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A História das mentalidades - Philippe Ariès

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1
A História das mentalidades
por Philippe Ariès1
Lucien Febvre contava uma história que aqui reproduzo, sem a cotejar com o 
texto. Tal como me ficou na memória – pouco importa se deformada ou 
simplificada – parece-me um exemplo notável e impressivo, que ilustra bem o difícil 
conceito de mentalidade...
Um dia, ao romper da aurora o rei Francisco l, deixando o leito da amante para 
regressar, incógnito, ao castelo, passou, no caminho, por uma igreja, no momento 
em que os sinos chamavam os fiéis ao oficio divino. Emocionado, o monarca parou e 
assistiu à missa, rezando com devoção.
O homem de hoje, surpreendido pela contiguidade entre um amor pecaminoso e uma 
piedade sincera, pode escolher entre duas interpretações.
Primeira interpretação: o sino do santuário (suscita) o arrependimento no coração do 
rei, que reza, pedindo perdão a Deus para o pecado que acaba de cometer. Francisco 
I não pode ser, sem hipocrisia, simultaneamente pecador de noite e devoto de 
madrugada. Nesta análise encontramos o homem contemporâneo. Pelo menos 
aquele que se agarra a uma qualquer racionalidade. Não leu Dostoievsky e 
desconfia de Freud. De certo modo identifica-se com) do magistrado ou (com) do 
jurado, dum tribunal. Está convencido de que a coerência moral é natural e 
necessária. Na sua opinião, os indivíduos em que essa coerência se dilui não são 
normais e devem ser excluídos da sociedade. Acredita, pois que esta normalidade tem 
um valor (perene); na sua opinião, a partir de um certo grau de profundidade e de 
generalidade, a natureza humana é imutável. Este juízo assemelha-se à interpretação 
de um historiador de formação clássica, tentado a reconhecer em todas as épocas e 
em todas as culturas — pelo menos nas culturas civilizadas e, a fortiori, cristãs – a 
permanência dos mesmos sentimentos.
A segunda interpretação será, pelo contrário, a do historiador das mentalidades: o rei 
era tão espontâneo e ingenuamente sincero na sua devoção como nos seus amores. 
Para ele não havia contradição entre os dois sentimentos. Entrava na igreja como 
entrava no leito da amante. Com o mesmo inocente fervor. A hora do arrependimento 
viria mais tarde. Até lá, os perfumes impuros da alcova não adulteravam a autenticidade 
da sua oração.
Nos nossos dias, a quase simultaneidade de emoções contraditórias deixou de ser 
tolerada pela opinião corrente, apesar dos esforços da psicologia profunda, que visa a sua 
reabilitação. Na verdade, o senso comum não aceita facilmente este tipo de contradição 
e se o faz é apenas na aparência. Outrora, um fenómeno deste tipo era dado como 
absolutamente natural. Esta disparidade de interpretações não radica, apenas, na 
transformação de um cristianismo sensitivo e supersticioso numa fé moralmente mais 
exigente, mais racional e mais coerente. Trata-se de uma diferença de origem remota, 
que não deriva das reformas religiosas dos séculos XVI e XVII que já constituem, por si 
mesmas, indubitáveis manifestações dessa transformação. Um outro exemplo, também 
descrito por L. Febvre, mostra que certas atitudes compatíveis, vieram a tornar-se 
inconciliáveis, com o decorrer do tempo. É o caso de Margarida de Navarra, irmã de 
Francisco I, que escreve, sucessivamente, e sem escrúpulo de maior o Heptaméron, 
colectânea de contos audaciosos e Miroir de l’âme pécheresse, colectânea de poemas 
espirituais. Os costumes actuais não teriam admitido nem esta ingénua confusão nem 
esta boa-fé. Verifica-se, assim, que certas coisas, concebíveis e aceites numa época e 
numa cultura determinadas, deixaram de o ser noutra época e noutra cultura. O facto 
1 Nascido em 1914. Prosseguiu a sua pesquisa histórica em paralelo com uma carreira não 
universitária. Partindo da história demográfica (história das populações francesas e das suas 
atitudes perante a vida (1948), interessou-se pelos fenómenos situados entre o biológico e o 
mental (família, morte), e pelas suas consequências culturais (educação, tempo histórico, 
religião popular). Eleito em 1978 director de investigação na Escola de Altos Estudos de 
Ciências Sociais. 
2
de não nos podermos conduzir, hoje, nas mesmas situações, com a candura e a 
naturalidade daqueles príncipes do século XVI indica, justamente, que se verificou uma 
mudança de mentalidade entre o tempo deles e o nosso.
A questão não será tanto, no fundamental, uma diferença de valores. Os reflexos 
básicos é que já não são os mesmos. Os processos que acabámos de evocar constituem, 
em termos gerais, aquilo que, a partir de L. Febvre, entendemos por "atitudes mentais".
GÉNESE E DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES
Os pioneiros de uma outra história
Pareceu-nos conveniente introduzir aqui a ideia de mentalidade, utilizando exemplos 
tirados da obra de L. Febvre, porque, na verdade, a história das mentalidades, nos 
nossos dias, já não pode dizer-se nova. Ela nasce a seguir à Primeira Guerra Mundial, no 
seio de um grupo de historiadores, como os franceses L. Febvre, Marc Bloch e o belga 
Henri Pirenne; de geógrafos, como A. Demangeon; e de sociólogos como L. Lévy-Bruhl, M. 
Halbwachs, etc. A esse grupo se deve, também, a partir de 1929, a fundação da revista, 
hoje famosa, que teve, então, por título Annales d'histoire économique et sociale. Fala-se 
frequentemente da «escola dos Annales». Deve, todavia, notar-se que o grupo dos 
Annales, sem dúvida melhor organizado e mais combativo, não era o único a procurar 
novos caminhos. Aos nomes dos investigadores citados acima devem acrescentar-se os 
de algumas personalidades independentes e isolados, que desempenharam um papel 
semelhante.
Entre estes outros pioneiros contam-se o célebre historiador holandes Huizinga e 
investigadores por largo tempo ignorados, como o alemão Norbert Elias, cujos livros, 
inovadores, foram editados em 1939. Levados pela voragem da guerra, começam, 
actualmente, a ser redescobertos2. Por outro lado, há que considerar os autores à 
margem, isto é, aqueles cuja ligação à história das mentalidades não se tornou 
imediatamente clara, ou não foi, desde logo, reconhecida. É o caso de Mario Praz, o 
historiador da literatura maldita e do género mórbido. A sua obra fundamental, ensaio 
notável que visa assinalar as interpenetrações entre a expressão literária e o imaginário 
colectivo3, foi editada em 1920 e traduzida para o francês em 1977.
Estes nomes, ligados ao grupo dos Annales ou a eles alheios, reivindicavam para a 
história um outro domínio, diferente daquele que até então lhe fora destinado que era 
o domínio tradicional das actividades conscientes e voluntárias, orientadas para a 
decisão política, para a propagação das ideias e para a condução dos homens e dos 
eventos.
Para Huizinga, por exemplo, o campo do imaginário, do jogo e do gratuito é tão 
importante como o da economia. Afirma-o explicitamente em Le déclin du Moyen Age, 
quando diz: «A história da civilização deve tratar os sonhos de beleza e a ilusão 
romanesca como trata os números que dizem respeito à população ou aos impostos», 
ou seja, a história demográfica e económica. «A ilusão mesma em que viveram os 
homens de uma época tem, por si própria, o valor da uma verdade». São frases como 
estas que, hoje, a uma distância de 50 anos, encontram eco na obra de Jacques Le Goff 
que, no prefácio a Pour un autre Moyen Age4 afirma a intenção de «contribuir com 
alguns elementos sólidos para uma história do imaginário medieval».
Huizinga, investigador ilustre, M. Praz, hoje bem conhecido, e Elias, tanto tempo 
ignorado, não teriam talvez conseguido constituir uma escola, nem mesmo forçar a 
resistência oposta pela historiografia tradicional. Em Estrasburgo,o pequeno grupo 
2 N. Elias, nascido em Breslau em 1897. Abandonou a Alemanha nazi em 1930. Viveu em 
França antes de se radicar na Grã-Bretanha, onde ensinou na Universidade de Leicester. Ver: 
N. Elias La Civilisation des moeurs (Paris, Calmann-Lévy, 1976); La Société des cours (Paris, 
Calmann-Lévy, 1977)
3 Deve notar-se que este movimento foi muito mais “lotaríngio” que parisiense. A sua 
conversão à capital foi tardia. E seguiu-se-lhe uma mudança de orientação, após a Segunda 
Guerra Mundial.
