Tema: Métodos alternativos ao uso de animais “A utilização de animais em pesquisas científicas, principalmente de mamíferos, tem trazido discussões acaloradas por parte de ativistas que são simplesmente contra essa prática. Parte dos argumentos levantados por esse setor da sociedade é baseada no fato de que métodos alternativos são capazes de substituir a utilização desses animais em pesquisa, prática que consideram obsoleta. Será que esse argumento realmente procede? Até que ponto a sociedade está disposta a abrir mão do uso de animais em pesquisa com o risco de bloquear o avanço do conhecimento biológico, testes e desenvolvimento de novos medicamentos, vacinas e métodos cirúrgicos?” (MORALES, Marcelo) Responda os quesitos abaixo baseado nos textos em anexo ou em pesquisas realizadas na literatura. 1) Existe um compromisso da comunidade científica mundial em seguir os Princípios de Russell-Burch (1959) de “redução, substituição e refinamento” no uso de animais, conhecido como Princípio dos 3R’s. Mesmo que datada do final da década de 50, os princípios de William Russell e Rex Burch ainda mantêm-se ativa nos meios científicos e acadêmicos. Defina esses 3 princípios. (0,4) 2) Certamente métodos alternativos devem ser utilizados sempre que possível e a busca dessas metodologias precisa ser um dos alvos da ciência moderna. Quais as principais alternativas à utilização de mamíferos em pesquisas científicas e como elas puderam e podem contribuir para o avanço científico? (0,4) 3) Apesar de toda problemática do uso de animais de experimentação, sua utilização ainda está muito frequente na comunidade científica. Com base no material em anexo, a definição das alternativas abaixo corresponde a qual ensaio biológico? (0,4) a) Avaliar o potencial irritante da pele devido aos ingredientes cosméticos e estabelece parâmetros como edema e eritema. b) Avaliar os efeitos das substâncias na conjuntiva, na íris e na córnea de olhos de coelhos albinos. c) Determinar se uma substância é capaz de provocar uma reação alérgica. d) Determinar o potencial de degeneração ou morte celular provocado pelas substâncias presentes nas formulações cosméticas. e) Determinar a capacidade do material-teste de induzir uma resposta irritante da pele através da irradiação UV. 4) O contexto do uso de animais de experimentação evidenciou a necessidade de regulamentar as pesquisas científicas no Brasil, impondo limites a essa prática para eliminar atos de crueldade e de maus-tratos em animais utilizados em experimentações e promover o aprimoramento de aspectos metodológicos e éticos de estudos científicos. Qual lei foi promulgada no Brasil com esse objetivo? (0,4) 5) Algumas classificações didáticas podem ser utilizadas para um melhor entendimento do conceito dos 3Rs. Explique a diferença entre os tipos de substituição direta, indireta, total e parcial. (0,4) ANEXOS II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 106 MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS: UMA VISÃO ATUAL Octavio Augusto França PRESGRAVE1*, Cristiane CALDEIRA1, Isabela GIMENES1, João Carlos Borges Rolim de FREITAS1, Saulo de Tasso Borges NOGUEIRA1, Nathalia Duque Estrada de OLIVEIRA1, Amanda Gleyce de OLIVEIRA1, Ronald Santos SILVA1, Eloisa Nunes ALVES1, Rosaura de Farias PRESGRAVE1. RESUMO - O uso de animais na experimentação e no ensino tem sido severamente criticado. Desde o final da década de 1970, muitas pesquisas têm sido desenvolvidas na busca de métodos alternativos ao uso de animais, sempre seguindo o princípio dos 3Rs, de Russel e Burch. Apesar de existirem alguns métodos alternativos, a substituição completa de animais ainda não é possível em diversas áreas da experimentação. No que tange a área do ensino, é possível usar alternativas, pelo menos, nos estágios básicos da educação superior. Um novo método necessita, obrigatoriamente, passar por um processo de validação. No Brasil, ainda não existe um órgão responsável por validar os métodos e indicar para a aceitação regulatória. Neste sentido, a criação de um Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos é necessária. ABSTRACT - The use of animals in experimentation and teaching has been severely criticized. Since the end of 1970 decade many researches have being developed in order to establish alternative methods for animal use, following the Russel and Burch’s 3Rs principle. Although we can already count on some alternative methods, the complete animals replace is not possible in many scientific areas yet. In the field of education, at least in the initial University stage, it is possible to replace animals already. A new method needs to be formally validated. Brazil does not have an organism responsible for validating and indicating a method for regulatory acceptance. By this way, the creation of a Brazilian Centre for Validation of Alternative Methods is needed. 1Departamento de Farmacologia e Toxicologia, INCQS/FIOCRUZ, Avenida Brasil, 4.365 – Manguinhos -21045-900 Rio de Janeiro, RJ. * Autor para correspondência II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 107 INTRODUÇÃO O uso de animais na experimentação é muito antigo, uma vez que experimentos utilizando porcos já eram descritos no Corpus Hippocraticum (c. 350 a.C.) e vem proporcionando benefícios tanto para o Homem como para os outros animais (HENDRIKSEN, 1996). O crescente movimento contrário ao uso de animais em pesquisa tem motivado a busca de métodos alternativos. Hoje em dia existem, basicamente, dois grupos distintos em opiniões e posicionamento em relação ao tema: a) os defensores do bem estar animal, que não se opõem ao uso de animais na pesquisa biomédica, entretanto, desejam que seja assegurado que, uma vez que os animais necessitem ser utilizados que os mesmos sejam tratados tão humanitariamente quanto possível; e b) os defensores dos direitos dos animais, que possuem uma posição mais radical sendo totalmente contrários ao uso de animais na pesquisa, além de se oporem à utilização de animais na alimentação e outras atividades e/ou finalidades, tais como: circo, zoológico etc (PAIXÃO, 2001). MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS Um método alternativo pode ser definido como sendo qualquer método que possa ser usado para substituir, reduzir ou refinar o uso de experimentos animais na pesquisa biomédica, ensaios ou educação (WORTH e BALLS, 2002). Em 1760, Fergusson já demonstrava sua preocupação com o que ele denominava de métodos bárbaros aplicados aos animais. No século XIX, o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham (1748-1832) expressou sua preocupação para com os animais quando colocou que “a questão não é se os animais podem raciocinar, nem se eles podem falar, mas, se os animais sofrem?” (HENDRIKSEN, 1996). Em 1831, o médico e fisiologista inglês Marshall Hall (1790-1857), lançou o que podemos definir como o primeiro “código de ética” naexperimentação, onde ele propunha que: 1) nenhum experimento fosse levado à cabo se as informações pudessem ser obtidas através de observações; 2) nenhum experimento deveria ser conduzido sem um objetivo claro, preciso e passível de ser obtido; 3) os cientistas deveriam estar bem informados sobre o trabalho de seus antecessores, para se evitar qualquer tipo de repetição; 4) experimentos justificáveis deveriam ser II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 108 executados levando-se em conta a menor imposição de dor possível, inclusive devendo se utilizar organismos mais inferiores na escala zoológica, ou seja, menos sencientes; e 