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POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL SST SKITNEVSKY, MARIA VERA PEREIRA DA SILVA, NESTOR ALMEIDA Políticas Educacionais e Funcionamento da Educação / MARIA VERA PEREIRA SKITNEVSKY, NESTOR ALMEIDA DA SILVA Ano: 2020 nº de p.: 18 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL Apresentação Caro(a) estudante, seja bem-vindo(a) aos nossos estudos de Políticas Educacionais no Brasil. Nesta unidade, você está convidado(a) a conhecer os meandros das políticas públicas educacionais, entendendo como se originam as leis e como elas são elaboradas, por meio dos percursos formais que as fundamentam. Abordaremos a história das políticas para a educação no Brasil, desde a vinda dos primeiros professores ao Brasil, os jesuítas, até a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases, discutindo também tendências atuais para as políticas educacionais por meio do entendimento da influência de mecanismos socioeconômicos e políticos e da influência da globalização, da revolução tecnológica e das novas tendências do mundo do trabalho. Bons estudos! Políticas públicas educacionais no contexto brasileiro As políticas públicas educacionais da educação básica brasileira fazem parte do rol das políticas sociais de Estado, como veremos na Constituição Federal de 1988. A educação básica compreende a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio e a educação de jovens e adultos (EJA). As políticas educacionais são implantadas após um processo de elaboração, sobre o qual discutiremos mais adiante. Adiantamos inicialmente que, como política social, o governo tem a obrigação da implantação de políticas educacionais e deve se responsabilizar pela aplicação e verificação da qualidade. Entretanto, poderemos observar, ao longo dos estudos, que a realidade brasileira política impõe uma efemeridade à legislação, que, por ser promulgada como programas governamentais e não de Estado, fica prejudicada quanto à garantia da aplicação das leis educacionais, devido à descontinuidade dos governos no poder. 4 A legislação da educação básica brasileira na atualidade é fundamentada na democracia participativa, como resultado do que foi promulgado pela Constituição Federal de 1988, a partir da redemocratização do país em 1985. O direito de todos à educação aparece na Carta Magna pela primeira vez no Capítulo dos Direitos Sociais, Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988) Especificamente, os artigos 205, 206, 208, 210 e 214 preconizam os parâmetros da educação básica, sendo o Art. 205 o que fundamenta a elaboração de toda a legislação educacional: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988) Veja, a seguir, alguns outros artigos referentes à educação e o assunto sobre o qual cada um dispõe. 1. Art. 207: promulga a autonomia didático-científica das universidades. 2. Art. 209: trata do direito do ensino pela iniciativa privada. 3. Art. 210: aborda as questões relativas ao ensino, aos conteúdos e à garantia do respeito aos valores culturais e religiosos 4. Art. 211: refere-se à organização dos sistemas de ensino divididos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 5. Art. 212: trata da regulamentação dos recursos financeiros a serem destina- dos aos sistemas de ensino. 6. Art. 213: estipula a forma de destinação dos recursos financeiros à educação básica. 5 Por fim, no último artigo destinado à educação, o art. 214, a Constituição dá um passo de suma importância ao estabelecer o Plano Nacional de Educação. “A lei estabelecerá o plano nacional de educação [...], visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à:” I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. (BRASIL, 1988). Passemos, então, à contextualização histórica das políticas educacionais, com o intuito de possibilitar a compreensão aprofundada do estado atual da educação básica brasileira. De início, destacamos que as políticas educacionais sempre foram pensadas para a construção do país e projeção da sociedade brasileira. Sendo assim, desde os primeiros passos, com a chegada dos jesuítas da Companhia de Jesus, a primeira preocupação foi a de educar os indígenas de acordo com os princípios europeus. Para isso, os professores da Companhia tinham como missão catequizar os indígenas com instruções para a formação sacerdotal. O governo colonial só assumiu a educação após a expulsão dos jesuítas. Padre Jesuíta Fonte: Wikimedia Commons. 