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GT 3 - Educação e Estado Novo

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A Cortez Editora apresenta um projeto dedicado 
aos educadores brasileiros, que constroem a educação pública 
no Brasil, em todos os seus níveis. Trata-se da Biblioteca Básica 
da História da Educação Brasileira, que vem a público com duas 
séries temáticas através das quais o leitor poderá conhecer 
detalhadamente a construção histórica da educação pública, 
no Brasil. 
Na primeira série estão os volumes que abordam 
os temas educação e escolarização conforme registras 
cronológicos e temáticos amplos, como por exemplo a educação 
no império; a formação e a difusão da escola republicana e, 
por fim, a disseminação da escola de massas, desde a década 
de 1920 até quase o final do século XX. 
Na segunda série estão os volumes temáticos, 
cujos objetos de análise há muito tempo se tornaram parte 
de um processo de ampla renovação nas práticas de pesquisa 
em história da educação. São exemplos de temas presentes 
nessa segunda série a história da profissão docente no Brasil; 
a história dos currículos e a história dos métodos e materiais 
de ensino. 
À primeira série serão agregados estudos 
sobre a educação na América Portuguesa, relacionadas aos 
séculos XVI, XVli e XVIII. À segunda série serão agregados, 
paulatinamente, estudos sobre temas específicos como, 
por exemplo, a história da educação física, ou a história dos 
debates sobre o analfabetismo, no Brasil. 
Em cada volume o leitor encontrará um conjunto 
abrangente de informações, disposto em texto claro e objetivo, 
acompanhado de informações estatísticas, biográficas, 
bibliográficas e legislativas. 
2 
A noite escura do Estado Novo 
A história da educação pública no Brasil é também a histó-
ria dos processos sociais que deram vida às conciliações e, 
consequentemente, legitimaram o lugar do Estado na configuração de 
leis, depois na configuração de diretrízes e, de forma contínua, na 
concentração de responsabilidade governamental sobre os parâmetros 
para a organização de todos os aspectos da vida escolar brasileira, in-
dependentemente da natureza pública ou particular de cada estabe-
lecimento de ensino. Trata-se de uma crónica que abrange todo o sécu-
lo XX e que tem no seu trajo a própria crónica das transformações dos 
fundamentos políticos e culturais da escola republicana. 
Quando se apresenta a tarefa de narrar a história da educação, o 
desenrolar dos fatos parece estar sempre subordinado à recapitulação 
das ações que se consolidaram como atribuições da União, dos Estados 
e dos Municípios em matéria educacional. Na periodização utilizada 
neste livro, a partir de 1926, a responsabilidade governamental sobre 
a organização e a sistematização da educação escolar tomou-se parte 
de um processo que parece mesmo estar enclausurado nos aposentos 
que guardavam as ações de reordenação que o governo central impri-
mia ao tema. 
A Constituição Federal de 1934, por exemplo, foi a primeira a afir-
mar que a União tem competência "privativa" para traçar diretrizes 
sobre a educação nacional. A Constituição Federal de 1937, como se 
verá a seguir, manteve o mesmo conceito de função privativa para a 
União, no que toca à formação da infância e da juventude em seus 
aspectos intelectuais, morais e também dos cuidados com o corpo. 
1 0 5 
Freitas e Biccas 
Ocorre que, nesse modo de "focar" a construção da educação pú-
blica, facilmente temos a impressão de que narrar a história da educa-
ção é o mesmo que fazer a crónica (e a cronologia) das decisões tomadas 
nos condomínios dos poderes executivo e legislativo sobre educação. 
Contudo, também se deve levar em conta que a história social da 
educação é a história de sucessivas articulações por meio das quais a 
sociedade, com suas muitas expressões de desigualdade e diversidade, 
configuram o próprio Estado que, por sua vez, participa da configura-
ção da mesma sociedade que legitima sua ação com maior ou menor 
abrangência. 
Portanto, o período que vislumbramos neste momento, embora 
possa ser considerado na maior parte do tempo uma "Era do Estado", 
uma vez que o governo central tornou-se um ator político indispensá-
vel na realização de qualquer pauta política, por outro lado, não deve 
ser visto como se a ação do Estado fosse a-histórica e natural, ou seja, 
pronta, previsível e dedutível do histórico da construção das relações 
capitalistas de produção, no Brasil. Esse ator indispensável teve sua 
"imprescindibilidade" construída pela relações de força de então. O 
Estado em si não é o criador, tampouco o instituidor da sociedade como 
um todo, sendo, antes, uma expressão concreta de todas as suas con-
tradições. Na maior parte do tempo, o Estado que temos é, de alguma 
forma, expressão das desigualdades que alimentamos. 
Não nos furtamos a fazer a crónica e cronologia das ações estatais 
porque tais ações resultaram do mesmo processo histórico que, neste 
país, consolidou a educação pública como educação radicada nas obri-
gações orçamentárias e nas definições jurídicas do Estado. Mas, tam-
bém não nos furtamos a afirmar que a "particularidade" da vida esco-
lar, propriamente dita, não pode ser compreendida somente no 
momento no qual Estado e lei emitem os fundamentos estruturantes do 
funcionamento da malha educacional do país, exercendo suas compe-
tências privativas. 
Ainda que determinados momentos revelem a presença marcante 
de dispositivos legais uniformizadores do trabalho escolar, da composição 
106 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
curricular e das escolhas didático-pedagógicas, o que é "singular" no 
quotidiano escolar resulta do indefinível a priori que se materializa 
continuamente na forma em que se dão as apropriações que os prota-
gonistas do dia a dia escolar fazem daquilo que se lhes é pretensamente 
imposto. 
A escolarização é sempre resultado de situações concretas, vividas 
com um grau de especificidade capaz de fazer com que, muitas vezes, 
o específico de cada lugar-situação predomine sobre a generalidade 
pronunciada por leis, decretos e sumas curriculares. 
Há ainda uma outra questão importante a demarcar em relação à 
história da educação que se desenrola a partir da década de 1930, es-
pecialmente a partir de 1935, quando aspirações autoritárias que já se 
manifestavam intensamente na sociedade tornam-se a parte mais visí-
vel da gramática política realizada em nome do Estado. 
É inegável que a partir de 1935 as ações do governo federal acen-
tuam a própria autonomia dessa esfera de governo em relação aos po-
deres estaduais e municipais. Esse processo de centralização repercutiu 
e marcou o período com realizações de impacto, marcadamente nos 
campos da educação, da legislação trabalhista e das reordenações orça-
mentárias em direção a uma política de incentivo à industrialização. 
