Buscar

GT 4 - Educação após-guerra nova ordem velhos problemas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A Cortez Editora apresenta um projeto dedicado 
aos educadores brasileiros, que constroem a educação pública 
no Brasil, em todos os seus níveis. Trata-se da Biblioteca Básica 
da História da Educação Brasileira, que vem a público com duas 
séries temáticas através das quais o leitor poderá conhecer 
detalhadamente a construção histórica da educação pública, 
no Brasil. 
Na primeira série estão os volumes que abordam 
os temas educação e escolarização conforme registros 
cronológicos e temáticos amplos, como por exemplo a educação 
no império; a formação e a difusão da escola republicana e, 
por fim, a disseminação da escola de massas, desde a década 
de 1920 até quase o final do século XX. 
Na segunda série estão os volumes temáticos, 
cujos objetos de análise há muito tempo se tornaram parte 
de um processo de ampla renovação nas práticas de pesquisa 
em história da educação. São exemplos de temas presentes 
nessa segunda série a história da profissão docente no Brasil-, 
a história dos currículos e a história dos métodos e materiais 
de ensino. 
À primeira série serão agregados estudos 
sobre a educação na América Portuguesa, relacionadas aos 
séculos XVI, XVII e XVIII. À segunda série serão agregados, 
paulatinamente, estudos sobre temas específicos como, 
por exemplo, a história da educação física, ou a história dos 
debates sobre o analfabetismo, no Brasil. 
Em cada volume o leitor encontrará um conjunto 
abrangente de informações, disposto em texto claro e objetivo, 
acompanhado de infomnações estatísticas, biográficas, 
bibliográficas e legislativas. 
ISBN 978-85-249-148« 
llllllllllil 
9»788524 9 1 4 8 4 
S 
o 
S 
-5= o 
U JTO 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
O tempo do após-guerra: 
nova ordem, velhos problemas 
Tempo de fazer, tempo de refazer. O Brasil percebeu-se mais cla-
ramente como parte do mundo após a Segunda Guerra Mundial. O 
léxico da economia ganhou lugar de destaque e diagnósticos ampara-
dos num novo vocabulário analítico insistiram em mostrar que nossa 
realidade "atrasada" era, em verdade, "subdesenvolvida". 
O par conceituai "subdesenvolvimento-desenvolvimento" tornou-
-se presença ubíqua no conteúdo das falas que se batiam por profundas 
mudanças a fim de que o país pudesse "desenvolver-se". 
O conceito de desenvolvimento foi apropriado e usado com tal 
multiplicidade de sentidos que, em pouco tempo, tornou-se um con-
ceito "areia movediça", dragando para dentro de si a educação e as 
representações de cultura nacional que, na fala dos mais variados ate-
res políticos, tornavam-se reféns da adapta-
ção "necessária" de tudo e todos para que o 
país pudesse alcançar o desenvolvimento. 
O Brasil, todavia, permanecia submerso 
numa impressionante heterogeneidade. Por 
um lado, desenhou-se com mais clareza a con-
centração regional do país urbano e industrial 
e, por outro lado, uma série de acontecimen-
tos revelou a sobrevivência do "país profundo" 
ainda à mercê de um isolamento suficiente-
mente grande para consolidar distâncias co-
lossais não só entre regiões mas, principal-
mente, entre pessoas e estratos sociais. 
Tempo de novas instabilidades políticas e 
de campanhas, muitas campanhas, visando 
aproximar o chamado mundo arcaico do auto-
proclamado mundo moderno. Tempo de en-
frentamentos que, curiosamente, desaparece-
ACEPAL foi instalada no 
Chile, em 1948. Cardoso 
(1993, p. 30) relembra 
que "A Comissão 
Económica para a América 
Latina (CEPAL) canalizou 
e difundiu um conjunto 
de teses a respeito das 
causas, condições e 
obstáculos ao 
desenvolvimento, 
tornando-se uma espécie 
de marca registrada do 
pensamento latino-
-americano". Naquele 
contexto, a CEPAL valia-se 
das ideias inovadoras de 
Raul Prebisch que 
estabeleceu uma nova 
plataforma de análise 
contrária aos argumentos 
que defendiam a "mão 
invisível" do mercado 
como base do 
relacionamento entre 
os paises chamados de 
centrais e os paises 
chamados de periféricos. 
129 
Freitas e Biccas 
rão na memória de muitos sujeitos políticos — especialmente as vozes 
das camadas médias que teceram sobre aquele momento-metade do 
século XX uma imagem frequentemente evocada como expressão dos 
"anos dourados". 
Mas o dourado daqueles anos tão inovadores também foi continu-
amente desbotado pelo aviso emitido por personagens como Josué de 
Castro, que desconstruía algumas imagens triunfantes que estimula-
vam, então, aquele imaginário citadino das camadas médias. 
Castro produziu desde 1946 uma "geografia da fome". Com base 
no que via, tentava convencer instâncias políticas do Brasil e do exte-
rior que nossa desigualdade não era somente um grau de oscilação 
entre o rústico-rural e o moderno-urbano; nossa desigualdade era um 
processo de contínua desumanização de muitos brasileiros. 
Na década de 1960, o mesmo Josué de Castro lembrou-se do que 
assistiu quando "descobriu" a fome no Brasil: 
(...) No mangue, tudo é, foi ou será caranguejo, inclusive o homem e a 
lama. Não foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sábia que 
travei conhecimento com o fenómeno da fome. A fome se revelou espan-
tosamente aos meus olhos nos mangues do Capeberibe, nos bairros mise-
ráveis do Recife - Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta foi 
minha Sorbonne - a lama dos mangues de Recife, fervilhando de carangue-
jos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo. São seres 
anfíbios - habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. 
Alimentados na infância com caldo de caranguejo - este leite de lama -, 
se faziam irmãos de leite dos caranguejos. Cedo me dei conta desse estra-
nho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. 
Arrastando-se, acachapando-se como caranguejos para poderem sobrevi-
ver. A impressão que eu tinha era que os habitantes dos mangues (...) à 
medida que iam crescendo, iam cada vez mais atolando na lama. (CASTRO, 
1967 , pp. 1 2 - 1 3 ) . 
Diante desse país cujas imagens transitam da Avenida Vieira Souto 
do Rio de Janeiro para as veredas do grande sertão; da Avenida Paulista 
de São Paulo para os mangues dos caranguejos, apresentou-se novamente 
a oportunidade histórica (e a necessidade) de explicitar quais e quantas 
seriam as obrigações do Estado para com a educação do "povo", palavra 
130 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
novamente valorizada e, ao mesmo tempo, fragmentada nos múltiplos 
sentidos de sua apropriação por diferentes sujeitos sociais. 
Deve-se acrescentar a esse cenário que entre a cidade e os sertões, 
entre as metrópoles e as matas, o Brasil também se deixava sintetizar 
num lugar-esfinge, "decifra-me ou devoro-te", que se consolida na 
"geografia das contradições": os morros e as periferias das grandes 
cidades. 
Tempo de aceleração nos deslocamentos. Diásporas internas uni-
ram desertos e cidades e os êxodos passaram a ser permanentes. 
Não por acaso, em 1955, quando deu voz a um dos retirantes, João 
Cabral de Mello Neto precisou "fundir" jeito de ser com modo de viver, 
para que aquela voz distante se fizesse audível: 
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: 
na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, 
no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas 
e iguais porque o sangue que usamos tem pouca tinta. 
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, 
morremos de morte igual, mesma morte Severina: 
de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia 
(de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer 
idade, até gente não nascida) ... 
Mas, para que me conheça e melhor possam seguir 
a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença 
emigra. 
(MELLO NETO, 2 0 0 0 ) . 
Os filhos dos Severinos reaparecerão mais adiante, nas páginas 
que identificarão novas personagens no interior da escola públicaque 
se expandiu em direção às periferias dos centros urbanos. Essa escola 
pública ganhou uma feição nova, crescentemente "repovoada", cres-
centemente diversificada. 
Tempos de refazer. Da noite escura do Estado Novo já saíra um 
dia claro e o mundo do após 1945 não somente fazia circular novas 
metáforas do ativismo político, como as do "terceiromundismo", por 
exemplo. Circulavam também palavras-chave impregnadas da distân-
cia entre pessoas que o Brasil carregava desde o século XIX. Entre 
131 
Freitas e Biccas 
essas, a palavra democracia talvez tenha sido 
aquela que mais constantemente foi vilipen-
diada. 
Tempo de refazer a Constituição para des-
fazer o que a Carta de 1937 fizera em nome do 
arbítrio que sintetizava. Se a Carta do Estado 
Novo formalizava a renijncia do Estado diante 
do direito à educação, a Constituição de 1946 
retomou os princípios da Carta de 1934 e rea-
firmou o Estado como responsável maior pela 
educação pública do país. 
Essa Constituição de 1946 tinha também 
dispositivos legais que davam à União respon-
sabilidades mais definidas em termos de alça-
da para estabelecer diretrizes para a educação 
nacional. 
Por isso, o então Ministro da Educação e 
Saúde, Clemente Mariani, constituiu um grupo 
de assessoria que elaborou, entre 1947 e 1948, 
um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional. 
O Relator Geral dos trabalhos foi Almeida 
Júnior, educador paulista, cujo texto deu ori-
gem ao projeto que, em outubro de 1948, foi 
encaminhado pelo Ministro ao Presidente da República, Eurico Gaspar 
Dutra que, na sequência, o encaminhou para tramitação no Congresso 
Nacional. 
Como se verá logo mais, esse processo iniciado por Clemente Ma-
riani resultou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Con-
tudo, é necessário chamar atenção para o impressionante intervalo de 
tempo que se configurou entre o momento do envio do Projeto e o 
momento da promulgação da LDB. Esta foi promulgada depois de treze 
anos, em 1961, dando origem à Lei n. 4.024/61. 
