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JOGO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO RELAÇÕES POSSÍVEIS

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JOGO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: RELAÇÕES POSSÍVEIS 
 
Sara Dagiós Bortoluzzi 
UPF 
 
O jogo é uma prova de intimidade e por isso de 
conhecimento. É o que nos ensinam as crianças, as 
populações primitivas, os artistas, os cientistas e nós 
mesmos em muitos momentos. Quem joga pode chegar 
ao conhecimento por meio de exercício, símbolos e regras 
ou das próprias características do jogo. 
Lino de Macedo 
 
RESUMO 
A presente pesquisa busca desvendar qual a relação entre o jogo e a construção do 
conhecimento, foi desenvolvida em uma escola pública de Frederico 
Westphalen/RS, envolvendo professores que atuam nas séries iniciais (1ª a 4ª 
séries). Valeu-se de uma abordagem qualitativa, a partir do qual se buscou resposta 
para o problema proposto. As conclusões provisórias que a pesquisa nos trouxe 
foram de que, em nossas escolas, a maior parte dos professores tem a crença 
empirista a cerca de como o aluno aprende. Em relação ao desenvolvimento do jogo 
percebemos que há certos preconceitos e uma visão limitada a respeito do mesmo 
sendo atividade reservada para o horário do recreio e da educação física. 
PALAVRAS CHAVES: Metodologia; Epistemologia; Jogo; Construção do 
Conhecimento. 
 
Refletir em torno do tema lúdico, mais especificamente do jogo, no atual 
momento histórico significa nos engajarmos na luta por uma formação mais criativa, 
consciente e autônoma, capaz de tornar as crianças mais confiantes e seguras de si. 
 Em linhas gerais este trabalho procura analisar a importância do jogo no 
processo de construção do conhecimento nas séries iniciais. Especificamente, 
pretende apresentar algumas conclusões de uma investigação realizada com quatro 
professores de 1ª a 4ª séries de uma escola pública no município de Frederico 
Westphalen/RS, onde buscou-se compreender de que maneira a postura 
epistemológica e metodológica do professor pode influenciar este processo 
construtivo. 
 Optou-se em realizar este trabalho com os professores uma vez que as 
estruturas conscientes e ou inconscientes nesse adulto que ensina se refletem 
fundamentalmente na sua prática. Assim um professor que não sabe e ou não gosta 
 2 
de jogar, dificilmente desenvolverá um olhar sensível para a prática lúdica do seu 
aluno, tão pouco reconhecerá o valor do jogo na vida da criança. 
 Dessa forma, o trabalho de investigação pautou-se em três questões básicas: 
a epistemologia, a metodologia e o jogo. Por epistemologia entendemos, aqui, a 
maneira como o professor concebe o conhecimento de seus alunos, ou seja, seus 
educandos aprendem através de seus ensinamentos, pelas heranças genéticas ou 
porque o conhecimento faz parte de um processo de construção que precisa de 
outros fatores além dos mencionados, como a ação e a interação da criança. Quanto 
a metodologia, nosso olhar debruçou-se sobre a forma como o professor organiza 
sua ação, isto é, sua maneira de proceder no espaço da sala de aula. No que diz 
respeito ao jogo, nosso entendimento é de que ele proporciona não só um meio real 
de aprendizagem como permite também que o professor aprenda sobre a criança e 
suas necessidades. 
 A investigação serviu-se de uma abordagem qualitativa, tendo sido conduzida 
através de entrevistas semi-estruturadas, o que permitiu que os professores 
pesquisados falassem livremente, oportunizando-nos compreender melhor as 
tendências dos nossos interlocutores. Possibilitou-nos também compreender as 
representações ou explicações adotadas para o entendimento do processo de 
construção do conhecimento por meio do jogo. 
 Nosso suporte teórico teve base em Jean Piaget, nas questões referentes ao 
jogo e em aspectos mais gerais de sua teoria, especialmente no que diz respeito aos 
estudos que ele desenvolveu acerca das formas empirista e apriorista de conceber o 
conhecimento, confrontando-as com suas idéias relativas à teoria de assimilação 
que explica o conhecimento enquanto processo em permanente construção. 
 
