Buscar

O_Pagador_de_Promessas_-_ResumoII[1]

Prévia do material em texto

OBRAS LITERÁRIAS – VESTIBULAR 2012 – PROFª MARILENE MARIA SCHMIDT GOEBEL
RESUMO E ANÁLISE 
O PAGADOR DE PROMESSAS - DIAS GOMES
OBRA UFSC / ACAFE
ANO DE PUBLICAÇÃO: 1959 
ESCOLA LITERÁRIA: LITERATURA CONTEMPORÂNEA
GÊNERO: DRAMÁTICO – PEÇA DE TEATRO
TEMAS: INTOLERÂNCIA – INTRANSIGÊNCIA – INCOMPETÊNCIA - PRECONCEITO - RELIGIOSIDADE – TRAIÇÃO - LÚXÚRIA
LOCAL: SALVADOR (BA)
TEMPO DA NARRATIVA: 1 DIA (começa às 04h30min e termina à tardinha)
DIVISÃO DA OBRA: 3 ATOS
Dias Gomes escreve, em 1959, o brasileiríssimo texto de O Pagador de Promessas. É o interessante retrato da miscigenação religiosa brasileira, tem em sua maior preocupação destacar a sincera ingenuidade e devoção do povo, em oposição a burocratização imposta pelo próprio sistema católico em sua organização interior. Trata-se de uma obra de estatura excepcional. 
Alfredo de Freitas Dias Gomes (mais conhecido como Dias Gomes) (Salvador, 19 de outubro de 1922 — São Paulo, 18 de maio de 1999) foi um dramaturgo e autor de telenovelas brasileiro.
Foi casado com Janete Clair, famosa autora de telenovelas da TV Globo, falecida em 1983, com quem teve quatro filhos: os músicos Guilherme Dias Gomes (trompetista) e Alfredo Dias Gomes (baterista), a poetisa e violoncelista Denise EmmerRenata Dias Gomes HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/Dias_Gomes" \l "cite_note-1#cite_note-1" \o "" �� e um falecido ainda criança. Era avô, através de Alfredo, da também autora de telenovelas . Morreu num acidente de trânsito, ao ser lançado para fora de um táxi que colidira em uma manobra irregular do motorista, que sobreviveu. Um dos temas explorados com freqüência em seus trabalhos era o de uma visão esquerdista, de oposição à religião popular, considerada um instrumento das elites para pacificar e subjugar as massas pobres do país em prol dos interesses de poderosos como latifundiários, políticos e coronéis do Nordeste do Brasil, além dos próprios religiosos que se beneficavam desses interesses obscuros. Já havia ganho notoriedade como escritor teatral e projeção nacional em virtude do sucesso da peça O Pagador de Promessas (convertida em minissérie em 1988). Sua obra tem uma abordagem humanista de esquerda, com temática voltada para o homem brasileiro e sua luta com a engrenagem social. Entre elas, O Pagador de Promessas, um clássico da moderna dramaturgia brasileira.
Muda-se para o Rio de Janeiro e escreve, aos 15 anos, a sua primeira peça, A Comédia dos Moralistas, premiada pelo Serviço Nacional de Teatro, SNT, em 1939. Pé de Cabra é encenada em 1942, pela companhia Procópio Ferreira, com êxito de público e crítica. Seguem-se as montagens de João Cambão, 1942; Amanhã Será Outro Dia, 1943; Doutor Ninguém, 1943; Zeca Diabo, 1943; quase todas produzidas pelo conjunto de Procópio. A partir de 1944 passa a concentrar suas atividades no rádio. Escreve e dirige programas, exerce cargos de chefia artística em várias emissoras e produz radioteatro, inclusive com adaptações de alguns textos de sua autoria originalmente escritos para palco. Volta ao teatro em 1954 com Os Cinco Fugitivos do Juízo Final, produzida por Jaime Costa, com direção de Bibi Ferreira.
Sua consagração vem em 1960 com a montagem de O Pagador de Promessas pelo Teatro Brasileiro de Comédia, TBC, dirigida por Flávio Rangel e seguida, em 1962, por uma montagem carioca, do Teatro Nacional de Comédia, TNC, com direção de José Renato.