Vigevani (1990, p. 7) 
explica que a ideia de 
Terceiro Mundo, tal como 
é hoje popularmente 
entendida (...) surge, 
ainda que sem este nome, 
como consequência dos 
resultados da Segunda 
Guerra Mundial, finda em 
1945. Os acontecimentos 
políticos e militares, as 
características específicas 
do amadurecimento de 
povos e de nações, as 
tradições preexistentes, as 
instituições de toda ordem 
formadas nas décadas ou 
até séculos anteriores — 
foram todos fatores que se 
somaram determinando o 
despertar daquilo que 
viria a se conhecer como 
sentimento terceiro-
mundista. Isto deu-se 
principalmente em duas 
grandes regiões: sul e 
sudeste da Ásia e nas 
regiões prevalentemente 
islâmicas e árabes. O 
termo Terceiro Mundo foi 
utilizado pela primeira vez 
(...) por Alfred Sauvy e 
Georges Balandier, 
franceses, em 1956, 
generalizando-se a partir 
de então. 
132 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
No transcorrer desse período de treze anos, o modus operandi da 
ação estatal na educação abriu-se a um processo de sofisticação que 
encontrou no Instituto Nacional de Estudo Pedagógicos, INEP, um lugar 
de renovação das estratégias para formação de professores e, princi-
palmente, um lugar de reconfiguração da pesquisa em educação, esta 
aliando-se de forma original à pesquisa antropológica. 
Anísio Teixeira foi a personagem de destaque dessa trama. Assu-
miu a direção do INEP em 1952 e por dentro do Estado retomou o pro-
blema da qualidade da educação pública e o vinculou ao complexo 
tema da expansão do acesso à escolarização. 
A democratização da forma e do conteúdo da escola voltava à or-
dem do dia. Em meio a um processo no qual o "povo vai à escola", na 
feliz expressão utilizada por Sposito (2001), a identidade do país foi 
novamente posta em debate. 
A pressão por novas vagas cresceu no mesmo momento em que a 
pesquisa educacional iniciou um dos seus momentos mais férteis. 
Ao mesmo tempo em que a ampliação no número de vagas mos-
trou-se com números sempre crescentes, a escola pública foi objeto de 
ataques os mais variados, todos, como se verá, feitos em nome da 
democracia e contra supostas inclinações autoritárias dos chamados 
pioneiros da educação nova, entre os quais, mais uma vez, Anísio Tei-
xeira era o nome de referência. 
Nos treze anos de tramitação do Projeto da LDB uma trama complexa 
mostrou o quanto o "lugar" da escola pública no país também é um lugar 
de permanente res-significação das distâncias entre estratos sociais. 
Já na "exposição de motivos" encaminhada pelo Ministro Clemente 
Mariani, alguns temas polémicos foram retomados, como por exemplo 
o embate entre centralização e descentralização. 
A própria Constituição que entra em vigor em 1946 tinha dispositi-
vos descentralizadores e, em certo sentido, o "tom" utilizado pelo 
Ministro parece querer conciliar a descentralização com a ampliação 
de oportunidades para todos: 
133 
Freitas e Biccas 
(...) temos de abrir possibilidades a todos aqueles que, possuidores de apti-
dões, vivem afastados dos centros populosos ou não podem atender aos 
encargos de anuidades em estabelecimentos particulares (MARIANI, 1948) . 
Porém, intenção e gesto nem sempre se encontravam. No mesmo 
documento encaminhado pelo Ministro, o reconhecimento de que os 
recursos estatais eram insuficientes abriu caminho, mais uma vez, para 
a defesa da ação estatal "supletiva" e "fiscalizadora" em relação às 
necessidades educacionais dos brasileiros. 
Prometeu-se uma ação capaz de quebrar o elitismo do ensino se-
cundário mas, na realidade, como se verá, o que se tinha em mente 
era a ampliação de espaços para as camadas médias. 
O documento não deixou dúvidas de que o ensino superior não 
deveria "ser sonhado" por todos. Lugar para os "mais capacitados", a 
reserva do ensino superior para os mais aptos é feita com os seguintes 
argumentos: 
(...) evitar que se formem tantos doutores que, longe de representarem um 
ativo para a nação, vêm a constituir um dos seus pesados passivos, alimen-
tando em parte substancial o melancólico e paradoxal grupo de educados 
incapazes e parasitários, que tanto contribuem para a generalizada falta de 
fé na educação (AAARIANI, 1 948 ) . 
Como bem observou Xavier (1990), trata-se de uma das mais enfá-
ticas defesas do controle da expansão de ensino, defesa essa zelosa em 
evitar que o "excesso de gente" não terminasse por deteriorar o lugar 
ocupado pelo "homem formado" em nossa sociedade. 
O Projeto encaminhado pelo Ministro acabou sendo arquivado e, 
como foi dito, a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases custou 
mais treze anos. Nesse longo intervalo, porém, a sociedade brasileira 
se mostrou com mais transparência, ainda que assim revelasse os as-
pectos não tão harmoniosos que se agitavam em suas entranhas. 
A sociedade brasileira não somente se mostrou no bojo dos deba-
tes que precederam a promulgação da LDB como também sua gente foi 
mostrada de forma criativa e rigorosa no processo que recriou estudos 
e pesquisas educacionais. 
134 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
A narrativa da história da educação brasileira naquele momento 
pão pode ser reduzida ao acompanhamento da tramitação de suas leis, 
mesmo aquelas de maior poder configurador de suas práticas e de seus 
processos de institucionalização e financiamento. 
O que de mais precioso se viu naquele cenário foi, mais uma vez, 
o assim chamado "Brasil rústico" mostrando sua face ao Estado e o 
Estado mobilizando pesquisadores para realizar uma refundação do lu-
gar do professor na sociedade. 
Campanhas e mobilizações 
A Federação Internacional Sindical do Ensino (FISE) organizou em 
1953 uma Conferência Mundial de Educadores. Inicialmente planejada 
para ocorrer em Berlim,acabou sendo realizada em Viena, entre 21 e 
25 de julho daquele ano. 
A presidência da FISE estava a cargo de Henri Wallon, o renomado 
psicólogo francês, que procurava fazer com que as ações do professorado 
fossem projetadas para o plano de uma militância internacional, disposta 
a expressar dimensões locais das lutas pela democratização do ensino. 
O que estava em discussão na Conferência era o tema da massifi-
cação da educação escolar. Desdobrava-se desse tema a intenção de 
projetar também um novo sujeito coletivo - o professorado, razão 
pela qual uma "Carta do Professor" foi articulada e divulgada como se 
fosse um gesto inaugural de vinculação entre os direitos dos professo-
res e os grandes temas do após-Guerra, especialmente as questões 
relacionadas aos colonialismos e à diversidade cultural. Tais temas 
apareciam, então, como ingredientes novos de uma aproximação igual-
mente renovada entre os temas educação e modernidade. 
Paschoal Lemme liderou uma pequena delegação brasileira que 
compareceu ao evento. Encarregado de sintetizar nossa situação em 
termos educacionais e com base em dados do recenseamento de 1950, 
Lemme posicionou-se com os seguintes argumentos: 
135 
Freitas e Biccas 
( . . . ) A percentagem média de analfabetos, para todo o país, é calculada em 
51,5%, havendo contudo regiões em que essa taxa sobe até 80%. O curso das 
escolas primárias, nas regiões mais desenvolvidas, não vai além dos 4 anos 
de extensão, mas, na quase totalidade dos casos, as crianças fazem apenas 
de 1 a 2 anos de curso, abandonando a escola mal alfabetizadas. Para uns 9 
milhões de crianças em idade escolar primária, uns 4 milhões matriculam-se 
nas escolas existentes, mas apenas uns 10% concluem os respectivos cursos. 
De quase 9 milhões de adolescentes (12 a 18 anos), cerca de 600.000 conse-
guem matricular-se em escolas de ensino médio, mas também pouco mais 
de 10% concluem os respectivos cursos. É preciso notar que o ensino secun-
dário, de 7 anos de extensão, acha-se na quase totalidade (85%) em mãos 
particulares, sendo portanto, caro e somente acessível a uma minoria dos 
filhos das classes mais ricas. No ensino superior, para menos de 40.000 estu-
dantes se matriculam nos vários cursos, apenas uns 20% conseguem concluí-
los (...) (LEMME, 1955, pp. 26-7). 
A esse quadro sombrio o autor acrescentou ainda outra informação 
igualmente desoladora: 
(...) Os professores, em geral de formação muito deficiente, percebem sa-
lários vexatórios, em relação à importância de suas responsabilidades. Os 
professores rurais, situados na parte inferior dessa escala de salários, não 
têm, em sua maioria, qualquer formação pedagógica e vivem nas piores 
condições materiais e profissionais (ibidem, p. 27). 
O mesmo tom desolado usado por Paschoal Lemme manifestou-se 
também na fala dos representantes de outros países, especialmente os 
mais pobres. 
Na dramaticidade presente em cada cenário revelado, dois pontos 
foram especialmente valorizados. Primeiramente, apareceu a valoriza-
ção do trabalho do professor e, na sequência, defendeu-se que, por 
obra da iniciativa estatal, fossem criados centros de pesquisa voltados 
para a educação. O artigo 14° da Carta do Professor tratou exclusiva-
mente dessas questões. 
À sua maneira, esse evento, que contou com personagens cujos 
trabalhos tinham visibilidade internacional, colocou em pauta uma 
questão de importância estratégica para se entender a história da edu-
cação, especialmente a brasileira, na década de 1950. Trata-se da 
premissa de que uma nova política para formação de professores deve-
136 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
ria levar em consideração dados concretos de realidades concretas e, 
por isso mesmo, respaldarem-se em projetos de pesquisa capazes de 
traduzir em argumentos sociologicamente consistentes aquilo que os 
números estatísticos revelam de forma trágica. 
Tais questões se encontravam em ponto de ebulição, no Brasil. 