5) experimentos deveriam ser feitos de forma a produzirem resultados mais claros, diminuindo a necessidade de repetições (HENDRIKSEN, 1996). Em 1842 é fundada a British Society for the Prevention of Cruelty to Animals, que mais tarde passaria a se chamar Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), que podemos considerar como sendo a primeira sociedade protetora dos animais estabelecida no mundo (HENDRIKSEN, 1996). Quando, em 1959, William M. S. Russell e Rex L. Burch publicaram o livro intitulado Principles of Humane Expermental Technique, no qual foi introduzido o princípio dos 3Rs (Replacement, Reduction, and Refinement – Substituição, Redução e Refinamento), o tema passou a despertar maior interesse. Entretanto, foi somente no final da década de 1970, com a pressão exercida na Europa por grupos protecionistas contra o uso de animais, principalmente coelhos pela indústria de cosméticos, que as pesquisas realmente avançaram (BALLS e STRAUGHAN, 1996; HENDRIKSEN, 1996; PRESGRAVE, 2009a). Os 3Rs O termo método alternativo não deve ser entendido somente como substituição, mas sim, contemplando, também, a redução e o refinamento, muito importantes quando não podemos deixar de usar animais (BALLS, 2009; PRESGRAVE, 2009a). Até o presente momento, a preocupação com os aspectos éticos reside sobre animais do Filo Chordata, Sub-filo Vertebrata. Existem alguns grupos e Comissões de Ética que avaliam estudos realizados, também, em insetos e cefalópodos. Entretanto, isso ainda é uma exceção. Em função desse pensamento, também pode ser considerado como substituição o uso de organismos inferiores na escala zoológica, classificados como não protegidos. Como exemplo podemos citar o uso de Daphnia pulgans, Artemia salina e abelhas em estudos, principalmente, de ecotoxicologia (PRESGRAVE, 2009a). A substituição é caracterizada pela não utilização de animais. Para tal, são utilizadas diferentes técnicas para substituir o uso dos mesmos, por exemplo, métodos físico-químicos (p. ex.: medida do pH para determinar se uma substância é II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 109 corrosiva e evitar o uso de animais em testes de irritação; HPLC na determinação da potência de insulina, antes, determinada por glicemias em camundongos), culturas de células (ensaios de citotoxicidade, com por exemplo, captação de vermelho neutro para determinar a fototoxicidade), entre outros (BALLS, 2009). A redução pode ser entendida de duas formas: 1) redução do número de animais em um único teste, por exemplo, quando se deixou de usar o teste clássico de DL50 (Dose Letal Média) e passou-se a utilizar métodos que necessitam de no máximo 10 animais para se obter a mesma classificação toxicológica (Método de Classe, Método de Doses Fixas e Up-and-Down); e 2) quando a redução se dá dentro de um processo contínuo, isto é, ao invés de se utilizar animais em todas as fases, seguimos um procedimento de screening ou hierarquisação de metodologias onde, por exemplo, iniciamos a análise pelo pH; se não for considerado corrosivo, segue-se para uma análise usando um Sistema Inteligente, integrado com um método in vitro. Dessa maneira, nas primeiras seqüências de testes nenhum animal é utilizado e, somente nas fases finais, se usam animais, já com a possibilidade de toxicidade bastante reduzida (BALLS, 2009). A idéia de refinamento implica em implementar cuidados e tratamentos aos animais de forma a minimizar qualquer dor ou sofrimento aplicado aos animais que porventura necessitam ser usados. Isto pode ser conseguido: 1) através do uso de anestésicos ou analgésicos, sempre que estes não interfiram nos experimentos (estudos que envolvem dor, o controle negativo não pode receber esses agentes); 2) manutenção dos animais em grupos (quando o desenho experimental não exigir o isolamento, como por exemplo, em estudos de toxicidade reprodutiva); ou 3) aplicação de um programa de enriquecimento ambiental, p. ex., feno autoclavado para coelhos e cobaios, tubos plásticos para camundongos etc (BALLS, 2009). No Brasil, com exceção das criações de primatas não humanos, pouca importância é para o enriquecimento ambiental. Embora não existam empresas nacionais especializadas na produção de artefatos para esta finalidade, pode-se conseguir implementar um programa de enriquecimento usando rolos de papel higiênico ou similares, tubos de PVC, garrafas plásticas recortadas em forma de iglu, papel toalha para os animais rasgarem, feno autoclavado etc. O importante é cuidar para que o material esteja limpo e não interfira com a experimentação (PRESGRAVE, 2009a). II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 110 MÉTODOS ALTERNATIVOS NA EXPERIMENTAÇÃO O uso de animais de laboratório na experimentação é o mais criticado e combatido atualmente. Embora alguns métodos já possam ser substituídos, muitas áreas ainda necessitam do uso de animais (ABREU, 2008; PRESGRAVE, 2009a; WORTH e BALLS, 2002). Grande parte dos métodos alternativos emprega técnicas que envolvem cultivos celulares, tendo como desfecho a citotoxicidade ou liberação de mediadores inflamatórios, podendo, também se basearem em outros mecanismos ou efeitos. Outra área que vem crescendo muito é a de avaliação in silico, que trata de sistemas computacionais usados para predizer efeitos, com base em bancos de dados (ABREU, 2008; ALVES et al., 2008; ARAÚLO, 2008; BRUCKNER e CORREA DE MOURA, 2009; CALDEIRA, 2005; DEARDEN et al., 1997; DEWHURST et al., 2006; HARTUNG e WENDEL, 1996; HARTUNG et al., 2001; HOFFMANN et al. 2005). MÉTODOS ALTERNATIVOS NA EDUCAÇÃO Na educação, a substituição de animais em aulas prática tem apresentado um desenvolvimento maior, quando em comparação com a experimentação (BALCOMBE, 2000). Como principais exemplos de modelos alternativos na educação, podemos citar (GREIF, 2003): - vídeos – através destes, várias práticas podem ser demonstradas, desde o manuseio de animais até técnicas cirúrgicas, procedimentos diversos etc. Existem diversos vídeos que mostram sinais clínicos, anestesia, técnicas de administração de drogas e coleta de sangue, entre outros procedimentos experimentais. - simuladores –são CD-ROMs que apresentam ao aluno diversas possibilidade de aprendizagem, principalmente na área da farmacologia e fisiologia. Existem multimídias abrangendo ação de drogas nos sistemas nervoso e cardiovascular, por exemplo. Alguns softwares permitem o uso de várias concentrações de agonistas e antagonistas e, ainda direcionam os estudantes, através de perguntas, ao estudo mais aprofundado do fenômeno que está sendo observado. II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 111 - modelos – existem “cães” e “gatos” (Critical Care JerryTM e FluffyTM), “rolos” feitos com diferentes materiais, com textura próxima às camadas da pele, para treinamento de incisões cirúrgicas e suturas (DASIETM – Dog Abdominal Surrogate for Instructional Exercises). Aplicável às Ciências de Animais de Laboratório, o rato de borracha (KokenTM rat) é muito útil para treinamento de administração via oral (gavagem), injeção pela veia caudal, entubação oro-traqueal e manuseio em geral. - cadáveres – muito utilizado no ensino de anatomia e técnicas cirúrgicas. O uso de cadáveres apresenta como vantagem a manutenção da fidelidade anatômica e possibilita a ocorrência de fatos que podem acontecer no procedimento real, tais como hemorragias. Deve-se ter especial atenção para que os cadáveres tenham origem ética, devendo ser aceitos somente os que resultaram de morte natural, por exemplo. VALIDAÇÃO DE MÉTODOS ALTERNATIVOS