Enfoques Epistemológicos 
 Empirismo - Em primeiro lugar, realçamos a Pedagogia Diretiva e seu 
pressuposto epistemológico. Nela, vamos encontrar as idéias de Thorndike que 
explica que a aprendizagem se da através de estímulo-resposta (S-R). Podemos 
encontrar, também a crença behaviorista ou comportamentalista apresentada por 
Watson e Skinner, que concebem a aprendizagem resultante do condicionamento 
operante. Desta maneira, aprendizagem passa a ser definida como uma modificação 
do comportamento, aquele que ensina gera (ou impõe) naquele que aprende. 
 3 
 Essas teorizações provêm e conduzem a uma visão empirista sobre a gênese 
do conhecimento. Segundo elas, o sujeito é “tabula rasa”, não somente no momento 
em que nasce, mas durante toda sua vida, pois cada novo conteúdo deve ser 
assimilado sem qualquer relação com os anteriores. Assim, o conhecimento vem do 
meio físico e social. 
 Sob este prisma, Piaget (1987) ao fazer uma análise crítica do empirismo, 
assim o caracteriza: “Por uma parte tende a considerar a experiência como algo que 
impõe por si mesmo, sem que o sujeito tenha que organizá-la, isto é, como se ela 
fosse impressa diretamente no organismo sem que uma atividade do sujeito seja 
necessária à sua constituição.”(p.339) 
 Entendemos, a partir disso que a prática pedagógica constitui-se basicamente 
na transmissão de conteúdos do professor para o aluno. Sendo o professor o sujeito 
que planeja o ato de ensinar. O aluno “mero objeto” resultado do trabalho do 
educador. 
 Apriorismo - Em segundo lugar, deparamos com a Pedagogia Não-Diretiva, 
que fundamenta a sua crença de que o ser humano ao nascer traz o conhecimento 
programado em sua bagagem genética. Portanto vem de dentro para fora. 
 Piaget (1987), ao referir-se ao Apriorismo, aborda a Gestaltheorie, que 
consiste em explicar “cada invenção da inteligência por uma estruturação renovada 
e endógena no campo da percepção ou do sistema de conceitos e relações”(p.532). 
Isto significa que as estruturas que assim aparecem são constituídas sempre por 
totalidades, não podendo ser meramente reduzidas a associações ou combinações 
de ordem empírica. 
 Neste caso, o professor é, até certo ponto, dispensável, pois praticamente 
não age sobre o processo de conhecimento do seu aluno, negando a característica 
fundamental de sua ação que é, justamente, trabalhar no sentido de permitir a 
construção do conhecimento. 
 Construtivismo - Numa terceira concepção, trataremos da Pedagogia 
Relacional e seu pressuposto epistemológico. Vimos confirmada nesta concepção 
de educação que uma nova relação passa a estabelecer-se entre professor e aluno. 
Não há mais lugar para a idéia de que o professor sabe e o aluno não sabe 
(empirismo), nem tão pouco a crença reducionista de que o conhecimento é inato 
programado na bagagem genética (apriorismo). 
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 O que acontece aqui é uma troca permanente entre professor e aluno, na qual 
ambos ensinam a aprender ao mesmo tempo: “(...) o educador já não é o que 
apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando 
que, ao ser educado, também educa.”(Freire, 1994, p.68) 
 Esta perspectiva deixa claro que aprender é um processo permanente de 
construção, que inicia quando nascemos e de prolonga por toda a nossa existência. 
A construção dá-se na relação do sujeito com o meio físico e social através de suas 
experiências e vivências. Desta forma, diz Piaget (1987): “a experiência não é 
recepção, mas ação e construção progressivas. Eis o fato fundamental”(p.342). 
 Projeta-se aí uma nova visão de educador, de educando e de educação. O 
professor acredita na capacidade de aprender do aluno e compreende, por 
conseqüência, a lógica da construção: aprender, segundo Piaget,é sempre construir 
e reconstruir. 
 
As questões do jogo em Piaget 
Tudo o que a gente ensina a uma criança, a criança 
não pode mais, ela mesma, descobrir ou inventar. 
Jean Piaget 
 
Em A Formação do Símbolo na Criança: jogo, sonho e imitação (1975), Piaget 
tece uma explicação psicológica e biológica do jogo. O jogo aparece como 
comportamento reconhecível facilmente elucidado a partir da mímica, do riso da 
ação da criança. 
 Em termos piagetianos, o jogo nada mais é do que a denominação usual de 
traço psicológico profundo predominando a assimilação sobre a acomodação. Não 
há como construir um conceito de jogo, mas trata-se de evidenciar o que se chama 
de jogo, o fenômeno psíquico essencial ao desenvolvimento da criança que permitirá 
classificar e distinguir diferentes tipos de jogos. Para Piaget (1975), três grandes 
estruturas caracterizam os jogos infantis: o jogo de exercício, o jogo simbólico e o 
jogo de regras. 
 