As representações da realidade nacional circulavam e permeavam 
o cenário político dos anos 1950. Tais representações eram apropriadas 
de diferentes formas e algumas ideias ganhavam desconcertante pro-
jeção e receptividade. 
Provavelmente, nunca fomos tão criativos em termos educacio-
nais como fomos no transcorrer da década de 1950 e nos primeiros anos 
da década de 1960. Contudo, mesmo com muita criatividade, o que 
assistimos a partir daquele contexto foi a diluição do tema educação 
na lógica da economia. Uma perda paulatina dos contornos próprios 
conduziu as questões educacionais àquilo que podemos designar por 
"economicismo", expressão que quer indicar que as finalidades da 
educação foram assumindo contornos desenhados unicamente em fun-
ção das assim chamadas "demandas do desenvolvimento". 
137 
^EDITORA 
3 
O desenvolvimento como meta 
e como mistificação 
Nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, os 
conceitos originados na "ciência económica" foram apropria-
dos em ritmo e extensão sem precedentes. Os temas ou conceitos de 
subdesenvolvimento e desenvolvimento, especialmente após a con-
tribuição da CEPAL a partir de 1948, rapidamente foram assimilados e 
entendidos como palavras-chave para quase todos os "problemas na-
cionais", jargão que na década de 1950 frequentemente era ampliado 
para "problemas da nossa época". 
Porém, o lugar excessivamente amplo destinado ao tema desen-
volvimento dificilmente é arrolado entre as grandes questões que, na-
quele contexto, pareciam estar direta ou indiretamente envolvidas 
com o tema do crescimento económico. 
A educação não passava incólume à força daquelas ideias. A partir 
da metade do século XX, a finalidade económica da educação tornou-
-se um "mantra" repetido incansavelmente desde então. 
Na década de 1950, no Brasil, alguns diagnósticos políticos chega-
vam a colocar em dúvida a possibilidade de o país industrializar-se com 
os níveis educacionais que apresentava. 
Admitia-se, sem muita resistência, que o crescimento económico 
e a elevação nas taxas de emprego "necessariamente" exigiriam am-
pliação da taxa de diplomação escolar e, principalmente, cobrariam 
qualificação junto aos sistemas públicos de ensino. 
Realizava-se uma transposição excessivamente simples dos con-
ceitos da economia para o campo da educação e a tónica "desenvolvi-
139 
Freitas e Biccas 
mentista" passava a abranger, inclusive, o reconhecimento da impor-
tância da escolarização de um povo, inúmeras vezes, descrito como 
arcaico, rústico e até primitivo. 
O estudo minucioso elaborado por Salles demonstra, com fartura 
de dados que, pelo menos no Estado de São Paulo, lugar proposital-
mente escolhido pelo autor para empreender sua análise, a forte in-
dustrialização levada a efeito naquele momento não demandou au-
mentos expressivos na taxa de escolarização (SALLES, 2001, p. 18). Os 
processos de sofisticação, crescimento e produção acelerada de rique-
zas não precisaram de mão de obra mais qualificada. 
Estava em andamento um processo de expansão crescente do aces-
so à escolarização. A "razão desenvolvimentista", porém, impregnava a 
maioria das análises em circulação e estas se esforçavam em demonstrar 
que sem outros números educacionais sequer capitalismo teríamos em 
lugar tão atrasado, ou, melhor, em lugar tão subdesenvolvido. 
A tabela a seguir, que se refere exclusivamente aos números edu-
cacionais do Estado de São Paulo, compara duas situações, a do início 
em relação ao final da década de 1950. 
Tabela 1. Alfabetizados e analfabetos em São Paulo 
N- de Alfabetizados N- de Analfabetos 
1950 .(população) 7.796.857. . 4.627329 • • 3.196.528 
1960 (população) 10.987015- 7663.544- 3.323.463 
1950 (urbano) 4.219.446 3.226.462 992.984 
1960'(Lirbariò) 7.016:312 5.546.442 1.469.870 
1950:(rural) V 3.577411 1.400.867 2.176.544 
1960 (rural)3.970.703 2.117.105 1.853.598 i 
Fonte: Censo Demográfico, Estado de São Paulo, 1950, p. 19./Censo Demográfico, Estado de São Paulo, 1960, 
pp. 16-17. 
São números expressivos, crescentes e que sugerem uma certa 
sincronia entre o momento de forte expansão na industrialização do 
Estado e o aumento da população com acesso à escola. 
Contudo, os argumentos de Salles em relação a tais números não 
podem ser ignorados: 
140 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
(...) tal resultado, de proporções aparentemente expressivas, se relativiza 
quando se observa a percentagem do crescimento das matrículas na popu-
lação em geral. De um patamar de 28,9% de pessoas matriculadas na popu-
lação geral, em 1950, passa-se para 36% em 1960. Equivale dizer que o 
acréscimo como resultado dos esforços despendidos, em 10 anos, atingiu 
apenas a modesta marca de 6,1% de novas matrículas. índice insuficiente 
para que se constate uma mudança qualitativa significativa no quadro edu-
cacional geral da população paulista (SALLES, 2001, p. 129). 
De forma geral, o crescimento económico era confundido com mo-
dernização. Entre 1940 e 1960, o crescimento populacional variou po-
sitivamente em 53,5%; o crescimento do sistema educacional variou 
positivamente em 118,1% e o crescimento industrial variou positiva-
mente em 225,7% (ibidem, p. 124). 
Tais números e argumentos nos oferecem respaldo para concluir 
que narrar os muitos acontecimentos relacionados à educação brasilei-
ra no período que vai do após-Guerra em 1945 até o golpe de Estado 
em 1964, como um processo concatenado de "adaptação" da educação 
às exigências da indústria que "exigia" mão-de-obra barata e mais qua-
lificada, é uma operação analítica no mínimo vulnerável. 
Nem bem a década de 1960 começara e Fonseca já denunciava que 
da maioria das pessoas empregadas no processo de industrialização que 
estava em franca aceleração se exigia apenas formação "monotécnica", 
sem cobrar maiores contrapartidas para o aparato escolar como um todo, 
sendo suficiente para o trabalho industrial o incremento de informação 
que o próprio processo de trabalho oferecia (FONSECA, 1961, p. 503). 
A questão de fundo em relação a tais fatos diz respeito à herança 
que recebemos daqueles anos e que, de certa forma, permanece pra-
ticamente intacta. Essa herança tem um reducionismo próprio que se 
traduz na seguinte questão: se educação não se presta a desenvolver 
um país, ela se presta a quê? 
A vinculação entre educação escolar, aspiração ocupacional e ta-
xas de crescimento será uma constante desde então, ainda que os vín-
culos entre o que a produção quer e o que a escola oferece sejam dé-
beis. Mas tal debilidade veio para ficar. 
141 
Freitas e Biccas 
Se a produção industrial pouco precisou da escola para crescer e 
gerar enriquecimento individual, contraditoriamente, os números po-
bres da educação foram exaustivamente explicados tendo por base a 
premissa de que nossa educação é inconsistente porque desconectada 
das demandas da produção! 
Merece ser destacado que em tempos de projeção de muitas dua-
lidades, tais como subdesenvolvimento e desenvolvimento, as compa-
rações entre estilos de vida considerados, respectivamente, arcaicos e 
modernos favoreciam a recriação permanente dos mitos da superiori-
dade da vida urbana sobre a vida rural. 
Cardoso e Ianni, por exemplo, argumentaram que a educação bra-
sileira era inadequada às necessidades da sociedade urbana e assim 
era, no entender de ambos, porque não oferecia adestramento de mão 
de obra suficiente para a expansão industrial que estava em processo 
(CARDOSO e IANNI, 1959, p. 145) . 
A análise desses dois sociólogos, entre os mais reconhecidos que 
tivemos, apareceu no ano de 1959, que se tornou paradigmático em 
relação à forma como foram apresentados os termos da inadequação 
entre a escola que tínhamos e a escola que precisávamos, mas isso 
será abordado um pouco adiante. 
Por enquanto, é importante frisar que entre o início dos anos 1950 
e o início dos anos 1960, o tema da inadequação da escola que tínha-
mos em relação "às necessidades contemporâneas" manifestou-se no 
seio de inúmeras controvérsias. 
Naquilo que diz respeito à história social da educação no Brasil é 
fundamental destacar que, mesmo num cenário em que o idioma da 
economia predominava, também aflorava uma forma, por assim dizer, 
singular de pensar a escola, sua "anatomia" e seu modo próprio de ser. 
É exemplar dessa singularidade a manifestação do jovem Antonio 
Candido em relação à realidade escolar. Num contexto em que as ge-
neralizações da análise económica fortaleciam a construção de teorias 
da história e de amplos sistemas sociológicos, a análise de Candido, 
que se apresentou no ensaio "A estrutura da escola", fez par com 
142 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
outras tendências analíticas que, interessadas na abordagem antropo-
lógica dos fenómenos sociais, chegava a afirmar que para entender a 
estreita relação entre escola e cultura seria necessário admitir, primei-
ro, que "cada escola é uma escola diferente". 
O autor chamou atenção para a complexidade da vida social que 
transcorria dentro de cada escola. Com isso, reconhecia que a institui-
ção escola possuía algo de único em sua forma, do que decorria um 
sistema simbólico seu, que não se repetia em nenhuma outra instância 
de convivência contínua (CANDIDO, 1953) . 
As escolas, no seu entender, tinham características em comum, 
permanências, quando eram analisadas com base no lugar de destaque 
que a escolarização adquiriu em nosso complexo civilizatório. Porém, 
cada unidade recriava à sua maneira o agir dos grupos de sociabilidade 
que só se formavam porque eram grupos decorrentes da gramática 
relacional da socialização escolar. 
Essa argumentação nos coloca diante de mais uma contradição, que 
se apresentou com força depois da década de 1940, no Brasil. A contradi-
ção se dava entre o que os atos padronizadores revelavam em relação aos 
atos que mostravam a educação nos contextos "fora do padrão". 