O Pagador de Promessas (1959) que, ao ser adaptada para o cinema, obteve grande sucesso e conquistou vários prêmios internacionais. O Pagador de Promessas é uma das peças brasileiras recordistas em traduções e encenações no exterior. Nos Estados Unidos foi encenada quatro vezes, por diferentes diretores norte-americanos.
Com direção roteiro de Anselmo Duarte e baseado na peça teatral de Dias Gomes, o filme brasileiro mais premiado até os dias de hoje: Vencedor do grande prêmio Darius Milhaud - Golden Gate, vencedor da Palma de Ouro, Cannes (França) 1962 e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Estreou como autor de telenovelas em 1969, quando escreveu A Ponte dos Suspiros. Em Saramandaia, sete anos mais tarde, criou o realismo fantástico na telenovela brasileira. Essa idéia seria aproveitada pelo futuro novelista pernambucano Aguinaldo Silva em trabalhos como Pedra sobre pedra (1992), Fera ferida (1993) e A indomada (1997). A novela Roque Santeiro foi baseada em uma antiga peça teatral de sua autoria, O berço do herói, escrita em 1963 e censurada dois anos após, às vésperas da estréia. No lugar foi exibida uma reprise compacta de Selva de pedra, de sua esposa Janete Clair, que então escreveria outro grande sucesso: Pecado capital. Roque Santeiro só foi liberada em 1985, no governo de José Sarney, obtendo estrondoso sucesso. No entanto, em sua reprise de 2000, como parte das comemorações dos 35 anos da TV Globo, não repetiu o mesmo êxito da exibição original.
Também é pai da escritora Mayra Dias Gomes, e da atriz Luana Dias Gomes, filhas de seu segundo casamento com a atriz Bernadeth Lyzio. 
Obras Teatro
Pé-de-Cabra / O Pagador de Promessas / A Revolução dos Beatos / O Santo Inquérito / O berço do herói 
O Rei de Ramos / Sargento Getúlio / Grito no Escuro (O Crime do Silêncio) / Meu Reino Por Um Cavalo 
Os Cinco Fugitivos do Juízo Final / A Invasão / O Bem-Amado 
Televisão
A Ponte dos Suspiros - 1969 / Verão Vermelho - 1970 / Assim na Terra como no Céu - 1970/1971 
Bandeira 2 - 1971/1972 / O Bem Amado - 1973 / O Espigão - 1974 / Roque Santeiro - 1ª versão censurada - 1975 / Saramandaia - 1976 / Sinal de Alerta - 1978/1979 / Carga Pesada - seriado - supervisão de texto - 1979/1980 / O Bem Amado - seriado - 1980/1984 / Roque Santeiro - 1985/1986 / Mandala - 1987/1988 - até o 35° capítulo / O Pagador de Promessas - minissérie - 1988 / Araponga - 1990/1991 / As Noivas de Copacabana - minissérie - 1992 / Irmãos Coragem - remake - supervisão de texto - 1995 / Decadência - minissérie - 1995 /
O Fim do Mundo - 1996 / Dona Flor e Seus Dois Maridos - minissérie - 1998 
Adaptações em outros países
Así en La Tierra Como en el Cielo - Argentina - 1971 / Sucupira (O Bem Amado) - TV Nacional do Chile - 1996 
Nos moldes do "protagonismo" trágico, o herói da peça tem um único e inabalável desígnio, o de honrar uma promessa. A justiça desse acordo firmado com um poder celeste não pode ser contestada por um poder temporal. E é assim, com um único e irredutível argumento, que o campônio Zé do Burro justifica a sua determinação em levar uma cruz até o pé do altar para agradecer a salvação do seu amado burrico. Enfrenta a perda amorosa, a argumentação eclesiástica e a força da lei e acaba por vencer a todos na sua ingênua, mas sincera, imitação de Cristo. 
A essa estrutura simples, em que um único motivo impulsiona a ação e se sobrepõe a todos os outros elementos de composição do texto, corresponde uma expressão verbal verossímil e sem atavios literários. Respondendo à sugestão da mulher para que se contente em deixar a cruz na porta da igreja, Zé do Burro responde: "Eu prometi levar a cruz até dentro da igreja, tenho que levar. Andei sete léguas. Não vou me sujar com a santa por causa de meio metro." A habilidade de fazer com que o impulso nobre, quase extra-humano na sua pureza, se ajuste à fala coloquial permanece uma constante nas criações posteriores do dramaturgo. 