Jogo de exercício sensório-motor 
 A atividade lúdica surge, primeiramente, sob a forma de simples exercícios 
motores, dependendo para sua realização apenas da maturação do aparelho motor. 
 5 
Sua finalidade é tão-somente o próprio prazer do funcionamento. Daí dizer-se que o 
que caracteriza este tipo de jogo é o prazer funcional. 
 Piaget (1975) diz que “quase todos os esquemas sensóro-motores dão lugar 
a um exercício lúdico”(p.145). 
 Esses exercícios motores consistem na representação de gestos e 
movimentos simples, com um valor exploratório: nos primeiros meses de vida, o 
bebê estica e recolhe os braços e as pernas, agita as mãos e os dedos, toca os 
objetos e os sacode, produzindo ruídos ou sons. Esses exercícios têm valor 
exploratório porque a criança os realiza para explorar e exercitar os movimentos do 
próprio corpo, seu ritmo, cadência e desembaraço, ou então para ver o efeito que 
sua ação vai produzir. É o caso das atividades em que a criança manipula objetos, 
tocando, deslocando, superpondo, montando e desmontando. Movimentando-se, a 
criança descobre os próprios gestos e os repete em busca de efeitos. 
 Embora os exercícios sensório-motores constituam a forma inicial do jogo na 
criança, eles não são específicos dos dois primeiros anos ou da fase de condutas 
pré-verbais. Eles reaparecem durante toda a infância e mesmo na vida adulta, 
“sempre que um novo poder ou uma nova capacidade são adquiridos”(Piaget, 1975, 
p.149), por exemplo, aos cinco ou seis anos, a criança realiza este tipo de jogo ao 
pular com um pé só ou tentando saltar dois ou mais degraus da escada; aos dez ou 
doze anos tenta andar de bicicleta sem segurar no guidão. Para exemplificar este 
tipo de conduta lúdica no adulto, podemos citar o caso do indivíduo que acaba de 
adquirir, pela primeira vez, um aparelho de som ou um automóvel, e se diverte 
fazendo funcionar o aparelho ou passeando no carro, sem outra finalidade senão o 
próprio prazer de “exercer os seus novos poderes”(Piaget, 1975, p.149) Assim 
sendo, essa forma de atividade lúdica, embora caracterize o nascimento do jogo na 
criança na fase pré-verbal (de zero a dois anos), ultrapassa largamente os primeiros 
anos da infância. 
 
Jogo Simbólico 
 No período compreendido entre os dois e os seis anos, a tendência lúdica se 
manifesta, predominantemente, sob a forma de jogo simbólico, isto é, jogo de ficção, 
ou imaginação, e de imitação. Nesta categoria estão incluídas a metamorfose de 
objetos (por exemplo, um cabo de vassoura se transforma num cavalo, uma caixa de 
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fósforo num carro e um caixote passa a ser um trem), e o desempenho de papéis 
(brincar de mãe e filho, de professor e aluno, de médico, etc.). 
 O jogo simbólico se desenvolve a partir dos esquemas sensório-motores que, 
à medida que são interiorizados, dão origem à imitação e, posteriormente, à 
representação. 
 A função desse tipo de atividade lúdica, de acordo com Piaget (1969) 
“consiste em satisfazer o eu por meio de uma transformação do real em função dos 
desejos: a criança que brinca de boneca refaz sua própria vida, corrigindo-a à sua 
maneira, e revive todos os prazeres ou conflitos, resolvendo-os, compensando-os, 
ou seja, completando a realidade através da ficção”(p.29). Portanto, o jogo 
simbólico, de imaginação ou imitação, tem como função assimilar a realidade, seja 
através da liquidação de conflitos, da compensação de necessidades não-satisfeitas, 
ou da simples inversão da papéis (principalmente no que se refere aos papéis de 
obediência e autoridade). É o transporte a um mundo de faz-de-conta, que 
possibilita à criança a realização de sonhos e fantasias, revela conflitos interiores, 
medos e angústias, aliviando a tensão e as frustrações. 
 O jogo simbólico é, simultaneamente, uma forma de assimilação do real e um 
meio de auto-expressão, pois à medida que a criança brinca de casinha, 
representando os papéis de mãe, pai e filho, ou brinca de escola, reproduzindo os 
papéis de professor e aluno, ela está, ao mesmo tempo criando novas cenas e 
também imitando situações reais por ela vivenciadas. Assim sendo, é através do 
jogo simbólico que a criança expressa e integra as experiências já vividas. 
 