Essa é a questão a ser comentada. Parte da historiografia da edu-
cação registra a partir desse momento a vinculação entre os temas 
educação e desenvolvimento (ROMANELLI, 2001). E não são poucas as in-
terpretações que se baseiam na hipótese de que a educação de massas 
decorreu do processo que a partir da década de 1950 seria designado 
por desenvolvimento económico. 
Especialmente a partir do próximo capítulo trataremos da fragili-
dade dessa hipótese. Por enquanto, é necessário adiantar que os víncu-
los entre educação e desenvolvimento não são tão imediatos quanto 
sugere a maioria esmagadora das análises sobre o tema. 
Quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística publicou 
recentemente o importante compêndio "Estatísticas do século XX", 
confiou ao economista Celso Furtado a tarefa de apresentar e traduzir 
107 
Freitas e Biccas 
em argumentos analíticos aquilo que um século de números sobre a 
sociedade e o social apresentava (IBGE, 2005). 
Furtado faz uma observação que a muitos pode causar perplexida-
de. O economista, que foi um dos autores danova conceituação de 
desenvolvimento económico que surgiu após a II Guerra Mundial, lamen-
ta que a industrialização no Brasil tenha seguido um viés tecnicista. 
Com seu lamento, em poucas palavras. Furtado sintetiza toda sua 
obra. O autor do clássico Formação económica do Brasil explica que 
desenvolver um país não é a mesmo que apetrechá-lo, ou ainda, não é 
simplesmente aumentar produção e tornar mais complexa a utilização 
de tecnologia nos processos de transformação da natureza e de produ-
ção de bens industrializados. 
No seu entender, o cerne do desenvolvimento consiste em utilizar 
contingentes cada vez maiores de mão de obra, envolvendo os traba-
lhadores com a utilização de recursos técnicos cada vez mais elabora-
dos, de modo a fazer com que a disseminação da técnica pela socieda-
de represente, ao mesmo tempo, a qualificação do próprio ser e agir 
do homem trabalhador. Ele adverte: a técnica que desenvolve não é 
aquela que poupa mão-de-obra. 
A assimilação de tecnologia "poupadora de mão de obra" faz parte 
de um processo de enriquecimento, concentrado, que conserva enor-
mes contingentes populacionais à margem do processo de incremento 
qualitativo das relações de trabalho. Trata-se de um histórico de con-
centração de riqueza antes de ser um histórico de desenvolvimento. 
Essa rápida referência ao tema desenvolvimento, que será reto-
mada com mais detalhes adiante, é necessária para advertir o leitor de 
que, na perspectiva deste livro, a disseminação da escola pública no 
Brasil não foi consequência natural e inexorável da industrialização. 
Ou seja, será necessário desvendar o complexo campo da construção 
de direitos políticos da sociedade civil, (e escolarizar os filhos na escola 
pública é, antes de tudo, um direito político), para entender a forma 
social que a escola adquiriu quando se espalhou. A crescente multipli-
cação de vagas que ocorrerá a partir da década de 1930 não consegue 
108 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
ser explicada tomando por dado concreto que a educação foi simples-
mente um reflexo das transformações que progressivamente modifica-
ram a estrutura produtiva do país. 
É fato concreto que o Estado atuou, desde então, em benefício 
da industrialização do país. Essa atuação, inclusive, envolveu e mo-
bilizou parte das forças armadas uma vez que os temas ordem e in-
dustrialização caminharam juntos desde então, décadas a fio. Tam-
bém é fato concreto que, crescentemente, o Estado protegeu o 
trabalhador ao mesmo tempo em que investiu drasticamente na sua 
desmobilização político-partidária. A nação moderna, em meados da 
década de 1930, haveria de ser uma nação com identidade clara-
mente definida e difundida (nacionalismo ruidoso) e reorganizada 
para que seus aparatos administrativos fossem mais qualificados (bu-
rocracia eficiente). 
Foi um tempo sombrio e triunfante ao mesmo tempo. Tempo de 
vitórias para os que sonhavam com um Estado forte para conduzir "um 
povo fraco", como já dissera o sempre citado Alberto Torres. 
Modernizações, padronizações 
e a obra da "mão de ferro" 
No que diz respeito à ordem simbólica que se desdobra dos fatos 
e das palavras, estamos diante de acontecimentos que tiveram muita 
repercussão mesmo quando não surtiram os efeitos desejados por seus 
articuladores. 
Em 1934, o mineiro Gustavo Capanema assumiu o Ministério da 
Educação e Saúde. Sua atuação e sua disponibilidade para tecer tramas 
políticas nos bastidores repercutiram muito em ambos os campos de 
atuação do Ministério. 
Capanema alimentou inúmeras estratégias de mobilização e orga-
nização das autoridades responsáveis pela educação em todas as esfe-
ras de poder governamental. Planejou, por exemplo, a realização de 
109 
Freitas e Biccas 
conferências anuais de educação, envolvendo membros do governo fe-
deral e dos governos estaduais. 
A forma de conduzir a interlocução com os vários protagonistas do 
campo educacional evidenciava, desde o início, a predisposição do mi-
nistro e de seu ministério no sentido de conduzir ao centralismo políti-
co e, depois, com centralismo político conduzir. 
A ditadura que seria implantada com o golpe do Estado Novo em 
10/11/1937 já estava em processo de fermentação desde 1935. Tome-
mos por exemplo a universidade do Distrito Federal, nascida por obra 
de Anísio Teixeira naquele ano e que teria vida curtíssima em razão do 
cenário que se configurou. 
Extinta em 1939, teve seus cursos transferidos para a Universidade 
do Brasil que fora instalada pela Lei n. 452 , de 5/7/1937. Francisco 
Campos, como já dissemos, homem forte de vários processos de radi-
calização autoritária, no Brasil, mais uma vez participa do processo 
socorrendo o governo. A Constituição ditatorial de 1937 será obra de 
sua "engenharia política". Aliás, quando Anísio Teixeira foi afastado em 
1935, o jurista mineiro ocupou seu lugar. 