Por um lado, os atos de governos, progressivamente, imprimiram 
padronização à estrutura escolar do país. De outro lado, a pesquisa em 
educação, que se estruturou a partir da década de 1950, trabalhou 
com o oposto disso, ou seja, trabalhou com aspectos únicos e particu-
lares presentes nos "muitos Brasis", nas múltiplas realidades que se-
riam redescobertas. 
Em relação aos processos de padronização, a tónica dos debates 
que repercutiam atos de governo se mostrava mais claramente nas 
discussões que retomavam a dualidade centralização e descentraliza-
ção, da qual se desdobrará, como veremos, uma nova edição do emba-
te público e privado na história da educação brasileira. 
Já em relação aos aspectos únicos e particulares que conseguiram 
aflorar nas imagens dos "muitos Brasis" que circularam nos anos 1950, 
predominou um "espírito de inquérito social", alimentado no circuito 
143 
Freitas e Biccas 
Anísio Teixeira que, então, se reorganizava e que se dispunha a dar voz 
às personagens da educação escolar, especialmente os professores dos 
"Brasis distantes". 
As campanhas para saber do Brasil distante 
o destaque dado, aqui, ao nome de Anísio Teixeira não é casual. 
Quando nos referimos ao educador também nos referimos ao "circuito" 
de instituições e pessoas que ele conseguiu conectar no aparato estatal 
que institucionalizou ações sobre o campo da educação e que se con-
verteu num dos mais importantes patrimónios da história social da edu-
cação no Brasil. 
Anísio Teixeira, no início da década de 1950, expressava, ao mesmo 
tempo, um contentamento e um pesar. O intelectual baiano celebrava a 
restauração da democracia no após-Estado Novo e no após-Segunda 
Guerra enquanto lamentava ter que retornar ao tema da reconstrução 
educacional brasileira"movendo o relógio para trás". Ou seja, de certa 
forma seus escritos retomam o tema da "restauração da história" me-
diante o esforço racional de "recuperar o tempo perdido". 
Em 1949, dirigindo a Instrução Pública, na Bahia, Anísio firmou 
convénio com a Columbia University, dos Estados Unidos, que deu ori-
gem ao Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia. Sua motiva-
ção, no sentido de recuperar o tempo perdido, nutria-se da expectati-
va de que a pesquisa social fosse reconhecida como parte estratégica 
do planejamento estatal em educação. 
Sua ação na Bahia o recolocou novamente no coração dos debates 
educacionais que adquiriam, então, projeção nacional. 
Em 1951, o Decreto n. 29.741 criou a Campanha Nacional de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior, até hoje chamada CAPES, 
pensada como "órgão de inteligência estatal" voltado para a qualifica-
ção em termos de pesquisa e atenção aos setores com déficits científi-
cos e intelectuais. 
144 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Anísio Teixeira foi nomeado seu Secretário Geral em 1952, perma-
necendo nesse posto até 1964. Em 1952 assumiu também a direção do 
INEP e, por dentro desse lugar estratégico no coração do Estado, deu 
início a um vigoroso ciclo de realizações no campo da educação. 
Anísio foi o terceiro diretor num Instituto que primou por evitar a 
rotatividade nos quadros diretivos. Manoel Lourenço Filho foi diretor de 
1938 a 1945, sendo substituído no contexto da redemocratização por 
Murilo Braga de Carvalho, que administrou o INEP de 1945 até 1952. Mu-
rilo Braga faleceu tragicamente, num acidente de avião, em 1952, dei-
xando vago o cargo que seria ocupado por Anísio Teixeira de 1952 a 1964. 
É importante lembrar um outro aspecto bastante estratégico em 
termos de política educacional. A partir do mandato de Murilo Braga, o 
INEP assumiu a gestão dos recursos do Fundo Nacional de Ensino Primá-
rio que, como vimos, foi criado em 1942. 
Independentemente desse capital político-operacional, para Anísio 
Teixeira o INEP era um lugar destinado a congregar forças diferentes, 
com o objetivo de atacar problemas estruturais da educação brasileira. 
Um certo espírito de consulta e de escuta manifesta-se já nas duas 
primeiras campanhas organizadas pelo INEP entre o segundo semestre 
de 1952 e o primeiro semestre de 1953. Essas campanhas foram marca-
das pela ideia de que o levantamento dos problemas nacionais seria 
tratado como estratégia de planejamento. 
A primeira campanha foi a CILEME, que era a Campanha de Levan-
tamentos e Inquéritos para o Ensino Médio e Elementar, que foi instituída 
com o objetivo de fornecer aos dirigentes educacionais dados quantita-
tivos e qualitativos das deficiências que os processos de escolarização 
estavam a enfrentar em meio ao processo de expansão de vagas que já 
começava a ser acusado de "perder qualidade à medida que crescia". 
Campanhas como a CILEME avivam as discussões sobre o padrão da 
escola pública brasileira. Atais inquietações o INEP oferecia como con-
traponto uma reflexão a respeito do pequeno alcance que a ideia de 
padrão pode ter quando referida a uma instituição como a escola, 
estruturalmente marcada pela ação da diversidade. 
145 
Freitas e Biccas 
Para evitar a impressão de que o INEP constatava (e celebrava) a 
diversidade e, diante dela, se conformava, uma segunda campanha 
deu início a um processo que pretendia costurar consensos em meio à 
diversidade, ou seja, oferecer ao professorado do ensino secundário 
material qualificado para que, mesmo com uma ação fortemente sujei-
ta à diversidade, um tom de "unidade nacional" pudesse ser percebido 
na forma de trabalhar do professor brasileiro. A campanha destinada a 
realizar esse intento foi a CALDEME, Campanha do Livro Didático e dos 
Manuais de Ensino. 
O Ministro da Educação Ernesto Simões da Silva Freitas Filho, en-
caminhou à Presidência da República a seguinte justificativa para a 
criação da CALDEME: 
(...) A assistência técnica ao professorado constitui uma das funções mais 
importantes dos serviços educacionais (...) A sua necessidade tanto se faz 
sentir em relação ao professorado de alto preparo quanto ao de formação 
deficiente (...). Há dois métodos principais de prestar a assistência técnica; 
ou tornando acessíveis aos professores cursos de aperfeiçoamento; ou fazen-
do chegar às suas mãos guias ou manuais escritos especialmente para a sua 
orientação (...). (Exposição de Motivos apud Boletim CBPE, 1956, p. 27.) 
A assistência técnica a que se refere o Ministro, nos anos seguin-
tes, seria objeto de uma dupla significação. A depender da situação, no 
transcorrer da década, aquela assistência quis indicar a presença do 
Estado que fala da educação ou, conforme o caso, indicar a presença 
do Estado que escuta os educadores. 
Não se deve perder de vista, porém, que a realidade educacional 
brasileira apresentava problemas de grande envergadura, problemas cuja 
solução demandava ações mais abrangentes do que aquelas levadas a 
efeito no âmbito das Campanhas. O próprio Anísio Teixeira sabia disso. 
Em 1956, quando reuniu seus textos de reflexão e os publicou no 
livro A educação e a crise brasileira, o diretor do INEP contrapôs as 
palavras crise e democracia. Com isso, ele tentava indicar que, 
naquele novo contexto, a consolidação da democracia implicaria uma 
sólida aproximação da política governamental em relação à "realida-
de nacional". 
146 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Anísio Teixeira mais uma vez argumentava que o Brasil estava a 
fazer uma revolução industrial tardia. O país tentava consolidar e ex-
pandir seu parque industrial sem que a renovação técnica que a indús-
tria enseja pudesse ser conjugada com a escola. A escola brasileira, no 
seu entender, permanecia "anacrónica", no ritmo de um outro tempo, 
fora e distante da vida real. 
A forte impressão de anacronismo, deve-se observar com atenção, 
fazia parte do cenário sociológico da década. Durante todo o século XX 
não houve momento no qual as imagens do mundo cindido entre o ar-
caico e o moderno fizessem tanto sentido como naqueles anos frequen-
temente lembrados com as metáforas do desenvolvimentismo. 
Em razão disso, manifestações como as de Anísio Teixeira também 
tinham a marca da preocupação com a "unidade nacional", uma unida-
de sempre contraposta às imagens da fragmentação. 
Por isso, a menção ao argumento anisiano, aqui, tem importân-
cia estratégica. Se houve oportunidade histórica de repor a dialética 
da cultura regional em relação à cultura nacional isso se deu porque 
Anísio Teixeira estava em vias de consolidar um ambicioso projeto 
com o qual sonhava somar pesquisa social com a reorganização da 
educação escolar. 
Desde 1952, Anísio Teixeira estava envolvido não somente com a 
CAPES ou com CALDEME e CILEME, mas também com debates que, em 
pouco tempo, resultaria na criação, em 1955, do Centro Brasileiro de 
Pesquisas Educacionais (CBPE) e dos Centros Regionais de Pesquisas 
Educacionais (CRPEs), instituições cujo funcionamento teve início em 
1956. Tais Centros, resultantes de sua incomparável capacidade de 
aglutinação, provavelmente constituíram a mais interessante experi-
ência no âmbito das investigações sociológicas e antropológicas em 
educação do século XX. 
Anísio Teixeira, em companhia de Darcy Ribeiro, levava às últimas 
consequências a expectativa de que a pesquisa educacional pudesse 
encontrar a diversidade cultural retomada pelas pesquisas sociais pa-
trocinadas pelos Centros em projetos capazes de aproximar a pesquisa 
147 
'f> Freitas e Biccas 
educacional do conhiecimento sobre realidades consideradas exempla-
res da diversidade cultural brasileira. 