Jogo de Regras 
 A terceira forma de atividade lúdica a surgir é o jogo de regras, que começa a 
se manifestar por volta dos cinco anos, mas se desenvolve principalmente na fase 
que vai dos sete aos doze anos, predominando durante toda a vida do indivíduo (nos 
esportes, no xadrez, nos jogos de cartas, etc.). “Os jogos de regras são jogos de 
combinações sensório-motoras (corridas, jogos de bola de gude ou com bolas etc.) 
ou intelectuais (cartas, xadrez etc) em que há competição dos indivíduos (sem o que 
a regra seria inútil) e regulamentados quer por um código transmitido de geração em 
geração, quer por acordos momentâneos”.(Piaget, 1975, p.185) 
 O que caracteriza o jogo de regras, como o próprio nome diz, é o fato de ser 
regulamentado por meio de um conjunto sistemático de leis (as regras) que 
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asseguram a reciprocidade dos meios empregados. É uma conduta lúdica que 
supõe relações sociais ou interindividuais, pois a regra é uma ordenação, uma 
regularidade imposta pelo grupo, sendo que sua violação é considerada uma falta. 
Portanto, esta forma de jogo pressupõe a existência de parceiros, bem como de 
certas obrigações comuns (as regras), o que lhe confere um caráter eminentemente 
social. 
 Piaget (1975) diz que o jogo de regras é a atividade lúdica do ser socializado 
e começa a ser praticado por volta dos sete anos, quando a criança “abandona o 
jogo egocêntrico das crianças pequenas, em proveito de uma aplicação efetiva de 
regras e do espírito de cooperação entre os jogadores.”(p.180) 
 As situações de jogo possibilitam, também as crianças, o encontro com seus 
pares, fazendo com que interagem socialmente quer seja no espaço escolar ou não. 
No grupo descobrem que não são os únicos sujeitos da ação, e que para alcançar 
seus objetivos precisam levar em conta o fato de que os outros também tem 
objetivos próprios que querem satisfazer. Os jogos infantis, no dizer de Piaget 
(1975), constituem-se “admiráveis instituições sociais” e através deles as crianças 
vão desenvolvendo a noção de autonomia e de reciprocidade, de ordem e de ritmo. 
 Desta forma, Piaget (1975) nos diz que o jogo não pode ser visto apenas 
como divertimento ou brincadeira. Ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, 
afetivo, social e moral. As crianças ficam mais motivadas para superar obstáculos, 
tanto cognitivos quanto emocionais. O jogo está estritamente relacionado com o 
processo evolutivo do pensamento “jogar é pensar”(1975). 
No grande universo de significações que o jogo contempla, podemos dizerque o jogo desempenha um papel ímpar no desenvolvimento da criança, pois, 
através dele, desenvolve o conhecimento de si mesma e do mundo ao seu redor. 
Alícia Fernades (1991) manifesta da seguinte maneira seu entendimento entre 
o jogar e o aprender: “o saber se constrói fazendo do próprio o conhecimento do 
outro, e a operação de fazer próprio o conhecimento do outro só se pode fazer 
jogando”(p.165). 
Assim, enquanto espaço social de aprendizagem a sala de aula deve ser 
organizada em forma de situações nas quais alunos e professores vivam relações de 
trocas, envolvidos com atividades que coloquem em conflito os diferentes pontos de 
vista, problematizando, construindo e reconstruindo conhecimentos. 
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PRINCIPAIS RESULTADOS 