4 J. Le Goff, Pour un autre Moyen Age (Paris, Gallimard, 1978)
3
dos Annales viu os seus esforços coroados de êxito.
A primeira geração: em torno de L. Febvre e M. Bloch
Nesta época, a que chamaremos o «tempo dos fundadores», a história das 
mentalidades, tal como atrás o definimos, era, de facto, apenas um aspecto ou uma 
faceta de uma história mais vasta, chamada história social ou história económica e 
social que, já então, se pretendia total, numa época em que se pensava que a 
totalidade se obtinha na economia e pela economia. E era essa a história que se 
opunha, em bloco, à história política e factual. Actualmente mantém-se a designação 
de «social history», sob a qual é conhecida e continua a ser praticada, em Inglaterra e 
nos Estados Unidos.
Em suma, num primeiro tempo aparecia, por um lado a história tradicional; por outro, 
a história social que englobava, simultaneamente, a história económica e a história 
cultural, hoje chamada das mentalidades.
A história tradicional interessava-se quase exclusivamente, pelos indivíduos, pelas 
camadas superiores da sociedade, pelas elites (reis, homens de estado, grandes 
revolucionários), pelos acontecimentos (guerras, revoluções), ou pelas instituições 
(políticas, económicas, religiosas...), que aquelas dominavam. Ao invés, a história 
social interessava-se pelas massas que, afastadas do poder, se limitavam à submissão.
Esta orientação não se verificava, aliás, apenas para o estudo do passado. Suscitava, 
também, as novas ciências do presente, nascidas de um mesmo interesse por tudo o 
que era dominado e negligenciado pelas elites que se sucediam. Surgia, assim, 
cada vez mais forte, a tendência a reconhecer como cadinho das forças reais, 
aquilo que ainda permanecia no âmbito do anónimo e do colectivo. As novas ciências, 
chamadas, em francês, ciências humanas, eram a sociologia, a psicologia, a etnologia, 
a antropologia. Vieram congregar-se junto da economia, sua predecessora. Em 
inglês, aparecem sob a designação de «social sciences», que as engloba a todas. 
Em França, a separação entre a economia e as ciências humanas, mais recentes, 
correspondia aos dois compartimentos da história, tal como era entendida pelos 
Annales dos anos 30, que se intitulavam, como sabemos, Annales d’Histoire 
économiqiie et sociale. Eram sectores que se encontravam perfeitamente 
delimitados. E, como tivemos ocasião de observar, a propósito de Francisco l e de 
Margarida de Navarra, o facto psicológico de mentalidade era bem conhecido por L. 
Febvre. O mesmo poderíamos dizer de Marc Bloch e do seu estudo sobre os reis 
taumaturgos.
Nesta primeira geração dos Annales, o sector das mentalidades não se encontrava 
ainda nitidamente separado do da economia ou da socioeconomia. Os dois, em 
conjunto, constituíam a história total ou tida como total.
Após meio século de história económica especializada e fundada na matemática 
parece difícil de entender como era possível ligá-la, tão estreitamente, à história 
psicológica. Nessa época, o que acontecia é que ambas estavam igualmente ligadas à 
vida dos humildes e à história do colectivo.
Os factos económicos (preços, salários, crédito, mercado) repercutiam-se na vida 
quotidiana (carestia, miséria ou prosperidade, fomes, epidemias). A descoberta de 
que esses factos eram passíveis de observação, e que a série contínua dos seus 
dados numéricos permitia uma leitura não-anedótica da existência colectiva no seu dia 
a dia justificava os estreitos laços que aproximavam a história económica da história 
psicológica. Assim esta história económica, entendida como a primeira história 
colectiva com carácter cíentífico foi, desde o início, favorecida. À história descontínua 
dos indivíduos, dos acontecimentos que criavam e das instituições que controlavam, 
contrapunha-se uma outra história. Contínua e assente, sem hiatos, na longa 
duração.
Era a história de uma humanidade anónima, na qual, todavia, cadaum de nós se podia 
reconhecer.
A segunda geração
4
Os fundadores da nova história teriam, hoje, quase cem anos. A geração que lhes 
sucedeu já ultrapassou os sessenta. Quando chegou o momento de fazer as suas 
escolhas no património que herdara pôs de parte, embora nem sempre o tenha 
admitido, aquilo que, em M. Bloch e em L. Febvre, transbordava do social para o 
imaginário, para a psicologia colectiva ou para o cultural. A zona das mentalidades foi 
abandonada a uns poucos aventureiros (alguns um tanto suspeitos).
A partir de 1945 a história económica foi privilegiada
Ao contrário do que se verificou com a história das mentalidades, a história 
económica foi privilegiada. Mas não se tratava de uma história económica qualquer.
Os historiadores franceses, para o melhor e para o pior, conservaram algo do carácter 
primeiro da história económica praticado pela geração anterior: era uma história 
colectiva de pendor humanista, que permitia abordar a vida das massas, a multidão 
dos pequenos, dos desconhecidos. Daí resultou uma certa repugnância em tratar a 
economia como um domínio isolado, definível através de modelos matemáticos, de 
acordo com a orientação que prevaleceu, por exemplo, nas Universidades dos Estados 
Unidos, nas quais a história económica se integra no «Departamento de Economia» e 
não no «Departamento de História»5.
A escolha desta segunda geração explica-se pela formidável expansão da economia 
mundial — e da economia francesa — verificada a seguir à Segunda Guerra Mundial.
A França dos anos 30 vivera num ritmo ainda lento, em que subsistia uma boa parte 
dos costumes do Antigo Regime. Com o seu império colonial constituía, além disso, 
um universo pleno e fechado, que gerava a ilusão do exotismo e da universalidade. Hoje 
aparece-nos como um território sossegado e bem protegido, onde não chegavam as 
grandes vagas de fundo que se sucediam no nosso planeta.
Depois dos abalos trazidos pela guerra, o país, largamente exposto às grandes 
correntes internacionais, viu-se profundamente transformado pela prosperidade 
económica, pelo aumento dos consumos e das necessidades e por uma industrialização 
e uma urbanização maciças. A muralha protectora dos anos 30 tinha ruído. Foi então 
que os jovens intelectuais se deixaram fascinar pelas forças socio-económicas que lhes 
surgiram como os motores da espantosa transformação a que assistiam.
Os historiadores franceses viram-se, assim, tentados — o que era legítimo — a 
transportar para o estudo do passado os interesses do seu próprio presente e a 
procurar, aí, os primeiros sinais (ou os atrasos) do progresso técnico e económico que os 
arrastava. 
Os factos de mentalidade pareciam-lhes não só de menor importância como também 
susceptíveis de amplificar exageradamente os aspectos retrógrados do passado. Eram 
de difícil reconstituição, não-científicos e avessos a um tratamento matemático. 
Esta era a situação no momento em que uma das metamorfoses verificadas no seio da 
história económica — tal como era tradicionalmente concebida em França — veio 
reintroduzir os fenómenos de mentalidade na grande problemática geral. Referimo-nos à 
história demográfica.A nova história demográfica
Uma das primeiras realizações da história económica foi, como veremos, a 
monografia regional. Ora, os autores que escolheram esse tipo de estudo em breve se 
viram obrigados a consagrar uma parte importante das suas pesquisas aos 
movimentos das populações, o que os levou a analisar de perto as relações entre essas 
populações e as crises de subsistência, entre as fomes e as epidemias. Como 
escreve Jacques Dupaquier6, «a aventura começa em 1946 com a publicação, num dos 
primeiros números da revista Population de um artigo do falecido J. Meuvret, intitulado 
"Les crises de subsistances et Ia démographie de Ia France d'Ancien Régime"7.» J. 
5 Sobre as relações dos Annales com a Economia, ver R. Forster, “Achievements of the Annales 
School”, in The Journal of Economic History (XXXVIII, no. 1, Março [sic], 1978, pp. 58-76) 
6 J. Dupaquier, Introduction à la démographie historique (Paris, Tournai, Montréal, Ed. Gamma).
7 Population é a revista do Instituto Nacional de Estudos demográficos (I.N.E.D.), fundada por A. 
5
Meuvret é bem um exemplo paradigmático desta segunda geração dos Annales. Não é 
muito conhecido entre o grande público intelectual porque não chegou a publicar a 
obra capital, que meditou e escreveu, mas que só depois da sua morte veio a ser 
editada. Apenas deu a conhecer alguns artigos, densos e vivos, que valem por livros. 