Qualquer metodologia, in vivo ou in vitro necessita de uma validação formal para que possa ser utilizada de forma a atender o seu objetivo específico. Isso faz com que o desenvolvimento e disponibilização de métodos alternativos seja relativamente lento (hoje, estima-se um tempo ao redor de 10 anos para um estudo completo, incluindo validação e aceitação regulatória). Dessa forma, temos então, os métodos válidos e os validados (BALLS et al, 1995; BALLS et al., 2006; HARTUNG et al., 2004; ICCVAM, 1997; OECD, 2005). Métodos válidos – são aqueles não passaram, necessariamente, por um processo completo de validação, mas existe uma quantidade suficiente de dados científicos para mostrar sua relevância e confiabilidade (PAUWELS e ROGIERS, 2004). Isto significa dizer que são métodos ainda em estudo, entretanto, passíveis de serem usados, ou seja, com grande possibilidade de virem a ser validados (exemplos: HET-CAM e NRU). Métodos validados – são aqueles para os quais a relevância e a confiabilidade estão estabelecidos para um propósito particular, de acordo com critérios estabelecidos (PAUWELS e ROGIERS, 2004). Dessa forma, um método válidos é aquele que já passou por estudo colaborativo e tem sua metodologia e seus critérios bem definidos e aceitos oficialmente (exemplos: TER e UV-NRU). II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 112 A validação se define como sendo o ato de estabelecer a confiabilidade e relevância de um método para um propósito particular, onde, por confiabilidade se entende como a reprodutibilidade de resultados, intra- e inter-laboratorial, bem como ao longo do tempo, relevância é o valor científico e sua utilidade prática e propósito significa a aplicação pretendida do procedimento. PROCESSO DE VALIDAÇÃO No Brasil, não existe um procedimento formal para se validar um método, como existe na União Européia. O procedimento de validação envolve diversas etapas bem definidas. É importante ressaltar alguns pontos: a) um método alternativo somente pode ser tido como válido se cumpre dois critérios: confiabilidade e relevância; b) tem que existir independência entre os grupos que executam a distribuição, análise do material, análise dos dados, pois isto elimina qualquer tendência na avaliação dos dados; c) as amostras têm que ser codificadas; e d) os laboratórios participantes precisam seguir as Boas Práticas de Laboratório (BPL). O processo de validação envolve as seguintes etapas (BALLS et al, 1995; BALLS et al., 2006; HARTUNG et al., 2004; OECD, 2005): Pré-validação – estudo inter-laboratorial em pequena escala, realizado para assegurar que o protocolo está suficientemente padronizado para inclusão em um estudo de validação formal. esta etapa compreende 3 fases distintas: Fase I - Refinamento – onde o Lab 1 ou laboratório “líder” desenvolve o método, descreve o protocolo e define os parâmetros. Fase II - Transferência – onde o Lab 1 passa o protocolo para o Lab 2, que, por sua vez, repassa ao Lab 3. Nesta fase, aproveita-se para verificar a facilidade de transferência do protocolo. Fase III - Execução – onde os Labs 1, 2 e 3 executam o protocolo experimental e esses dados preliminares são avaliados. Validação (propriamente dita) – estudo inter-laboratorial em larga escala, desenhado para garantir a confiabilidade e relevância de um método otimizado para um propósito particular. Nesta etapa podemos aumentar o número de laboratórios participantes, o número de amostras estudadas ou ambos. II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 113 CONCLUSÕES O uso de métodos alternativos apresenta diversas vantagens que vão, desde as mais óbvias, como a não utilização de animais quando se trata de métodos de substituição até outras vantagens como a redução de custos, já que não se faz necessária a existência de infra-estrutura de biotérios para criação e manutenção dos animais. Também podemos apontar como vantagens que métodos in vitro podem ser menos sujeitos a interferentes externos, já que os animais sofrem influência de presença de ruídos, alterações de metabolismo em função de alguma modificação de temperatura, ciclo de luz, umidade etc. Da mesma forma, o espaço requerido para um teste in vitro é muito menor do que necessário para o estabelecimento de um biotério. Isso facilita de forma significativa a difusão e implantação desses métodos. Quando se trata de métodos de redução ou refinamento, essas vantagens residem no uso de menos animais e na manutenção do bem-estar dos mesmos, uma vez que se melhora as condições experimentais e de manejo animal. Praticamente não existem desvantagens no uso de alternativas, entretanto, duas limitações podem ser levantadas: a) a falta de interação com o organismo vivo, que, à medida em que se conhece bem o modelo experimental, pode ser contornado; e b) os custos, que na realidade, podem ser grandes no momento da implantação e na compra de kits comerciais, mas que, também, com a validação do método, fará com que esses kits sejam usados de forma mais otimizada reduzindo os custos. Devemos ter em mente que estudos que envolvem toxicidade reprodutiva, aprendizagem, dor, metabolismo, cinética, toxicidade crônica, entre outros, ainda não são passíveis de substituição por modelo não-animal. As Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) possuem importante papel na orientação quanto aos métodos alternativos, bem como na conscientização dos pesquisadores no trato humanitário dos animais, quando estes necessitam realmente serem utilizados. Isto deve ser feito através da análise dos protocolos de pesquisa seguindo os guias internacionais, avaliando se os procedimentos descritos sõ repetitivos, se respondem à pergunta do projeto etc. II CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E BEM ESTAR ANIMAL 04 a 06 de agosto de 2010 - UFMG – Belo Horizonte – MG Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 106 - 117, agosto, 2010 114 A interação entre pesquisadores e protecionistas é de suma importância, sempre considerando o respeito e que cada parte se ajude mutuamente, mostrando determinados aspectos que implementem o desenvolvimento de métodos alternativos sem que uma parte queira se sobrepor à outra, sempre tomando cuidado para não haver inversão de valores colocando a saúde das pessoas em risco. No Brasil ainda não existe um órgão responsável diretamente por validar métodos alternativos.Por esse motivo, a criação de um Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos se faz necessária para manter contato com centros internacionais similares e se estabelecer programas de validação internamente, além de unir os diversos grupos que trabalham de forma isolada, muitas vezes por falta de fomento específico para estes estudos (PRESGRAVE, 2008; PRESGRAVE, 2009b; ESKES et al., 2009) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C. L. C.; PRESGRAVE, O. A. F.; DELGADO, I. F. Metodologias alternativas à experimentação animal: aplicação no controle da qualidade de produtos sujeitos à ação da Vigilância Sanitária. Revista do CFMV, Brasília, v. 45, p.20-27, 2008. ALVES, E. N.; PRESGRAVE, R. F.; PRESGRAVE, O. A. F.; et al. 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(Impr.). 