A relação entre o jogo e a construção do conhecimento 
A leitura que fazemos sobre as colocações dos docentes a respeito do jogo, 
permitem-nos dizer que a maioria dos educadores têm consciência de que o jogo 
auxilia a construção e socialização do saber. Assim se pronunciam: “É a forma mais 
prazerosa de aprender, socializa, estimula o raciocínio e ensina a criança a respeitar 
e obedecer as regras existentes, além de construir os mais variados 
conhecimentos”, ou “O jogo é eficiente”, ou ainda, “Prazer unido à tarefa nem se 
questiona, dá bom resultado”, ou “É muito válido, desenvolve o raciocínio”. Observa-
se porém que esta prática não é muito vivenciada na escola como forma de lazer e 
trabalho, como aparece em suas falas “Deixo de lado este instrumento, fico 
preocupada em tomar a leitura e escrita... uso somente quando não dá para fazer 
educação física... se o professor ganhasse melhor se interessaria mais...” 
percebemos que há, assim, uma dicotomia entre a fala e a prática vivenciada na 
escola. 
Embora grande parte dos docentes admite que o jogo propicia construção do 
conhecimento, não consideram suficiente no desenvolvimento de seu trabalho. 
Percebemos que há certos preconceitos e uma visão limitada a respeito do jogo, 
sendo a atividade reservada para o horário do recreio e da educação física. Em sala 
de aula é preciso ter seriedade, permanecer em silêncio, porque nesses horários são 
ensinadas as matérias importantes: matemática, português... 
Constata-se, assim, que grande parte das atividades desenvolvidas em sala 
de aula não desperta na criança o prazer de descobrir, não possibilitando a 
satisfação da descoberta do desvelar das coisas novas e, consequentemente, do 
construir. 
A respeito do significado de jogo e seu sinônimo, constatamos que este é 
concebido pelos docentes como recursos pedagógicos, objetos que utilizam como: 
dominó, quebra-cabeça, pega varetas, memórias... 
Desta forma o jogo assume a função de objeto para ensinar ou revisar 
determinados conteúdos. Porém, o mais importante não é aquilo que as crianças 
podem realizar no sentido estrito do termo jogar (dominó, quebra-cabeça...), mas, 
sim, a trajetória, mental que utilizam ao jogar, tudo o que podem experimentar, 
vivenciar, construir em função destes objetos e com quem compartilham suas 
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atividades. O aspecto fundamental deste processo é o modo como se dá o processo 
de construção do material no interior do aluno. 
Neste sentido, podemos dizer que os brinquedos, os materiais pedagógicos 
enquanto estruturadores do conhecimento e do saber não são objetos, que trazem 
em seu bojo um saber pronto e acabado. Ao contrário, eles são objetos que trazem 
um saber em potencial dinâmico, que se alteram em função da cadeia simbólica e 
imaginária do aluno, desenvolvendo, assim, suas estruturas mentais. 
“Jogar é pensar”(Piaget, 1975). Pensar supõe o livre pensamento, o jogo livre 
das funções intelectuais e não o trabalho sobre a pressão e repetição verbal. 
No processo alfabetizador o jogo é ferramenta de análise, ação e avaliação ao 
mesmo tempo, na medida em que os professores estejam fundamentados para 
compreendê-lo. Como diria Piaget: “A gente não vê o que enxerga, vê o que 
sabe”(Piaget, apud Freire, 1989). 
 