Pelos seus estudos, e sobretudo pelos seus conselhos, exerceu grande influência entre os 
historiadores mais jovens, franceses e estrangeiros, que hoje são mestres considerados.
Um dos trabalhos mais conhecidos de J. Meuvret — que teve sempre a preocupação de 
não isolar os fenómenos socioeconômiocos e demográficos do contexto cultural em que 
se integravam — é o artigo citado por J. Dupaquier. O autor analisa, aí, as relações 
entre as fomes e as epidemias, ou seja, entre a conjuntura económica e a mortalidade.
Durante o período que vimos a referir, entre 1944 e 1956, um discípulo de J. Meuvret, 
P. Goubert, preparou e escreveu uma tese , hoje famosa, intitulada «Beauvais et Le 
Beauvaisis de 1600 à 17308». A obra, que se apresentava como uma «contribuição para 
a história social (sublinhado meu) da França no século XVII», veio a servir como modelo 
para a história demográfica. Inspirou numerosos estudos e deu origem a um tipo 
específico de investigação, constituindo uma das mais importantes contribuições da 
geração de 50 para a historiografia actual.
A história demográfica fez mais do que reanimar a parte congelada da herança legada 
pelos fundadores. Na verdade, veio tambem libertar a nova história das 
mentalidades do impressionismo anedótico — que vinha da tradição literária — 
dando-lhe uma base documental estatística. Veio, em suma, solicitá-la para uma 
perpectiva alargada da história que já não era possível dispensar. 
A demografia revela as mentalidades
Foi esta a aventura que eu próprio vivi. Na década de 40, também eu me tinha 
deixado atrair pela demografia. Não porque tivesse trilhado a via indirecta da 
economia, mas porque a situação demográfica da França, na primeira parte do século 
XX, me impressionava profundamente pelas diferenças que a opunham à situação 
vivida no Antigo Regime.
Punha-se o problema de saber como interpretar uma mudança de tal modo 
considerável, e que, para além do mais, não apresentava, em relação à Inglaterra, 
por exemplo, a mesma cronologia. 
Desde o início da pesquisa a que então me dediquei, a minha atitude, como é óbvio, 
foi diferente da dos historiadores da economia. A demografia propriamente dita — 
nos seus mecanismos ou mesmo nos seus efeitos políticos e sociais interessava-me 
menos do que as atitudes psicológicas inconfessadas que revelava a quem soubesse 
ler as estatísticas. Sem dúvida que partia dos dados demográficos, mas parecia-me 
urgente passar — talvez prematuramente — às realidades que esses dados 
escondiam.
Os homens de outrora não gostavam de falar das suas atitudes reais perante a vida, 
a velhice, a doença e a morte. Na maior parte dos casos nem sequer delas tinham 
consciência. Ora, certas séries numéricas inscritas na longa duração vinham pôr em 
relevo modelos de comportamento que, de outro modo, teriam permanecido inacessí-
veis e clandestinos. As mentalidades surgiam assim à luz, no termo da análise das 
estatísticas demográficas.
A experiência aqui evocada nada tem de original. Com efeito, foi partilhada por quase 
todos os historiógrafos da minha geração: não lhes era possível, ao reconstituírem o 
passado de uma população, confinarem-se aos limites de carácter estatístico. 
Surgiram questões capitais, suscitadas pela própria natureza do trabalho a que se 
entregavam. E eram problemas que solicitavam explicações de carácter psicológico 
Sauvy, que publicou nessa época grandes estudos históricos que tiveram larga repercussão. O 
artigo de J. Meuvret, “Les crises de subsistances et la démographie de La France D’Ancien 
Régime”, publicado em Population (1946), foi reeditado em “Études d’histoire économique”, in 
Annales, 32 (1971).
8 P. Goubert, Beauvais et le Beauvaisis de 1600 à 1730. Contribution à l’histoire sociale de la 
France du XVIIe siécle (Paris, S.E.V.P.E.N., 1960); a edição resumida tem por título Cent mille 
provinciaux du XVIIe siécle (Paris, Flammarion, 1968).
6
ou antropológico, outrora pedidos aos médicos, aos moralistas ou aos juristas. Casos 
havia que se inseriam no domínio do não-escrito, no qual os historiadores nem 
sequer tinham pensado em penetrar, talvez porque estavam convictos de que os 
fenómenos medidos pela demografia se encontravam demasiadamente próximos do 
natural e do biológico.
Nos primeiros estudos privilegiou-se a análise da adaptação das populações à 
flutuação das subsistências e ao estado da economia. Em breve, porém, os 
investigadores se aperceberam de que aquela adaptação não era automática nem 
imediata. Entre o comportamento demográfico e o nível dos recursos interpunha-se 
uma espécie de sistema óptico que modificava a imagem real. Era o sistema das 
mentalidades.
A história das mentalidades renascia, assim, pela segunda vez, graças à demografia.
Uma terceira geração?
No decorrer da década de 60, a reaparição da história das mentalidades vem 
transformar, radicalmente, a historiografia francesa. É um acontecimento de capital 
importância, que se traduz nas modificações verificadas nos sumários das grandes 
revistas, mesmo das mais conservadoras. De igual modo, mudam também os temas 
das teses de licenciatura e de doutoramento.
Nos anos 70 é visível um certo declínio dos temas socioeconómicos e um relativo 
abandono dos estudos demográficos da década precedente. Em compensação, 
surge uma vasta gama de temas antes ignorados, ou muito raros.
Em 1973 a Sociedade de Demografia Histórica consagra um número especial da sua 
revista a «Enfants et Sociétés». Em 1972 os Annales tinham já publicado um 
número de 433 páginas sobre a família, tema que se alargava à revista seguinte 
com três artigos importantes. Desde então, quantos estudos sobre a morte, a 
sexualidade, a criminalidade ou a delinquência, a sociabilidade, os grupos etários, 
as assuadas (charivaris), a devoção popular! O Arquivo Jurídico Central (Minutier 
Central9) tinha sido, no passado, frequentado por alguns historiadores de arte, ou dos 
corpos do Estado, em busca de elementos biográficos, e por investigadores de 
temas socioeconómicos (repartição das fortunas). Actualmente, os testamentos 
constituem uma fonte importante para o estudo das mentalidades religiosas, 
desenvolvido por M. Vovelle, P. Chaunu e por discípulos seus.
A transformação vivida pela historiografiafrancesa é muito profunda e recente. 
Parece, porém, ter escapado a L. Stone, alias observador extremamente atento e 
sensível. Num estudo há pouco publicado10, este autor fala dos Annales como de 
um todo que não teria evoluído desde a sua fundação, salvo na medida em que 
nele se notariam a erosão provocada pelo tempo e uma certa lassitude, devida 
à repetição. Não, os Annales são hoje diferentes do que foram, tanto mais que só 
nos nossos dias se pode falar da história das mentalidades, enquanto fenómeno 
significativo da cultura contemporânea.
A história das mentalidades ultrapassa o mundo restrito dos especialistas. Penetra 
nos mass media. E encontra, não raras vezes, boa recepção entre um público mais 
vasto que soube cativar. Chama-se-Ihe, vulgarmente, a «nova história». É pois, natural 
que nos interroguemos sobre a natureza e as causas deste fenómeno.
A história e as outras ciências humanas 
O leitor bem informado já deve estar surpreendido pelo facto de, nesta evocação da 
génese da «nova história», eu ter reservado um lugar tão reduzido à influência das 
ciências humanas. E, todavia, essa influência é, normalmente, considerada como 
determinante. De início, terá sido benéfica; hoje revela-se maléfica, se bem interpreto o 
artigo de L. Stone, citado acima.
9 O Arquivo Jurídico Central (Arquivos Nacionais, instalados no Hôtel de Rohan) é, em Paris, o 
local onde estão depositados os arquivos dos notários da capital.
10 L. Stone, in The Feature of History, publicada sob a direcção de C. F. Delzell (Nashville, 
Vanderbilt University Press, 1977).
7
É um facto inegável que a sociologia e a etnologia influenciaram L. Febvre e, talvez 
ainda mais profundamente, M. Bloch, na sua obra consagrada aos «Reis taumaturgos». 
Essa influência verificou-se, sobretudo, na medida em que novas leituras enriqueceram 
a cultura geral daqueles historiadores, abrindo-lhes novos horizontes e suscitando no seu 
espírito curiosidades novas. 