Num gesto de grande repercussão para a vida académica do país, 
no mês de abril de 1939, por intermédio do Decreto n. 1.190, a ditadu-
ra trouxe para dentro da Universidade do Brasil as seções de estudo 
que deram origem à Faculdade Nacional de Filosofia, conhecida como 
FNFi. As seções eram: 
• Filosofia 
• Ciências 
• Letras 
• Pedagogia 
• Didática (para obtenção do grau de licenciado, uma vez que as 
demais seções conferiam o grau de bacharel em três anos. Como a l i-
cenciatura em didática era obtida em um ano, consagrou-se o esquema 
3 + 1 para esse campo de formação universitária). 
Saviani (1987) nos lembra que a FNFi tornou-se parâmetro para to-
das as demais faculdades de filosofia, ciências e letras e que, a partir de 
110 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
então, reeditavam em termos locais a fórmula estruturada no então Dis-
trito Federal, fórmula essa que pôs fim à experiência diferenciada sonha-
da por Anísio Teixeira, com a sua Universidade do Distrito Federal. 
O fechamento da UDF fez parte da vaga anticomunista articulada 
de forma oportunista pelo governo para silenciar seus opositores a par-
tir de 1935. Esse é apenas um exemplo do quanto a radicalização de 
1937 já estava presente. A "montagem" da FNFi, por sua vez, demons-
trou o quanto as ações governamentais, naquele contexto, resultavam 
de operações de bastidores. 
Tristão de Athayde, por exemplo, foi consultado inúmeras vezes a 
respeito da "confiabilidade" de determinados intelectuais que eram 
então sondados para as cadeiras da FNFi. Seus bilhetes de indicação ou 
de reprovação tornaram-se evidências dos pontos de vulnerabilidade 
de Gustavo Capanema às pressões de seus aliados (FREITAS, 1998) . 
Por isso, é interessante prestar atenção no projeto de mobilização 
presente nas Conferências Nacionais de Educação, antes mencionado. 
É importante lembrar que os governadores já estavam convocados para 
a Conferência que seria realizada em agosto de 1936, mas que efetiva-
mente não aconteceu. Quando a Lei n. 378, de 13/1/1937 oficializou 
as Conferências Nacionais de Educação e de Saúde, os seus conteúdos 
políticos já estavam delineados por Capanema desde quando assumiu 
o Ministério (BAIA HORTA, 2000, 143-172) . 
Concretamente, a Conferência somente aconteceu em novembro 
de 1941 e a tónica dos trabalhos, cujas diretrizes foram escritas por 
Lourenço Filho, incidiu sobre dois temas estratégicos: a) difusão, orga-
nização e elevação da qualidade dos ensinos primário, normal e profis-
sional e b) organização da juventude brasileira, tema este muito caro 
a Capanema (BAIA HORTA, idem). 
Enquanto iniciativas como a organização de Conferências ofere-
ciam uma perspectiva de visibilidade para ideias que eram expostas 
com recursos discursivos empolgados com a construção simbólica de 
uma nova ordem, no plano da reorganização burocrática dos serviços 
estatais, relacionados direta ou indiretamente à educação, o país pre-
senciouum delineamento meticuloso das ações de governo. Tais ações 
111 
Freitas e Biccas 
ganharam alcance à medida que se tornaram densas rubricas orçamen-
tárias do Estado. 
Merecem destaque: 
• 1934: Instituto Nacional de Estatística (IBGE a partir de 1938); 
• 1938: Departamento de Administração do Serviço Público (DASP); 
• 1938: Comissão Nacional do Ensino Primário; 
• 1938: Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP); 
• 1938: Instituto Nacional do Livro; 
• 1938: Serviço de Radiodifusão Educativa; 
• 1938: Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE); 
• 1938: Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN); 
• 1939: Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP); 
• 1942: Fundo Nacional do Ensino Primário. 
Estava em curso um processo de remodelação do ensino oficial em 
todos os níveis, remodelação essa que em dado momento se ampliou para 
a nacionalização do ensino oficial, o que pode ser comprovado no Decreto 
n. 406. de 04 de maio de 1938, que nacionalizou as práticas de alfabetiza-
ção das escolas criadas nos núcleos de colonização estrangeira. 
A extensa e pormenorizada ação do Estado no processo de (re) 
formação da escola estatal demonstra o agir próprio de uma instância 
de governo que conservou para si a competência privativa para legislar 
e estabelecer diretrizes. 
Contudo, não se deve confundir a prerrogativa de dirigir com o 
compromisso estatal pela educação pública, especialmente se tiver-
mos em mente a obrigação de oferecer a mesma educação de qualida-
de para todos. 
Na chamada "Era Vargas" também circulou com intensidade o dis-
curso que considerava ser "natural" pensar os ensinos secundário e 
superior para as "mentes aptas a dirigir" e os outros graus e modalida-
des de ensino destinadas, sem meias palavras, aos pobres, como será o 
caso explícito do ensino profissionalizante. 
112 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
A definição do compromisso estatal com a educação pública pas-
sou por transformações substantivas entre 1934 e 1937. 
A Constituição Federal de 1934, no seu artigo 149, rezava: 
(...) A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos 
poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e estran-
geiros domiciliados no país. (negritos meus). 
Reverbera aqui, sem dúvida, o idioma político colocado em evi-
dência no Manifesto dos Pioneiros. 
Já a Constituição Federal de 1937, peça jurídica típica da ditadu-
ra, modificou o texto constitucional nos seguintes termos, constantes 
no seu artigo 125: 
(...) A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos 
pais. O Estado não será estranho a esse dever colaborando de maneira 
principal e subsidiária, para facilitar a sua execução de suprir as deficiên-
cias e lacunas da educação particular, (negritos meus). 
A imagem do Estado como o maior e mais zeloso professor da na-
ção cede lugar à imagem do Estado que vigia para que a nação não se 
esqueça que a verdadeira ação educativa provém da família. Para além 
disso, o papel educador da família seria complementado pela estabili-
zação das hierarquias sociais, elogiadas sempre como se fossem funda-
mentais para a harmonização da sociedade. 
O Brasil de 1937, mesmo antes do Estado Novo, já era um país que 
mantinha no cárcere cabeças ilustres como as de Graciliano Ramos, que 
fora Diretor da Instrução Pública de Alagoas de 1933 a 1936 e que ficou 
preso até janeiro de 1937, como decorrência de suas simpatias pela 
Aliança Nacional Libertadora (ALN) e também de suas escaramuças com 
lideranças alagoanas. 
Graciliano e sua literatura, homem e obra, podem ser lembra-
dos como exemplo de que as imagens geradas no nacionalismo triun-
fante do governo eram pouco condizentes com o país distante, per-
manentemente recriado nas metáforas do sertão que não cessavam 
de aparecer. 
