Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Teorias da Comunicação Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. João Elias Nery Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana • Introdução; • Agenda Setting no Contexto da Pesquisa nos EUA; • Mídia, Indivíduo e Sociedade: A Construção da Agenda. · Conhecer os principais conceitos das Teorias da Comunicação e sua aplicabilidade na produção cultural contemporânea; · Desenvolver argumentação relacionando conceitos e produção cultural; · Participar criticamente da análise da cultura contemporânea. OBJETIVO DE APRENDIZADO Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Introdução Pessoas, temas, lugares, fatos nos são trazidos pela Mídia todos os dias. Sem perceber, nós os incorporamos às nossas preocupações e os incluímos em nossas conversas com pessoas do trabalho, familiares e amigos. Como tudo isso passou a fazer parte da sua vida, ou como, tempos depois, deixou de fazer parte? A teoria do agendamento, ou Agenda Setting, procura responder essas questões, como veremos a seguir. Ex pl or As pessoas agendam seus assuntos e suas conversas em função do que a mídia veicula. É o que sustenta a hipótese do agenda setting. Trata-se de uma das formas possíveis de incidência da mídia sobre o público. É um tipo de efeito social da mídia. É a hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá. (BARROS FILHO, 2003, p. 169) A pesquisa em Comunicação ganhou relevância no Cenário Acadêmico a partir dos anos 1920, como resposta à crescente participação dos Meios de Comunicação de Massa, ou Mídia, no cotidiano das pessoas e a consequente relevância deles para a formação da Opinião Pública. Na Sociedade moderna – industrial, de massa, democrática e urbana, os Meios de Comunicação de Massa têm destacado papel no processo de inserção das pessoas à agenda social, às questões públicas que exigem opinião e participação do cidadão. Na primeira metade do século 20, consolidaram-se práticas de pesquisa que bus- cavam responder aos impactos trazidos pelos Meios de Comunicação de Massa. As Teorias da Comunicação surgem como pesquisa aplicada a uma dada reali- dade, que precisa ser cientificamente explicada. Três vertentes teóricas ganharam relevância até os anos 1960, apresentando diversidade metodológica, fundamenta- ção teórica também diversificada e relação com os órgãos de Mídia e com a cultura bastante diversas. Na Europa, a Escola de Frankfurt, na Alemanha e os Estudos Culturais, na Inglaterra, apresentaram suas interpretações da inserção da Mídia na Socie- dade, em meio ao aprofundamento das relações sociais no âmbito do Capita- lismo e de profundas alterações que ocorreram a partir dos investimentos na Ciência e nas novas Tecnologias. Um mundo conectado que acompanhava os fatos em tempo real e que con- sumia os mesmos produtos culturais foi objeto de estudos de intelectuais com formações heterogêneas e que deram às teorias iniciais caráter interdisciplinar, característica que se manteve como perspectiva dominante até o presente. 8 9 Ao estudar a Mídia a partir de conceitos como sociedade de classes, consci- ência de classe, ideologia e alienação, sociólogos marxistas ligados à Escola de Frankfurt ou aos Estudos Culturais apresentaram respostas que indicavam a Mí- dia como lugar de imposição de valores e de uso a favor das classes dominantes, que a utilizariam para manter a sociedade de classes que negam existir. Nos EUA, a pesquisa em Comunicação tem caráter bem diverso, pautando- -se pela compreensão do papel da Mídia e de seus usos possíveis. São pesquisas orientadas para a otimização dos resultados, pesquisa a ser aplicada à realidade da Comunicação como forma de corrigir eventuais falhas e favorecer a expan- são da Comunicação de Massa, vista como elemento fundamental da Sociedade de massas. Tais pesquisas desenvolveram-se em ambiente de grandes transformações que levaram os EUA a se tornarem país dominante no mundo, exercendo liderança em setores estratégicos, entre eles, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, que possibilitaram a expansão da indústria do divertimento, responsável pela pro- dução e circulação da cultura de massas. Nos EUA, donos da Mídia, Estado e pesquisadores, trabalharam em sintonia no