Nos finais do séc. XIX, os historiadores e, de uma forma geral, os intelectuais, estavam 
convencidos da superioridade radical das nossas civilizações, saídas da Antiguidade 
greco-romana e do cristianismo. A comparação com as culturas primitivas parecia-lhes 
absurda. Ora, o conhecimento dos etnólogos veio, pelo menos, destruir esse 
preconceito. Em França, todavia, essa influência não foi tão determinante, para o labor 
dos historiógrafos, como nas universidades americanas. Aí, o historiador «social» não se 
arrisca a prosseguir sem consultar as outras ciências sociais, para nelas escolher um 
modelo, adequado ao seu corpus documental. Os Annales, ao mudarem de título, em 
1946, pretenderam transformar-se numa revista de ciências sociais, nas quais se incluía 
a história, mas em que os historiadores seriam os chefes de fila11. 
Como já foi dito, o seu alargamento a outros domínios era anunciado exactamente no 
momento em que os Annales se tornavam, de facto, essencialmente económicos.
Nessa época — é um facto que convém não esquecer — a economia parecia constituir a 
chave da história, da história de hoje como da de ontem. Por isso, a história económica 
pretendeu ser o denominador comum de todas as ciências sociais ou humanas, 
mobilizadas em torno do novo projecto dos Annales. Na realidade, com excepção, 
justamente, do domínio económico, em que os grandes pensadores do passado e os 
teóricos do presente inspiraram, de imediato, os historiadores, que os assimilaram, o 
que houve, nos anos 50, foi mais uma justaposição de artigos de proveniências diversas 
do que um verdadeiro intercâmbio entre as várias disciplinas.
As escassas interligações que, nessa época, se podiam assinalar, não explicam a 
amplitude da mudança que hoje se verifica na nossa historiografia. Esta corresponde, na 
realidade, à entrada em cena de gerações novas. Uma espécie de linha equatorial separa 
os «antigos» dos «novos» historiadores. É a barreira dos cinquenta anos. A idade foi, pois, 
o obstáculo que só alguns precursores foram capazes de transpor.
O fim das Luzes?
Do mesmo modo que as outras actividades intelectuais, a história não escapa às 
grandes vagas culturais que varrem o mundo ocidental. Os jovens que tinham entre 20 
e 35 anos no fim da década de 60 começaram a olhar para o mundo de modo diferente. 
E a sua atitude mudou, em relação ao progresso económico e aos seus benefícios.
Os historiadores das gerações precedentes tendiam a procurar e a fazer realçar os 
sinais que, no passado, preparavam ou anunciavam a modernidade, que era 
considerada como o ponto de chegada ou o resultado de uma dada evolução: o 
progresso das Luzes. Ora, nestes trinta anos que nos separam do fim do século, é bem 
possível que estejamos a assistir ao fim das Luzes, ou, pelo menos, à derrocada da 
crença na irreversibilidade e na bondade absoluta do progresso científico e técnico. Não 
é o seu fim que está em causa, como é óbvio, mas é o fim da religião do progresso e 
da fé que nele assentou.
Talvez se trate, apenas, de uma reacção passageira a uma industrialização demasiado 
rápida e brutal. Não é menos certo, porém, que a crítica do progresso se transformou 
em tema permanente, traduzindo a opinião corrente, sobretudo entre a juventude, 
que passou da direita reaccionária que, de resto, a tinha abandonado, para uma 
esquerda, ou antes, para um esquerdismo de contornos mal definidos, confuso mas 
vigoroso.
Estou convencido (é uma hipótese), que a desconfiança que surge, nos anos 60, em 
relação ao progresso e à modernidade, tem algo a ver com a paixão com que os jovens 
historiadores se dedicam ao estudo das sociedades pré-industriais e das suas atitudes 
mentais. Com efeito, vemo-los recusar um sentido, ou uma direcção, à história. Negam-
11 Depois de ter mudado várias vezes de título, durante a Guerra, em 1946 tomam o nome de 
Annales. Economie – Société – Civilisation (les Annales E.S.C.)
8
se a fazer das sociedades do passado simples etapas de uma evolução pré-
determinada, a ponto de suspeitarem da diacronia e da pesquisa sistemática das 
influências sofridas ou exercidas. A cultura que estudam é, por assim dizer, retirada à 
história e apreciada de modo semelhante ao que os etnólogos estruturalistas adoptam 
para considerar as sociedades que escolhem como objecto de estudo.
Não deixa de ser curioso notar que, enquanto os historiadores se deixam tentar pela 
sincronia, as ciências humanas, por seu turno, abandonam-na frequentemente, 
procurando situar-se na longa duração. Isto significa que as margens de separação entre 
essas ciências e a história começam, finalmente, a reduzir-se. É um acontecimento mais 
recente do que se poderia pensar, pois se verifica ao cabo de 50 anos de uma 
interdisciplinaridade proclamada, mas nunca praticada.
O caso de Michel Foucault, um dos nossos melhores historiadores constitui um exemplo 
notável de quanto pode ser profícua esta indefinição de fronteiras. M. Foucault passou da 
filosofia à história sem atravessar o purgatório da psicologia, ou de outras ciências 
humanas utilizadas como refúgio (provisório), por alguns filósofos da sua geração. Teria 
podido, como outros metafísicos ou especialistas daquelas ciências, situar a sua 
pesquisa na sincronia, ou na acronia, construindo um esquema conceptual atemporal. 
Poderia ter optado por uma duração expressamente elaborada, alheia à experiência do 
quotidiano. Pelo contrário, quis que a sua obra fosse uma história dos poderes 
modernos, no momento em que estes, amalgamando-se com os saberes, a partir dos 
fins do séc. XVII, penetram a sociedade, do mesmo modo que o sangue irriga o corpo. 
O empirismo dos historiadores permitiu a este filósofo, que, em verdade, continua a sê-lo, escapar à univocidade dos sistemas (e talvez das filosofias?). Permitiu-lhe, também, 
aperceber a extraordinária diversidade das estratégias humanas e o sentido profundo do 
que há de irredutível nessa diversidade. Michel Foucault começou pela filosofia. Mas, 
levado pelo seu próprio pensamento tornou-se historiador a fim de poder permanecer 
filósofo. As suas razões não serão, talvez, muito diversas das que, nos nossos dias, 
asseguram a expansão da história das mentalidades.
O homem de hoje – é o que se pode agora depreender – pede a uma história 
outra aquilo que, desde sempre, pediu à metafísica. Dessa história e das outras ciências 
humanas exige agora uma história que retome os temas da reflexão filosófica, mas 
situando-os na duração e no recomeço obstinado das empresas humanas.
O CONCEITO DE MENTALIDADE
De uma maneira geral, mesmo apesar das seduções recentes da sincronia e da 
desconfiança em relação à unidimensão (Edgar Morin), a história das mentalidades 
deixa transparecer a preocupação constante de melhor compreender a passagem à 
modernidade. Eis alguns exemplos:
O exemplo do imposto
Este primeiro exemplo é tirado da obra de um dos mestres neste género de estudos, G. 
Duby. Este procura exclarecer o sentido que terão tido para os homens de uma 
determinada época os encargos e as transferências monetárias que hoje situaríamos no 
domínio da economia12. O título do capítulo que consagra a esta análise «As atitudes 
mentais» — é significativo. E nele se trata daquilo que hoje designaríamos por imposto.
O autor aproxima o imposto da «oferta» tal como esta é analisada por Marcel Mauss e 
pelos sociólogos em estudos sobre as sociedades «primitivas». Essas dádivas eram 
«oferecidas» ao soberano, geralmente considerado como o intercessor natural entre o 
povo, no seu conjunto, e os poderes do além. Garantiam a prosperidade colectiva, 
propiciavam a fertilidade do solo, as colheitas abundantes, o f im das pestes... Assim era 
na Alta Idade Média.
No séc. XII, embora em via de transformação, o sistema económico permanece ainda bem 
diferente do sistema das economias de mercado, modernas e contemporâneas. Diz G. 
12 G. Duby. Gerriers et Paysans (Paris, Gallimard, 1973).
9
Duby: «Para os homens dessa época, com efeito, como para os seus antepassados mais 
longínquos (...) as realidades económicas assumen um aspecto acessório. São 
epifenómenos. As verdadeiras estruturas são de carácter espiritual e pertencem à ordem 
da sobrenatureza». Com efeito, um vasto e complicado sistema de trocas virá a 
estabelecer-se entre o aquém e o além da morte. E acabará por desembocar, pela via do 
testamento, numa redistribuição das fortunas cujo resultado pode ser a sua total 
pulverização. Um fenómeno deste tipo desconcerta o homem actual que, só por um 
esforço de distanciamento, será capaz de reconstituir e compreender o conjunto, na sua 
coerência, de uma mentalidade que lhe é estranha. O gosto pelas despesas inúteis e 
loucas, era, naquele tempo, comum a ricos e a pobres. Nos dias de festa, estes 
dissipavam, sem freio, os seus ganhos irrisórios e as munificências dos grandes. 
