Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Medicina – FTC 2019.2 Catarina Viterbo DESENVOLVENDO O RACIOCÍNIO EPIDEMIOLÓGICO Tudo começa com observação. Essa é uma “historinha” de um oftalmologista Dr. Gregg “Durante anos, sem maiores preocupações além do atendimento clínico curativo ou paliativo, a medicina conviveu com surdez, catarata, retardamento mental e anormalidades cardíacas, afetando recém-nascidos e crianças. Na década de 1940 um oftalmologista australiano, chamado Norman Gregg, teve sua atenção despertada por uma cliente, mãe de uma criança com catarata, para o fato de que outra mãe, na sala de espera, trazia para consulta um filho também com catarata e que ambas tinham sido acometidas de rubéola durante a gravidez. Com a informação que espontaneamente lhe era dada, o Dr.Gregg foi capaz de intuir e depois formular um problema científico. Da pesquisa daí originada, e que não se restringiu apenas à catarata em recém-nascidos, resultou o conhecimento atual sobre os efeitos da rubéola em filhos de gestantes, expostas nos primeiros meses da gravidez (GREGG, 1941).” ALMEIDA-FILHO; BARRETO (2011). EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE. A gente sabe que durante a história várias doenças foram tratadas como forma de aceitação. Então, aceitava-se antigamente que todo tuberculoso ia morrer. Assim como, quando a AIDS apareceu todo mundo sabia que todas as pessoas iam a óbito. Durante muito tempo, nascia com determinada anomalia e já se sabia que ia morrer, a mortalidade materna era altíssima e a comunidade médica aceitava isso como uma condição natural. Vários avanços médicos vieram através de insights, de observação das pessoas, dos médicos que tinham esse olhar clínico, esse olhar mais aguçado. Por isso hoje, os alunos têm sido cada vez mais estimulados a valorizar a anamnese, a história clínica do paciente, ver o ser humano de maneira integral, prestar atenção. O método clínico centrado na pessoa justamente para que se tenha uma melhor percepção. A mesma coisa aconteceu com a AIDS. Começaram os casos e alguns pesquisadores começaram a questionar se estava no sangue ou no sêmen ou onde estava. Então, começaram a fazer a trilha de causalidade e demorou muito para o diagnóstico ser fechado por problemas de laboratório, então não conseguiam identificar que era um vírus novo, até que descobriram e ficou mais fácil de diagnosticar. Isso tem um impacto significativo, pois no momento que se descobre, faz a trilha de causalidade e fechar o diagnóstico foram 10 anos e sendo assim muitas pessoas morreram que poderiam estar trabalhando com o que se tem de tratamento. Outro exemplo é o Zika vírus. Os primeiros estudos da determinação da relação entre microcefalia e zika vírus foram estudos epidemiológicos, mas só começou a trabalhar com prevenção primária, ou seja, evitar que as mulheres ficassem grávidas, depois que surgiu a comprovação dos vírus nas células das crianças com microcefalia. Então sempre tem esse delay entre a pesquisa epidemiológica e a pesquisa de bancada. Pesquisa científica em epidemiologia A pesquisa clínica em epidemiologia tem algumas características que são determinantes. Não necessariamente precisa fazer uma pesquisa em epidemiologia, pode fazer uma pesquisa qualitativa. Existem algumas técnicas de pesquisas qualitativas. Infinidade de formas de buscar informações através de bancos de dados. Quando isso é feito o diagnóstico é aprimorado, pode melhorar o prognóstico. Porque uma coisa é ver as pessoas isoladamente, outra coisa é o resultado de toda amostra, eu vou ter uma gama de variáveis muito maior. Deve-se ter a percepção do que os pacientes estão falando e não só a literatura. • Desafio maior para a ciência epidemiológica: correta produção de hipóteses e rigoroso processo de validação destas na busca de solução para os problemas identificados; Então é preciso saber o que se quer. Estabelecer a pergunta concreta, saber qual hipótese será testada e buscar responder da forma adequada. Não pode fazer uma pesquisa quantitativa e tentar determinar a letalidade de uma doença fazendo uma pesquisa qualitativa. Não dá para determinar os fatores de risco de uma doença fazendo um estudo transversal que não determina fator de risco e sim hipóteses. Então é preciso adequar a metodologia correta. • Trata-se da própria essência do processo de produção do conhecimento científico, na medida em que criar problemas pode não ser tão difícil quanto resolvê-los. O trabalho científico na Epidemiologia depende: de modelos conceituais de saúde-doença capazes de orientar o processo de problematização na disciplina e, de intenso