sentido de desenvolver estratégias de comunicação para melhor utilizar a nova comunicação que tinha significativo papel na construção da realidade, seja jornalística, seja no campo do entretenimento. Diversos foram os modelos de estudo em comunicação nos EUA até o final da primeira metade do século 20, desenvolvidos nesse contexto de expansão da Mídia e de seu papel estratégico para o país. A Teoria Matemática ou Teoria da Informação, o Estrutural Funcionalismo e as Teorias dos Efeitos foram as que mais obtiveram financiamentos e influenciaram as pesquisas em Comunicação nesse período. Apesar de guardarem diferenças, tais Teorias têm entre si características co- muns, como a utilização de metodologias quantitativas, a busca por definir Mode- los de Processos da Comunicação e de orientar as empresas a melhor utilizarem a comunicação para atingir seus objetivos. A hipótese de Agenda Setting é herdeira desses modelos de Estudos em Co- municação, realizados nos EUA, até os anos 1960. A partir dessa década, novas metodologias foram incorporadas, ampliando as possibilidades de respostas às questões envolvendo a Mídia. Dialogando com as teorias iniciais, a hipótese de Agenda Setting, ou Teoria do Agendamento, apresenta, por meio de pesquisas de campo, novas leituras acerca da participação da Mídia no processo de cons- trução da Opinião Pública. 9 UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Agenda Setting no Contextoda Pesquisa nos EUA Nos anos 1970, no contexto da globalização econômica e da mundialização da cultura, a Hipótese de Agenda Setting introduziu relevantes alterações no processo de pesquisa acerca da Mídia, apresentando-se como hipótese de trabalho, mais que Teoria, contendo procedimentos, fundamentação teórica e metodologia definidos. A hipótese dialoga com teorias anteriores, como o Estrutural Funcionalismo e a Teoria Hipodérmica, que faz parte das Teorias dos Efeitos. Do estudo de pesquisas realizadas a partir dessas concepções, a Hipótese de Agenda Setting atualizou e or- ganizou novas práticas de pesquisa, tendo as eleições presidenciais nos EUA como principal objeto de estudo. O diálogo com as Teorias desenvolvidas anteriormente nos EUA levam os pes- quisadores à constatação de que um aspecto fundamental era compreender como se dá a influência da Mídia sobre a Sociedade. Opondo-se à Teoria Hipodérmica, para a qual havia efeitos imediatos e homo- gêneos da Mídia sobre a audiência, a Hipótese desenvolveu estudos que compro- vavam que havia, sim, influência da agenda da Mídia sobre a agenda individual e coletiva; porém, como inovação, demonstra que tal efeito ocorre não em curto, mas em médio e longo prazos. De acordo com Shaw (apud Wolf, p. 143): Em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público é ciente ou ignora, dá atenção ou descuida, enfatiza ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos próprios conhecimentos o que a mídia in- clui ou exclui do próprio conteúdo. Além disso, o público tende a conferir ao que ele inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos meios de comunicação de massa aos acontecimentos, aos proble- mas, às pessoas. Essa constatação tem grande relevância, pois indica que a Mídia influencia a construção da agenda individual e coletiva quando aborda um tema ao longo do tempo e não apenas ocasionalmente, o que revelaria processos de acumulação em relação a temas abordados pela Mídia, e não influência direta e imediata, como indicava a Teoria Hipodérmica. Quanto às ideias desenvolvidas no âmbito do Estrutural Funcionalismo, cabe ressaltar que Merton e Lazarsfeld, importantes teóricos ligados a essa Teoria, apre- sentam como funções da Mídia a orientação da sociedade quanto ao cumprimento das normas sociais e a apresentação dos temas relevantes, por eles definidos como “Atribuição de Status”, o que, para a Hipótese, seria a agenda da Mídia. 