113 
Freitas e Biccas 
Se personagens como Heitor ViUa-Lobos, desde 1932, já empresta-
vam a própria genialidade aos propósitos de governo, (que contava 
com muitos intelectuais que se diziam capazes de resgatar autênticos 
valores nacionais), autores amargurados como Graciliano Ramos em-
prestaram ao tempo sua disponibilidade a projetar as "vidas secas" do 
país, tirando-as do âmbito regional e inserindo-as no acervo das ima-
gens do país real. 
Se o nacionalismo de ViUa-Lobos quando queria expressar o com-
ponente nacional de nossa cultura acabava por retomar o componente 
local que se movia no compasso do trem caipira, o realismo de Graci-
liano Ramos demonstrava que nenhuma obra nacionalista seria verda-
deiramente possível uma vez que, no Brasil, a distância entre cidade e 
sertão era uma distância que demarcava a extensão da desigualdade 
entre mundos cada vez mais próximos e, ao mesmo tempo, cada vez 
mais distantes. 
Seu Vidas secas termina assim: 
(...) Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miijdas que lhe entravam nas 
alpercatas, o cheiro de carniças que empestavam o caminho. As palavras de 
sinhá Vitória encantavam-no. Iriam para diante, alcançariam uma terra des-
conhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não 
sabia como ela era nem onde era (...) e andavam para o sul metidos naque-
le sonho. Um cidade grande cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, 
aprendendo coisas difíceis e necessárias (...). Chegariam a uma terra des-
conhecida e civilizada, ficariam presos nela. O sertão continuaria a mandar 
gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como 
Fabiano, sinhá Vitória e os dois meninos (RAMOS, 2000 , 1 8 4 ) . 
Muitos brasis e muitos brasileiros buscavam fazer da história da 
escolarização uma parte da história de suas próprias vidas. Como já 
demarcamos ao início, se nos detivermos na narrativa dos sucessos e 
insucessos da ação governamental repetiremos aqui o enredo que con-
tinuamente preteriu lutas muito particulares pelo acesso à educação. 
Como vimos anteriormente, na ditadura do Estado Novo, a política 
educacional configurou-se de forma autoritária e "uniformizante". Pa-
ra reforçar a bandeira do nacionalismo, o governo implementou várias 
114 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
medidas junto ao sistema escolar primário e secundário. No sentido de 
propagar um sentimento de patriotismo e de valorização da nacionali-
dade, o currículo e as práticas escolares foram modificados de modo 
que tais estratégias repercutiram diretamente no ensino da moral, esta 
aberta à influência católica, do civismo, da educação física, da história, 
da geografia brasileira, do canto orfeônico e até nas festividades que 
ecoavam as ações do Estado Novo. 
As instituições educacionais particulares, para assegurar seu fun-
cionamento, deveriam acatar essas determinações, caso contrário po-
deriam ser sumariamente fechadas, como aconteceu com inúmeras 
escolas criadas pelos imigrantes em várias partes do país (KREUTZ, 2000 
e HiLSDORF, 2 003 ) . 
Porém, algumas iniciativas adaptaram-se de maneira singular ao 
"formato" educacional que se propagava. É o que podemos perceber 
acompanhando rapidamente a incursão feita por Araújo ( 2008 ) na his-
tória do movimento negro ou, mais especificamente, na história da 
Escola da Frente Negra na cidade de São Paulo. 
A escola primária da Frente Negra Brasileira funcionou no período 
de 1934 a 1937. Esta foi uma entre várias outras escolas criadas na 
década de 1930, instituída sob os efeitos das concepções ideológicas 
concebidas no governo "provisório" de Getúlio Vargas. 
O projeto político centralizador requeria uma identidade nacional 
que estaria impreterivelmente associada à necessidade de renovar há-
bitos e de modernizar o povo brasileiro por meio da educação, da saú-
de e do saneamento. Nesse sentido, a escola primária da Frente Negra 
incorporou no seu currículo escolar a gramática nacionalistaao cum-
prir o programa oficial determinado pelo Estado adotando temas de 
cunho cívico como pátria e família, moldando-se a um projeto formal 
cujas ações pedagógicas estavam sujeitas à fiscalização do Estado. 
Num momento de fechamento político, a Frente Negra Brasileira, 
provavelmente, só obteve autorização por parte do governo para abrir 
uma escola para os negros devido ao seu alinhamento com os "funda-
mentos de Estado". 
115 
Freitas e Biccas 
Quando Araújo (2008) analisou os ofícios enviados ao Departamento 
de Ordem Política e Social de São Paulo em conjunto com os artigos 
publicados em A Vbz da Raça^ e outros jornais da grande imprensa co-
mo Folha da Noite, descobriu que os "frentenegrinos" defendiam a 
escola como um agente modernizador, adotando a bandeira nacionalis-
ta e a identidade brasileira como parte dos ideais defendidos por eles 
e que seus antepassados também já haviam lutado. 
A Frente Negra implementou aulas para os adultos e a escola pri-
mária para as crianças. Outra justificativa apresentada pela Frente 
para a criação da escola apoiava-se no fato de os negros estarem sem-
pre enfrentando várias "barreiras raciais" tanto para ingressar quanto 
para permanecer nos bancos escolares, denunciados inúmeras vezes 
pelos "frentenegrinos". 
O rico estudo de Araújo mostrou que a escola primária da Frente 
Negra foi instalada na região da Liberdade, na cidade de São Paulo, 
onde apenas 22% das crianças em idade escolar estavam matriculadas 
na rede pública. As professoras que atuaram na escola primária da 
Frente Negra eram negras, formadas na escola normal e foram nomea-
das pela Secretaria da Educação e Saúde Pública. 
A ação escolar da Frente Negra Brasileira ressaltava a importância 
da formação moral e intelectual do negro para a sua participação so-
cial e política. O grupo que esteve à frente desse empreendimento 
acabou também mobilizando a ideia de "solidariedade racial" com o 
objetivo de "promover a educação moral e cultural da massa negra" na 
perspectiva de se integrarem à civilidade proclamada. 
Esse exemplo, rico em simbolismos relacionados às dificuldades 
que se apresentaram no processo de expansão da educação pública, 
nos leva sempre a perguntar: para quem seria a escola pública que se 
reorganizava? 