É uma obra escrita para teatro e é dividida em três atos, sendo que os dois primeiros ainda são subdivididos em dois quadros cada um. 
Após a apresentação dos personagens, o primeiro ato mostra a chegada do protagonista Zé do Burro e sua mulher Rosa, vindos do interior, a uma igreja de Salvador e termina com a negativa do padre em permitir o cumprimento da promessa feita. 
O segundo ato traz o aparecimento de diversos novos personagens, todos envolvidos na questão do cumprimento ou não da promessa e vai até uma nova negativa do padre, o que ocasiona, desta vez, explosãocolérica em Zé do Burro.
O terceiro ato é onde as ações recrudescem, as incompreensões vão ao limite e se verifica o dramático desfecho.
A peça de Dias Gomes tem nítidos propósitos de evidenciar certas questões sócio-culturais da vida brasileira, em detrimento do aprofundamento psicológico de seus personagens. Assim, ganha força no drama a visão crítica quanto: 
a) à intolerância da Igreja católica, personificada no autoritarismo do Padre Olavo, e na insensibilidade do Monsenhor convocado a resolver o problema; 
b) à incapacidade das autoridades que representam o Estado - no episódio, a polícia - de lidar com questões multiculturais, transformando um caso de diferença cultural em um caso policial; 
c) à voracidade inescrupulosa da imprensa, simbolizada no Repórter, um perfeito mau-caráter, completamente desinteressado no drama do protagonista, mas muito interessado na repercussão que a história pode ter; 
d) ao grande fosso que separa, ainda, o Brasil urbano do Brasil rural: Zé do Burro não consegue compreender por que lhe tentam impedir de cumprir sua promessa; os padres, a polícia, a imprensa não conseguem compreender quem é Zé do Burro, sua origem ingênua, com outros códigos culturais, outras posturas. Além disso, a peça mostra as variadas facetas populares: o gigolô esperto, a vendedora de quitutes, o poeta improvisador, os capoeiristas. O final simbólico aponta em duas direções. Em primeiro lugar a morte do Zé do Burro mostra-se com fim inevitável para o choque cultural violento que se opera na peça: ninguém, entre as autoridades da cidade grande, é capaz de assimilar o sincretismo religioso tão característico de grandes camadas sociais no Brasil, especialmente no interior nordestino. Em segundo lugar, a entrada dos capoeiristas na igreja, carregando a cruz com o corpo, sinaliza para rechaçar a inutilidade daquela morte: os populares compreenderam o gesto de Zé do Burro.
Linguagem e comunicação - É questionada na peça os vícios e deturpações da linguagem. Procura denunciar como os fatos podem ser mal interpretados não só pela "imprensa marrom", mas também pelas próprias pessoas.
Enredo
Primeiro ato - Primeiro quadro - A ação da peça tem início nas primeiras horas da manhã (4 e meia), numa praça, em frente a uma igreja, em Salvador. O personagem denominado Zé do Burro carrega uma cruz e se aloja na frente da igreja. A seu lado Rosa, sua mulher, apresentada como tendo "sangue quente" e insatisfação sexual. Zé espera a igreja abrir para cumprir sua promessa, feita a Santa Bárbara. Aparecem no lugar, algum tempo depois, Marli e Bonitão: ela prostituta; ele, gigolô. Há uma clara relação de exploração e dependência entre eles. Encontrando Zé, Bonitão dirige-se a ele e percebe ser alguém ingênuo. Rosa, por sua vez, conversando com o gigolô, queixa-se de Zé, contando que ele, na sua promessa, dividiu suas terras com lavradores pobres. Percebendo a ingenuidade, Bonitão propõe-se a providenciar um local para Rosa descansar. Zé não só aceita, como incentiva. Saem os dois, Bonitão e Rosa, de cena.
Segundo quadro - Aos poucos, começa o movimento ao redor da praça. Aparecem a Beata, o sacristão e o Padre Olavo, titular da igreja. Zé explica a promessa: Nicolau foi ferido com a queda de uma árvore; estando para morrer, Zé fez a promessa. O burro - Nicolau é um burro! - salva-se. Ingenuamente, Zé revela ter usado as rezas de Preto Zeferino e feito a promessa num terreiro de candomblé, a Iansã, equivalente afro de Santa Bárbara. O padre fica escandalizado. Estabelece-se o conflito. O sincretismo Iansã - Santa Bárbara, natural para Zé do burro, é um grandioso pecado para o padre. A situação agrava-se com a revelação da divisão de terras. Impasse. O padre manda fechar a igreja e proíbe o cumprimento da promessa. Zé do burro fica atônito.