10 11 Importante ressaltar que, ao se apresentar como hipótese e não Teoria com todos os atributos que esta precisa ter, o Agenda Setting quebra paradigmas an- teriores e propõe um Sistema aberto, com orientações gerais que permitem ao pesquisador trilhar caminhos; porém, sem ficar preso a procedimentos a serem seguidos e validados a cada etapa da pesquisa. Ocorre, pelo contrário, um processo no qual o pesquisador pode buscar caminhos alternativos, adaptando a pesquisa ao contexto de sua aplicação. Com isso, tem-se que a aplicação da Hipótese pode variar e ser mais bem sucedida em algumas situa- ções e não em outras, o que não a invalidaria por completo e, tampouco, a indicaria como um Sistema fechado a ser aplicado a qualquer situação de comunicação. É provável que a principal “descoberta” da Hipótese de Agenda Setting seja a constatação de que os meios, de fato, influenciam suas audiências; porém, em médio e longo prazo e em função de diversos procedimentos que, somados, podem levar a maior ou menor influência. A pesquisa, nessa concepção, precisaria estudar a in- clusão de um tema pela Mídia em períodos longos de tempo, considerando, ainda, outros fatores que interferem no processo de influência sobre a audiência. Nesse processo de influência de longo prazo, a Hipótese defende que a Mídia não define a opinião dos integrantes da audiência sobre os temas por ela apresen- tados; porém, define que eles são os temas a serem discutidos pela Sociedade, em um processo de transferência da agenda da Mídia para a agenda da Sociedade. Ao pesquisar o comportamento de eleitores em relação à Campanha Eleitoral Na- cional, nos Estados Unidos, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, Maxwell McCombs e Donald Shaw, principais articuladores da Hipótese de Agenda Setting, constataram, entre outras coisas, que a Mídia não só influenciava a pauta dos eleito- res, mas, também o fazia em relação à pauta dos candidatos, ou seja, na medida em que a Mídia apresentava um tema como relevante, os candidatos eram pressionados a incluir em suas campanhas os temas pautados pela Mídia, em um processo de in- fluência sobre os rumos das campanhas. Apesar de compreendidas como hipótese, foram definidas por McCombs, em es- tudos exploratórios realizados a partir dos anos 1960, categorias de análise que orien- taram a aplicação e a interpretação das pesquisas, relacionando temas, campanha e candidatos e buscando definir procedimentos que permitissem a comparação entre diferentes tipos de Mídia e suas capacidades de produzir o agendamento. Ficou claro, também, nos estudos exploratórios, que a influência, ou agenda- mento, ocorre de maneiras diversas e não, como advogava a Teoria Hipodérmi- ca, uniformemente, sobre toda a audiência. O agendamento ocorre em maior grau quando a audiência se expõe continua- mente a um tema e dá grande relevância a ele. Além disso, as relações interpessoais dos integrantes da audiência e a dependência que têm da Mídia para obter informa- ções acerca do tema são fatores que definem a amplitude do agendamento. 11 UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Dessa forma, relativiza-se o poder de influência da Mídia, que poderá ter grande poder na formação da opinião individual e coletiva, quando os integran- tes da audiência estão isolados e dependentes das informações que recebem da Mídia e, por outro lado, menor poder quando esta mesma audiência tem alternativas para a obtenção de informações e socialização das informações em relações interpessoais. Como parte dos procedimentos de pesquisa, a partir dos estudos experimentais dos anos 1960, McCombs sugere que a pesquisa acerca do agendamento conside- re os seguintes conceitos básicos, como descrito por Hohlfeldt (2002, p. 201-3): • Acumulação – Capacidade que a Mídia tem de dar relevância a um determi- nado tema; • Consonância – As mídias possuem traços em comum e semelhanças na maneira de atuar na transformação do relato de um acontecimento que se torna notícia; • Onipresença – Um acontecimento que ultrapassa os espaços determinados e se torna onipresente; • Relevância – Determinado acontecimento que acaba sendo noticiado por to- dos as diferentes mídias, possuindo evidente relevância; • Frame temporal – Quadro de informações que se transforma ao longo de um determinado período de tempo da pesquisa; • Time-lag – Tempo a ser constatável o efeito de influência da Mídia sobre o receptor; • Centralidade – Capacidade que a Mídia tem de colocar como algo importan- te determinado assunto; • Tematização – Sua formulação, a maneira pela qual o assunto é exposto de modo a chamar a atenção; • Saliência – Valorização individual dada pelo receptor a um determinado as- sunto noticiado; • Focalização – A maneira pela qual a Mídia aborda um determinado assunto, apoiando-o, assumindo determinada linguagem etc. Esse conjunto de orientações, se não altera a dimensão quantitativa que marca a pesquisa em comunicação realizada nos EUA, vez que define, planeja e estrutura pesquisas com audiência, apresenta significativas alterações nos procedimentos que estruturam a pesquisa e definem, em grande medida, os percursos e instru- mentos de interpretação e de análise dos dados coletados. Há, sobretudo, conexão entrea coleta de dados e o contexto no qual eles foram obtidos, algo que muitas vezes foi ignorado pela pesquisa em Comunicação tradicio- nal, realizada nos EUA. 12 13 Ao estruturar a pesquisa tendo como parâmetros a Agenda da Mídia, a do in- divíduo e da Sociedade, a Hipótese de Agenda Setting contextualiza o processo e recusa o modelo de análise que parte do pressuposto de que vivemos em uma sociedade de massa, na qual o homem massa, isolado e sem formas de comparti- lhar opiniões, torna-se refém da Mídia que, extremamente poderosa, influencia-o em questões centrais para a vida na sociedade moderna. Esses elementos, constitutivos dos processos de organização e realização da pesquisa de acordo com a Hipótese de Agenda Setting, favorecem a aplicação em uma diversidade de objetos de estudos, mantendo, porém, semelhança com a pesquisa realizada anteriormente, ou seja, a centralidade da Mídia como foco de pesquisa e análise. Cabe destacar que esses elementos, estruturados num processo de pesquisa de longo prazo, possibilitam a abordagem dos objetos de estudo a partir de critérios pré-estabelecidos e favorecem a análise que amplia a compreensão acerca do pa- pel da Mídia e de sua participação na formação da Agenda Social. Para constatar seu principal argumento – o da influência no médio e longo prazo – a Hipótese cria uma dificuldade para sua utilização, principalmente, para Empresas e Governos, que buscam resultados rápidos, que possam ser otimizados, levando à aplicação pragmática, como fizeram os pesquisadores nos EUA em tempos anterio- res, produzindo pesquisas encomendadas por Empresas de Mídia, Governos e outros segmentos, interessados em melhor utilizar a comunicação para obter resultados em negócios, política ou na expansão da própria estrutura da Comunicação de Massas. A pesquisa realizada como modelo para a definição da Hipótese de Agenda Setting envolveu, no final dos anos 1960, eleitores indecisos que participariam do Processo Eleitoral para a presidência dos EUA. Os dados obtidos e as análises deles possibilitaram a consolidação da Hipótese, pois, como registra o historiador das Teorias da Comunicação, Mauro Wolf (1987), as principais ideias desenvolvidas no âmbito do Agenda Setting já vinham sendo desen- volvidas por pesquisadores do campo da Comunicação desde os anos 1920, quando Walter Lippman analisou aspectos da relação entre Mídia e Sociedade, concluindo que na Sociedade moderna os Meios de Comunicação de Massa participam ativa- mente da formação da imagem da realidade que se forma em nossas mentes. Porém, como afirma Clovis de Barros Filho (2003, p. 175): É forçoso reconhecer que, embora esses estudos tivessem antecedido as pesquisas de McCombs, não despertaram nenhum interesse científico. Tanto que não são citados hoje pelo rigor de suas análises, e sim porque antecederam à sistematização da hipótese do agenda setting. Este ter- mo trouxe consagração e visibilidade científica à ideia que já havia sido aludida sem, contudo, marcar posição no campo acadêmico. 13 UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Esse mesmo autor reconhece que a Hipótese significou uma ruptura com os modelos de pesquisa realizados nos EUA até os anos 1960, na medida em que produziu inovação teórica na análise da comunicação política. Tal inovação ficou evidente no estudo acerca das eleições presidenciais nos EUA, pois a aplicação da metodologia definida levou a resultados que a Pesquisa Tradicional em Comu- nicação não havia alcançado. Mesmo reconhecendo os avanços da Hipótese de Agenda Setting em relação aos demais modelos de pesquisa em Comunicação, há, também, a constatação de que há críticas a serem