Por obra do CBPE, Anísio Teixeira conheceu mais de perto escritos em 
relação às quais mantinha até então alguma distância,como os de Gilberto 
Freyre, por exemplo. Sendo assim, não foi casual o convite feito ao escri-
tor pernambucano para que assumisse a direção do Centro Regional de 
Pesquisas Educacionais de Pernambuco bem como não foi pequeno o im-
pacto que as opiniões de autores "freyreanos", como Levy Cruz, passaram 
a exercer sobre suas próprias análises, especialmente quando concordava 
com o diagnóstico que apontava que no Brasil " a população rural estava 
passando do carro de boi para o avião sem passar pela diligência". 
Acelerar o tempo talvez tenha sido a expressão de "estratégia" 
mais cara a Anísio Teixeira. Isso resultava justamente da crença, algo 
ascética, na possibilidade de acelerar o tempo e ajustar nossa história 
à história do Ocidente, convocando a educação a protagonizar a lide-
rança nesse processo de reconstrução. 
O que a educação escolar tinha a oferecer ao povo brasileiro 
nesse cenário ressurge em Educação e a crise brasileira em tom qua-
se convocatório: 
(...) o que importa, na cultura de um povo, é o atrito, a oposição, pois estes 
são os elementos que promovem o revigoramento e a vida de suas institui-
ções (...). E o mais importante é a unidade da cultura brasileira, que pode-
rá e deverá ser a unidade dinâmica de uma cultura diversificada. 
Para que tais ideias se transformassem na razão de ser da pesquisa 
educacional a ação de uma nova força institucional estrangeira fez a 
diferença; em outras palavras, a UNESCO entrou em cena^ 
A UNESCO, como agência para o desenvolvimento da educação, da 
ciência e da cultura junto à Organização das Nações Unidas, teve um 
papel fundamental na reformulação das ciências sociais e da pesquisa 
educacional no Brasil. 
1 A narrativa sobre o projeto UNESCO e, na sequência, sobre o CBPE e os CRPEs, reproduz, em alguns trechos 
literalmente, a análise anteriormente apresentada em Freitas, 2001. 
148 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Dois momentos foram decisivos para que esse papel fomentador 
fosse desempenhado pela Agência. O primeiro deu-se em agosto de 
1949, quando Arthur Ramos, o mesmo que havia realizado com Anísio 
no Distrito Federal o estudo sobre "crianças-problema", assumiu a di-
reção do Departamento de Ciências Sociais da UNESCO. 
Como a UNESCO já vinha engendrando ações no sentido de comba-
ter o analfabetismo. Ramos acrescentou a esse esforço a necessidade 
de ampliação quantitativa e qualitativa dos estudos raciais e das pes-
quisas sobre a integração do negro e do indígena nas sociedades que se 
modernizavam (AAAIO, 1997 ) . 
O segundo momento está relacionado à aproximação que se intensi-
fica a partir de 1952 entre Anísio Teixeira e os especialistas que passam a 
visitar o INEP no Brasil, especialmente Charles Wagley, Jacques Lambert:, 
Otto Klineberg, Andrev/ Pearse e Bertram Hutchinson (XAVIER, 2000) . 
Tais episódios foram decisivos no processo de institucionalização 
das ciências sociais no Brasil que, a partir da década de 1950, passam 
por refundações teóricas e temáticas. Pode-se atribuir aos mesmos 
eventos a colaboração decisiva para a aproximação intensa que ocor-
reu entre sociólogos, antropólogos e educadores. 
Desde 1952, o contato entre aqueles intelectuais encaminhava a 
produção de surveys sobre o Brasil como um todo e sobre sua educação 
em particular. Amadurecia também a ideia de prover o Estado brasilei-
ro de um Centro de Altos Estudos Educacionais. Efetivamente, naque-
les anos, ao redor de Anísio Teixeira nasciam as mais importantes insti-
tuições de investigação educacional, não exclusivamente universitárias, 
que o Brasil possuiu ao longo do século XX. 
A preocupação com a diversidade cultural brasileira era a marca 
registrada de todas as iniciativas de pesquisa. 
A partir dessa inquietação coletiva o tema da multiplicidade cul-
tural tornou-se um renovado desafio teórico e investigativo. As dife-
renças entre as realidades locais, regionais e nacionais tornavam-se 
novamente objeto das ciências sociais que se associavam (então) à 
educação. Associadas, ambas as frentes de investigação renovaram o 
149 
Freitas e Biccas 
campo dos "estudos de caso", que ganharam prestígio na forma de 
"estudos de comunidade" (CORRÊA, 1987 e 1988 ) . 
O contato contínuo com o tema da diversidade cultural justifica o 
vigor com o qual o livro Educação e a crise brasileira adverte para os 
"perigos do excesso de centralização". Conhecer problemas de perto 
tornou-se o lema que deu vida à defesa de uma "escola pública flexível 
e adaptável". 
Com esse espírito, no organograma do CBPE apareceram como atri-
buições da Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais e também da 
Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais os chamados estudos de caso, que 
ganharam, então, grande reconhecimento. Com o intuito de se conhecer 
a singularidade de cada local e de se compreender o complexo relacio-
namento entre escola e comunidade, organizaram-se programas que as-
sociavam a antropologia à sociologia da educação. As cidades escolhidas 
como "amostra" para os estudos de caso foram denominadas Cidades 
Laboratório, em projeto que tinha a clara influência da antropologia de 
Darcy Ribeiro. 
Em poucos anos o projeto CBPE compartilhado com os CRPEs apro-
ximou intelectuais com formação diversificada e os conduziu para o 
campo da educação. 
Brasileiros e estrangeiros uniram seus esforços e isso trouxe ao 
campo da educação nomes que, em outra circunstância talvez não se 
aproximassem do temas educacionais. Entre tais pesquisadores, 
podemos citar Jacques Lambert, Almir de Castro, Jaime Abreu, J . Ro-
berto Moreira, R. Atcon, Charles Wagley, Marvin Harris, Carl Withers, 
Adroaldo Junqueira Aires, Josildeth Gomes, Carlos Gastaldi, José Boni-
fácio Rodrigues, Oriando F. de Melo, L. de Castro Faria, Luiz Aguiar 
Costa Pinto, Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre, Almeida Júnior, 
Antonio Candido de Melo e Souza, Lourival Gomes Machado, Bertram 
Hutchinson, Florestan Fernandes, Roger Bastide, Egon Schaden, Darci 
Ribeiro, Maria José Garcia V/erebe, José Mário Pires Azanha, Luiz Perei-
ra e Celso de Rui Beisiegel. Alguns atuaram no âmbito do CBPE, outros 
nos domínios do Centros Regionais, e uns poucos, em ambos. 
150 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Tratava-se de uma intelectualidade vigorosa, alguns ainda em for-
mação, mas todos destinados a influenciar com seus escritos o debate 
nas várias áreas de atuação sobre as quais se espalharam nos anos se-
guintes. Naquele momento, muitos estavam sob o impacto da divulga-
ção recente de conceitos antropológicos de cultura (XAVIER, 2000) e isso 
os investia da condição de novos leitores das antigas dualidades que 
projetavam um Brasil dividido entre a esfera da legalidade e a esfera 
da realidade em si mesma. 
O professor, nesse sentido, foi pensado de forma original por Anísio 
Teixeira que supôs que em cada localidade, mesmo o docente com 
mais dificuldades, pudesse, de alguma forma, atuar como pesquisador 
adjunto nas pesquisas sobre culturas locais. O professor, a professora 
foram guindados à condição de intérpretes das demandas educacionais 
de cada local. 
É com esse espírito de "refundação" do lugar do professor que 
Educação e a crise brasileira proclama: 
(...) A unidade nacional será promovida pelas escolas, quando nelas preva-
lecer o princípio fundamental de liberdade do Estado moderno, que é o de 
que a lei não é competente para decidir em questões de saber ou de cons-
ciência profissional. [Por isso] Ensinar e como ensinar são questões a serem 
resolvidas na escola. 
Tudo o que ocorria naquele contexto com tantas novas ideias e 
projetos mantinha, ainda que fosse com grande sofisticação, a força 
das representações do Brasil cindido em dois, ou cindido em "muitos 
Brasis". 
A impressão de que coexistiam simultaneamente vários tempos his-
tóricos estava mais vivado que nunca, o que também se alimentava com 
as ideias produzidas em outro espaço institucional bastante interessado 
no tema "realidade nacional" que era o Instituto Superior de Estudos 
Brasileiros - o ISEB, fundado em 1955. 
Muitas daquelas pesquisas ofereciam argumentos que reforçavam o 
conteúdo político dos escritos de autores como Anísio Teixeira ou mesmo 
de Paschoal Lemme. Quantos estudos de caso, patrocinados pelo CBPE, 
151 
Freitas e Biccas 
não chegaram à conclusão de que o Brasil, ou 
pelo menos boa parte dele, ainda não havia en-
trado plenamente na modernidade? 
Travessia. 
Diante de diagnósticos tão desfavoráveis, o 
argumento síntese de Anísio Teixeira, em rela-
ção aos problemas historicamente acumulados 
no âmbito da educação pública brasileira, es-
forçava-se por rejeitar o excesso de centraliza-
ção e de inflexibilidade que caracterizava a 
educação escolar brasileira. 
Se os projetos de pesquisa levados a efeito 
no CBPE renovaram a atenção ao velho tema da 
dualidade arcaico e moderno, os projetos dos 
Centros Regionais de São Paulo, Minas Gerais e 
Recife, para além das questões regionais às 
quais estavam obrigatoriamente vinculados, 
também ofereceram informações que, somadas 
àquelas obtidas no CBPE do Rio de Janeiro, des-
cortinavam novos ângulos de visada para a rela-
ção cada vez mais tensa entre escola e cidade, 
entre educação pública e mundo urbano. 
Na perspectiva dos Centros Regionais, as distâncias entre os "mui-
tos Brasis" poderiam ser compreendidas com mais rigor se vistas com a 
ênfase no desequilíbrio entre o urbano e o rural. 
Os espaços rurais sugeriam imagens da sobrevivência de estrutu-
ras arcaicas e os espaços urbanos sugeriam imagens da convivência 
entre estruturas provincianas com outras cosmopolitas. Quase todas as 
pesquisas se esforçavam em descrever um país sem homogeneidade. 