6 A preocupação do Estado passou a ser a de dar continuidade à educação das crianças e jovens pertencentes às nobres famílias portuguesas que aqui vieram residir. Assim, o eixo educacional passou da preocupação com a educação do povo indígena à elite social. Mesmo com a implantação de políticas educacionais voltadas para um projeto de nação nos períodos colonial e imperial, a preocupação estava centrada nas questões econômicas e controle da escravidão, e a educação era controlada pela elite católica. Esse contexto de exclusão e de elitismo educacional perdurou mesmo após a Proclamação da República. Tal conduta resultou em um índice de 65% de analfabetismo no Brasil no final da década de 1920. Somente com a Segunda República, iniciada em 1930, a política educacional passa a acompanhar as necessidades da recente industrialização e urbanização do país, que deixava de ter uma economia totalmente dependente do sistema agrário. Para tanto, o letramento, a matemática e o ensino profissionalizante passaram a ter prioridade, com vistas à formação de mão de obra para servir ao crescimento industrial. Segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 152), “as escolas técnicas multiplicaram-se – de 1933 a 1945, passaram de 133 para 1.368, e o número de matrículas, de 15 mil para 65 mil”. A educação passou a ser um importante carro-chefe da propaganda republicana, e, assim, foram inaugurados imponentes prédios escolares nas principais cidades brasileiras. Dessa forma, o princípio do direito de todos à educação e o dever do Estado nesse contexto passaram a fundamentar as políticas educacionais. Veja, no quadro a seguir, uma síntese das principais reformas e movimentos educacionais da educação brasileira. Resumo da evolução da história da educação brasileira Ano Evento Objetivo Principais expoentes Fim 1549 Chegada dos jesuítas a Salvador. Catequizar os indígenas e formar sacerdotes entre os jovens colonos portugueses. Manuel da Nóbrega, José de Anchieta, Antônio Vieira. 1759 Expulsos por Marquês de Pombal. 1759 Reforma Pombalina. Modernizar a administração da colônia e a educação com os ideários iluministas. Marquês de Pombal. 1789 Intervenção de Dona Maria I. 1789 Instituição dos educandários. Reformulação da educação e instituição de planos de ensino. Dona Maria I, Rainha de Portugal. 1792 Chegada da Corte portuguesa. 7 1808 Corte portuguesa no Brasil. Estudos superiores, nomeação de professores para diversas cadeiras, colégios particulares leigos e religiosos para meninos e meninas. D. João VI, Bispo José Joaquim Azeredo Coutinho. 1822 Independência do Brasil. 1824 Constituição brasileira. Método educacional mútuo e funcionamento uniforme das escolas, responsabilização das províncias pelaeducação. Martim Francisco Ribeiro de Andrada. 1889 Proclamação da República. 1889 Primeira República. Expansão da rede escolar, alfabetização de trabalhadores para formar mão de obra para o trabalho urbano, criação dos Grupos Escolares. Benjamin Constant e os pioneiros da educação ou escolanovistas (abrangendo a Era Vargas). Revolução de 1930. 1930 Início da Era Getúlio Vargas. Criação do Ministério da Educação e Saúde, reordenar a população, medidas higienistas, ensino laico, ensino técnico-profissional, descentralização do ensino. Francisco Campos, Anísio Teixeira. 1937 Estado Novo. 1937 Estado Novo. Ditadura de Getúlio Vargas. Controle da educação pelo Estado, desenvolvimento do ensino secundário frequentado pelas elites urbanas e ensino profissionalizante para as classes populares. Gustavo Capanema, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo. 1945 Queda do Estado Novo. 1945 Redemocratização do país. Normatização do ensino normal e do primário para crianças e do supletivo para jovens e adultos, 1ª LDB, criação do MEC. Anísio Teixeira, Clemente Mariani. 1964 Golpe Militar. 8 1964 Regime de ditadura militar. Controle dos recursos destinados à educação pelo Estado, responsabilização do ensino de 1º grau aos municípios, implantação do MEC/Usaid, com ensino de 2º grau profissionalizante, Plano Nacional de Alfabetização, perseguição dos professores universitários. Vários ministros da Educação, não houve um destaque. 1985 Esgotamento da ditadura militar. 1985 Redemocratização do país. Elaboração da LDB nº 9.394/96 com a participação de diversos setores da sociedade, implantação de diversas políticas públicas educacionais para a melhoria da qualidade de ensino, universalização da educação básica, expansão do ensino universitário, inovações tecnológicas, avaliações externas e internas, expansão da rede privada de ensino. Paulo Freire, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, dentre outros pedagogos e sociólogos. Atualidade. Fonte: Skitnevsky; Silva (2017). O quadro demonstra que, embora sob o governo ditatorial de Getúlio Vargas, a educação passou por alguns avanços, porém, não estava livre das disputas ideológicas entre a elite liberal e a Igreja. Isso redundava em perda da possibilidade de uma educação de qualidade que abrangesse a maioria dos brasileiros. Queremos destacar que, para propor avanços no campo educacional, o grupo dos Pioneiros da Educação, liderado pelo escolanovista Anísio Teixeira, lançou o histórico Manifesto dos pioneiros da Educação Nova, em 1932. Os educadores intelectuais do grupo reivindicavam uma política educacional que priorizasse a escola pública, gratuita, obrigatória e laica. Anísio Teixeira, líder do grupo Pioneiros da Educação Fonte: Wikimedia Commons. 