«Nesse mundo tão pobre — diz ainda G. Duby — os mais humildes não ignoravam as 
festas, cuja finalidade, pela destruição colectiva, fugaz e alegre da riqueza, no seio de 
uma privação universal, é de fazer renascer, periodicamente, a fraternidade e também de 
obrigar à benevolência as forças invisíveis.»
O exemplo do tempo
Para que tenham podido nascer a economia moderna e as condições que lhe são 
necessárias, tais como: a preocupação de poupar; a vontade de adiar o desejo de uma 
fruição desde logo limitada; o investimento dos benefícios obtidos; a acumulação 
capitalista; a divisão do trabalho... foi necessário que, antes do triunfo da tecnologia, as 
forças produtivas mudassem de atitude mental em relação à riqueza e ao prazer.
A Idade Média é, assim, atravessada por mudanças de mentalidade como a que acima 
referimos. J. Le Goff, num brilhante ensaio intitulado «Temps de l’Eglise et Temps des 
marchands13», estuda uma outra dessas transformações, que se exerce sobre o tempo.
 O tempo da Igreja estava perfeitamente delimitado pelo sino que chamava ao coro 
monges e cónegos, a cantar as «Horas». Era um tempo variável, na nossa óptica. O 
tempo diurno dividia-se à maneira romana, em períodos de 3 horas, 
aproximadamente; o tempo nocturno, partilhado entre a oração e o repouso, era 
marcado pelas vésperas à tarde, pelas matinas a meio da noite e pelas laudes, de 
madrugada. Na realidade eram já horas fixas, que impunham uma certa regularidade 
à jornada de trabalho dos camponeses, embora esta se alargasse, sem grande 
precisão, do nascer ao pôr do sol. O tempo do monge e o tempo do camponês 
acordavam-se, ainda que não fossem totalmente coincidentes. 
As coisas mudaram com aquilo a que J. Le Goff chama «o tempo dos mercadores», que 
era também «o tempo do trabalho». Um tempo que, da Igreja, iria conservar o sino. 
Mas era o sino do trabalho (Werkglocken) que «eles (os operários de Amiens) 
penduraram na torre municipal» a fim de que «pudessem tocá-lo»... «quando fossem 
horas de comer e quando, tendo comido, fosse tempo de regressar às suas tarefas...»
O que então se passou foi algo de surpreendente e apaixonante. Na verdade, nada é 
mais inamovível e tenaz que a medição do tempo. E por isso o tempo do artífice, 
inicialmente, foi decalcado sobre o tempo da Igreja, em concordância com as horas dos 
ofícios divinos, que começavam com a oração da manhã, pelas 6 horas e terminavam 
com as nonas, pelas 3 horas da tarde. Acabava então o dia, que correspondia, em 
Roma, ao tempo do Fórum e das Termas. Era, em suma, o «horário contínuo».
No séc. XIII aconteceu que este horário deixou de se adaptar às necessidades, quer dos 
comerciantes-empregadores, quer dos operários. Mas sucedia também que, ainda não 
era concebível a invenção de um tempo mais adequado a essas necessidades (esse 
será, mais tarde, gradualmente imposto pelo relógio mecânico). É então que se observa 
uma subreptícia manipulação do tempo eclesial, de forma a adaptá-lo ao tempo laboral, 
por meio de uma espécie de compromisso. «Notou-se já — escreve J. Le Goff — que, do 
séc. X ao séc. XIII, se regista a evolução de um elemento da cronologia diurna: a hora de 
nona, inicialmente situada (por volta) das nossas actuais duas horas da tarde, é 
lentamente antecipada até se fixar no meio-dia» (daí a palavra noon, em inglês). «A 
13 J. Le Goff. Temps de l’Eglise et temps des marchands, in: Pour un autre Moyen Age (Paris, 
Gallimard, 1978).
10
hora de nona — prossegue J. Le Goff — institui (...) a pausa do trabalhador, nas oficinas 
urbanas, ainda sob a tutela do tempo clerical, marcado pelos sinos. É aqui que se pode 
imaginar uma pressão... que resulta, pela deslocação da hora de nona, na criação de 
uma importante subdivisão do tempo laboral: o meio-dia que virá, aliás, a afirmar-se no 
séc. XIV». 
Estamos perante a aparição do tempo moderno, dividido em dois meios-dias — a 
manhã e a tarde — separados pela rejeição intermédia. Esta manter-se-á, intocada, 
por largo tempo. 
Este exemplo só na aparência se poderá revestir de uma importância menor. Tudo o que 
está ligado às rotinas banais da existência tende a transformar-se em traço essencial 
daquilo a que chamamos mentalidade. Na verdade, trata-se de um exemplo 
característico, que assume particular relevo no momento em que uma estrutura mental 
se modifica, como acontece na Segunda Idade Média.
O exemplo do Diabo
É a propósito da feitiçaria que L. Febvre, num artigo publicado nos Annales, exprime, de 
forma mais veemente, a sua perspectivade historiador, perante o processo da 
diferenciação das mentalidades, afirmando: «É impossível que, na sua estrutura 
profunda, a mentalidade dos homens mais instruídos do séc. XVI e do início do séc. XVII 
(os magistrados), não tenha mudado e mudado radicalmente, em relação à 
mentalidade dos homens mais instruídos do nosso tempo».
A clara definição de uma diferença radical, que pessoalmente continuo a aceitar poderá, 
hoje, assim o creio, agastar os nossos historiadores mais jovens. Estes tenderiam, 
antes, a substituir a macromudança da passagem à modernidade por 
micromudanças, mais complexas e contraditórias, mais alongadas no tempo, nas quais 
essa passagem, actualmente considerada de forma algo reticente, se arriscaria, aliás, a 
sofrer uma certa diluição. O facto, porém, é que «a análise de psicologia histórica» de 
R. Mandrou14, foi, e é ainda, na sua sóbria elegância, um modelo clássico do estudo das 
mentalidades (palavra de que o autor usa com uma grande parcimónia, preferindo a 
expressão «estrutura mental», sempre que é obrigado a utilizar o conceito de 
mentalidade).
O problema, tal como ele o colocou, é o seguinte: «No princípio do séc. XVII, os processos 
criminais por bruxaria constituem ainda a principal ocupação do aparelho judicial 
laico...; aquela vasta instituição, composta por personalidades tão instruídas quanto era 
possível (mas não ainda «esclarecidas»), persegue, sem hesitações (e salvo 
algumas excepções), os agentes de Satã, cúmplices de horrenda perversão, que põem 
em perigo a salvação dos homens... No fim do século, os Parlamentos tinham 
renunciado a este género de acusação e passado a preocupar-se... com os pastores 
acusados de envenenamentos, com os vigaristas que se aproveitavam da credulidade 
pública e com as chamadas «mulheres de virtude». 
Como se explica que uma jurisprudência solidamente apoiada em séculos de uma 
prática contínua se veja assim posta em causa, discutida e, finalmente, abandonada 
no espaço de algumas décadas? É uma questão que merece ser considerada... Trata-
se de todo um universo mental (sublinhado meu), o dos juízes — e o dos acusados — 
que é questionado, visto que os crimes de Satanás e dos seus agentes são tidos 
como provas da presença das forças diabólicas na terra... Através destes processos 
está implicada a concepção dos poderes sobre a natureza e sobre os outros homens, 
exercidos pelo próprio homem, por Deus e por Satã. E é esta concepção que 
acaba, finalmente, por se ver contestada. (...) Em suma, o abandono dos processos por 
crimes de bruxaria representa a desarticulação de uma estrutura mental que fez parte 
integrante daquela divisão do mundo, durante alguns séculos (sublinhado meu).»
No termo da análise desta lenta mutação, que leva um século a consumar-se, e da qual 
se poderão discutir a cronologia e as etapas, mas não o seu aspecto de fenómeno 
generalizado, vemos aparecer aquilo a que chamamos modernidade. Diz ainda R. 