feitas, sendo a principal delas, de acordo com Clovis Barros Filho (2003, p. 177) a “[...] sua incapacidade de provar o nexo causal entre a agenda da Mídia e a agenda do público”. Desde a primeira pesquisa realizada, tanto os idealizadores da Hipótese, quan- to estudiosos de Mídia nos EUA e em outros países, incluindo o Brasil, passaram a aplicar os procedimentos que delineiam a metodologia e procuraram superar as limitações existentes. A necessidade de realização de estudos de longo prazo mantém-se como entrave à aplicação da Hipótese e à apresentação de resultados consistentes de suas principais afirmações. O inter-agendamento, ou seja, o processo pelo qual uma mídia agenda a outra, é extremamente relevante para os estudos do Agenda Setting, pois, como de- monstraram os pesquisadores que utilizaram as orientações da Hipótese, é possí- vel verificar a existência de hierarquia entre as mídias, constatando-se que a Mídia Impressa agenda as demais, na medida em que oferece informação com maior profundidade e possibilidade de influência sobre a audiência. Dessa forma, mesmo que observemos maior audiência aos meios audiovisu- ais, seguindo as orientações da Hipótese, verificaríamos maior poder de agen- damento para os meios impressos, por eles aprofundarem a abordagem aos temas da Agenda e, também, por atingirem os líderes de opinião que, com infor- mações mais qualificadas sobre um tema, teriam mais condições de influenciar os demais participantes dos debates acerca da realidade e, assim, interferir na formação da opinião da maioria. Corroborando essa linha de argumentação, temos que, de acordo com um dos formuladores iniciais da Hipótese: Os jornais são os primeiros promotores a organizar a agenda do público. Eles definem amplamente o âmbito do interesse público, mas os noticiá- rios televisivos não são totalmente desprovidos de influência. A televisão possui certo impacto em curto prazo na composição da agenda do públi- co. Talvez o melhor modo de descrever e distinguir essas influências seja chamar a função dos jornais de “agenda-setting” e a da televisão de “ên- fase” (ou spotlighting). Muitas vezes, a natureza fundamental da agenda parece ser organizada pelos jornais, enquanto a televisão essencialmente reorganiza ou reordena os temas principais da agenda. (MCCOMBS, 1976, p. 6, apud WOLF, 2005, p. 163) 14 15 No caso brasileiro, seria adequado questionar se a cobertura da Televisão, certamente muito maior que a dos meios impressos, não incidiria de maneira a negar essa formulação. O que se observa, no entanto, é que os meios impressos continuam a pautar as demais mídias, apoiados, inclusive, na instantaneidade obtida com as Redes Digitais, nas quais são veiculadas notícias em portais de propriedade de empresas jornalísti- cas, como Globo (G1) e a Folha de S. Paulo (UOL). Os “furos” de reportagem e a apresentação de fatos em reportagens que apro- fundam a análise continuam a fazer parte da Linguagem Jornalística e contribuem para a formação da opinião dos segmentos de públicos mais influentes e que bus- cam na Mídia informações que os capacitem ao debate público. Cada cidadão organiza sua própria agenda. Quais são os fatores que infl uenciam a inclusão ou não de um tema na agenda individual? Mídia, Indivíduo e Sociedade: A Construção da Agenda Como observamos anteriormente, na Sociedade moderna – industrial, de massa, urbana e democrática – os meios de Comunicação de Massa assumem, de acordo com a Hipótese de Agenda Setting, significativo papel nas relações sociais, partici- pando da construção das agendas, tanto individuais, quanto coletivas. A Hipótese defende que há forte influência da Mídia na formação da agen- da, ou seja, a agenda da Mídia interfere decisivamente na agenda individual e na agenda social. As análises realizadas no âmbito da Hipótese tendem a identificar forte impacto da Mídia na organização da agenda individual e coletiva quando, em médio e longo prazo, ela destaca um tema e o apresenta ao indivíduo e à Sociedade, tendendo a incluí-lo nas preocupações da audiência. Nessa perspectiva, entende-se que a Mídia interferenas relações interpessoais e sociais, definindo temas a serem compartilhados que, sem a Mídia, não seriam conhecidos pela audiência. Mais que a tradicional