esforço de validação empírica das questões e hipóteses epidemiológicas através de um amplo repertório de estratégias metodológicas de pesquisa de campo, em laboratórios e em observatórios. Ex: Se eu quero falar sobre leptospirose. Eu preciso entender o modelo saúde doença, o modelo de causalidade, entender quem está exposto ao risco, o que é o ambiente que expõem essas pessoas ao risco, saber o que é leptospirose e como se diagnostica, qual o prognóstico dela, esses prognósticos vão depender de que, tem que conhecer tudo para poder estudar sobre aquilo. Ex: Vou fazer um estudo que precisa de teste de bancada. Tem um grupo de pesquisa que eu preciso de alguns valores que são valores laboratoriais. Temos uma população, estamos estudando essa população, então fazemos coleta de dados dessas pessoas, alguns dados são feitos através do questionário sobre condições de vida, dados sociodemográficos. Algumas variáveis são medidas laboratorialmente e algumas são medidas de exames que são realizados, além da parte da consulta com o especialista também. Isso tudo é para fechar uma resposta, a gente utiliza diferentes estratégias e esse estudo é de natureza transversal, pois eu estou coletando os dados e as coisas estão sendo feitas ao mesmo tempo, então ele não vai confirmar os meus fatores de risco, ele vai levantar hipóteses para um novo estudo final, eu não tenho uma hipótese clara para afirmar se ela se confirma ou não. Não é errado fazer estudo descritivo, nem menos importante. Não se começa a pesquisar sobre um tema começando por um estudo de coorte. Não se começa um estudo sobre obesidade sem saber se tem uma prevalência grande de obesidade. Primeira coisa que se precisa saber é se isso é relevante. A obesidade é algo que precisa ser estudado na nossa população? Hoje se estuda muito sobre depressão e suicídio no meio médico porque existem muitas publicações sobre esse tema. Só que primeiro de tudo precisa de uma transversal. Eu preciso saber quem são esses médicos, suas especialidades, se tem na Bahia, será quem é um problema específico, será que são pessoas que já tinham esse problema antes? Mas primeiro de tudo é preciso fazer um estudo descritivo. • Uso de variáveis, atributos: quantitativos, qualitativos, modificáveis, não modificáveis... Variáveis quantitativas: mg/dl, peso, altura Variáveis qualitativas: tudo aquilo que eu dou um adjetivo. Ex: cor de pele, gênero, sexo. Modificáveis e não modificáveis estão dentro dessas variáveis Modificáveis: exemplo sexo não modifica, mesmo que o indivíduo passe por cirurgias. Já o gênero se modifica. A escolha da variável vai depender do que você vai querer. • Busca da relação de causa e efeito: multicausalidade; relevância; plausibilidade teórica, biológica... Definição de hipóteses ou estudo descritivo? Um não é melhor do que o outro. Na verdade, até é. O estudo de coorte é o melhor estudo que tem, porque eu defino e confirmo uma hipótese, mas para que esse estudo ocorra é preciso que exista antes um estudo descritivo. Então, todos tem o seu peso e o seu valor. Quando vai usar um e quando vaiusar outro vai depender do nosso grau de conhecimento sobre o assunto, depende do nosso grau de maturação dentro do nosso grupo de pesquisa, depende do tempo que temos para investigar. Onde se quer chegar? Novas hipóteses? Determinação de causalidade? Validação de instrumentos? Eu preciso saber até onde eu vou com a minha pergunta. Quando eu faço uma pergunta eu tenho que ter um direcionamento de onde eu quero ir. Por exemplo, eu quero saber se o sexo é preditor, é definidor para sabe se a pessoa é HIV+ ou não é o sexo é a faixa etária? O que é que determina isso, a pessoa se expor mais ao risco? É um trabalho de maturação de instrumentos. Então, eu vou testando um novo instrumento para uma doença, eu estou testando uma nova droga. Por exemplo, ensaios clínicos de pacientes acamados começam com observação empírica. A gente sabe que eles tomam múltiplas drogas e nisso de substituir uma droga pela outra a gente de repente começa a observar que o efeito adverso deixo de existir, aí os pesquisadores começam a desenvolver projetos para saber se de fato aquela droga deixou de ter efeitos colaterais. Busca da relação causa e efeito: toda doença é multicausal. Então, o que pesa mais nessa relação de multicausalidade? Plausibilidade, ou seja, qual a possibilidade? O que é que se espera? O que é plausível? O que a literatura aponta e o que a biologia responde. Tem coisas que não temos respostas biológicas. Até hoje não se sabe quais são os fatores de risco e os fatores de proteção para câncer de mama. Alguns fatores alguns artigos