1 A Voz da Raça, órgão oficial da Frente Negra Brasileira, que tinha por epígrafe Deus, Pátria, Raça e Família, 
proximidade com os princípios integralistas. Em setembro de 1931, muitos fundadores da Frente Negra Brasilei-
ra, contrariados com a feição fascista que estava assumindo, romperam e fundaram a sociedade político-social 
denominada Frente Negra Brasileira Socialista. 
116 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Um pouco antes da década de 1940, a maioria esmagadora das uni-
dades escolares se mantinham em escolas isoladas. O processo de (re) 
formação da escola estatal e de reorganização do ensino profissional con-
duziu-se num cenário contraditório, dentro do qual o Estado que a quase 
tudo prescrevia e delimitava, ao mesmo tempo se desincumbia da educa-
ção pública. Ou seja, estamos diante de um período no qual é notória a 
expansão do Estado e, mesmo sendo uma expansão inegável, seus dispo-
sitivos legais não têm na educação pública uma obrigação primordial! 
Ao mesmo tempo, não havia campo retórico que não projetasse a 
educação popular como principal tarefa a ser realizada. Por isso, em 
meio a tantas contradições, talvez faça sentido fazer um paralelo en-
tre o que ocorria no âmbito da educação com aquilo que Castro Gomes 
chamou de "trabalhismo". 
Para a autora: 
(...) o sucesso do projeto político estatal - do "trabalhismo" — pode ser 
explicado pelo fato de ter tomado, do discurso articulado pelas lideranças 
da classe trabalhadora durante a Primeira República, elementos-chave de 
sua auto imagem e de os ter investido de novo significado em outro contex-
to discursivo. Assim, o projeto estatal que constitui a identidade coletiva da 
classe trabalhadora articulou uma lógica material, fundada nos benefícios 
da legislação social, com uma lógica simbólica, que representava estes be-
nefícios como doações e beneficiava-se da experiência de luta dos próprios 
trabalhadores (CASTRO GOMES, 1994, 2 3 ) . 
No campo da educação, ainda que estivesse em curso uma remo-
delação que, ao termo, conservou um impressionante mecanismo de 
seletividade e que manteve o ensino secundário como apanágio das 
"mentes condutoras", o grande volume de realizações colocou em cir-
culação registros caros ao simbolismo próprio do campo educacional. 
Muitas vezes, a ação governamental parecia empreender exatamente 
aquilo pelo que se bateram quase todos os interessados pela educação 
pública desde a década de 1920. Porém, o que o Ministério proclamou 
como realização do Estado foi sempre imagem do "senso equilibrador" 
entre interesses divergentes, senso esse reafirmado em cada obra rea-
lizada "na medida" dos interesses da nação. 
117 
Freitas e Biccas 
Não são poucas as ações de Gustavo Capanema que se abrem ao 
chamado "renovacionismo", ao mesmo tempo em que o Ministro acu-
sava a Escola Nova de "compactuar com a burguesia internacional". 
Para repetir o mote de Castro Gomes, muitos elementos da auto ima-
gem dos educadores talhados ainda nos anos 1920 reaparecem na ação 
governamental que se fazia sincrética o suficiente para parecer ser de 
todos e, ao mesmo tempo, de ninguém exclusivamente. 
As Leis Orgânicas do Ensino, promulgadas entre 1942 e 1946, ex-
pressam a profunda seletividade que se torna estrutural na sociedade 
brasileira. Essa seletividade estrutural também nos ajuda a entender 
histórias como a da Frente Negra mencionada anteriormente. 
Em sua essência, os efeitos das Leis Orgânicas do Ensino perdu-
raram mais de duas décadas após o Estado Novo e, tragicamente, só 
se dissolveram quando algo ainda mais deletério se apresentou no 
processo que sucedeu ao golpe de Estado de 1964, como se verá 
oportunamente. 
É importante chamar atenção para outro aspecto. Tais medidas já 
não expressavam mais somente os fundamentos de um governo e de 
uma ditadura que a despeito do triunfalismo de seus gestos entrarão 
em declínio assim como os "governos fortes" que tiveram seu apogeu 
no cenário que precedeu a Segunda Guerra Mundial. 
Tais medidas têm, ao mesmo tempo, a fragilidade da situação que 
declinava e a força daquilo que permanecerá como efetivamente orgâ-
nico na sociedade brasileira: uma estrutura de escolarização aberta à 
ampliação, mas com obstáculos internos à permanência da maioria da 
população. 
O tema essencial das Leis Orgânicas é o tema da padronização. Os 
efeitos decorrentes dessa essência transparecem na organização curri-
cular nacional, na indicação do método de leitura a ser adotado, que 
era o método analítico-global e também na arquitetura escolar. 
Mas as intenções homogeneizadoras não se restringiram ao tripé 
currículo-método-espaço escolar. Foram regulamentadas também as 
atividades de recreação, as normas de vestimenta que resultaram na 
118 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
universalização do uniforme escolar e até as indicações para a verifica-
ção do asseio dos estudantes. 
O funcionamento das caixas escolares também foi disciplinado e, 
deve-se elogiar, um plano de bibliotecas escolares foi redigido com 
imenso cuidado. 
As Leis Orgânicas também traziam para a órbita dos assuntos es-
colares outras instâncias de intervenção intelectual, estética e moral 
especialmente direcionadas à infância e à juventude. É o caso do cine-
ma educativo e da evocação do escotismo como programa educador. 
A cronologia das Leis Orgânicas pode ser assim resumida: 
• Lei Orgânica do Ensino Secundário: 1942 
• Lei Orgânica do Ensino Industrial: 1942 
• Lei Orgânica do Ensino Comercial: 1943 
• Lei Orgânica do Ensino Agrícola:1946 
• Lei Orgânica do Ensino Primário: 1946 
• Lei Orgânica do Ensino Normal: 1946 
As reformas que essas leis trouxeram no âmbito dos ensinos primá-
rio e secundário merecem um comentário à parte. 
Em relação ao ensino primário, reforma combinada com a do en-
sino normal, nada do que foi implementado retirou a seletividade ine-
rente à estrutura que se tinha e, ao contrário, removeu obstáculos 
para a atuação da iniciativa particular nesse grau de ensino. 
Hilsdorf (2003) lembra que a reforma não aceitou a co-educa-
ção e, como se não bastasse, indicou sem meias palavras que as 
classes femininas deveriam passar por um processo de diferenciação 
que conduzisse a formação das meninas para o campo dos afazeres 
domésticos. 