mediação atribuída aos Meios de Comunicação de Massa, haveria atuação da Mídia na organização, definição de relevância e dos temas a serem compartilhados nas relações interpessoais e na Sociedade em geral. Seguindo, em parte, as Teorias dos Efeitos Limitados, desenvolvidas nos EUA na primeira metade do século 20, a Hipótese, se por um lado, indica a capacidade 15 UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana da Mídia em organizar a agenda dos indivíduos e da Sociedade, por outro identifica que o agendamento se dá quanto aos temas que compõem o cotidiano; porém, sem interferir na formação da opinião, minimizando o poder da Mídia, ao considerar diversos aspectos que influenciam na construção da opinião. A Hipótese valoriza as relações sociais e interpessoais, argumentando que a Mídia não tem o monopólio na formação da opinião de indivíduos e grupos sociais. Com isso, valoriza o aspecto democrático da Sociedade moderna, na qual cidadãos parti- cipam ativamente das questões públicas, capazes que são de formar opinião e atuar racionalmente nos processos decisórios. Com isso, a Hipótese distancia-se de con- cepções teóricas que acentuam o poder da Mídia e a fragilidade do receptor, visto em situação de isolamento. Acerca da relação do receptor com a Mídia, Hohlfeldt (2002, p. 199), enfatiza o papel dele como definidor, inclusive, do grau de influência que a Mídia poderá ter sobre a formação de sua opinião. Esse autor afirma que: O agendamento somente ocorrerá de maneira eficiente quando houver um alto nível de percepção de relevância para o tema e, ao mesmo tem- po, um grau de incerteza relativamente alto em relação ao domínio do mesmo, levando o receptor a buscar informar-se com maior intensidade a respeito daquele assunto. Essa metodologia de estudo da Mídia, que tem origem nos EUA, seguiu o ca- minho de outras Teorias da Comunicação desenvolvidas na Europa e nos EUA, e foi assimilada no contexto da pesquisa realizada no Brasil. A análise da comu- nicação no Brasil, principalmente a midiática, passou por diferentes influências, com forte presença das Teorias Tradicionais – as realizadas nos EUA, Escola de Frankfurt e Estudos Culturais – e, também, Teorias Contemporâneas, que apresentam novas abordagens e perspectivas de estudo da Mídia e das relações sociais tendo a mediação dos Meios de Comunicação de Massa. Entre nós, a Hipótese de Agenda Setting significou uma alternativa aos mode- los tradicionais de pesquisa, que vinham sendo praticados a partir de adaptações à realidade brasileira. Clovis Barros Filho, em um livro que é referência para os estudos relativos à Ética na Comunicação, dedica um capítulo ao estudo da hipótese de Agenda Setting, por ele descrita como um processo no qual a Mídia influencia o público. Para esse autor: As pessoas agendam seus assuntos e suas conversas em função do que a mídia veicula. É o que sustenta a hipótese do agenda setting. Trata-se de uma das formas possíveis de incidência da mídia sobre o público. É um tipo de efeito social da mídia. É a hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá. (BARROS FILHO, 2003, p. 169) 16 17 Diversas obras sobre as Teorias da Comunicação ou que abordam questões relativas à Mídia no Brasil utilizam a Teoria do Agendamento como referência; porém, ocupam-se mais em explicar a Hipótese e menos em a utilizar para realizar pesquisas acerca das relações de Comunicação que incluem a Mídia. Isso ocorre, em parte, em função da necessidade de acompanhamento de um tema não de forma episódica, como ocorre na maior parte das pesquisas em Co- municação, que destacam um tema e um período de tempo limitado. O pressuposto da Hipótese de que o efeito da Mídia só pode ser constatado em períodos de médio e longo prazos, exige maior investimento de tempo e re- cursos para a realização e para a apresentação dos resultados, o que desestimula pesquisadores e organizações de incentivo à pesquisa, a utilizarem as orientações do Agenda Setting. É comum, no Brasil, afirmarmos que o brasileiro não tem memória. Tal afirmação, baseada no senso comum, pode ser compreendida como uma crítica à Mídia, que pouco contribuiria para a construção de uma memória coletiva acerca de questões públicas relevantes. Como já haviam afirmado