Mandrou: ...«não foi apenas o progresso científico, a verdade do científico que fascinou o 
14 R. Mandrou, Magistrats et Sorciers em France au XVIIe siécle (Paris, Plon, 1968).
11
séc. XVIII; não foram apenas os debates de ideias para os quais contribuíram os 
filósofos, cada um com a sua quota parte... foram, antes tomadas de consciência 
(sublinhado meu), de âmbito mais vasto, que puseram em causa modos de pensar e de 
sentir, isto é, estruturas mentais (sublinhado meu), inveteradas, assentes em visões do 
mundo herdadas de um passado longínquo, aceites e reconhecidas por alguns grupos e 
mesmo pela sociedade, no seu conjunto».
A «mutação essencial» significa que: «Deus e o Diabo deixam de intervir, 
quotidianamente, no curso natural das coisas e na existência diária dos homens». 
Todavia, se bem pensarmos, esta mutação não se verifica em relação à intervenção de 
Deus, como se prova na obra «Prières secrètes des français d'aujourd’hui», do P. Serge 
Bonnet15. Mas verifica-se, sem dúvida, no que respeita as obras do Demónio e das forças 
do Mal que, naquela época começam a sua retirada. Nos nossos dias esse recuo 
prossegue, de tal modo que a abolição do mal físico, da doença e do sofrimento poderão 
desembocar, em última instância, na supressão da morte.
O exemplo da contracepção
Para terminar, irei buscar o último exemplo à história demográfica. É um exemplo que 
mostra, claramente, o modo como o historiador começou por interpretar os dados 
económicos, ou demográficos, de forma diferente da dos economistas ou da dos 
demógrafos, antes de se aventurar à exploração de continentes totalmente 
desconhecidos. Com efeito, a história da contracepção ilustra a passagem da história 
demográfica, propriamente dita, à história das mentalidades de que acima se falou.
É sabido que as sociedades tradicionais conheceram, até ao séc. XVIII um regime 
demográfico regular (en dents de scie16), em que, a períodos de mortalidade elevada, 
devida às fomes e às epidemias, se sucediam outros, de rápida recuperação, devido à 
constância de taxas de natalidade elevadas.
A intervenção de processos reguladores, como a idade tardia do casamento e a 
esterilidade das mulheres durante o aleitamento não era suficiente para diminuir o 
número elevado de partos, que ameaçava a vida das mães. Tratava-se de um facto 
conhecido, que podia ter suscitado a tentação de reduzir a natalidade por outros meios 
que não fossem o aborto, a continência ou o infanticídio. Ora, em face desta situação, 
tudo parece indicar que os cônjuges nunca tentaram, seriamente, agir sobre o acto 
sexual, a fim de bloquear o seu efeito reprodutor.
Existiam, sem dúvida, técnicas conhecidas, descritas nos penitenciais, nos manuais dos 
confessores e nos tratados de moral. A verdade, porém, é que não eram utilizadas.
De repente — ou quase — nos fins do séc. XVIII, princípios do século XIX, em França, 
pelo menos, difundem-se as práticas anticoncepcionais. A tal ponto que modificam o 
movimento geral das populações, isto é, a pirâmide etária. A erupção dessas técnicas lê-
se, claramente, nas estatísticas demográficas.
Para explicar a passagem do antigo ao novo regime, duas respostas foram formuladas.
Alguns investigadores (entre os quais me conto), puseram em relevo uma mudança nas 
mentalidades. Com efeito, mesmo que fosse vagamente conhecida, a dicotomia do acto 
sexual exigia uma capacidade de previsão e um autodomínio que a sociedade ancestral 
não teria podido «pensar». Essa capacidade foi alcançada pelos homens do séc. XIX.
Outros historiadores exploraram, pelo contrário, as condenações dos autores religiosos 
para defender a tese de que as populações estavam mais familiarizadas do que se 
quereria admitir com as práticas anticoncepcionais. Se estas não se alargavam era 
porque a eficaz vigilância dos costumes, exercida pela Igreja, o temor das sanções e a 
ausência de publicidade se opunham à sua difusão. Esta deu-se logo que as barreiras 
eclesiásticas cederam, e quando a mobilidade geográfica e a secularizacão dos costumes 
libertaram as consciências e as línguas.
Na primeira análise põe-se o acento tónico nas mentalidades; na segunda, tende-se a 
apontar outras causas de mudança, menos específicas, comuns a outros fenómenos 
políticos, religiosos e socio-económicos.
15 Pére S. Bonnet, Prières secrètes des français d'aujourd’hui (Paris, éd. du Cerf, 1976).
16 Gráfico “en dents de scie”, ou polígono de potência regular.
12
Os historiadores que pertenderam mostrar a permanência da contracepção mesmo 
quando escassamente utilizada — citam autores eclesiásticos. Na realidade esses 
textos revestem-se de um carácter ambíguo. Denunciam, é certo, as práticas contra-
natura. Estas,todavia, que um leitor do «Playboy» ou do «Kamasoutra» reconheceriam 
como posições clássicas da Ars Erotica, aparecem aos historiadores demógrafos como 
métodos anticoncepcionais. O erotismo é, sem dúvida, estéril, salvo em caso de 
acidente, mas é forçoso reconhecer que o fim em vista, condenado por esses textos, não 
era a esterilidade.
A partir deste debate, de raiz demográfica, assiste-se hoje, ao aparecimento de uma 
história da sexualidade que ensaia os primeiros passos. Sem a história da demografia por 
antecessora, a história da sexualidade não existiria, tal como, actualmente, a vêem 
autores como J.-L. Flandrin, L. Stone ou M. Foucault.
O TERRITÓRIO DO HISTORIADOR
Os exemplos que citámos mostram como a introdução do conceito de «mentalidade» 
provoca — ou implica — um extraordinário alargamento do «território do historiador», para 
usar a expressão de P. Nora e de E. Le Roy Ladurie. De fato, desde os fins dos anos 60, 
este território alargou-se a tudo o que é perceptível pelo observador social, sem excepção. 
Este alargamento da história para além dos seus antigos limites é, igualmente, um 
regresso ao seu campo inicial, que se afigurava já tão completamente explorado. O histo-
riador relê, hoje, com outros olhos, e segundo outros modelos interpretativos, os documentos 
utilizados pelos seus predecessores. 
Os temas tratados por aqueles que primeiro optaram por novos caminhos encontravam-
se já preparados pela história económica e demográfica. Assim, o mundo do trabalho, a 
família, a educação, o sexo e a morte, isto é, as zonas que se situam nas linhas de demarcação 
entre o biológico e o mental, o natural e o cultural, inspiraram trabalhos que, há pouco mais 
de 50 anos, teriam sido impensáveis. Este foi o primeiro território de que a história das 
mentalidades se apoderou. E constitui, hoje, um conjunto coerente de que tem resultado uma 
vasta produção.
Outros temas, menos explorados, suscitam novas pesquisas. São eles: as variações 
somáticas (altura, pigmentação, cor dos olhos, formas de andar, etc.), a alimentação 
(carácter essencial da cultura), a saúde e a doença, a peste, estudada pelo Dr. Biraben, as 
doenças das mulheres, analisadas por E. Shorter, as diversas delinquências (à um dado tipo 
de sociedade corresponde uma dada relação com a justiça) de que trata a obra de Nicole 
Castan.
A sociabilidade tradicional — ou a do séc. XIX que é, talvez, uma das mais fecundas 
conquistas da nova história — surge com os trabalhos de E. Le Roy Ladurie, Yves Castan, 
M. Agulhon, etc. O historiador procura, aí, as «chaves» das estratégias comunitárias, dos 
sistemas de valores das organizações colectivas, o mesmo é dizer de todas as condutas que 
constituem uma cultura rural ou urbana, popular ou elitista.
Deve notar-se, de passagem, a importância que, atualmente, assumem os dados de origem 
meridional, numa historiografia que tendeu a privilegiar a França do Norte e do Leste, isto é, 
a França da Língua d’oil e da escrita.
Nesta incompleta enumeração cabe, ainda, mencionar os estudos sobre a festa, 
prolongamento e clímax da sociabilidade (M. Vovelle, Y.-M. Bercé), e a análise da sobrevivência 
de acontecimentos da história recente (os «camisards», calvinistas em revolta, ou os antigos 
combatentes), e da sua conversão em mitos, pelas camadas populares. Terminamos, 
provisoriamente, com uma referência à religião popular, que conquistou um lugar cimeiro 
na historiografia, tendo motivado numerosos colóquios e publicações em França (J. 
Delumeau), em Inglaterra (K. Thomas), em Itália (G. Ginzburg) e nos Estados Unidos (N. Z. 
Davis).