O caráter heterogéneo da nação, todavia, só podia ser apreendido 
com o olhar atento do estudo de caso, da análise do exemplo singular, 
da observação de realidades-modelo. Ao mesmo tempo em que 
despontam estudos como Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Can-
0 Instituto Superior de 
Estudos Brasileiro (ISEB) 
tornou-se um dos símbolos 
mais fortes do momento 
no qual circulavam 
intensamente 
representações do 
nacional-
-desenvolvimentismo. 
Abrigou intelectuais muito 
diferentes entre si, 
porém, interessados em 
discutir temas como o 
desenvolvimento nacional 
e, principalmente, aquilo 
que se designava por 
"realidade nacional". 
Entre seus principais 
membros podemos citar 
Álvaro Vieira Pinto, 
Alberto Guerreiro Ramos, 
Hélio Jaguaribe, Roland 
Corbisier, Nelson Werneck 
Sodré, entre outros. 
O "idioma isebiano" 
repercutiu bastante nos 
movimentos estudantis 
e também junto aos 
militantes relacionados 
tanto à cultura quanto à 
educação popular (Freitas, 
1998). 
152 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
dido, a sociologia da educação começa a ser articulada com a ideia da 
pesquisa de campo e a antropologia renova o ímpeto de discutir as 
questões raciais ainda efervescentes. 
O CBPE e os CRPEs, juntos, alimentavam a expectativa de produ-
ção de um "mapa cultural" do Brasil ou "dos Brasis". 
A pesquisa educacional tocada por essa motivação passa a apoiar-
-se em procedimentos típicos da pesquisa de campo, da observação 
etnológica e etnográfica. Esperava-se que o "mapa cultural" do Brasil 
pudesse colaborar na feitura de um "mapa educacional", o que foi 
justificado por Fernando de Azevedo com os seguintes argumentos: 
A expressão mapa cultural está naturalmente sendo usada como um símbolo, 
para representar um conhecimento completo da cultura brasileira contem-
porânea, no seu sentido mais amplo, incluindo vida de família e criação de 
filhos; atividades económicas e sociais, o uso do tempo de lazer, atitudes 
psicológicas, objetivos e ideais, com a devida atenção à herança religiosa e 
ética do povo. (...) O mapa educacional deverá conter, também, um com-
ponente psicológico, representado pelas atitudes do povo em relação às 
escolas, o grau e natureza da satisfação e descontentamento, os desejos e 
esperanças - e possivelmente também os temores - relativos à educação, 
qual a contribuição prática que o povo poderá dar a escola e assim por dian-
te. (...) Se o antropólogo social tiver sido designado pelo CENTRO para 
elaborar um estudo de comunidade, é de se esperar que ele dedique aten-
ção especial ao papel da escola na comunidade, à escola como instituição, 
à composição (económica, social, étnica) da população da escola, às ativi-
dades e ocupações dos educandos, ao status dos professores etc. (Informe 
CBPE in RBPE, 1955, p. 119-121). 
Propostas como a dos "mapas culturais" reforçavam a convicção 
de que o conhecimento detalhado da cultura brasileira deveria ser o 
ponto de partida para a reestruturação de toda a sociedade. 
No circuito Anísio Teixeira essa valorização dos mapas culturais e 
do conhecimento da realidade também se traduzia na aversão aos pro-
cessos de centralização e de uniformização que teriam feito da escola 
pública um lugar abrigo para o chamado saber ornamental. 
Na obra coletiva do CBPE, o olhar antropológico sobre a escola, a 
comunidade, a administração e a tecnologia trouxe novos componen-
153 
Freitas e Biccas 
tes para o debate sobre a identidade cultural do Brasil. Sobre essa 
identidade se projetavam intenções de pesquisa relacionadas aos 
"efeitos de urbanização" que supostamente a escola pública produziria 
à medida que se tornasse acessível para toda a sociedade. 
Algumas pesquisas foram realizadas em locais de recente convívio 
com a escola pública. Em tais situações, os pesquisadores nem sempre 
encontraram relações sociais harmoniosas entre escola e comunidade. 
A escola pública quando chegou às periferias deparou-se também 
com novas faces e novos enigmas dp povo brasileiro. Não somente os 
filhos do migrante Severino a que nos referimos anteriormente mas 
também muitos outros cujo sangue "também tinha pouca tinta" recla-
mavam o direito de entrar e de permanecer na escola. Nesse sentido, 
os "efeitos de urbanização" nem sempre foram generosos. 
O aluno pobre visto de perto 
A oferta de vagas na escola pública crescia desde 1930 e nos anos 
1950 a expansão da rede escolar primária já se fazia notar nas paisa-
gens urbanas, a despeito da distância sempre presente entre a oferta 
e a demanda. 
Os projetos de pesquisa do CBPE e dos CRPEs revelaram um dado 
obscuro na forma como a expansão era percebida nos locais em que a 
escola pública chegava. Não foram poucos os exemplos encontrados de 
pessoas que consideravam existir uma certa "incompatibilidade" ou 
uma certa "dificuldade de adaptação", eufemismos utilizados para ex-
pressar um certo incómodo com a presença da criança pobre na escola 
pública. 
A percepção de que o pobre "nem sempre era bem-vindo" levou 
inúmeros pesquisadores, especialmente os que trabalhavam no CRPE 
de São Paulo e no CBPE do Rio de Janeiro a procurar estabelecer inter-
locução com as mães dos alunos pobres. 
A Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais do CRPESP, desde 
1958, trabalhava com a verificação de "escalas de escolaridade". Tais 
154 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
procedimentos tentavam não reeditar os procedimentos que 
simplesmente aplicavam testes junto ao aluno. O que se pretendia, 
diferentemente da quantificação de resultados, era "avaliar o quan-
tum de escolarização o aluno trazia, sem prender-se me demasia na 
avaliação de zero a dez" (Boletim CRPESP, 1959, n. 15; pp. 131-132). 
Considerava-se que as escalas de escolaridade poderiam oferecer 
ao professor um instrumento pedagógico com o qual o "nível cultural" 
da família pudesse ser avaliado. 
Tais iniciativas eram justificadas com números que indicavam altastaxas de reprovação e, por isso, havia unanimidade em reconhecer que a 
escola pública tinha no aluno pobre seu desafio de maior complexidade. 
Porém, aquele momento criativo também tinha faces obscuras a 
revelar. O conceito de "criança-problema", por exemplo, construído 
dentro da escola pública e que, em certo sentido, como vimos, "defen-
deu" muitas crianças pobres do uso abusivo da categoria "anormal", 
passaria por um processo de reapropriação. 
As referências à "criança-problema" mantinham, então, o "tom 
clínico" da década de 1930 e funcionava ainda como diagnóstico para 
explicar a "pressão da casa pobre sobre a escola". Pressão da casa po-
bre sobre a escola queria dizer "problemas domésticos que, se não 
fossem contornados, gerariam evasão ou repetência". 
Tal situação fez com que muitos pesquisadores dialogassem com 
mães e pais com o objetivo de apreender os problemas de evasão não 
utilizando apenas os repertórios de análise internos de cada escola, 
uma vez que esses soavam rigorosos demais para com alunos que, na-
quele momento, começavam a ser, de certa forma, responsabilizados 
pelos próprios fracassos. 
Em razão disso tudo, o tema da reprovação escolar passou a ser 
discutido com novos argumentos, incluindo, entre as possibilidades de 
análise, o projeto de se fazer com que a escolarização também fosse 
capaz de atenuar problemas sociais relacionados à infância. 
Dante Moreira Leite, por exemplo, a partir de 1958, começa a in-
sistir para que constasse do programa do CBPE a avaliação do sentido 
155 
Freitas e Biccas 
económico que a reprovação escolar adquiria na sociedade brasileira 
(MOREIRA LEITE, 1959, p. 15 ) , salientado que a reprovação na escola pú-
blica brasileira não era um instrumento de correção de deficiências na 
aprendizagem mas sim um forte instrumento de exclusão social. 
A questão dos problemas de escolarização da criança pobre foi a 
marca de muitas pesquisas do Centro Regional de São Paulo e também 
do Centro Regional de Minas Gerais. 
Mas, no Rio de Janeiro, essa questão ganhou um tom especial por-
que lá o conceito de "criança-problema" havia se configurado dentro 
da escola pública e, por isso mesmo, esse tema "renasceu" com os 
estudos sobre a escolarização da criança favelada. 
Entre tantos estudos que poderiam ser citados, a pesquisa feita 
por Josildeth Gomes Consorte intitulada A criança favelada e a escola 
pública, apresentada ao CBPE em 1959, trouxe exemplos muito signifi-
cativos do que estava ocorrendo no interior de algumas escolas em 
relação às crianças faveladas. 
Por um lado, o conceito de criança-problema foi apropriado e tornou-
-se uma espécie de "ente coletivo" capaz de descrever qualquer criança 
favelada. Sendo assim, escolarização nessas circunstâncias passou a ser 
defendida como "trabalho de integração de mundos distintos". 
A pesquisa de Consorte surpreendeu a consolidação de uma distin-
ção importante, produzida no âmago de relações sociais existentes 
entre professores e alunos. A distinção diz respeito ao fato de que a 
criança favelada é pobre, evidentemente. Porém, o que a pesquisa de 
campo revelava era que a escola empreendia uma distinção interna, 
própria, ao enfatizar que, nos domínios da pobreza, uma coisa é ser 
pobre, outra favelado. 