2016; 24 (2): 217-24http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil Mariana Vasconcelos Guimarães 1, José Ednésio da Cruz Freire 2, Lea Maria Bezerra de Menezes 3 Resumo A utilização de animais para fins científicos configura prática histórica na civilização humana, mas gera polêmica em sociedades preocupadas com proteção dos animais. No Brasil, até 2008, não havia norma ou lei que regulamen- tasse especificamente a experimentação animal. Este trabalho discute a utilização de animais em experimentos científicos, considerando o delineamento da Lei Arouca, por meio da leitura de artigos científicos que contemplam o histórico da experimentação no contexto mundial e brasileiro, incluindo a regulamentação do uso de animais do filo Chordata, subfilo Vertebrata, em pesquisas no Brasil. A Lei Arouca pode representar avanço na legislação brasileira quanto à utilização de animais para fins científicos, sobretudo pela criação das comissões de ética para uso de animais em instituições de pesquisa e do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, que examinam o cumprimento da legislação aplicávelem projetos científicos que envolvem a utilização de animais. Palavras-chave: Bioética. Técnicos em manejo de animais-Cuidados médicos. Ciência dos animais de laboratório. Modelos animais. Alternativas ao uso de animais. Experimentação animal. Resumen Utilización de animales en la investigación: breve revisión de la legislación en Brasil El uso de animales para fines científicos configura una práctica histórica en la civilización humana, pero ge- nera controversia en las sociedades preocupadas por la protección de éstos. En Brasil, hasta 2008, no había una norma o una ley que regulara la experimentación animal. Este trabajo discute acerca del uso de animales en experimentos científicos, teniendo en cuenta los lineamientos de la Ley Arouca, a partir de la lectura de artículos científicos que abordan la historia de la experimentación animal en el mundo y en el contexto bra- silero, incluyendo la regulación del uso de animales del filo Cordados, subfilo Vertebrados, en investigaciones en Brasil. La Ley Arouca puede representar un avance en la legislación brasilera con respecto al uso de estos animales para fines científicos, sobre todo por la creación de las comisiones de ética para el uso de animales (Ceua) en instituciones de investigación y del Consejo Nacional de Control de la Experimentación Animal (Con- cea), que son los responsables de examinar el cumplimiento de la legislación aplicable a proyectos científicos que involucran la utilización de animales. Palabras clave: Bioética. Técnicos de animales-Atención médica. Ciencia de los animales de laboratorio. Modelos animales. Alternativas al uso de animales. Experimentación animal. Abstract Use of animals in research: a brief review of legislation in Brazil The use of animals for scientific purposes is a historical procedure in human civilization, but is controver- sial for societies concerned with the protection of animals. In Brazil, until 2008, there was no rule or law that specifically regulated animal testing. This paper discusses the use of animals in scientific experiments, considering the Brazilian Arouca Law, through the analysis of scientific articles that consider the history of experimentation in the world and in Brazil, including the regulation of the use of animals of the phylum Chor- data, subphylum Vertebrata, in Brazilian research. The Arouca Law may represent an advance in Brazilian law regarding the use of animals for scientific purposes, particularly given the creation of the Ethics Committees for Animal Use in research institutions and the National Council for Animal Experimentation Control, which examine the compliance of scientific projects involving the use of such animals to applicable law. Keywords: Bioethics. Animal technicians-Medical care. Laboratory animal science. Models, animal. Animal use alternatives. Animal experimentation. 1. Mestre marianav_guimaraes@yahoo.com.br – Centro Universitário Doutor Leão Sampaio, Juazeiro do Norte/CE 2. Mestre jednesio@gmail.com – Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza/CE 3. Doutora lbezerrademenezes@yahoo.com.br – UFC, Fortaleza/CE, Brasil. Correspondência Mariana Vasconcelos Guimarães – Centro Universitário Doutor Leão Sampaio, Avenida Maria Letícia Pereira, 207, Lagoa Seca CEP 63040- 405. Juazeiro do Norte/CE, Brasil. Declaram não haver conflito de interesse Ar tig os d e at ua liz aç ão 218 Rev. bioét. (Impr.). 2016; 24 (2): 217-24 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 A experimentação animal pode ser entendida como a prática de realizar intervenções em ani- mais vivos ou recém-abatidos com a finalidade de beneficiar o conhecimento científico. Apesar de de- senvolvido desde a Antiguidade, o procedimento é capaz de ferir a sensibilidade humana e, mais atual- mente, desperta discussão entre a comunidade acadêmica e a sociedade protetora dos animais 1,2. Esse embate, inclusive, vai além do argumento ético e questiona a real eficiência desse método de ensino e pesquisa diante do presente avanço tecnológico-científico 3-5. Assim, indivíduos envolvidos com a proteção dos animais acreditam que a prática é dispensável, alegando a viabilidade de utilizar métodos de pesqui- sa substitutivos, bem como a possibilidade de erro metodológico quando se pretende transferir inter- pretações obtidas a partir de testes em determinada espécie animal para outra diversa, como no caso da espécie humana 4,5. De fato, embora o emprego de animais em pesquisas médicas tenha acarretado sucesso em muitas intervenções terapêuticas 3,6,7, efeitos deletérios podem ser observados. A droga talidomida, por exemplo, prescrita como sedativo e hipnótico para humanos, inclusive para grávidas, re- sultou em muitos casos de malformação congênita em crianças 8. Isso ocorreu, em parte, devido a in- terpretações errôneas do real efeito da talidomida, pois em roedores o metabolismo da droga ocorre de forma diferente quando comparado ao humano, e, portanto, foram observados diversos relatos de “be- bês da talidomida” 9. Nesse contexto, vale salientar que em huma- nos, por exemplo, algumas isoformas de proteína são responsáveis pelo metabolismo da maioria das drogas anticonvulsivantes disponíveis comercial- mente, destacando-se as subfamílias 3A4, 2D6, 2C9, 2C19, 2E1 e 1A2 10. Segundo Andrade e co- laboradores 11, essas mesmas enzimas não são observadas para a biotransformação de drogas em outras espécies animais, especialmente aquelas utilizadas em pesquisas biomédicas. Em ratos, as enzimas participantes em maior extensão nesse processo pertencem às subfamílias 1A1, 1A2, 2A1, 2B1, 2B2, 2C11, 2D1, 2E1 e 3A1, e, em cães, as en- zimas CYP1A, 2B11, 2C21, 2D e 3A12 representam a maior contribuição 11. Portanto, é possível observar que, dependendo da espécie analisada, grupos es- pecíficos de enzimas cooperam durante o processo de biotransformação de drogas específicas, sendo oportuno conjecturar que cada organismo possui maquinaria própria para metabolizar determinado fármaco. Mesmo diante dessa polêmica, muitos centros de pesquisas científicas em universidades recorrem à experimentação com animais com a finalidade de descobrir curas para doenças graves e letais ou de entender o mecanismo do surgimento de diversas enfermidades que acometem não somente seres humanos, mas também outros seres vivos. Sobre- tudo quanto aos testes de novos fármacos para determinadas doenças, de certa forma os efeitos colaterais observados em estudos clínicos podem ser atenuados e prevenidos a partir de observações prévias de estudos in vivo. Esse contexto evidenciou a necessidade de regulamentar o uso de animais em pesquisas científicas no Brasil, impondo limites a essa prática para eliminar atos de crueldade e de maus-tratos em animais utilizados em experimen- tações e promover o aprimoramento de aspectos