pesquisadores funcionalistas, a Mídia assume a função de dar publicidade a temas e a transmitir a herança social de uma geração a outra, o que, para a Hipótese, significaria indicar a Mídia como espaço para construção da agenda e, portanto, lugar de lembrar e de esquecer. Os principais elementos que compõem as orientações para a realização de pes- quisa a partir da Hipótese do Agenda Setting, entre outros, acumulação, time-lag, frame temporal, relevância e centralidade, indicam como observar e analisar o pro- cesso de construção da agenda pela Mídia. Seguindo as orientações da Hipótese, é possível verificar que os temas aos quais a Mídia dá atenção continuada, com relevância e centralidade, acabam por fazer parte da agenda individual e coletiva de maneira constante e, aqueles nos quais a atenção sofre alterações, por razões diversas, tendem a seguir as alternâncias e fazer parte das agendas apenas nos períodos em que estão no foco da Mídia. No Brasil, podemos observar tais situações tendo como exemplo dois temas: segurança e corrupção. Segurança está no foco da Mídia diariamente, há muitas décadas, expressando uma questão central para a Sociedade moderna, na qual a vida no ambiente urbano tende a necessitar de instituições diretamente ligadas à proteção dos cidadãos. Essas instituições devem produzir sensação de segurança e a Mídia, abordan- do a questão cotidianamente de maneira especializada, apresenta representa- ções, seja no campo jornalístico, seja no entretenimento, que contribuem para a construção das opiniões e comportamentos tendo esse tema como referência. Sim, são representações da realidade, que substituem o conhecimento direto e orientam as práticas cotidianas, como referência para a organização e a inter- pretação do mundo. 17 UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Já a questão da corrupção não é abordada de maneira uniforme nos diversos contextos sociais e políticos, o que leva os cidadãos a incluírem o tema apenas nos momentos em que a Mídia dá relevância a ele. Apesar de haver constatação de que algum nível de corrupção sempre está pre- sente nas relações sociais e políticas, o que, entre outros, é tema da organização Transparência Internacional, que estabelece critérios a partir dos quais classifica o nível de corrupção de cada país, no Brasil, a Mídia atrai a atenção dos cidadãos em episódios nos quais, segundo sua interpretação, a corrupção teria maior rele- vância, devendo ser observada de maneira mais intensa pela própria Mídia e pela Sociedade, e esta, pautada pelo que vê nos Meios de Comunicação de Massa, manifesta-se acerca de eventos que são apresentados como únicos, sem conexão com outros contextos nos quais a Mídia havia difundido informações acerca do comportamento de integrantes do Aparelho de Estado. Transparência Internacional. Acesse o site: https://goo.gl/n9zfJa. Ex pl or Com esses dois exemplos, procuramos interpretar os principais elementos que orientam a aplicação da Hipótese de Agenda Setting e sua principal “des- coberta”, relativa à maior influência da Mídia em médio e longo prazos, no sentido de incluir na agenda de cidadãos e grupos sociais temas e questões em função da abordagem com destaque, por longo período de tempo. Outraquestão que poderíamos associar à interpretação da Hipótese é a ex- pansão do divertimento nas mídias. A Teoria Funcionalista já havia afirmado a centralidade do divertimento nas mídias de massa, em detrimento das outras fun- ções da Mídia – educação e informação – o que pode ser constatado num breve olhar para a Mídia no Brasil. Mesmo o Jornalismo e os Programas Informativos em geral devem inserir em suas práticas alguma estratégia para atrair e divertir os receptores, apresentando formas de ocupar o tempo livre. O entretenimento fácil ao qual se refere a Teoria Funcionalista ocupa o centro da Mídia no Brasil. Como exemplo, podemos obser- var a expansão da cobertura televisiva e de outras mídias ao principal esporte do país, o futebol, que tem ampla cobertura da Mídia e crescente interesse por parte dos receptores. Nesse ponto, coloca-se outra questão para a Hipótese: como comprovar que a inclusão de um tema na pauta individual ou social tem relação com a pauta da Mídia? Seguindo essa preocupação com a capacidade