A escola, mais uma vez, passava a ser representada como se fosse 
a antítese positiva do mundo privado negativo que constituía a experi-
ência concreta de muitas crianças dos morros do Rio de Janeiro. Por 
isso, a ação da escola sistematicamente passou a ser referida como 
importante mas não exclusiva, uma vez que, diante da força de certos 
problemas, a responsabilidade de ação passava a ser uma demanda por 
156 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
ação estatal. A pesquisadora se espanta com o distaitjamento de mui-
tos em relação aos problemas que se avizinhavam: 
Embora a integração dessas populações à vida metropolitana implique 
num grande esforço de sua parte e, numa série de problemas para a admi-
nistração local, quase nada é feito no sentido de assisti-las. A solução dos 
seus problemas tanto de moradia como de emprego, assistência médica, 
educação e quantos mais defrontem, fica inteiramente a cargo de sua 
iniciativa. Sua incorporação à sociedade urbana, com todas as dificulda-
des que envolve, faz-se por um processo inteiramente espontâneo (CONSOR-
TE, 1959, p. 45). 
O relatório de pesquisa demonstrou que a vida escolar daquelas 
crianças era fonte permanente de queixas e frustrações (idem, p. 46). O 
tom queixoso registrado na pesquisa manifestava-se na fala de todas as 
personagens do quotidiano escolar: professores, diretores e chegava até 
as chefias distritais. Os pais também se queixavam sistematicamente. 
Ecoando um raciocínio claramente devedor da lógica anisiana de 
interpretação dos problemas escolares, a pesquisadora se surpreendeu 
com a distância que havia entre as normas padronizadas nacionalmen-
te que regulavam a "razão de ser" daquela escola e aquilo que a pró-
pria realidade pedia em sentido contrário. 
Os estatutos da escola proclamavam seus objetivos com os seguin-
tes argumentos: 1 ) permitir o ingresso de crianças com sete anos de 
idade; 2) fazer com que essas crianças superassem dificuldades de mo-
do a conquistar ao final de cada ano o direito à série seguinte; 3) fazer 
com que as crianças permanecessem na escola durante todo o ciclo de 
escolarização indicado pela lei; 4) fazer o ingresso na etapa seguinte 
de escolarização (idem, p. 47). 
Foi possível contabilizar o número de crianças matriculadas e veri-
ficar que dentre estas, 60% das crianças não faveladas estavam matri-
culadas e 30% das crianças faveladas estavam matriculadas. O conceito 
de criança-problema havia passado por uma "mudança de sentido". 
A criança favelada era considerada uma criança em trânsito perma-
nente e a "prova" dessa inconstância era indicada com exemplos que 
mostravam a dificuldade de muitos em definir seu endereço definitivo. 
157 
Freitas e Biccas 
Muitas daquelas crianças haviam chegado à cidade em um mo-
mento do ano letivo em que as matrículas já haviam sido encerradas. 
A primeira consequência disso era a produção de uma defasagem entre 
idade e série escolar independentemente dos processos institucionais 
de reprovação. 
Os dados levantados pela pesquisadora claramente demonstraram 
que aquelas crianças eram mais valorizadas em casa pelo envolvimento 
que tinham com as tarefas da vida doméstica, tarefas estas muitas ve-
zes relacionadas à sobrevivência da rede familiar, o que pouco tinha a 
ver com o papel de aluno que era objeto das cobranças mais severas. 
Foi possível, então, recolher depoimentos de professores que de-
monstravam ter uma percepção particular a respeito da vida doméstica 
de seus alunos mais pobres; em poucas palavras, consideravam que a 
"casa desmanchava o que a escola fazia" (CONSORTE, 1959, p. 4 9 ) . 
O processo de escolarização em andamento revelava contradições 
acumuladas. As mães mais pobres, por seu turno, estavam interessadas 
em garantir algum reconhecimento para seus filhos pelo "valor que 
tinham", um valor não exatamente escolar. 
Assim como Dante Moreira Leite chamara a atenção para o proble-
ma da repetência, Consorte verificou que a reprovação tinha números 
nada generosos para com as crianças pobres em geral e faveladas em 
particular. Numa das escolas pesquisadas, 4 2 , 3 5 % das crianças matricu-
ladas na primeira série eram repetentes. 
O conjunto de fatos revelados pela pesquisa, somado aos depoi-
mentos, revelou quão precária e restrita era solidariedade da escola 
para com tais crianças, cada vez mais responsabilizadas com alta carga 
de preconceito social pelo "fim de um tempo" no qual havia qualidade 
na escola pública: 
Outro fator de retardamento do ingresso da criança favelada na vida escolar 
ligadoa circunstâncias de funcionamento do próprio sistema educacional é 
a seleção de alunos que certas escolas fazem no ato da matrícula. É do co-
nhecimento de todos - professoras, diretora, chefe de distrito — os proble-
mas que as crianças faveladas representam para a escola, os empecilhos 
que constituem à realização dos ideais educacionais. (...) Desta maneira. 
153 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
quanto menor for o número de crianças faveladas na escola, tanto menores 
serão seus problemas e tanto mais perto estará ela de realizar suas aspira-
ções aparentando um alto rendimento. Presenciamos mais de uma vez (...) 
crianças deste grupos serem preteridas no ato da matrícula, sob a alegação 
de que já não havia mais vaga na escola, quando sabíamos ainda haver lu-
gares disponíveis reservados para outras crianças. As crianças assim preteri-
das eram encaminhadas a uma das duas outras escolas do bairro, que por 
sua vez também se esforçavam por encaminhá-las para uma terceira. Neste 
processo, muitas crianças faveladas acabam por não conseguir matrícula na 
idade desejável (CONSORTE, 1959, p. 5 0 ) . 
Esse relatório de pesquisa é revelador do mal-estar provocado pe-
la presença da criança favelada. Essa presença não cessou de ser con-
siderada o obstáculo ao bom andamento dos trabalhos escolares. 
Isso se comprova aproximando as lentes em relação do tratamento 
oferecido aos alunos mais fracos: 
incapaz de criar para estas crianças condições de corresponder às suas ex-
pectativas, concentra todo seu esforço em favor dos mais aptos, deixando 
os demais à mercê das circunstâncias. O processo se inicia logo na primeira 
série. (CONSORTE, 1959, p. 5 5 ) . 
Em termos concretos, como essa desqualificação era, por assim 
dizer, operacionalizada? 
As crianças no momento do ingresso eram submetidas ao teste 
de verificação de maturidade para a leitura e para a escrita. Aquelas 
que eram consideradas imaturas eram indicadas para as chamadas 
séries preliminares; aquelas que eram consideradas maduras eram 
encaminhadas para as séries regulares. Por suposto, essa divisão visa-
va dar a cada turma um tratamento específico conforme o potencial 
diagnosticado. 
No momento em que a direção distribuía turmas entre os profes-
sores cuidava também de verificar quais professoras permaneceriam 
de forma estável no correr do ano letivo e quais professoras se afasta-
riam ou não continuariam na escola por razões diversas. As professoras 
estáveis recebiam turmas regulares, as outras professoras, não está-
veis, recebiam turmas preliminares. 
1 5 9 
Freitas e Biccas 
A não estabilidade gerava grande rotatividade de professoras. As 
piores condições de ensino eram sistematicamente oferecidas aos gru-
pos que a própria escola havia identificado como necessitados de aten-
ção especial. 
Independentemente das "verificações de maturidade" o programa 
era sempre idêntico, de modo que o regime de avaliação tomava por 
iguais crianças que a própria estrutura da escola nomeara desiguais. 
A reprovação, portanto, tornava-se uma espécie de profecia que 
se autorrealizava. Para além do massacre emocional que isso significa-
va, os resultados negativos muitas vezes respingavam no próprio traba-
lho docente, não poucas vezes comentado como insuficientemente 
comprometido com a escola. 
A história social da educação no Brasil tem capítulos que, mesmo 
quando inseridas no escopo de iniciativas consistentes, revelam um 
enredo de triste desfecho para o aluno pobre. 
No transcorrer do século XX, o aluno pobre conquistou espaço na 
educação pública. Todavia, essa conquista se manteve no centro de 
duas contradições que, vistas de perto, mostram muito da sociedade 
brasileira em suas particularidades. 
A primeira contradição se mostrou quando a conquista de espaço 
na educação foi valorizada e se consolidou como "bem social de valor" 
por parte de quem obteve esse espaço, ao mesmo tempo em que essa 
conquista foi desvalorizada nas representações que se acumularam so-
bre a escola pública como "bem social de valor deteriorado" pela ex-
pansão. 
A segunda contradição tem raízes profundas e longevas; trata-se 
do lugar da educação nas fronteiras sempre móveis que demarcam e 
diferenciam o que é esfera pública do que é esfera privada, no país. 
Um fato marcante em relação a esse aspecto, como já foi men-
cionado, foi o período de tramitação do projeto que deu origem à Lei 
de Diretrizes e Bases n. 4.024/1961. Tivemos um período longo, re-
pleto de enfrentamentos entre pessoas que se manifestavam conce-
dendo às próprias falas atributos de universalidade, ou seja, atribuin-
160 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
do à particularidade de seus pontos de vista a condição de "ponto de 
vista da nação". 
É necessário recapitular alguns momentos desse processo. 
A campanha em defesa da escola pública 
Já nos reportamos ao fato de que, em 1948, atendendo às novas 
exigências da Constituição promulgada em 1946, o Ministro Clemente 
Mariani encaminhou o ante-projeto de Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional. 
Contraditória, sua exposição de motivos retoma o tema da duali-
dade básica de nossa educação, ou seja, denuncia mais uma vez a 
existência de um sistema para o aluno pobre, identificado no ensino 
primário e profissional e outro para o aluno com mais posses, identifi-
cado nos ensinos secundário e superior. Mas, não somente a distância 
histórica entre estratos sociais era relembrada e lamentada. O zelo 
para que não ocorresse uma "expansão em demasia" também se apre-
sentava no conteúdo político da mesma fala ministerial. 
A historiografia nos mostra com fartura a presença de uma estrutura 
político-partidária naquele contexto marcada pela visibilidade cres-
cente dos partidos políticos União Democrática Nacional (UDN) e do 
Partido Social Democrático (PSD) acrescida da ação do Partido Traba-
lhista (PTB). É claro que os sujeitos políticos da sociedade brasileira 
como um todo não estavam restritos exclusivamente à representação 
proporcionada por três partidos políticos. Nos anos 1950 e 1960 a rua, 
o campo e as artes tornaram-se espaços de mobilização que extravasa-
ram os limites orgânicos dos partidos. 