Segundo ato - Primeiro quadro - Duas horas mais tarde, já a movimentação no lugar é intensa. O Galego, dono do bar, abriu seu estabelecimento. Surgem Minha Tia, vendedora de acarajés, carurus e outras comidas típicas, Dedé Cospe-Rima, poeta popular, ao estilo repentista e o Guarda. Zé do burro quer cumprir a promessa. O Guarda tenta intervir. Rosa reaparece com "ar culpado". Chega o Repórter. Seguindo a linha do oportunismo sensacionalista, o repórter quer tirar vantagens da história de Zé do Burro. Quer torná-lo um mártir, para virar notícia. Enquanto isso se descobre que Rosa transou com Bonitão. Marli faz um pequeno escândalo, denunciando a história Rosa-Bonitão.
Segundo quadro - Três da tarde, Dedé oferece poemas para Zé, a fim de derrotar o Padre. Aparecem, em momentos subseqüentes, o capoeirista Mestre Coca e o policial, o Secreta, chamado por Bonitão, ficando ambos, por enquanto, nas cercanias. Zé começa a perder a paciência e arma uma gritaria. O padre reage. Chega o Monsenhor, autoridade da igreja, propondo a Zé uma solução: ele, Monsenhor, na qualidade de representante da Igreja, pode liberar Zé da promessa, dando-a por cumprida. Zé não aceita, dizendo que promessa foi feita à Santa e só ela poderia liberá-lo. Segue o impasse. Zé explode novamente e avança com a cruz sobre a Igreja. O padre fecha a porta. Zé, já desesperado, bate com a cruz na porta. O drama é total. 
Terceiro ato
Entardecer. Muita gente na praça e nos arredores da Igreja. Há uma roda de capoeira. O Galego, oportunista, oferece comida grátis a Zé, pois a história está trazendo movimento ao seu bar. O Secreta, no bar, avisa que a polícia prenderá Zé, ameaçando os capoeiristas, caso eles interfiram. Marli volta. Ofende Rosa, ofende Zé. O protagonista parece mudar de atitude. Resolve ir embora "à noite". Rosa quer ir embora já. Conta que Bonitão avisou a polícia. Retorna o repórter, que tenta montar um verdadeiro circo em torno do Zé, com o objetivo de vender o jornal. Chega Bonitão e convida Rosa para ir com ele. Zé pede a ela para ficar. Rosa hesita, a princípio, mas, em seguida, vai com Bonitão. Mestre Coca avisa Zé sobre a chegada da polícia. Zé está perplexo: "Santa Bárbara me abandonou". Da igreja saem o Sacristão, o Guarda, o Padre e o Delegado. Tensão da cena acentua-se. Zé ainda tenta, ingênua e inutilmente, explicar alguma coisa. Ao ser cercado, puxa uma faca. As autoridades reagem. Os capoeiristas também. Briga e confusão. De repente, um tiro espalha gente para todos os lados. Zé é mortalmente ferido. Mestre Coca olha para os companheiros, que entendem a mensagem. Os capoeiristas tomam o corpo do Zé colocam-no sobre a cruz e, ignorando padre e polícia, entram na igreja, carregando a cruz.
Reforma Agrária / Comunismo / Misticismo
Zé-do-burro – ingênuo e crédulo // Rosa – Esposa // Bonitão – gigolô // Marli - prostituta
Padre Olavo – padre da igreja de Santa Bárbara // Minha Tia – senhora baiana (vende beiju)
Galego (português) – Dono do bar // Dedé Cospe Rima – Poeta (cordel) // Secreta – Policial
Monsenhor – Mestre Coca – Delegado – Guarda
Jornalista inescrupuloso – notícia para ganhar dinheiro
Igreja – um herege (novo Cristo para arrastar multidões)
Mães-de-santo – defesa do Candomblé
Polícia – desordeiro
Povo - acreditava no pagador
Candomblé - O Candomblé é uma religião originária da África, trazida ao Brasil pelos africanos escravizados na época da colonização brasileira.