O quadro que se desenhava não só renovava o encantamento com 
os grandes programas de formação geral como em termos de opções 
para os alunos era inflexível. 
O ensino primário foi assim estruturado: 
119 
Freitas e Biccas 
Curso elementar 
de 4 anos; 
Curso complementar 
de 1 ano. 
Para crianças de 7 a 12 
anos de idade. 
Para adolescentes ''J 
e adultos. ' M 
O ensino médio, naquele momento designado secundário, adqui-
riu uma estrutura de mobilidade vertical e uma horizontal conforme a 
"clientela". Vejamos os quadros a seguir: 
Ensino secundário com acesso ao ensino superior (qualquer área): 
4 anos seriados 
Curso Colegial 3 anos seriados com duas modalidades: 
Clássico ou Cientifico 
Ensino secundário com acesso ao ensino superior (somente facul-
dades de filosofia): 
Curso Ginasial Curso Normal 
com 2 ciclos 
1° ciclo de 4 anos: para 
formar regentes de ensino 
primário. 
2° ciclo de 3 anos: para 
formar professores de ensino 
primário. 
Convém lembrar que a formação de professores para ensino se-
cundário passou a ser atribuição do ensino superior, como demonstrado 
anteriormente. 
Na estruturação do ensino profissionalizante, chama atenção o 
"bloqueio" ao mundo universitário, operando claramente uma divisão 
na oferta com critérios que realizavam, no âmbito da lei, uma vigorosa 
distinção baseada predominantemente na estratificação social. Essa 
modalidade de ensino adquiriu as seguintes características: 
120 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Curso secundário 
comercial 
Curso secundário 
industrial 
Curso secundário 
agrícola 
Escola de Comércio de Escola Técnica , Sem acesso a outrosíaíji 
4 anos. Comercial de 3 anos. ' níveis de ensino'.''«^H 
1^ ciclo para formação 
de mestria artesanal, 
de 4 anos. 
2" ciclo de 3 anos em 
escola técnica. 
Possibilidade & , 
.acesso a curso: técnico;; 
superior. 
1" ciclo de Iniciação 
Agrícola, de 4 anos. 
2° dclo de 3 anos em 
escola técnica de 
agricultura. 
Sem acessoa outros . 
níveis de ensino. 
O tema do ensino profissionalizante não estava restrito ao raio de 
ação governamental. Em relação ao quadro anterior, desponta no ce-
nário uma questão decisiva que só ganha visibilidade quando algumas 
siglas são enunciadas: SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem indus-
trial), de 1942, SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) 
de 1946 e SESI (Serviço Social da Indústria) também de 1946. 
Para os fins deste livro, é importante comentar, ainda que muito 
brevemente, a configuração do SENAI e projetar este exemplo em di-
reção aos temas racionalização e modernização tal como eram mane-
jados então. 
Mais do que um projeto de reestruturação do ensino de ofícios 
industriais, o SENAI tornou-se um exemplo importante de como a con-
solidação da ação estatal na conformação da esfera pública brasileira, 
vista de perto, tem elementos de grande complexidade e de indefini-
ção entre o que é domínio público e domínio privado. 
Em muitos momentos, no transcorrer da década de 1930, tanto a 
esfera pública quanto a esfera privada se mostraram permeáveis ao 
uso do "idioma" da racionalização, um idioma com muitos "dialetos". 
Racionalizar era uma palavra que surtia efeitos diferenciados con-
forme variavam os agentes que a disseminavam e os atores que se 
apropriavam de seus sentidos, muitos dos quais empreendiam ações 
racionalizadoras mesmo sem nunca utilizar a palavra. 
No campo educacional, a meticulosidade que deu novo desenho a 
mínimos detalhes, como criar parâmetros para o uniforme escolar. 
121 
Freitas e Biccas 
demonstram que na orquestração ministerial podemos encontrar exem-
plos microscópicos, mas significativos, do quanto a educação brasileira 
passava por arranjos disciplinadores e racionalizadores. 
Num outro sentido, desde os últimos anos da década de 1920, tí-
nliamos periódicos que já reclamavam para o campo educacional com-
petências próprias e racionalidade singular, promovendo a divulgação 
de artigos que pontuavam o lugar do "discurso pedagógico especializado" 
(CARVALHO e CORDEIRO, 2002), como mostra a história da Revista Educação 
que circulou em São Paulo a partir de 1927 e que, após 1930, sob a 
orientação de Lourenço Filho, passou a ser chamada de Revista Escola 
Nova (MATE, 2002, p. 80). 
A gramática da especialização pedagógica aparecia não somente 
nos artigos dos periódicos educacionais, mas também nos relatórios 
das Diretorias de Ensino, nas exposições de motivos dos atos ministe-
riais e nos relatórios técnicos de toda ordem, como por exemplo no 
Relatório sobre o tratamento dos menores delinquentes e abandona-
dos, apresentado em 1935 por Cândido Motta Filho que era, então. 
Diretor do Reformatório Modelo de São Paulo. 
Ao lado dos discursos especializados, as falas que se batiam pela 
organização racional do trabalho também gozavam de prestígio e visi-
bilidade e, naquele contexto, não foram poucas as vezes nas quais o 
trabalho escolar e o trabalho industrial foram imaginados como compo-
nentes de uma mesma "ciência pedagógica". 
No Relatório citado, assinado por Cândido Motta Filho, a organiza-
ção do quotidiano do Reformatório Modelo baseava-se, entre muitos 
aparatos de quantificação, na aplicação de teorias apropriadas junto à 
obra de autores norte-americanos como Edv/ard Thorndike. Mas tam-
bém ocorriam apropriações de muitos procedimentos de verificação 
antropométrica que eram claramente devedores das tradições médicas 
e jurídicas e, principalmente, proliferava a aplicação de testes psico-
técnicos para o trabalho, que se realizavam no Gabinete de pycliologia 
applicada do Reformatório. 
122 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
Verificar aptidão, otimizar recursos, justificar com base numa 
"ciência aplicada" eram práticas cada vez mais presentes nos ambien-
tes educacionais e marca registrada dos debates que se davam em 
torno do tema modernização do Brasil. 