metodológicos e éticos de estudos científicos 12,13. Dessa maneira, aprovou-se em 2008, no Brasil, a Lei 11.794, também conhecida como Lei Arouca, que normatiza os procedimentos para uso científico de animais 14. Com a publicação da lei, foram criadas comissões de ética para uso de animais (Ceua) em cada instituição de pesquisa, assim como o Conse- lho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), que passou a ser responsável por todas as discussões referentes à criação e ao uso de animais em laboratórios científicos. Ainda que a Lei Arouca tenha passado treze longos anos em tramitação, pode-se afirmar que nenhuma outra lei brasileira tratou com tal exclusividade o tema da experimen- tação animal. Considerando o surgimento de várias teorias e regras relacionadas à utilização de animais em pesquisas científicas no Brasil no decorrer dos anos que levaram à homologação da Lei Arouca,esta revi- são objetiva apresentar síntese da história mundial e brasileira da experimentação animal, bem como apreciar a regulamentação vigente sobre o uso de animais em pesquisas científicas no Brasil, com base na leitura de artigos publicados, especialmente no banco de dados SciELO, além de comentar pontos relevantes e positivos da lei quanto a suas conside- rações relativas à proteção dos animais. Breve histórico das práticas vivisseccionistas A dissecação de animais com finalidade didá- tica ou científica é praticada desde a Antiguidade. Há registro de sua origem na Grécia Antiga, nos experimentos de Hipócrates, o “pai da medicina”, e de Alcméon, que em 500 a.C. comparava órgãos Ar tig os d e at ua liz aç ão 219Rev. bioét. (Impr.). 2016; 24 (2): 217-24 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 de animais e de humanos 15. Aproximadamente no mesmo período, fisiologistas, como Herófilo (300- 250 a.C.) e Erasístrato (350-240 a.C.), também recorriam à experimentação animal com o intuito de obter informações acerca do funcionamento dos sistemas orgânicos 16. Aristóteles (384-322 a.C.) também defendia a superioridade de humanos em relação a animais, estabelecendo uma hierarquia natural na qual os seres com menor capacidade de raciocínio deveriam beneficiar aqueles considera- dos mais racionais 17-19. Mais tarde, em Roma, Galeno (130-200 d.C.) realizou as primeiras vivissecções com objetivo experimental, induzindo alterações orgânicas em animais e, em seguida, avaliando as variáveis 15,20. Foi por intermédio desse procedimento que Galeno relatou importantes características estruturais dos vasos sanguíneos e descobriu que artérias transpor- tavam sangue em vez de ar, como se acreditava há centenas de anos. Posteriormente, em 1638, William Harvey propôs a primeira observação sistemática de animais dissecados com finalidade científica, publi- cando resultados obtidos em estudos experimentais sobre a fisiologia da circulação em mais de oitenta espécies animais 21,22. A experimentação animal remonta aos tem- pos em que religião e ciência não eram claramente distintas, e o advento da tradição judaico-cristã, especialmente na Idade Média, impulsionou ainda mais essa prática, principalmente ao retratar ani- mais como seres desprovidos de alma, ao passo que proibia a dissecação de cadáveres humanos 23,24. Após esse período, no Renascimento, o surgimen- to do antropocentrismo colocava o ser humano como centro das preocupações, consolidando a ideia de que todas as coisas existentes deveriam servir à espécie humana, sustentando ainda mais a experimentação animal como método padrão de investigação científica e de finalidade didática na medicina 23. Essa concepção prevaleceu nos séculos se- guintes, principalmente no período do racionalismo moderno, no século XVII, quando a experimenta- ção animal atingiu seu auge. Foi nesse momento que o filósofo René Descartes formulou a teoria do modelo animal, que considerava os animais como seres desprovidos de espírito e, portanto, da capa- cidade de sentir dor, diferenciando-se da espécie humana. Trata-se da chamada “teoria mecanicista”, em que animais não seriam mais do que simples máquinas 23,25. Entretanto, contrapondo-se à teoria criada por Descartes, em 1789 o filósofo e jurista Jeremy Bentham lançou a base para os princípios morais e a legislação atualmente utilizada nas regulamenta- ções éticas dos procedimentos de experimentação animal 17,26. Em seus tratados filosóficos, estimulou a sociedade a discutir a veracidade da incapacidade de sofrimento por parte dos animais, argumentan- do que a capacidade de sofrer, e não a capacidade de raciocinar, deve ser levada em consideração na forma de tratamento a outros seres 26. Essa linha de raciocínio, inclusive, foi propagada no século XIX com o crescimento do uso de animais em laborató- rios de pesquisas científicas, época em que também surgiram as primeiras entidades protetoras dos ani- mais, estendendo-se até os dias atuais. Em 1822, instituiu-se a Lei Inglesa Anticruel- dade (British Anticruelty Act) para anular atos de tortura em animais, mas era aplicável somente àque- les domésticos de grande porte 27. No ano de 1824 surgiu, na Inglaterra, a Society for the Prevention of Cruelty to Animals (Sociedade para a Prevenção da Crueldade Animal), passo importante para a funda- ção de sociedades semelhantes em outros países, incluindo Alemanha, Bélgica, Áustria, Holanda e Es- tados Unidos 27. No entanto, apenas em 1876 surgiu na Inglaterra a primeira lei voltada a regulamentar o uso de animais utilizados em pesquisa 17,27. É importante lembrar que, aproximadamen- te nesse período (1858-1859), Charles Darwin deu grande impulso para a pesquisa científica em todo o mundo com a publicação de “A origem das espécies”, que retrata a interação entre diferentes espécies du- rante o processo evolutivo 17,28. Esse acontecimento certamente reforçou a possibilidade de se conside- rar, para a espécie humana, as informações obtidas em testes com outras espécies animais. Já no início do século XX, mais especifica- mente em 1909, a primeira publicação acerca de aspectos éticos da utilização de animais em expe- rimentação foi proposta pela Associação Médica Americana 17,27. Passados cinquenta anos, um gran- de passo direcionado ao estabelecimento da ética em pesquisa animal foi dado quando o zoologista William Russel e o microbiologista Rex Burch es- tabeleceram os três “R” da pesquisa em animais: replace, reduce e refine 17,27 (substituir, reduzir e aperfeiçoar). Posteriormente, Peter Singer 28 sugere que o sofrimento de cada espécie seja analisado e comparado ao sentido por membro de outra espé- cie, apesar de confessar que essa comparação não é completamente exata. Nesse período, verifica-se preocupação crescente quanto a aspectos éticos e ao impacto social de pesquisas científicas envolvendo modelos Ar tig os d e at ua liz aç ão 220 Rev. bioét. (Impr.). 