9 As críticas tecidas em Manifesto dos pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932, são, quase todas, cabíveis à atualidade, mesmo após tantas modificações sociais e o processo mundial de globalização. Para ler o Manifesto na íntegra, acesse: http://www. histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf. Saiba mais A Constituição Federal de 1937 acolheu várias propostas dos Pioneiros da Educação. No entanto, com a ditadura de Getúlio Vargas, inaugurada em 1937, houve um grande retrocesso no campo da educação, embora tivesse sido iniciada a descentralização do ensino, ou seja, o governo federal passou a legar a responsabilidade da educação aos municípios da federação. Em princípio, esta seria uma política democratizante, mas o que se observou foi a elite e a Igreja exercendo o controle educacional e mantendo uma educação conservadora e não unificadora do sistema de ensino. Entre os anos de 1942 e 1946, são promulgadas as leis orgânicas de Gustavo Capanema, ministro da Educação. Essas leis tinham cunho centralizador e desobrigavam o Estado de “manter e expandir o ensino público, ao mesmo tempo, porém, que decretava as reformas de ensino industrial, comercial e secundário e criava, em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 155). Percebemos, mais uma vez, que a educação se coloca a serviço da indústria, em detrimento da formação filosófica, psicológica e de pesquisa. Tais fundamentos eram direcionados à elite conservadora. No período da Lei Gustavo Capanema, os intelectuais, preocupados com o rumo da educação, promoveram debates em que discutiam propostas para a democratização, bem como para a melhoria da qualidade e do currículo. Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1946 e da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961), foram tomadas medidas para a descentralização do ensino com vistas à democratização, e o Estado passou a ser responsabilizado pela criação de seus sistemas de ensino. Nesse período de redemocratização do país é que foi promulgada a Lei nº 1.920, de 25 de junho de 1953, que criou o Ministério da Educação e Cultura (MEC). 10 Com a ditadura militar iniciada no golpe de 1964, foi promulgada nova LDB, a de nº 5.692. A descentralização do ensino tomou nova faceta quando as políticas públicas educacionais atribuíram a responsabilidade do ensino de primeiro grau aos municípios, mas com forte controle de destinação de verbas e de medidas administrativas, o que tornou os municípios dependentes das decisões do governo federal. Manifestação estudantil contra a ditadura militar Fonte: Wikimedia Commons. Com a redemocratização do país na década de 1980, e a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da atual LDB/9.394, de 1996, novas políticas públicas foram promulgadas com vistas à descentralização do ensino, à melhoria da qualidade, aos debates em torno da questão curricular, à criação de organismos de financiamento e entidades governamentais de apoio aos sistemas de ensino dos estados e dos municípios. Os documentos oficiais para a educação, sobretudo as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, estabelecem bases nacionais comuns para a educação básica e conferem elementos norteadores para que as diversas instituições educacionais formulem suas próprias práticas em conformidade com suas realidades locais. Dessa forma, discutir sobre a educação brasileira requer um olhar problematizador sobre os aspectos que envolvem o ato de educar, sejam eles externos ou internos à escola. As políticas públicas educacionais brasileiras na atualidade são reflexos de demandas internacionais, impulsionadas pela globalização, de acordo com as demandas socioeconômicas e culturais internas. Por esse motivo, a atual LDB, que é ratificada pela Constituição Federal, vem passando por modificações. 11 Tendências atuais para as políticas educacionais no país A atualidade socioeconômica e as questões relacionadas à elaboração das políticas sociais têm colocado a educação no centro das discussões sociais, em virtude da dinâmica das mudanças ocorridas no campo político e, em paralelo, das demandas da população, que apresenta exigências para o enfrentamento dos novos modelos econômicos que afetam a vida produtiva de todos. A elaboração das políticas educacionais tem como viés os interesses sociais, mas perpassam as decisões governamentais. No contexto da redemocratização do país após o golpe militar de 1964, a qualidade da educação passou por questões que envolveram a universalização do ensino, ampliação do número de escolas e, ao mesmo tempo, a contenção econômica. Tais medidas geraram a deterioração da gestão das redes públicas, além do rebaixamento salarial dos professores (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012). Democratização do país e educação com a participação de todos Fonte: Plataforma Deduca (2018). A partir da década de 1990, com o advento da globalização, da revolução tecnológica, da Conferência Mundial sobre Educação para Todos e das Metas para a Educação da Unesco, a qualidade do ensinorecebeu novas conotações frente às novas demandas impostas pela sociedade do conhecimento, impondo a necessidade da reformulação urgente da legislação educacional. Em meados da década de 1990, programas governamentais para a melhoria do ensino público passaram a ser implantados, tais como: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), distribuição de livros didáticos, recursos multimídias (TV Escola, criação e distribuição de softwares