Uma história mais sensível às diferenças regionais do que às diferenças sociais
Na maior parte dos casos, os temas que acabo de enumerar foram estudados num espaço 
13
geográfico bem delimitado isto é, no âmbito da história regional. A nova história das 
mentalidades tem-se mantido igualmente atenta às diferenças regionais e às diferenças 
sociais. É uma característica comum às três gerações dos Annales, que se deve à influência, 
constante, sobre os historiadores franceses, dos grandes geógrafos da 1ª fase do séc. XX.
Agrupados sob a designação de «escola de Vidal de La Blache», seu fundador, e autor da 
introdução geográfica à monumental «História de França» dirigida por E. Lavisse, estes 
geógrafos nasceram há cem anos ou mesmo antes. Na realidade, foram os precursores 
da nova história dos Annales. Um deles, A. Demangeon, colaborou com L. Febvre numa 
obra sobre o Reno.
As teses de geografia sobre as grandes regiões como a Flandres, da autoria de R. 
Blanchard ou como a Picardia, devida a A. Demangeon foram os primeiros modelos de 
uma história cultural das regiões.
Anteriormente, a história regional resumia-se a um estudo parcelar da história política 
nacional, constituída pelos acontecimentos que se tinham dado numa região, pelas suas 
instituições políticas e religiosas e pela vida dos grandes homens que aí tinham nascido. 
Os geógrafos acima evocados optaram por considerar, simultaneamente, a paisagem 
contemporânea e os documentos dos antigos arquivos. Pretendiam, deste modo, pôr em 
relevo as «características originais» de uma região — para parafrasear M. Bloch — pois 
era nelas que assentava a sua unidade.
Homem do presente, o geógrafo que o queria compreender, era, assim, obrigado a 
voltar-se para o passado, estudado pelos historiadores factuais, seus colegas de então. 
Todavia, o geógrafo interessava-se pelo passado alheio à política, que aqueles haviam 
negligenciado mas que viria a ser privilegiado pelos historiadores das gerações seguintes. 
Foi assim que a geografia humana, ligada à história — A. Demangeon publicou mesmo 
um Guia dos Arquivos destinado aos geógrafos — exerceu uma grande influência nos histo-
riadores entre 1930 e 1940.
O que se seguiu foi um curioso fenómeno de transferência. A partir de 1940-1950, a 
história regional derivou da geografia humana, para a história económica e social e, de 
um modo geral, para a história cultural e antropológica. A geografia, assim o creio, 
veio a ser a vítima dessa transferência, que a empobreceu; a história, pelo contrário, foi 
largamente beneficiada.
A região, ligada à história pela geografia humana, serviu de quadro necessário a uma 
pesquisa inovadora realizada no decorrer das três fases dos Annales. Assim surgiram as 
obras «La Franche-Comté17» de L. Febvre, os «Caractères originaux18» de M. Bloch, «La 
Méditerranée19» de F. Braudel, «Le Beauvaisis20» de P. Goubert e as grandes teses de história 
dos departamentos como o «Languedoc21 de E. Le Roy Ladurie e Y. Castan às quais se 
devem acrescentar as importantes monografias regionais sobre as revoltas campesinas 
no séc. XVII, etc.
A história total de uma região, anteriormente assimilada a uma cultura ou a uma 
subcultura, torna-se, agora, uma realidade. Desta abordagem de novo tipo, resultou 
em França, uma colecção consagrada à história das províncias — «L’Univers de 
La France» — dirigida por P. Wolff22. Pretendendo fazer a história das culturas 
regionais, deve-se a essa iniciativa a recolha das produções, já consideráveis, de uma 
historiografia inovadora.
Compreender as diferenças
Estes exemplos, a que se poderiam acrescentar ainda outros, têm como denominador 
comum a percepção da diferença que pode separar duas mentalidades. Uma, que se 
supõe conhecida, e que de fato o é, ainda que de forma ingénua, serve como ponto de 
17 Philippe Deux et Ia Franche-Comté, étude d’histoire politique, religieuse et sociale. (de 1912) 
Flammarion, 1970, Paris. (N.T).
18 Les caractéres originoux de l’histoire rurale française. A. Colin, 1931, Paris. (N.T.).
19 La Méditérranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II, A. Colin. 1949, Paris. (N.T.).
20 Beauvais et le Beauvaisis de 1600à 1730. Contribution à l’histoire sociale de Ia France do XVII 
siécle. S.E.V.P.N., 1960, Paris. (N.T.).
21 E. Le Roy Ladurie, Paysans de Languedoc, Paris, S. E. V. P. E. N., 1966. V. Yves Castan (N. T.)
22 L’Univers de La France , coleção dirigida por P. Wolff (Toulouse, Privat)
14
referência e termo de comparação; a outra, enigmática, levantando interrogações, é a 
terra incógnita que se quer descobrir. Aqui, porém, descobrir, implica, antes de mais, 
compreender a diferença. 
A compreensão é hoje rara, mesmo entre os homens de culturas contemporâneas. Por 
demais o sabemos, nos nossos países em que os choques raciais, embora amortecidos e 
dissimulados, nem por isso são menos frequentes. Quando se trata de duas culturas 
afastadas no tempo, o entendimento é igualmente difícil. Se nasce da identificação, no seio 
da mentalidade que nos é estranha, de elementos de semelhança com a nossa própria 
mentalidade, que espontaneamente reconhecemos enquanto tal, encontramo-nos no 
domínio das permanências. Mas se esse entendimento nasce da verificação de 
diferenças irredutíveis, então a diferença será, simultaneamente, a condição da 
particularidade e a da sua compreensão. É ela que separa a outra cultura da nossa, e 
lhe assegura a sua originalidade, que aceitamos. Por conseguinte, é, antes de mais, em 
função da nossa mentalidade de hoje que uma cultura diferente assume um outro 
aspecto. A estratégia da compreensão, em geral, tende a complicar-se. Assenta num 
passado-referência ou passado-origem, conhecido que, substituindo o nosso presente, 
permite determinar as características específicas do outro passado, isto é, do passado 
que queremos conhecer. Surge, então, uma sequência do tipo presente-passado--origem vs. 2.° 
passado-a-conhecer. Segue-se um retorno dialético, ao presente, do 1.° passado-conhecido 
e do 2.° passado-a-conhecer23. 
A nossa mentalidade atual que poderemos designar por modernidade, encontra-se, 
invariavelmente, na origem da curiosidade histórica e da percepção das diferenças. Sem a 
consciência da modernidade não haveria diferenças. E também não existiria a história. 
Mesmo as não-diferenças, isto é, as permanências, não seriam apreendidas.
PORQUÊ UMA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES?
A história das mentalidades é, sobretudo, uma história das mentalidades de outrora, dos 
quadros mentais não-actuais. A fascinação que parece exercer — e trata-se de um fato 
recente — talvez se possa explicar pelo profundo abalo a que a mente humana tem 
vindo a ser sujeita. O homem das épocas clássicas, do tempo das «Luzes» e do 
progresso industrial, o ocidental que viveu entre o séc. XVIII e os começos do séc. XX , 
tinha a certeza da permanência e da superioridade da sua cultura. Não aceitava a ideia de 
que ela nem sempre existira, mesmo quando períodos de decadência pareciam 
interromper a sua continuidade. A civilização reemergia, com os chamados 
renascimentos.
A historiografia positivista dos sécs. XIX e XX admitiam os desníveis tecnológicos e 
económicos, os «atrasos», devidos à ausência de conhecimentos, e até as decadências, 
mas não admitia diferenças ao nível da percepção e da sensibilidade.
Estas crenças perderam a sua força. O homem de hoje está menos convencido da 
superioridade do moderno (já acima o dissemos) e da excelência da cultura que parece ter 
estado na origem da modernidade... que remonta à invenção da escrita. E apercebe-se da 
existência de culturas diferentes e igualmente interessantes, nos espaços e nos tempos 
em que o historiador clássico reconhecia, de um lado, a civilização, e, do outro, as 
barbáries.
O que tentava o historiador tradicional era, acima de tudo, a procura das semelhanças 
com um modelo universal. Nos nossos dias a busca das diferenças sobrepõe-se à procura 
das semelhanças. Tal como a descrevemos nas páginas precedentes, a transformação da 
historiografia da Idade Média e dos tempos modernos hesitou, antes de atravessar a 
23 Encontra-se um exemplo deste tipo de ricochete na longa duração, num artigo de P. Veyne sobre 
«L’amour à Rome»: a sociedade romana recorria frequentemente a adopção, em paralelo com a filiação 
natural. É um fato que, em si mesmo, me interessa, mas que me leva imediatamente a pensar na 
atitude, bem diferente, das sociedades medievais e modernas. Viviam obcecadas pelo temor da falta do 
herdeiro, mas não praticavam a adoção. Sou, então levado a refletir sobre as sociedades contemporâneas, 
em que a adopção dá aos pais a liberdade de escolher e se vai tornando cada vez mais frequente, 
embora ainda tenha de se defrontar com obstáculos de ordem psicológica e jurídica. 