Sobre a maneira como o professor conduz seu trabalho (metodologia) e 
concebe o conhecimento (epistemologia) 
Buscando conhecer o que os docentes pensam ser o conhecimento quando 
ensinam, encontramos em seus depoimentos posições nitidamente empiristas 
“...conhecimento se constrói partindo das experiências”, “...conhecimento é a 
bagagem dos conteúdos adquiridos”, “...a criança tem mais facilidade de gravar a 
escrita e a leitura dessas sílabas” ou “...ela fixa com maior facilidade se visualizar o 
que é ensinado”. A maioria dos professores pesquisados acredita que o 
conhecimento pode ser doado, impedindo que criança e professor construam. 
Segundo esta concepção epistemológica, é o objeto (meio físico e social) que 
imprime o conhecimento no sujeito através do esquema estímulo-resposta ou 
mesmo resposta-reforço tornando o sujeito passivo a este meio. 
Assim, o professor que considera que seu aluno nada sabe sobre o que ele 
tem a ensinar, quando se depara com situações em que os alunos já possuem 
conhecimento sobre o que vai ser trabalhado e, muitas vezes, maior que o de 
professor, sofre uma espécie de encabulamento e insegurança. Disse uma 
professora: “...numa aula de ciência fiquei com vergonha, os alunos comentando o 
que assistiram no Globo Rural, sabendo mais do que eu imaginasse que eles 
soubessem”. Vê-se claramente a visão do professor sobre o conhecimento. O aluno 
não deveria saber antes que ele ensinasse. 
 10 
De acordo com essa concepção o verdadeiro sujeito da aprendizagem é o 
professor que planeja o ato de ensinar e o aluno mero objeto, resultado do trabalho 
do professor. A fala do professor sobre o conhecimento do aluno contradiz essa 
crença: as crianças aprendem apesar da escola e do professor. 
Observa-se, assim, uma concepção bancária da educação como escreve 
Freire (1994, p.67): “...na visão bancária da educação, o saber é uma doação dos 
que se julgam sábios aos que julgam nada saber.” 
Ao professar essa epistemologia, o professor demostra sua convicção no 
poder ilimitado do seu ensino para produzir aprendizagem: “No seu imaginário, ele e 
somente, ele, pode produzir algum novo conhecimento no aluno, da mesma forma o 
aluno aprende, se, e somente se o professor ensina.”(Becker, 1994, p.90) 
Entre colocações mais marcantes dos professores, quando questionados 
sobre como desenvolvem seu trabalho em sala de aula e sobre outras formas que 
gostariam de utilizar, nos deparamos com sua resistência ao construtivismo. “Vocês 
acham que com o construtivismo as crianças carentes poderiam aprender?” ou 
“...sou contra esse construtivismo, para que saber o nome das letras?” nestas falas 
fica claro que é totalmente frágil a fundamentação teórica sobre o processo de 
construção de conhecimento da maioria dos professores pesquisados. 
Quanto à questão da metodologia assim se pronunciam: “utilizo o método 
tradicional, o mais antigo. Tenho confiança e estou mais segura”, ou, “Método fônico, 
mas acompanhado de silabação, eu leva a criança pela som. Para mim as criança 
não precisam saber o nome de letras como das letras como ensinam no 
construtivismo”, ou então, “Parte-se sempre do concreto. A criança não possui ainda 
capacidade de abstração”. 
Possivelmente, os professores agem desta maneira porque acreditam que o 
conhecimento pode ser transmitido para o aluno, acreditando ser sua metodologia a 
mais eficiente e correta. Segundo Becker (1994), o professor acredita numa certa 
epistemologia, ou seja, ele tem uma explicação para seu modo de pensar e agir e, 
muito embora ele não tenha tomado consciência dessa explicação, nem por isso ela 
se torna menos eficaz. 
Encontramos também, concepções calcadas em estudosexperimentais na 
procura de encontrar atividades, exercícios e técnicas diferentes para passar o 
conteúdo para os alunos: “...eu gostaria de trabalhar mais técnicas e através delas 
introduzir os conteúdos”, “...gostaria de dar umas aulas mais dinâmicas...” 
 11 
Possivelmente as concepções de que o conhecimento possa ser transmitido 
para o aluno traz em seu bojo a crença que move a prática pedagógica de muitos 
professores, reflexo da influência do tecnicismo presente na história da formação de 
nossos professores. Do professor sempre foi exigido mostrar-se como um bom 
receptor de conteúdos pretensamente transmitido por seus mestres e, agora, ele 
simplesmente reproduz esse modelo para seus alunos. 
Com essa prática reprodutora, fica afastado o trabalho de investigação e 
problematização, defendido por Paulo Freire, como também, da ação do aluno sobre 
seu objeto de conhecimento, no sentido proposto por Piaget. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A beleza, como a verdade, só vale 
quando recriada pelo sujeito que a 
conquista. 
Jean Piaget 
A investigação que realizamos nos permitiu conhecer com mais profundidade 