educacionais), distribuição de verbas diretamente para as escolas, avaliações externas, dentre outros. Atenção 12 As recentes transformações sociais e econômicas, com a mundialização tecnológica, trazem novas tendências educacionais, que exigem mudanças tanto nas políticas públicas como na atuação dos educadores. Essas mudanças devem ter como objetivo o alcance de uma qualidade de ensino que não perca a função primordial da escola, que é a de ensinar e construir a cidadania. O próprio conceito de cidadania vem passando por modificações que influenciam as tendências para as políticas educacionais. Segundo Terra (2016), [a] ideia clássica de “cidadania” corresponde à primeira geração de direitos fundamentais, identificada em termos históricos com o Liberalismo e o Estado Moderno. Hoje, após sucessivas gerações de direitos, fala-se de uma “nova cidadania”, ou em uma “cidadania ampliada”. Essa cidadania seria aquela do cidadão contemporâneo, que vive em uma época e em um mundo (globalizado/informatizado) cujos valores são bem diferentes daqueles que existiam, por exemplo, no tempo da Revolução Industrial Inglesa (século VXIII) ou da Revolução Francesa (século XVIII). (TERRA, 2016, p. 18) Diante do contexto nacional contemporâneo, novas formas de pensar a educação devem estar presentes nas políticas educacionais. Para compreender melhor as novas tendências, vejamos, a seguir, quais são as novas demandas de mudança para a educação, levando em conta a realidade social. Trabalhador flexível e polivalente: valorização da educação formadora: habilidades cognitivas, competências sociais e pessoais. Capitalismo e escola: finalidades compatíveis com os interesses de mercado. 13 Desenvolvimento social e econômico: modificam os objetivos e as prioridades da escola. Exigência de mercado: modificações nos interesses, necessidades e valores escolares. Revolução tecnológica: mudança de práticas, meios de comunicação e desenvolvimento de informática. Alteração na prática docente: motivação dos professores a trabalharem com novas tecnologias. Fonte: adaptado de Libâneo, Oliveira e Toschi (2012). Vemos, portanto, que a realidade se impõe à educação, com vistas a uma formação que atenda primordialmente ao mundo do trabalho e à formação do homem que se encaixe na concorrência neoliberalista. Entretanto, devemos ter em mente que, no contexto da revolução tecnológica, a educação deve assumir, ao lado da formação para a cidadania, a finalidade de desenvolver habilidades técnicas e sociais para 14 servir ao mundo do trabalho. Logo, a educação é a apropriação de saber social e o desenvolvimento de potencialidades, com vistas à formação integral do homem, ou seja, o desenvolvimento físico, social, profissional, político, cultural, afetivo, filosófico, dentre outros. Economia, políticas públicas e afirmativas para a educação no Brasil: origem e evolução A formulação das políticas públicas educacionais emerge das demandas sociais, políticas e econômicas, e deve ter como objetivo principal a elaboração de leis que visem a uma educação de qualidade, participação democrática, inclusão e formação para a cidadania. As políticas públicas resultam das discussões realizadas no âmbito das escolas, envolvendo educadores, alunos e comunidade, e são formuladas com a participação de diversos setores da sociedade, debates com intelectuais da educação e de outras áreas científicas e sociais, gestores, comunidade e políticos. Os documentos reivindicatórios originados nos debates acerca dos problemas e propostas educacionais devem adquirir força política. Para que isso ocorra, entram em cena outros setores sociais que manifestam interesse na educação nacional, como a indústria, o mercado e os prestadores de serviços. Com a legitimação das propostas, elas passam a fazer parte da pauta governamental e podem passar por adequações propostas pelos atores sociais citados. Historicamente temos o exemplo do Manifesto dos pioneiros da Educação Nova, liderado por Anísio Teixeira, com o título “A reconstrução do Brasil”, de 1930, assinado por 26 pensadores da educação. Esse documento influenciou a formulação das políticas públicas educacionais a partir da década de 1930 e passou para o registro histórico como um marco da influência política na educação, em virtude de o teor reivindicatório possuir uma análise bastante contundente da realidade do povo brasileiro e das injustiças sociais naquele contexto, que dificultavam enormemente o desenvolvimento educacional. 