A presença do Instituto de Organização Racional do Trabalho 
(IDORT), fundado em 1931 em São Paulo, já havia materializado e 
institucionalizado aspirações de intelectuais que desde 1926 defen-
diam o princípio de que métodos científicos ajudariam a escola a se 
adaptar às demandas modernas da industrialização, entre eles 
Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Podemos lembrar também de 
intelectuais que atribuíam à organização racional e científica das ci-
dades um fator decisivo para resolução dos problemas de higiene e 
saúde presentes na vida urbana brasileira. En-
tre os sanitaristas que se entusiasmavam com 
o "idioma da racionalização" encontramos 
nomes proeminentes como os de Geraldo de 
Paula Souza. 
Mas o tema da racionalização mobilizava 
principalmente a imaginação industrialista de 
alguns que julgavam que a aplicação de princí-
pios fordistas e tayloristas arrancariam o Bra-
sil do seu arcaísmo e projetariam a nação em 
direção a um futuro efetivamente moderno. 
Não é casual a admiração que muitos edu-
cadores demonstraram a engenheiros como 
Roberto Mange e Roberto Simonsen, entusias-
tas da modernização do parqueindustrial bra-
sileiro e também da aplicação de métodos 
científicos de treinamento para o trabalho. 
O tema da educação profissional, e não 
só no ramo industrial, era um assunto caro ao 
Ministro Gustavo Capanema. Em suas primei-
ras articulações de bastidores visando empre-
O taylorismo diz respeito 
à aplicação das ideias de 
Fredric Taylor às rotinas 
de produção. Trata-se de 
um princípio de "gerência 
cientifica" e 
"planejamento" que, na 
opinião de Braverman 
(1977, p. 86) significa "a 
imposição ao trabalhador 
da maneira rigorosa pela 
qual o trabalho deve ser 
executado". O fordismo, 
por sua vez, segundo 
Moraes Neto (1989, 
pp.47-50) é uma forma 
desenvolvida de 
taylorismo e é, por isso, 
um desenvolvimento da 
manufatura. (...) A 
elevação da produtividade 
social do trabalho para 
Ford se dá pela via do 
parcelamento das tarefas. 
(...) Ford reinventou a 
correlação manufatureira 
entre divisão do trabalho 
e produtividade, já 
superada pela maquinaria, 
a forma mais desenvolvida 
de incremento da 
produtividade do trabalho. 
123 
Freitas e Biccas 
ender uma ação estatal que reestruturasse esse campo, o Ministério 
sinalizou pretensões que apontavam a criação de um sistema nacio-
nal sob sua guarda, além de cogitar uma escola modelo que repercu-
tisse nacionalmente a ordenação que o governo viesse a impor ao 
tema. Mas não foi exatamente a esse resultado pretendido que o pro-
cesso cliegou. CUNHA (2000, p. 45) desenha com muita acuidade a 
forma que adquiriu o SENAI. 
Quando foi constituído, seus fundamentos se tornaram os funda-
mentos de uma instituição pública. Foi criado por decreto-lei e alimen-
tado por um instrumento de coerção legislativa que fez com que os 
industriais não pudessem se recusar a recolher a contribuição que ali-
menta o sistema, apelidado mais tarde de "Sistema S". 
Todavia, o funcionamento e a gestão do SENAI têm claramente o 
perfil da instituição privada, uma vez que é a Confederação Nacional 
da indústria que o administra com o respaldo das federações estadu-
ais de sindicatos patronais. Mesmo assim, é necessário reconhecer 
que o SENAI foi imposto aos industriais pela ação governamental e a 
grita contra o aspecto compulsório da contribuição é uma demonstra-
ção disso. 
No âmbito da ação governamental administrativa, há estranha-
mento entre Estado e as partes administradas. Porém, a direção que a 
sociedade toma se firma mesmo enquanto as partes se estranham. No 
todo, no tecido político, são costurados os fundamentos da sociedade 
que interferem no alcance mais ou menos transformador de reformas 
governamentais e de medidas contra privilégios estabelecidos. 
Ocorre que é possível, como alertava Faoro (1958), empreender 
modernizações sem que isso signifique exatamente dar um perfil mo-
derno à estrutura social. 
Tanto no âmbito das relações de trabalho quanto no universo das 
realizações educacionais se embaralhavam as falas que pediam que o 
país arcaico pudesse ser "filtrado" num novo industrialismo e que a 
infância e a juventude, enquanto tempos sociais, recebessem escolari-
124 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
zação conforme variações de aptidão, mérito e, na voz de muitos, 
conforme variações no "lugar social" de cada um. 
Entretanto, a complexa trama que rearticulou a institucionalização 
do ensino industrial no contexto do Estado Novo e, principalmente, as 
modificações nos padrões de trabalho fabril de então podem nos ofere-
cer perspectivas desafiadoras à nossa percepção do quanto os jogos da 
política modificam o conteúdo dos jogos de dominação social. 
No que diz respeito ao SENAI, o que também se estende ao SENAC 
e ao SESI, é por demais evidente a força dos argumentos em prol da 
reorganização racional tanto da produção quanto do ensino e treina-
mento da mão de obra, especialmente no toca à juventude. 
O que parece ser o dado surpreendente, que é a atribuição de res-
ponsabilidade administrativa para a esfera privada num momento de 
inegável expansão da ação estatal, não é um dado tão provocante quan-
to é o fato de que a luta política muitas vezes inverteu papéis e "trocou 
o sentido" dos processos de modernização das práticas de trabalho. 
Se nós pensarmos naquele contexto como um cenário coeso, no 
qual a iniciativa industrialista impunha novos padrões de racionaliza-
ção em benefício da produção, padrões aplicados "contra" a rusticidade 
de mãos e mentes crescidas no arcaísmo, corremos o risco de menos-
prezar a força desestabilizadora de alguns fatos. 
Alguns procedimentos de modernização foram impostos e, no bojo 
do que se impunha, ampliar ganhos e concomitantemente elevar o ní-
vel de controle sobre os trabalhadores eram objetivos visíveis entre as 
intenções patronais. 
Porém, Weinstein (2000) mostra com clareza que os trabalhadores 
não devem ser considerados "vítimas passivas" de uma situação na 
qual Estado e empresariado exerciam pleno controle sobre o quotidia-
no em processo de transformação. 
Primeiramente, a autora demonstra que um número expressivo de 
líderes dos trabalhadores alimentavam a perspectiva de que a moder-
nização da estrutura de trabalho no Brasil resultaria bem-estar genera-
125 
Freitas e Biccas 
lizado ao conjunto dos trabalhadores e, por isso, exigiam tais empre-
endimentos modernizadores por parte de seus patrões, os quais muitas 
vezes simplesmente resistiam. A documentação trazida por Weinstein 
ao seu estudo inverte vários aspectos da nossa percepção a respeito 
das ações controladoras e disciplinadoras exercidas em nome da racio-
nalização. 