2016; 24 (2): 217-24 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 animais. Assim, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), du- rante evento realizado em Bruxelas em 1978, firmou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, le- vando a sociedade a debater, de maneira ainda mais intensa, a necessidade da experimentação animal 29. No Brasil, criou-se a Lei 6.638, em 8 de maio de 1979, para normatizar a experimentação em animais em instituições de ensino superior, determi- nando que essas pesquisas poderiam ser realizadas desde que os animais não sejam mantidos em con- dições que lhes causem sofrimento 30. Já em 2008 aprovou-se o Projeto de Lei 1.153/1995, de auto- ria do ex-deputado Sérgio Arouca 31, transformado na Lei Ordinária 11.794/2008 14, que revogou a lei anterior e atualmente regulamenta a criação e a utilização de animais em atividades didáticas e em pesquisa científica em todo o território brasileiro. Proteção aos animais no Brasil No Brasil, a primeira documentação que versa- va acerca de proteção aos animais, datada de 6 de outubro de 1886, época em que a escravidão estava por ser abolida no país 32,33, constava no Código de Posturas do Município de São Paulo. O artigo 220 do código coibia atos de maus-tratos, como castigos bárbaros e imoderados, em animais utilizados por cocheiros, ferradores, cavalariços ou condutores de veículo de tração animal 32,33, visto que, até então, nos primórdios da era republicana e com a difusão dos veículos movidos a tração animal, eram comuns, dada a ausência de legislação, atos impunes de abu- sos e maus-tratos33. Em 1916, do artigo 47 do Código Civil 34 depre- ende-se que animais eram considerados objetos de propriedade. Entretanto, legislações que tratavam da proteção dos animais de forma mais concreta se sucederam, tal como o Decreto 16.590/1924 35, o qual proibia toda e qualquer diversão desenvolvida à custa de atos de crueldade e de maus-tratos em animais, como corridas bovinas ou brigas de aves em casas de diversões públicas 36. Em seguida, du- rante o governo de Getúlio Vargas, foi promulgado o Decreto 24.645/1934 37, que determinava a tutela pelo Estado de todos os animais existentes no país, e em seu artigo 3º definia como condutas de maus- -tratos os atos de crueldade, violência e trabalhos excessivos, a manutenção do animal em condições anti-higiênicas e o abandono 36,37. Considerando a ausência de lei específica que regulamentasse as práticas vivisseccionistas no Brasil, tal decreto foi utilizado como norma referencial também para ex- perimentações animais 38. Já em 1941, grande avanço foi dado com o Decreto-Lei 3.688 39, também conhecido como Lei das Contravenções Penais, que em seu artigo 64 es- tabelecia a penalidade de prisão simples aos atos de crueldade contra animais, independentemente da finalidade didática ou científica do ato 13. Nesse ano, verificou-se a necessidade de tipificar as condutas envolvendo animais também em laboratórios de pesquisas científicas ou em ambientes acadêmicos, e, portanto, a prática de experiências dolorosas ou cruéis em animais, além daqueles atos realizados em locais públicos, foi subsequentemente elevada à categoria de contravenção penal. Posteriormente, outras legislações foram aprovadas, como a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967) 40 e o Código de Pesca (Decreto-Lei 221/1967) 41, mas nenhuma tratou especificamen- te do tema “experimentação animal com finalidade didática ou científica”. Em virtude dessa situação, o Projeto de Lei 1.507 42 foi apresentado em agosto de 1973 pelo deputado Peixoto Filho, obtendo mais tarde, em 1979, a promulgação da Lei 6.638 30, que trata das permissões e procedimentos para práti- ca de experimentação animal em todo o território nacional, devendo ser registrados em órgão com- petente os biotérios e os centros de experiências e demonstrações com animais. Essa lei foi a primeira a estabelecer normas diretamente aplicáveis à prática de experimenta- ção em animais com finalidade didático-científica no Brasil, autorizando a prática vivisseccionista ex- cepcionalmente em estabelecimentos de ensino superior em todo o território brasileiro. Contudo, apesar de seu artigo 6º explicitar o prazo de 90 dias para sua regulamentação pelo poder Executivo, a lei nunca recebeu a devida normatização, de modo que não houve atribuição legal de órgão competente, que seria responsável por zelar pelo cumprimento de suas normas e cadastramento das instituições e profissionais dedicados ao uso e à criação de ani- mais com finalidade didático-científica. Da mesma forma, não houve especificação quanto a condições ambientais ou órgãos responsáveis pela fiscalização dos biotérios e laboratórios de pesquisa para a cria- ção de animais 30. Ainda assim, a promulgação da lei progre- diu consideravelmente com o estabelecimento de normas empregadas para proteção dos animais utilizados em pesquisas científicas ou em cen- tros universitários, visto que proíbe, em seu artigo 3º, a experimentação animal sem o emprego de Ar tig os d e at ua liz aç ão 221Rev. bioét. (Impr.). 2016; 24 (2): 217-24 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 anestesia ou aclimatação dos animais aos biotérios por período de quinze dias. Além disso, de acordo com seu artigo 4º, os procedimentos didático-cientí- ficos somente seriam permitidos mediante garantia de cuidados especiais com animais durante toda a realização do protocolo experimental 30. Em 1998, outro avanço em direção ao desen- lace das implicações éticas do uso de animais em experimentações didáticas e científicas se deu com a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) 43, que reordenou a legislação ambiental brasileira no que se refere a infrações e punições, tornando ainda mais severa a pena para a prática de maus-tratos em animais de modo geral ou para a realização de experiências dolorosas ou cruéis em animais vivos, mesmo com finalidade didática ou científica, na existência de recursos substitutivos. Entretanto, até outubro de 2008 não existia le- gislação que tratasse mais detalhadamente do tema de experimentação em animais, exigindo-se de ins- tituições de ensino e pesquisa apenas registro nas superintendências estaduais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová- veis (Ibama) 38. Lei Arouca e a proteção dos animais – panorama atual e reflexão Como exposto, a Lei Arouca surgiu em cená- rio em que se intensificava a utilização de animais para pesquisa científica, ao mesmo tempo em que inexistia regulamentação voltada especificamente a práticas vivisseccionistas em animais com finalidade didática ou científica. Mesmo iniciando tardiamente, em comparação a outros países mais desenvolvidos, essa lei é fruto da concentração de debates a res- peito do uso de animais em pesquisas científicas a partir da década de 1990 no Brasil. Apesar de oferecer legislação mais específica para o assunto e, também, de criar órgãos respon- sáveis por zelar pelo cumprimento de suas normas, a promulgação da Lei Arouca foi motivo de embate ainda mais polêmico entre a comunidade científica e a sociedade protetora dos animais, visto que não correspondeu à expectativa de abolição do uso de animais em práticas científicas 44. Contudo, é necessário refletir que o Brasil vem crescendo como país que realiza pesquisas científi- cas. Admira-se, portanto, que até 2008 essa nação ainda não tivesse lei que regulamentasse especifica- mente a pesquisa com animais. A Lei Arouca, dessa maneira, levou o país a outro patamar, aquele de nações que buscam proteger animais utilizados em pesquisa. Se em tempos antigos os animais, de forma geral, eram tidos como seres incapazes de sofrer diante das adversidades do ambiente, ao passo que vivissecções eram praticadas sem legislação que as regulamentasse e, com isso, limitasse a quantida- de de animais e seu sofrimento, os dias atuais são marcados por indagações quanto ao avanço obtido com a publicação da Lei Arouca. Nessa linha, alguns autores 45 acreditam que a lei seja um retrocesso, afirmando que, em vez de contribuir para a defesa de animais e a conscientização da humanidade, cria oportunidades para a realização de numerosas prá- ticas vivisseccionistas, contribuindo para o aumento da recorrência à pesquisa