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linha da história contemporânea ou seja, da reflexão do homem sobre o seu próprio 
tempo. Com efeito, trata-se de um tempo em que avulta a semelhança, em detrimento 
da diferença, mas cuja amplitude diminui sem cessar. Com efeito, o ponto em que o 
passado aparece como algo de diferente em relação ao nosso próprio tempo aproxima-
se sempre mais. Formidável vingança da historicidade!
Vemos hoje, com os nossos olhos que, daquilo que ainda ontem era a nossa história 
contemporânea, se destacam blocos inteiros. Mergulhando no oceano do diferente, vão 
reunir-se às sociedades do passado. E ficam a pertencer ao domínio dos métodos de 
diferenciação psicológica e etnológica, inerentes à história das mentalidades, a qual 
contribui, por sua vez, para apressar a conversão em passado daquilo que ainda é 
presente.
A obra de M. Agulhon, que encontrou, no séc. XIX, uma civilização com formas próprias de 
sociabilidade, como o café ou o clube24, revelando-se, assim, em relação à nossa, talvez 
tão estranha como a civilização do Antigo Regime, dá-nos um bom exemplo do trabalho de 
sapa exercido sobre a história contemporânea, quando esta é abordada pela história 
das mentalidades.
R. Girardet, por seu lado ilustra claramente o vaivém do historiador entre duas épocas 
ainda próximas, que começam a afastar-se. No seu trabalho descreve-se o processo 
pelo qual, no séc. XIX, o nacionalismo militar, em França, passa da esquerda para a 
direita. E como, de novo, as preocupações com as particularidades étnicas e 
«indigenistas» de Lyautey ou de Delavignette se deslocam para a esquerda 
revolucionária e antiocidental de Fanon25.
 A análise destas transferências de ideias e de sensibilidades permite, sem dúvida, 
subtrair ao presente vastas áreas, que se integram no passado. De tal forma que aquele 
parece tender a anular-se. E assim, é o passado, o tempo da diferença, que se aproxima 
de nós. A cada dia que passa torna-se mais difícil ignorá-lo, pelas mesmas razões que 
nos impedem de ignorar a arte negra, a arte indiana ou a arte pré-colombiana. E sente-
se, com efeito, que o passado nos invade. 
Cercam-nos as diferenças vindas de todas as épocas. Todavia, a nossa percepção 
espontânea, imediata, refere-se sempre ao nosso próprio presente, único ponto fixo no 
tempo. Será esta aproximação recente entre o presente e o passado a verdadeira razão 
de ser da história das mentalidades? Com efeito, apesar do sentido das diferenças e 
da recusa da desigualdade entre as culturas, a adopção do presente, como referência 
constante, fazia pender a história para a concepção, demasiado simplista, de uma 
formidável e longa aculturação que, a partir da Segunda Idade Média teria substituído as 
culturas tradicionais pela modernidade, na sequência de um precurso gradual mas 
contínuo. Esta concepção levava a privilegiar essa modernidade, do mesmo modo que a 
historiografia tradicional havia privilegiado a «civilização ocidental».
Existem vários processos para escapar a esta tentação. Um consiste em pulverizar os 
modelos de mentalidade, isto é, em recusar a realidade de modelos coerentes,e 
consistentes, substituindo-os por uma constelação de micro-elementos, que se mantêm 
ligados pela conjugação de causas numerosas e independentes (políticas, religiosas, 
económicas), sem predominância de qualquer delas, de tal forma que se resolvem 
umas nas outras, numa mudança perpétua. É um pouco o caminho escolhido por L. 
Stone, e creio que esta abordagem se está a tornar frequente.
Uma outra estratégia consiste em evitar os problemas de origem e de influência que, 
durante largo tempo, transformaram os historiadores em geneticistas e sistematizadores 
(sobretudo no domínio da história da arte). Neste caso cede-se à pressão da sincronia, 
como acima ficou dito. O historiador isola um bloco de passado, tal como o etnólogo 
escolhe uma sociedade selvagem. E estuda essa realidade, tentando evitar, na medida do 
possível os problemas de origem e de posteridade. Temos então, a etno-história, cujo 
modelo clássico, ainda que muito sensível à mudança, é o «Montaillou26» do E. Le Roy 
24 M. Agulhon, Pénitents et Francs-Maçons de l’ancienne Provence (Paris, Fayard, 1968); le 
Cercle dans La France bourgeoise (Paris, A. Colin, 1977).
25 R. Girardet. L’idée coloniale en France, 1871-1962 (Paris, La Table ronde, 1972).
26 Montaillou: village Occitan, de 1294 à 1324. Gallimard, 1975, Paris.
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Ladurie. A relação à modernidade parece, nessa obra, ausente de fato. Mas estará 
verdadeiramente afastada? Ou, pelo contrário, é permanentemente subentendida pelo 
historiador, mesmo sem que este disso se dê conta?
Um apelo do inconsciente coletivo?
Penso que devemos interrogarmo-nos sobre as pesquisas mais recentes, no domínio da 
religião popular e da alfabetização, na medida em que parecem em vias de construir 
uma noção susceptível de reduzir as dificuldades suscitadas pela relação do presente 
com o passado. É uma noção que surge a propósito da interferência entre dois 
elementos culturais de carácter fundamental, e que, desde a invenção da escrita, 
nunca deixaram de coexistir nas nossas sociedades.
Segundo a vigorosa expressão de F. Furet e de J. Ozouf, as nossas culturas são 
«mestiças». Ao mesmo tempo orais e escritas, o ritmo da sua história talvez se deva aos 
movimentos recíprocos do oral e do escrito, a essas alternâncias a que os historiadores 
antes chamaram «decadências» e «renascenças», regressões e progressos.
A história das mentalidades, acompanhando as confluências e as divergências daquelas 
duas correntes, permite-nos descobrir, sob a nossa cultura de hoje, lugar de triunfo das 
racionalidades da escrita, aquilo que resta das oralidades recalcadas e o que delas 
subsiste oculto e não-consciente — quer sob forma de sobrevivências camufladas, quer 
sob forma de ausências, de vazios abismais.
O sucesso da psicanálise, durante, a primeira metade do séc. XX, explica-se, sem 
dúvida, enquanto resposta à angústia individual. O interesse de que hoje goza a história 
das mentalidades parece-me ser um fenómeno do mesmo tipo, no qual o inconsciente 
coletivo, favorecido pelas culturas orais e recalcado pelas culturas escritas, substituiria, 
ou se sobreporia ao inconsciente individual de Freud. 
Mas o que é o inconsciente colectivo? Seria, certamente, mais adequado falar de não-
consciente colectivo, ou seja, coletivo porque comum a uma sociedade, no seu conjunto 
e num momento dado. E não-consciente porque imperfeitamente compreendido ou 
mesmo ignorado pelos contemporâneos, a quem aparece como um fato adquirido, 
situado no âmbito dos dados imutáveis da natureza. É o domínio das ideias feitas e das 
ideias em voga, dos lugares-comuns, dos códigos da conveniência e da moral, dos 
conformismos e dos interditos, das expressões aceites, impostas ou rejeitadas, dos senti-
mentos e dos fantasmas.
Os historiadores falam de «estrutura mental» de «visão do mundo», para designar o 
conjunto dos traços coerentes e rigorosos de uma totalidade psíquica que, se impõe aos 
homens de uma época, sem que eles disso tenham consciência. É bem possível, todavia, 
que os homens de hoje sintam antes a necessidade de fazer emergir à superfície da 
consciência os sentimentos outrora enterrados na memória colectiva profunda. Nesse 
caso, não se trataria da procura de uma sabedoria ou de uma verdade intemporal, mas 
da pesquisa das sabedorias anónimas, das sabedorias empíricas que presidem às relações 
íntimas das colectividades com cada indivíduo, com a natureza, com a vida, com a morte, 
com Deus e com o além.
Philippe Ariès
FONTE: LE GOFF, Jacques (dir.). A nova História. Coimbra: Almedina, s.d., pp. 455-479.

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