15 A responsabilidade dos governos está em elaborar as leis após os debates, implantá-las e acompanhar sistematicamente as aplicações e mudanças ocorridas no atendimento educacional. Os fundamentos básicos para a formulação das políticas públicas educacionais brasileiras estão expostos na Constituição Brasileira de 1988, no Capítulo III: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988) A partir da Constituição são formuladas as políticas afirmativas para a educação, e na contemporaneidade a legislação também se origina de contextos e de decisões internacionais, de acordo com a realidade e com as leis de cada país, com o objetivo de oferecer educação escolarizada a seu povo. Assim, o governo brasileiro assumiu, a partir dos anos de 1990, os desafios para inserir a educação brasileira nos patamares internacionais apresentados na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. O marco da Conferência foi a formulação da Declaração Mundial sobre Educação para Todos (EPT). Para termos a dimensão da relevância dessa conferência, vejamos que, além da Unesco, organizadora do evento, houve o patrocínio das seguintes organizações: Fundo das Nações Unidas para a infância (Unicef), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco 16 Mundial (BID). As metas educacionais elencadas pela Unesco para os países passaram a ser monitoradas com a presença de observadores internacionais, com base nas orientações contidas no documento Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem e Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem. No ano de 2017, a Unesco lançou as metas para se alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de Educação 2030 (ODS 4). A partir dos compromissos firmados perante a Unesco, vimos os Estados da confederação brasileira se tornarem responsáveis pelo cumprimento das metas, estabelecendo as suas próprias. Com isso, as secretarias de educação estaduais passaram a rever suas políticas educacionais. Nós professores, gestores, bem como a comunidade escolar, tivemos que rever alguns dos nossos conceitos no exercício da profissão, pois, se antes das metas da Unesco trabalhávamos apoiados nos Projetos Político-Pedagógicos, vimo-nos desafiados também a levar em consideração em nossos planejamentos as questões qualitativas e quantitativas advindas das avaliações externas, além de trabalhar com materiais recebidos prontos que teriam a função de melhorar a qualidade do ensino. As avaliações externas, assim como novas metodologias de ensino, formação de professores e gestores, relacionamento com a comunidade, passaram a fazer parte da configuração governamental. Nossa vivência no cotidiano escolar demonstrou que recebemosmateriais prontos e temos acesso a informações apenas da utilização dos materiais a serem postos em funcionamento nas salas de aula e nas reuniões pedagógicas com os professores. Em realidade, diante de tais medidas governamentais, faz-se necessária a participação dos professores nos seus colegiados, pois dessa forma poderão atuar criticamente e no coletivo buscar apoio para impulsionar mudanças na legislação. No tocante às práticas educacionais, nem sempre os esforços dos profissionais no interior das escolas, tampouco os governamentais, conseguiram suplantar os desafios impostos pelos órgãos internacionais, visto que, para além de focar a questão da educação, o alcance das metas também está intrinsecamente ligado às questões econômicas, aos modelos de investimentos políticos, à valorização dos profissionais do magistério e do próprio processo de condução das políticas governamentais nas esferas federais, estaduais e municipais. 17 Fechamento Chegamos ao fim da nossa primeira unidade. Pudemos comentar sobre os conceitos de políticas educacionais e sobre a elaboração das políticas educacionais a partir da chegada dos primeiros professores em nosso país, os jesuítas, atravessando as políticas educacionais ao longo da história da educação brasileira. Confira, a seguir, uma síntese da unidade: • As políticas públicas educacionais fazem parte do rol das políticas sociais do governo e são implantadas após um longo processo de debates, adequações e influências político-sociais. • Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, a educação passou a ter um caráter elitista, pois foi direcionada para os filhos das famílias nobres portuguesas. Esse contexto de exclusão e de elitismo educacional perdurou mesmo após a Proclamação da República. • A partir de 1930, o Brasil saiu do sistema econômico agrário e entrou defi- nitivamente na industrialização. Para isso, precisou formar mão de obra e pessoas com conhecimentos escolares para servir à indústria. Dessa forma, as escolas se multiplicaram, sobretudo as voltadas para o ensino profissio- nalizante. • Os períodos de governo ditatoriais impuseram políticas educacionais de con- trole na distribuição de verbas e de medidas administrativas, fragilizando e tornando os municípios totalmente dependentes das decisões federais. • A LDB atual, promulgada em 1996, tem como princípios fundamentais a Constituição Brasileira de 1988, e vem passando por modificações desde as metas acordadas na Declaração Mundial sobre Educação para Todos (EPT). As metas da educação para o Brasil vêm sendo monitoradas pela Unesco. 18 Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394/96, Brasília: Casa Civil, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394. htm. Acesso em: 27 jun. 2018. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm. Acesso: 18 jun. 2018. LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F. de; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2017. TERRA, M. de L. E. (org.). Políticas públicas e educação. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2016.
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