científica com animais. De fato, em comparação à antiga Lei 6.638/79, a Lei Arouca, em seu artigo 1º, amplia a permissão das práticas vivisseccionistas em animais a estabele- cimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica, além daqueles de ensino superior 14. Entretanto, há necessidade de se apro- fundar o conhecimento da normatização da lei para entender o que evoluiu em relação ao respeito aos animais, considerando que visa cuidados e limita- ção do número de animais utilizados em protocolos experimentais. Em primeiro lugar, uma das formas de assegu- rar o cumprimento das normas relativas a práticas vivisseccionistas em animais está em seu artigo 13, que determina que todas as instituições respon- sáveis por criar ou utilizar animais para ensino e pesquisa deverão ser legalmente estabelecidas em território nacional, ter credenciamento no Concea e criar uma ou mais Ceua 14. Do mesmo modo, atribui ao Concea, em seu artigo 5º, a tarefa deformular normas relacionadas à utilização de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica e zelar pelo seu cumprimento nas instituições. O Concea deve também manter atualizado o cadastro dos procedimentos de ensino e pesquisa realizados ou em andamento no país, assim como os registros dos pesquisadores, a par- tir de informações remetidas pelas Ceua. O mesmo artigo 5º estabelece que o Conselho Nacional deve, ainda, determinar e rever normas técnicas para instalação, funcionamento e condições de traba- lho de centros de criação, biotérios e laboratórios de experimentação animal, preconizando as con- dições adequadas de manutenção de animais em tais ambientes de ensino e pesquisa. Igualmente, entre as funções do Concea, verifica-se a de moni- torar e avaliar a introdução de técnicas alternativas Ar tig os d e at ua liz aç ão 222 Rev. bioét. (Impr.). 2016; 24 (2): 217-24 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa, possivelmente na intenção de controlar e vetar a realização de protocolos experimentais e didáticos que tenham possibilidade de métodos de estudo sem animais 14. As atribuições das Ceua estão bem esclare- cidas no artigo 10, que determina o exame prévio pelas comissões de todos os procedimentos a ser realizados em protocolos experimentais de projetos científicos desenvolvidos na instituição associada, visando certificação do cumprimento da legisla- ção aplicável no projeto de pesquisa. Para isso, as reuniões das Ceua são realizadas periodicamente, contando, inclusive, com a participação de repre- sentante de alguma sociedade protetora de animais legalmente estabelecida no Brasil 14. A Lei Arouca também impõe, em seu artigo 14 (parágrafo 3º), que as práticas de ensino deverão ser, sempre que possível, fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir sua reprodução para ilustração de práticas futuras, evitando-se a repeti- ção desnecessária de procedimentos didáticos com animais 14. Culturas de células, simulações de com- putador e modelagens matemáticas, entre outras, são métodos substitutivos à utilização de animais para fins didáticos ou científicos. Dessa forma, verifica-se a obediência aos princípios “replace” e “reduce” dos três “R” expe- rimentais 17,27, os quais visam a possibilidade do emprego de métodos substitutivos e a redução do número de animais em pesquisa e ensino. Cabe aqui salientar, entretanto, que a utilização de métodos substitutivos nem sempre é possível, mesmo dian- te da sofisticação tecnológica dos dias atuais, pois não existem ainda meios de imitar a complexidade das interações entre células, tecidos e órgãos que ocorrem nos organismos vivos, seres humanos e animais, o que instiga a realização de estudos in vivo, visando facilitar o entendimento do funcionamento do organismo humano e, consequentemente, o de- senvolvimento de novos tratamentos para diversas doenças letais e limitadoras. Por fim, em relação aos cuidados dispensados a animais em pesquisas científicas, o artigo 14 da Lei Arouca visa garantir atenção a seu bem-estar duran- te todo o protocolo experimental de intervenções científicas 14, obedecendo ao princípio “refinement” de Russel e Burch 17,27. De fato, preconizam-se: proi- bição de reutilização dos animais após obtenção do objetivo da pesquisa (artigo 14, parágrafo 8º); recor- rência a técnicas de sedação, analgesia ou anestesia adequadas à espécie animal quando os experimen- tos causarem dor ou angústia, que, por sua vez, exigem autorização específica da Ceua (artigo 14, parágrafos 5º e 6º); e possibilidade de restrição de procedimentos altamente agressivos (artigo 15) 14. Além disso, o sacrifício de animais, quando necessá- rio, também deve ser adequado à espécie e seguir padrões éticos e metodológicos aceitáveis (artigo 14, parágrafo 1º). Ainda nesse tema, existem guias específicos 46 que auxiliam o pesquisador na escolha da melhor forma de eutanásia para os animais utili- zados em experimentos científicos. Considerações finais A experimentação animal, sobretudo voltada a pesquisas científicas, não deve ser necessariamen- te banida, já que o avanço obtido no conhecimento de fisiologia, farmacologia e patologia não teria sido possível sem estudos in vivo. Nesse contexto, a pro- mulgação da Lei Arouca torna-se benéfica à pesquisa científica brasileira, aliada à proteção dos animais, uma vez que possibilita averiguar, com a criação de órgãos como Ceua e Concea, a utilização de animais em estudos científicos excepcionalmente quando trouxer impacto positivo para a população mundial e for realizada de forma consciente e com metodo- logia isenta de maus-tratos, não sendo, assim, ponto negativo em relação à proteção dos animais. A legislação brasileira tem avançado, embora lentamente, quanto à preocupação de regulamen- tar a utilização de animais em práticas didáticas ou científicas, e certamente a Lei Arouca pode ser con- siderada parte desse avanço. Na verdade, a vigência da atual legislação para criação e utilização de ani- mais voltadas a ensino e pesquisa impõe limites à prática, levando em consideração, o máximo possí- vel, a proteção dos animais, visto que preconiza o planejamento do experimento a fim de se utilizar o menor número possível de animais e evitar estresse, dor ou sofrimento desnecessários. Referências 1. Schatzmayr HG, Müller CA. As interfaces da bioética nas pesquisas com seres humanos e animais com a biossegurança. Ciênc Vet Tróp. 2008;11(1 Suppl):130-4. 2. Matthiessen L, Lucaroni B, Sachez E. Towards responsible animal research. EMBO Rep. 2003;4(2):104-7. Ar tig os d e at ua liz aç ão 223Rev. bioét. (Impr.). 2016; 24 (2): 217-24 Utilização de animais em pesquisas: breve revisão da legislação no Brasil http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242121 3. Morales MM. Métodos alternativos à utilização de animais em pesquisa científica: mito ou realidade? Ciênc Cult. 2008;60(2):33-6. 4. Magalhães M, Ortêncio Filho H. 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Animais de Laboratório: criação e experimentação [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002. 388 p. ISBN: 85-7541-015-6. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de lalicencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. 