de a Hipótese oferecer um ca- minho metodológico para a pesquisa em comunicação, em obra clássica acerca das Teorias da Comunicação, Wolf (2005, p. 144) considera que: A hipótese do agenda setting, em seu estado atual, é mais um núcleo de observações e de conhecimentos parciais suscetíveis de ser ulteriormente 18 19 articulado e integrado em uma teoria geral sobre a mediação simbólica e sobre os efeitos da realidade operados pela mídia, do que um paradigma de pesquisa definido e estável. Mesmo reconhecendo as fragilidades da Hipótese, que permanece nessa condi- ção, sem se reivindicar como Teoria, as orientações praticadas em pesquisas pelos seus formuladores têm sido adotadas em diferentes contextos de Mídia no Brasil. Exemplo de articulação de pesquisa interdisciplinar que inclui o Agenda Setting é a dissertação de Mestrado desenvolvida na Universidade de Brasília por Gabriela de Souza Leal. Ao analisar a cobertura da Imprensa a uma crise energética que ocorreu no Brasil, a pesquisadora articula análise de conteúdo com as premissas da Hipóte- se, concluindo que: [...] o governo conseguiu, durante a cobertura do racionamento, agendar a mídia impressa para veicular, na maior parte das vezes, matérias de ser- viço e informações técnicas, e restringiu o debate ao campo das opiniões, publicadas em artigos ou editoriais. (LEAL, 2003, p. 102) O Agenda Setting, portanto, segue sua trajetória, sendo aplicável a determi- nados contextos, afirmando-se como hipótese, antes que Teoria, caracterizan- do, uma vez mais, o que afirma Hohlfeldt (2001, p. 189), ao avaliar o Agenda Setting, considerando nessa perspectiva, em oposição à de uma Teoria: Uma hipótese, ao contrário, é um sistema aberto, sempre inacabado, adverso ao conceito de erro característico de uma teoria. Assim, a uma hi- pótese não se pode jamais agregar um adjetivo que caracterize uma falha: uma hipótese é sempre uma experiência, um caminho a ser comprovado e que, se eventualmente não der certo naquela situação específica, não invalida necessariamente a perspectiva teórica. Pelo contrário, levanta, automaticamente, o pressuposto alternativo de que outra variante, não presumida, cruzou pela hipótese empírica, fazendo com que, na experi- ência concretizada, ela não se confirmasse. Esse sistema aberto permanece presente no campo dos estudos da Comu- nicação, contribuindo para a compreensão das relações que se estabelecem na Sociedade a partir da presença dos Meios de Comunicação de Massa e seu papel estruturador da realidade. Articulado com metodologias das Ciências Humanas e Sociais, contribui efetiva- mente para os estudos de Mídia, inclusive no Brasil, país que desenvolveu um sistema de produção de bens simbólicos e um campo de Estudos da Comunicação que têm grande participação na construção de representações sociais e interferência na for- mação da Opinião Pública. 19 UNIDADE Agenda Setting: Mídia e Construção da Realidade Cotidiana Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Chomsky e a Mídia: o consenso fabricado https://youtu.be/1Y-ybk87L-I Leitura Agenda-setting: hipótese ou teoria? Análise da trajetória do modelo de Agendamento ancorada nos conceitos de Imre Lakatos CASTRO, D. Agenda-setting: hipótese ou teoria? Análise da trajetória do modelo de Agendamento ancorada nos conceitos de Imre Lakatos, Revista Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 31, dez. 2014. https://goo.gl/o9d89F Os estudos sobre a hipótese de agendamento HOHLFELDT, A. Os estudos sobre a hipótese de agendamento, Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 7, nov. 1997. https://goo.gl/CGs4Ru Crise de energia e mídia impressa: um exemplo da teoria do agendamento LEAL, Gabriela de Souza. Crise de energia e mídia impressa: um exemplo da teoria do agendamento. 2003. (Mestrado em Comunicação Social). Brasília, Universidade de Brasília, 2003. https://goo.gl/NHTfn6 20 21 Referências BARROS FILHO, C. Ética na comunicação. São Paulo: Summus, 2003. HOHLFELDT, A. Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação. In: HOHLFELDT, A., MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. V. Teorias da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 187-206. WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 2005. 21
Compartilhar