O sincretismo religioso é também um aspecto significante dos cultos afros. Sincretismo é a união dos opostos, um tipo de mistura de crenças e idéias divergente. Os escravos não abriram mão de seus cultos e suas divindades. Devido a um doutrinamento imposto pelo catolicismo romano, os africanos começaram a buscar na igreja, santos correspondentes aos seus orixás. Muitos dos orixás nos cultos afros encontrará no Catolicismo um santo “correspondente “ - por exemplo:
Exu - diabo / Iemanjá – Nossa Senhora / Ogum – São Jorge / Iansã – Santa Bárbara
Oxossi – São Sebastião / Oxalá – Jesus Cristo – Nosso Senhor do Bonfim / Xangô – São Jerônimo 
(Entre vários outros)
Santa Bárbara passou a serconhecida como protetora contra os relâmpagos e tempestades e é considerada a Padroeira dos artilheiros, dos mineiros e de todos quantos trabalham com fogo.
Oyá ou Iansã, Orixá feminino dos ventos, relâmpagos, tempestades, e do Rio Niger 
Dias Gomes conta com um excepcional dom de observação das peculiaridades do caráter nacional, quer se trate do sertanejo perdido num interior quase medieval, do favelado exposto às agruras da selva do asfalto, ou do jovem intelectual que seqüestra um embaixador nos tempos da luta armada. Por outro lado, apesar de o teatro ser rico em personagens de forte carisma pessoal, ele evita consistentemente dar destaque prioritário a problemas individuais: seus verdadeiros protagonistas são sempre, com maior ou menor nitidez, corpos coletivos, cujos comportamentos se regem muito mais por condicionamentos de caráter social, cultural e político do que por motivações de realismo psicológico. Apesar da objetividade da crítica social que é a mola mestra do seu trabalho, ele não renega, mas pelo contrário explora generosamente, elementos de fantasia, misticismo e tradição lúdica popular; da mesma forma como não hesita em misturar toques de autêntica tragédia com um humor corrosivo que é uma presença constante nas suas peças.
“O homem, no sistema capitalista, é um ser que luta contra uma engrenagem social que promove a sua desintegração, ao mesmo tempo em que aparenta e declara agir em defesa de sua liberdade individual. Para adaptar-se a essa engrenagem, o indivíduo concede levianamente, ou abdica por completo de si mesmo. O Pagador de Promessas é a estória de um homem que não quis conceder – e foi destruído. Seu tema central é, assim, o mito da liberdade capitalista. Baseado no princípio da liberdade de escolha, a sociedade burguesa não fornece ao indivíduo os meios necessários ao exercício da dessa liberdade, tornando-a, portanto, ilusória” (GOMES, 19720
O enfoque principal do autor não é, portanto, a questão religiosa. Sua preocupação não se restringe à intolerância religiosa. Não obstante, as personagens, diálogos e contexto sócio-político, também permitem a reflexão nesta perspectiva. O próprio autor admite que “há também a intolerância, o sectarismo, o dogmatismo, que fazem com que vejamos inimigos naqueles que, de fato estão do nosso lado”. Os preconceitos que produzem a intolerância se nutrem de diversos alimentos. A intolerância tem várias faces e se faz presente em qualquer época e território onde pise o ser humano. A história da humanidade é também a história da sua incapacidade de conviver com o outro, com o diferente. Padre Olavo, ressalta Dias Gomes: “Veste batina, podia vestir farda ou toga. É padre, podia ser dono de um truste (um número pequeno de empresas que se unem para dominar o mercado). E Zé-do-Burro, crente do interior da Bahia, podia ter nascido em qualquer parte do mundo, muito embora o sincretismo religioso e o atraso social, que provocam o conflito ético, sejam problemas locais, fazem parte de uma realidade brasileira. O Pagador de Promessas não é uma peça anticlerical – espero que isto seja entendido. Zé-do-Burro é trucidado não pela Igreja, mas por toda uma organização social, na qual somente o povo das ruas se confraterniza e a seu lado se coloca, inicialmente por instinto e finalmente pela conscientização produzida pelo impacto emocional de sua morte. A invasão final do templo tem nítido sentido de vitória popular e destruição de uma engrenagem da qual, é verdade, a Igreja, como instituição faz parte. Porém, a engrenagem mostra fissuras, representada pela reação de solidariedade ao Zé-do-Burro.