361 Alternativas para animais de laboratório: do animal ao... A lternativas para Animais de Laboratório: do animal ao computador Octavio Augusto França Presgrave INTRODUÇÃO Embora as manifestações em defesa dos animais de laboratório e contra sua utilização em experimentos tenham crescido nos últimos anos e tomado mais espaço na mídia, essa idéia é muito mais antiga do que se imagina. Em 1760, Fergusson já demonstrava preocupação com os métodos bárbaros em testes animais. No século XIX, Jeremy Benthan lançou a máxima “a questão não é se os animais raciocinam, ou se eles podem falar, mas se eles sofrem”. A primeira tentativa de propor um código de ética na prática da pesquisa partiu do inglês Marshall Hall, também no século XIX. Nesse código, ele propôs que a dor imposta aos animais fosse diminuída, além de fazer alusão à substituição dos grandes animais por animais inferiores na escala zoológica. Também fazia referência à necessidade de se evitar repetições desnecessárias para a obtenção de resultados. Em 1842, foi fundada o que podemos chamar de primeira sociedade protetora dos animais, a British Society for the Prevention of Cruelty to Animals (Sociedade Britânica para a Prevenção da Crueldade aos Animais), mais tarde chamada de Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals. Mas foi em 1959, com a publicação do livro Principles of Humane Experimental Technique (Princípios da Técnica Experimental Humana), que Russel e Burch lançaram o conceito dos 3Rs – Replacement, Reduction and Refinement (Substituição, Redução e Refinamento). Cabe ressaltar que, sem desmerecer o trabalho desses dois cientistas, tais idéias já estavam contidas na idéia do código proposto por Hall. Russel e Burch, certamente, clarificaram esses conceitos de forma que os mesmos se tornaram mais populares e disseminados no meio científico. Em 1978, defensores europeus dos direitos dos animais iniciaram a campanha para a retirada do método de irritação ocular em produtos cosméticos. Esse método foi descrito por Draize, em 1944, e sofreu diversas alterações ao longo dos anos; entretanto, continua sendo utilizado oficialmente por diversos órgãos oficiais, bem como pelas indústrias no desenvolvimento de novas fórmulas de forma a avaliar a segurança de seus produtos. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL Antes de falarmos sobre as alternativas, vale a pena recordar alguns conceitos sobre a experimentação animal, que auxiliam, até certo modo, na compreensão e estruturação de uma metodologia alternativa. As metodologias farmacológica e toxicológica (a experimentação animal, propriamente dita) se baseiam na observação dos efeitos de substâncias sobre organismos vivos, para a qual o experimentador se vale de técnicas fisiológicas ou bioquímicas. Por meio dessas observações, podem ser obtidos dados qualitativos ou quantitativos sobre a ação de medicamentos ou substâncias. 42 362 ANIMAIS DE LABORATÓRIO De forma geral, qualquer animal pode ser utilizado em experimentação; entretanto, procura-se um modelo específico para cada ação estudada. Como exemplo, podemos citar o uso do gato para estudos do sistema circulatório, a utilização do cão como modelo para estudo geniturinário e os pequenos roedores, para avaliações do sistema respiratório, entre outros. A experimentação animal já constava descrita no Corpus Hipocraticum (c. 350 a.C.). Nele eram citados experimentos com porcos. Muitos outros fatos tiveram importante contribuição para o desenvolvimento dos ensaios biológicos. Entre os quais, podemos destacar a padronização da antitoxina diftérica por Erlich (fim do século XIX), a padronização da insulina (década de 20) e a mudança no conceito de unidade, com a introdução da preparação-padrão. Outro fato importante, que muito contribui para o refinamento dos experimentos, é a introdução de métodos estatísticos, os quais fizeram com que se estabelecesse o nível de significância de um resultado, o que permitiu a extrapolação de dados de uma pequena amostra para uma população, indicando, ainda, a probabilidade de ocorrência desse fenômeno. Tais fatos, em conjunto com outros, contribuíram e continuam contribuindo para a racionalização no uso de animais de laboratório. Independentemente de estarmos trabalhando com animais ou células, a estrutura de um ensaio biológico se baseia em três pilares fundamentais: o estímulo, o substrato e a resposta. O estímulo é a substância ou o produto que será administrado ao substrato, seja ele um animal, seja uma célula. Esse conjunto irá fornecer a resposta que pode ser, por exemplo, aumento de pressão arterial ou morte celular. MÉTODOS ALTERNATIVOS Métodos alternativos são procedimentos que podem substituir o uso de animais em experimentos, reduzir o número de animais necessários, ou refinar a metodologia de forma a diminuir a dor ou o desconforto sofrido pelos animais. São alguns exemplos de substituição no uso de animais: USO DE INFORMAÇÃO OBTIDA NO PASSADO – em virtude da coleta de dados históricos em experimentação animal ou mesmo de ocorrências em seres humanos, determinados experimentos podem não ter necessidade de serem repetidos. USO DE TÉCNICAS FÍSICO-QUÍMICAS – com o aumento do conhecimento na área química, bem como por meio do desenvolvimento de métodos e equipamentos sofisticados, algumas substâncias que só antigamente poderiam ser testadas em animais podem ser ensaiadas por métodos químicos ou físico-químicos. Um dos exemplos a citar refere-se ao ensaio de potência de insulina. Anteriormente, três métodos eram utilizados: glicemia em camundongos, glicemia em coelhos ou convulsão em camundongos. Hoje em dia, para produtos acabados (para matéria-prima ainda se utiliza um dos métodos em animais), já se pode utilizar a determinação da potência por HPLC (Cromatografia Líquida de Alta Resolução). USO DE MODELOS MATEMÁTICOS OU COMPUTACIONAIS – recurso em que se utiliza um banco de dados que pode predizer determinadas ações de substâncias no organismo. O banco é formado por meio de informações obtidas no passado. Esse assunto será melhor abordado no item Sistemas Técnicos para a Predição de Toxicidade. USO DE ORGANISMOS INFERIORES NÃO CLASSIFICADOS COMO ANIMAIS PROTEGIDOS – não deixa de ser algo polêmico, pois, quando pensamos sobre o prisma ético, ser vivo é ser vivo em qualquer situação, não importando se ele é um inseto ou um macaco. Entretanto, a utilização de larvas de camarão (Artemia salina) 363 Alternativas para animais de laboratório: do animal ao... ou o uso de pulga d’água (Daphnia pulgans) são considerados como possibilidades de substituição ao uso de animais de laboratório. Em geral, esses invertebrados são muito utilizados em experimentos de ecotoxicologia, mas alguns trabalhos apresentam a sua utilização como proposta de alternativas ao teste de irritação em coelhos. USO DE ESTÁGIOS INICIAIS DO DESENVOLVIMENTO DE ESPÉCIES ANIMAIS PROTEGIDAS – é o caso, por exemplo, do teste da HET-CAM (membrana cório-alantóide de ovo de galinha embrionado), no qual se utiliza o ovo embrionado aos 9 dias, tempo este em que não há o desenvolvimento do sistema nervoso do embrião, o que, teoricamente, não causaria a ele dor ou sofrimento. Tal ensaio tem sido apontado como um bom substituto ao teste de irritação ocular em coelhos. USO DE SISTEMAS IN VITRO – o sistema in vitro, como veremos adiante, pode ser considerado como uma substituição total ou parcial, sendo algumas vezes também classificado como uma redução. VIGILÂNCIA PÓS-MERCADO E ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS – os dados obtidos nessas situações irão compor o conjunto de informações, que poderão subsidiar os bancos de dados, e as demais, que poderão ser utilizadas para se evitar a experimentação em animais. USO DE VOLUNTÁRIOS HUMANOS – outra questão polêmica que deve ser encarada com muito cuidado. É importante frisar que
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