Já no prefácio desse livro, Maria Ligia Prado chama atenção para 
a importância da perspectiva adotada pela autora, no que diz respeito 
à singularidade do Brasil. Vale a pena transcrever seu comentário: 
(...) A autora lembra o exemplo dos sopradores franceses de vidro, que re-
sistiram duramente à introdução do ar-comprimido como substituto do so-
pro humano, em 1890, sugerindo que tal atitude se deveu às fortes tradi-
ções artesanais da categoria. No Brasil, por oposição, os sopradores de vidro 
da Vidraria Santa Marina, ao contrário de seus colegas franceses, foram à 
greve para exigir a substituição do esforço humano por ar-comprimido no 
sopro do vidro (PRADO, 2000 , p. 1 7 ) . 
A gramática da racionalização das atividades de produção indus-
trial se encontrava com a gramática da padronização dos inúmeros 
componentes da dinâmica escolar de educação. Porém, o exemplo ci-
tado anteriormente demonstra que o protagonismo das lideranças em-
presariais passava por uma espécie de (re)formação quando a luta po-
lítica punha em evidência interesses próprios dos trabalhadores. 
Na esfera educacional, o protagonismo do Ministério da Educação 
também passava por (re)criações toda vez que seus dispositivos de 
controle eram efetivamente manejados no quotidiano escolar. O mes-
mo se dava com as diretrizes políticas para o controle e a expansão da 
escolarização popular. 
Mesmo quando tais temas recebiam as marcas uniformizadoras da 
política educacional estadonovista, na perspectiva política que variava 
de Estado para Estado, muitas vezes a singularidade do jogo de forças 
regional dava um tom próprio àquilo que era, então, proclamado como 
parte de uma nova identidade nacional. 
Um exemplo disso pode ser encontrado no denso estudo feito por 
Peixoto (2003) que comprovou que em Minas Gerais as políticas educa-
126 
História social da educação no Brasil (1926-1996) 
cionais do Estado Novo passaram por um processo de encaminhamento 
peculiar. 
A autora demonstrou que as ações modernizadoras foram realiza-
das em regime de conciliação com setores agro-exportadores. Como 
consequência, a reorganização dos serviços educacionais claramente 
destinou-se a um público especial que desfrutava das escolas públicas: 
as crianças e jovensdas elites, beneficiárias diretas da alta seletividade 
que o sistema ganhou em Minas Gerais. 
Trata-se de um exemplo importante para que possamos perceber 
que muitos dos problemas relacionados ao ensino praticado nas escolas 
públicas, no período aqui tratado, decorreram não da ausência de mo-
dernização, mas da forma perversa que essa modernização adquiriu. 
Não se trata de buscar no passado exemplos comprobatórios de uma 
modernização "atrapalhada" pela presença desestabilizadora da "men-
talidade oligárquica". As muitas faces que a modernização dos serviços 
públicos começou a exibir não foram "atrapalhadas" por forças locais 
de feitio autoritário; foram sim feitas em conluio com elas, ao sabor de 
seus caprichos e em franca concordância com o fato de que o país de-
veria, sempre, "reservar o melhor, aos melhores". 
O Brasil oficializou a existência de uma modalidade de educação 
para os alunos pobres: a educação profissional. A combinação entre 
as ações próprias às responsabilidades privativas da União em termos 
educacionais e as ações próprias às circunstâncias regionais, confir-
mou não somente que os ensinos secundário e superior eram reserva-
dos às "mentes condutoras". Em muitos aspectos, a própria escolari-
zação pública, em todos os níveis, ainda que em processo de expansão, 
parecia inóspita à maioria das crianças e jovens brasileiros. 
Dávila (2005) demonstrou com detalhes inúmeras estratégias dos 
setores populares do Distrito Federal que buscavam vagas para suas 
crianças. O autor observa dois aspectos importantes. Primeiramente, a 
escola pública que se expandia passou a ser desejada porém, manter 
os filhos para além da terceira série do curso primário já era uma faça-
nha expressiva, inacessível para muitas famílias. Segundo, nas estraté-
127 
Freitas e Biccas 
gias populares visando obter das autoridades a construção de prédios 
escolares em locais distantes do centro da cidade, muitas cartas foram 
enviadas ao próprio Presidente Getúlio Vargas. 
Tais cartas demonstravam não somente as dificuldades presentes 
no quotidiano dos subúrbios. Mostravam também uma certa "habilida-
de" politica por parte dos pais que demonstravam valorizar, na educa-
ção, aquilo que o regime divulgava como vantagem social na prolifera-
ção da educação escolar (DÁVILA, 2005, pp. 286-87). 
Expansão, racionalização, padronização eram palavras que adqui-
riam sentidos sociais diferenciados conforme se diferenciavam os pró-
prios brasileiros em relação aos direitos que se proclamavam como 
universais. 
Luiz de Aguiar Costa Pinto (1953), em obra que já se tornou 
clássica, registrou a forma dramática como a ausência de serviços e 
instituições públicas marcou a vida de grandes contingentes populacio-
nais que viviam em favelas. Já as autoridades municipais do Distrito 
Federal, na vigência do Estado Novo, se queixavam do quanto a disper-
são das populações pobres por lugares distantes "complicavam e enca-
reciam os serviços públicos" (apud DÁVIU, 2005, p. 138). 
A gestão Anísio Teixeira, que foi interrompida em 1935, havia ini-
ciado um processo de atendimento diferenciado aos bairros com popu-
lações mais pobres, promovendo, Inclusive, uma certa desconcentra-
ção em relação à oferta que predominava nas zonas centrais da cidade 
do Rio de Janeiro. Prédios bem estruturados foram entregues a algu-
mas populações periféricas, o que destoou radicalmente do que se 
praticou em termos de política de atendimento às periferias em quase 
todo o século XX, em quase todas as cidades do país. 
A noite do Estado Novo não silenciou apenas experiências demo-
cráticas como essa levada a efeito por Anísio Teixeira. No legado deixa-
do para o período pós Segunda Guerra, a padronização, a gramática da 
ação autoritária e a elitização consolidadas naqueles anos sombrios 
reaparecerão multas vezes, mesmo quando o povo ampliou sua partici-
pação e presença na escola. 
128

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