dizem que é benéfico e outros dizem que não, por exemplo, anticoncepcional oral. Outras coisas já se sabe que tem uma relação direta, exemplo, anemia falciforme e pessoas negras. De onde vem os dados? Como produzo a informação que desejo? Para isso temos três situações: I.Estrutura dos dados é preciso pensar em algumas coisas. Qual é a minha unidade de análise? A unidade de análise vão ser as pessoas? Vai ser um grupo pequeno de pessoas? Vai ser uma amostra aleatória da população? Vai ser uma amostra selecionada? Vai ser um grupo no sentido de ser um grupo fechado? É de uma corporação e eu vou comparar diferentes corporações? II.Fontes III.Instrumentos Estrutura dos dados epidemiológicos Unidade de análise • Indivíduo? • Grupo populacional? • Corporação? Variável ou dimensão: Aquilo que se quer. O que eu quero saber com essas variáveis? • Descrever • Classificar • Quantificar • Medir • Os atributos, as características individuais ou não... Valor ou quantidade • Elemento do dado que se aplica diretamente aos cálculos dos parâmetros, indicadores e índice. Então, o que eu quero medir? • Morbimortalidade; medidas em ml/dl etc..; • Peso altura etc. • Qual a medida para definir um alcoólatra? Por exemplo, tantos mg/dl consumidos • Como eu considero normal dos valores de referência? Origem • Primária: vocês criaram o projeto, criaram o instrumento e vocês vão coletar os dados e aquele banco de dados que é gerado ele é primário. Se vocês começarem hoje uma pesquisa no ambulatório de urologia e aí depois submeteram ao CEP, mas esses dados vocês estão colocando no prontuário. Esses dados serão primários. O pregresso, o que já tinha passado é secundário. Outro exemplo, você tem um banco de dados grande, fizeram uma pesquisa, estão estagiando em um hospital que tem um banco de dados enorme, mas vocês estão dentro de um projeto de pesquisa dentro de uma liga e um professor em um projeto novo. Para quem está realizando esse projeto esses dados são primários. Daqui a dois anos com esse banco consolidado, uma pessoa que não era do projeto de pesquisa, mas existem pesquisas ali que ainda não foram realizadas, estudos que não foram feitos, aí essa pessoa desenvolve o projeto novo, nesse caso os dados seriam secundários. • Secundária: Dados como DENTRAN, SUVISA, SINAN, DATASUS são secundários. Só existem essas duas naturezas. Temporalidade • Contínuo: é o longitudinal. É o tempo para o desfecho acontecer. É o estudo de coorte. É aquele que eu não defini o tempo final dele. Eu posso até definir um tempo final quando eu já fiz minha pesquisa introdutória e já tenho uma noção do tempo de isso acontecer. • Episódico? • Temporário: você determina o tempo que vai acabar o estudo. Exemplo: vou fazer um estudo transversal sobre tuberculose no período de 2010-2020. Todo mundo que for caso de tuberculose de 2010 a 2020. Quando o dado é contínuo a fonte não seca, está sempre chegando e renovando, tem sempre novos casos acontecendo. Tipos • SIS • PNAD, DETRAN • Prontuários • Inquéritos específicos • Pesquisa original etc.: fontes de dados primários, que a gente desenha a nossa pesquisa, mas que nem sempre é viável. Instrumentos de dados epidemiológicos Depende da disponibilidade dos dados; do tempo para a realização da pesquisa; da pergunta de investigação; do estado da arte do conhecimento; do avanço científico e tecnológico da pesquisa e do pesquisador... Fundamentos básicos Exposição: algo que pode influenciar a saúde dos indivíduos. É tudo aquilo que pode levar ao o efeito. Efeito: doença/agravo, óbito ou situação de saúde apresentado pelo grupo de indivíduos estudado. É tudo aquilo que estou medindo. Tabela de contingência/ 2x2: forma de representar numericamente a população estudada de acordo com a exposição e efeito Exemplo: obesidade e infertilidade. A infertilidade vai ser o efeito e a obesidade é uma exposição que pode influenciar na infertilidade. O primeiro estudo é sempre descritivo. Eu vejo a força de exposição para depois fazer um estudo analítico. Quando se fala em analítico é no sentido de se confirmatório. Não é apenas o analítico que analisa, o descritivo também analisa. Tabela de contingência Considerando a relação SOP e obesidade, na tabela de contingência o N vai ser a população feminina de 12 a 60 anos. Os expostos vão ser quem tem SOP e quem não tem é o não exposto. O efeito é a obesidade, então na coluna do SIM são obesos e na coluna do NÃO são os não obesos. Até no estudo confirmatório se faz essa tabela porque eu quero confirmar a força da associação, de acordo com outras variáveis, essas variáveis elas vão estar no estudo confirmatório.
Compartilhar