Contudo, no âmbito do Parlamento, é impossível negar que aque-
las forças político partidárias eram predominantes em termos numéri-
cos. Alguns dos aspectos mais dramáticos que acompanharam a trami-
tação do Ante-Projeto são exemplos significativos das forças sociais 
que falavam por intermédio das representações parlamentares, espe-
cialmente a UDN, que tornou-se uma espécie de "porta voz" de inte-
161 
Freitas e Biccas 
Em estudo que se tornou 
resses que revelavam grande desconforto em 
B e n t T d : : 0 9 8 1 % " : 15) ""^l^Çã^ à ^'^^'•t^^^ de espaço para a mobilida-
reproduz uma citação de de socíal do setores maís empobrecidos da so-
Afonso Arinos de Mello • j j j- • i , 
Franco que define com ciedade, dissimulando esse desconforto com 
clareza o que era a UDN argumentos que se propunham moralizadores 
naquele contexto: Havia 
duas direitas da Ordem publica. 
^ ^ h X n f UDN: uma ^ tramitação em questão devolveu força 
que detestava a herança ao embate entre Centralização e descentrali-
varguista e aspirava a _ • . , 
ditadura militar por ^^Ç^o e, principalmente, renovou a força dos 
motivos políticos e outra questionamentos sobre as características es-
que tendia também para a 
ditadura militar, mas por sencíaís das responsabilidades públicas e pri-
reacíonarísmo económico varia»: P m P H I i ra r -ãn 
e hostilidade ao progresso ^"^ edUCaçaO. 
5°ciai. Era o item XV, letra d, do Artigo 5^ da 
Constituição Federal, que ensejava o início do 
conflito, à medida que estabelecia como responsabilidade exclusiva da 
" ( . . . ) União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional".O Artigo 166 definiu que: 
A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. 
O Artigo 167 completou: 
o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelo poderes públicos e é l i -
vre à iniciativa particular. 
O artigo 168 estabeleceu os seguintes princípios "sistémicos": 
I. o ensino primário é obrigatório (...); 
II. O ensino primário oficial é gratuito a todos e o ensino oficial ulterior sê-
-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; 
III. As empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais 
de cem pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para os 
seus servidores e seus filhos; 
As responsabilidades orçamentárias, detalhadas nos Artigos 170 e 
171, repercutiam o tema da descentralização indicando que, em ter-
mos de obrigações de custeio, a partilha deveria obedecer aos seguin-
tes critérios: 
162 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Recursos destináveis ao financiamento da educação pública: 
. União: nunca menos que 10% de sua arrecadação; 
• Distrito Federal: nunca menos que 20% de sua arrecadação; 
. Estados: nunca menos que 20% de sua arrecadação; 
• Municípios: nunca menos que 20% de sua arrecadação. 
Diante dessa moldura constitucional foi encaminhado o Ante-Pro-
jeto de LDB. O professor Lourenço Filho presidiu a comissão que esta-
beleceu os termos da proposta, comissão essa que se dividiu para que 
o documento tratasse separadamente dos níveis primário, médio e su-
perior conforme suas especificidades. 
Uma vez protocolado na Câmara dos Deputados, o Ante-Projeto deu 
início a um processo longo e tumultuado, cuja repercussão em muito 
excedeu aos limites do mundo parlamentar. As vicissitudes do processo 
foram resumidas por Laerte Ramos de Carvalho da seguinte forma: 
(...) é possível caracterizar, numa visão retrospectiva, duas fases de bem 
definidas disputas. A primeira girou em torno de interpretações do texto 
constitucional, nas quais se defrontam duas concepções antagónicas: a 
centralizadora, herdeira da letra e do espírito da legislação do regime 
imposto pela Carta de 10 de novembro de 1937, e a federativo-descentra-
lizadora, que se apoiou na doutrina constitucional do regime instaurado 
em 1946. Depois de aproximadamente dez anos de hibernação, nas comis-
sões competentes, o projeto primitivo, restaurado, iniciou uma nova fase, 
com a apresentação do substitutivo do Deputado Carlos Lacerda. Este 
substitutivo deslocou o eixo das disputas sobre o projeto para a luta con-
tra monopólio estatal e em favor das instituições privadas de ensino 
(CARVALHO, 1960a, p. 203). 
A síntese feita pelo professor Laerte Ramos de Carvalho refere-se 
ao encaminhamento que o Ante-Projeto de LDB^ teve imediatamente 
após seu envio ao Congresso em 1948. 
A proposta foi duramente criticada no parecer emitido pelo ex-
ministro Gustavo Capanema em julho de 1949. Suas críticas se volta-
2 O documento que redigia a 1' LDB da Educação Nacional foi arquivado em 1948. Em 1951 a Câmara solicita 
seu desarquivamento e o projeto ficou ainda cinco anos em tramitação na Comissão de Educação e Cultura. É 
nessa conjura que o Deputado Carlos Lacerda apresenta por três vezes, 1955, 1958 e 1959, o substitutivo que 
representou mudanças no rumo do projeto. 
163 
Freitas e Biccas 
ram contra o argumento de que uma nova legislação educacional de 
corte descentralizador deveria substituir a estrutura educacional vi-
gente, que se baseava nas Leis Orgânicas concretizadas na sua gestão 
como Ministro da Educação e Saúde. No seu entender, a exposição de 
motivos do Ministro Clemente Mariani produzia uma falsa representa-
ção da modernização descentralizadora, identificada com a nova legis-
lação que viria para se contrapor ao arcaísmo centralizador que deve-
ria ser deixado para trás. 
Capanema saiu em defesa do próprio legado e acenou que, para o 
projeto adquirir o estatuto de Lei, deveria, antes, submeter-se a um 
processo de supressões e emendas. O resultado efetivo dessa crítica foi 
o arquivamento do projeto. 
Somente a partir de novembro de 1956 foi encaminhado relatório 
para a Comissão incumbida de analisar os termos de formalização das 
diretrizes e bases da educação. Nessa ocasião, segundo o professor 
José Eduardo Villalobos, o texto já se encontrava modificado em rela-
ção à primeira redação que apresentara em 1948 (VILULOBOS, 1960, p. 
7 5 ) . 
Até então, a contenda baseada no esquema centralização versus 
descentralização predominava. 
Em relação ao projeto encaminhado, Anísio Teixeira fora convida-
do a participar da Sessão de 7 de julho de 1952 com o intuito de escla-
recer dúvidas formuladas pela Comissão de Educação e Cultura da Câ-
mara dos Deputados. Entre tantas questões, Anísio Teixeira apresentou 
uma defesa enfática da "descentralização corajosa do ensino brasilei-
ro" (TEIXEIIRA, 1999, 207 ) . 
A questão tornou-se, de fato, controversa e conflituosa a partir de 
1956. Há, inclusive, um "evento detonador" que foi o pronunciamento 
do Padre Fonseca e Silva que exercia mandato de deputado. Na sessão 
de 0 5 de novembro de 1956 retomou alguns argumentos que desde 
1932 se voltavam com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 
utilizando um retórica inspirada na rejeição de Tristão de Athayde ao 
documento. 
164 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
O deputado questionou se as "bases filosóficas" do documento em 
tramitação não estariam a expressar simpatias que aparentavam ser 
inclinações liberais mas que seriam, no seu entender, simpatias pelo 
socialismo. Esse socialismo "disfarçado" teria face mais visível na de-
fesa do monopólio estatal sobre a educação. Eis o pomo da discórdia. 
O tema do monopólio estatal na educação reapareceu, desde en-
tão, em todos os momentos de polémica sem que tivesse sido defendi-
do uma vez sequer pelos educadores identificados genericamente co-
mo "grupo dos educadores influenciados por Anísio Teixeira" (VILULOBOS, 
1960, p. 6 9 ) . 
Uma parte da intelectualidade católica fez daquela situação um 
ponto de partida para a defesa da escola particular, considerada, antes 
de tudo, campo de escolha da família. 
Luis Antonio Cunha registrou que no momento em que a tramita-
ção teve início quase 8 0 % das matrículas no ensino médio estavam em 
poder de instituições não estatais (CUNHA, 1983, p. 119 ) . 
Por um lado, tinha início uma polémica que trazia no seu bojo uma 
questão plena de legitimidade que é a questão da "essência" da esfera 
pública do país. Em outras palavras, era legítimo perguntar se a esfera 
pública deveria ser reduzida à esfera estatal. 
Tornou-se inconsistente, no entanto, o rumo que a polémica im-
primiu à questão, à medida que seu ponto de partida era o de que a 
escola privada deveria ser entendida como pública porque sujeita às 
mesmas leis da escola estatal mas, principalmente, porque tinha um 
amplo universo de atendimento. 
Em 1952, a Associação Brasileira de Educação já havia se manifes-
tado em relação ao projeto mas, de fato, foram três substitutivos apre-
sentados pelo Deputado Carlos Lacerda os responsáveis pelo acirra-
mento das tensões, ofuscando todas as outras manifestações. 
A transferência de recursos públicos para escolas privadas já fazia 
parte do cenário político de então, pelo menos desde 1954, quando o 
Fundo Nacional de Ensino Médio tornou-se um instrumento administra-
tivo destinado a viabilizar tais procedimentos. Contudo, a existência 
165 
Freitas e Biccas 
desse Fundo não era suficiente para resolver problemas de caixa que 
se acumulavam na esfera não estatal e, por isso, em relação ao proje-
to de LDB havia uma expectativa de que a importância da escola priva-
da na sociedade brasileira fosse reconhecida e "premiada" com a 
transferência contínua de recursos de custeio do orçamento público 
federal para as escolas

Outros materiais