O candomblé mencionado no contexto da peça O Pagador de Promessas se constituiu na Bahia no século XIX, a partir das tradições de povos iorubás, ou nagôs, com influências de costumes trazidos por grupos fons, aqui denominados jejes, e residualmente, por grupos africanos minoritários. O Candomblé se constitui inicialmente como uma religião de resistência dos escravos e seus descendentes, numa sociedade de domínio branco e católico. Era através do candomblé, como das demais religiões de origens africanas, que os negros mantinham e renovavam seus vínculos com as tradições culturais da África. O negro podia contar com um mundo negro, fonte de uma África simbólica, mantido vivo pela vida religiosa dos terreiros, como meio de resistência ao mundo branco, que era o mundo do trabalho, do sofrimento, da escravidão, da miséria.
Este sincretismo está presente em O Pagador de Promessas, não apenas pela identificação entre Iansã e Santa Bárbara, mas também na fala de outros personagens (como “Minha Tia” e o grupo de capoeiristas) e nas manifestações populares de apoio ao Zé.
A peça de Dias Gomes é uma contribuição fundamental para que possamos pensar as relações entre as diversas religiões e a necessidade de desenvolvermos meios e comportamentos que favoreçam a tolerância religiosa.
Gênero dramático 
      O gênero dramático, desde a Antigüidade clássica, teve grande importância, pois, tanto em suas origens gregas e latinas como medievais, esteve sempre associado à problemática religiosa, transformando-se, não raras vezes, em verdadeiro ritual. 
      Atualmente, o gênero envolve dois aspectos: de um lado, como fenômeno literário, temos o texto, a linguagem; de outro, as técnicas de representação, o espetáculo.      No drama, as personagens aparecem dotadas de características marcantes, representando realidades humanas concretas. Contudo, a caracterização será indireta, uma vez que se deve sugerir ao público os traços peculiares das personalidades representadas, sendo que o autor não pode imiscuir-se na ação. Assim, o teatro exige um esmerado juízo seletivo, pois cada um dos fatos ocorrentes deve, pela concisão o e pela síntese, ser capaz de despertar emoção. A obra dramática não apresenta descrições nem dissertações, mas busca acentuar a ação. O texto é, então, representativo, onde o diálogo é fundamental, em contraposição ao romance, à novela, ao conto, cujos textos visam a apresentar, e onde o diálogo, se houver, é bastante acessório. 
      É importante observar ainda que, no teatro, o autor faz uma tentativa de representar mais a língua falada do que a escrita. Daí os recursos próprios para enfatizar a entonação, a voz, a mímica, os gestos etc. 
      Na Idade Média, o teatro tinha as modalidades de auto (milagre ou mistério) e farsa. No Classicismo, predominou a tragédia e a comédia, de cuja fusão surge, no Romantismo, o drama. 
      Hoje, o teatro assumiu uma posição crítica com relação aos problemas político-sociais, o que mostra que ele não é apenas uma forma de diversão, mas sim um poderoso meio de contestação da sociedade. Como prova disso, leia o fragmento da peça O pagador de promessas, que foi inclusive transposta para as telas, ganhando inúmeros prêmios internacionais. Neste trecho aparecem as rubricas (como não há narrador, as rubricas têm por finalidade marcar as cenas, mostrar as características físicas e/ou psicológicas dos personagens, descrever as emoções que os atores devem passar em suas falas/ações)
      Texto: Zé-do-Burro 
      Zé — (Olhando a igreja.) É essa. Só pode ser essa. (Rosa pára também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma.) 
      Rosa — E agora? Está fechada. 
      Zé — É cedo ainda. Vamos esperar que abra. 
      Rosa — Esperar? Aqui? 
      Zé — Não tem outro jeito. 
      Rosa — (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com cada bolha d’água no pé que dá medo. 
      Zé — Eu também. (Contorce-se num ríctus de dor. Despe uma das mangas do paletó.) Acho que os meus ombros estio em carne viva. 
      Rosa — Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse. 
      Zé — (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinha. 
      Rosa — Então: se você não falou, podia ter botado; a santa não ia dizer nada. 
      Zé — Não era direito. Eu prometitrazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas. 
      Rosa — Não usou porque não deixaram. 
      Zé — Não, esse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: — Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo. (...)
“Se a arte expressa a realidade, ela permanece atual.”

Continue navegando