e clareza a relação entre o jogo e a construção do conhecimento nas séries iniciais, 
bem como analisar se a maneira como o professor conduz seu trabalho 
(metodologia) e concebe o conhecimento (epistemologia) pode facilitar ou dificultar 
essa construção. 
Podemos constatar, que a postura epistemológica e metodológica pode 
dificultar a construção do conhecimento, na medida em que utiliza o espaço da sala 
de aula para transmitir conhecimentos já elaborados. 
Nesta perspectiva o jogo deixará de ser um instrumento de construção do 
conhecimento, uma vez que a educação fundamentada na assimilação de conceitos 
e valores não possibilitará que as crianças investiguem, formulem hipótese, 
obedeçam regras e construam outras, para assim irem desenvolvendo seu aspecto 
moral, cognitivo, social e afetivo. 
É fundamental que o professor entenda jogo como a forma de desenvolver o 
raciocínio lógico necessário para o desenvolvimento cognitivo (defendido por Piaget) 
e o resgate da afetividade (enfatizado pelos psicanalistas e psicopedagogos). 
É imprescindível, neste processo, possibilitar a emergência do conflito, 
problematizando situações vivenciadas no mundo social, trazendo as contradições, 
evitando a imposição, como nos alerta Paulo Freire. 
 12 
O jogo inscreve-se como criador das condições lúdicas para que o fazer 
educativo ocorra num espaço de ação, reflexão, debates sobre os principais 
acontecimentos cotidianos. 
Na situação de jogo, muitas vezes o critério de certo ou errado é decidido pelo 
grupo. Assim, a prática do debate permite o exercício da argumentação e a 
organização do pensamento, contribuindo para a formação de atitudes. Valorizar o 
jogo, é valorizar a iniciativa da ação. Então, oferecer um espaço de jogo é também 
oferecer um espaço para a descoberta, invenção, criatividade e auto-expressão. 
Jogar é uma função indispensável à criança. Jogar com ela, deixá-la jogar 
com seus parceiros e em grupo, é um compromisso que todo o educador deveria ter 
com a criança uma vez que é para ela suporte de sociabilidade. É o que lhe permite 
se dar e se comunicar com os outros. 
Para tal instrumentalização não basta que o professor colecione dinâmicas, 
técnicas, recursos, métodos... embora sejam aspectos imprescindíveis. É preciso ter 
clareza da própria concepção de educação, ter coragem para rever os próprios 
paradigmas (prática, teoria-prática) e, cada dia, redimensionar sua postura diante da 
complexidade do ato educativo. 
Neste sentido, não nos parece possível visualizarmos o aluno como ator, ou 
mais precisamente como o construtor de seu saber, fora do contexto da formação do 
professor. 
Pensamos que as agências formadoras precisam ter clareza do profissional 
que pretendem formar, sua função social e política. Enquanto não houver alteração 
no processo formativo do professor, será difícil vislumbrarmos mudanças na 
concepção de conhecimento que perpassa a metodologia e epistemologia 
subtendidas no trabalho do professor em sala de aula. 
Acreditamos que muito caminho ainda nos resta a percorrer, pois esse tema 
propicia uma reflexão vasta e difícil de ser concluída, mas numa primeira tentativa de 
valorizar o jogo como fator cognitivo, como instrumento de construção do 
conhecimento, achamos ter cumprido nosso objetivo. 
Sugerimos, por isso, que o jogo seja uma prática permanente no trabalho do 
professor, pois entendemos que jogar é questionar, buscar respostas, construir 
regras, trocar pontos de vista, definir posições... E isso é muito mais do que jogas 
dama ou dominó. Não é o brinquedo em si que importa, mas o processo de 
 13 
utilização do brinquedo, os resultados da brincadeira, produzido tanto individual 
como coletivamente. 
Eis aqui o grande desafio a todos nós educadores: “Resgatar o jogo, o 
brinquedo, admitindo que ensinar não é transmitir, mas dar continuidade e condições 
para que a aprendizagem efetivamente aconteça”. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BECKER, Fernando. A Epistemologia do Professor. Petrópolis, Rio de Janeiro: 
Vozes, 1994. 
 
FREIRE, Madalena. A Paixão de Conhecer o Mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1989. 
 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. 
 
FERNANDES, Alícia. A Inteligência Aprisionada: abordagem psicopedagógica 
clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 
 
PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, 
imagem e representação. 2.ed. Rio de janeiro: Zahar, 1975. 
 
____________. O Nascimento da Inteligência na Criança. Rio de janeiro: 
Guanabara, 1987. 
 
	RESUMO
	Enfoques Epistemológicos
	As questões do jogo em Piaget
	Jogo de exercício sensório-motor
	Jogo Simbólico
	Jogo de Regras
	PRINCIPAIS RESULTADOS
	A relação entre o jogo e a construção do conhecimento
	CONSIDERAÇÕES FINAIS
	REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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