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Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Janes Sandra Dinon Ortigara Ja ne s Sa nd ra D in on O rt ig ar a In tr od uç ão a o D ire ito : F un da m en to s, Le gi sl aç ão S oc ia l, Tr ab al hi st a, C om er ci al e T rib ut ár ia 2ª Edição Curitiba 2018 Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Janes Sandra Dinon Ortigara Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 Ortigara, Janes Sandra Dinon Introdução ao direito: fundamentos, legislação social, trabalhista, comercial e tributária / Janes Sandra Dinon Ortigara. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2018. 186 p.: il. ISBN 978-85-5337-021-4 1. Direito - Introdução 2. Direito do trabalho 3.Direito empresarial 4. Direito tributário I.Título CDD 340 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Claudia Helena Carvalho Wigert Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/Sebastian Duda Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Introdução | 5 1. Introdução ao Estudo do Direito | 7 2. Aspectos Relevantes do Direito do Trabalho | 59 3. Aspectos Relevantes do Direito Tributário | 105 4. Aspectos Relevantes do Direito Empresarial | 145 Referências | 173 Introdução Este livro trata de questões fundamentais do Direito e de alguns ramos específicos, como o Direito do Trabalho, Tributário e Empresarial, ou Comercial, e está dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo é uma introdução ao estudo do Direito, no qual veremos conceitos introdutórios e teorias jurídicas, que são uma espécie de fundamento ao Direito em geral. Esse fundamento que sustenta o campo jurídico e seus conceitos em geral advém prin- cipalmente da Filosofia do Direito e da Lógica Jurídica. O estudo desses conceitos e teorias é essencial para que posteriormente o estudo nas diversas áreas do Direito tenha concretude. Todo campo jurídico se ampara nesses conceitos e teorias como o próprio termo Direito, o conceito de Norma Jurídica, a Teoria da Norma Funda- mental, a Teoria das Lacunas, as fontes do Direito, os princípios do Direito em geral e outros termos e teorias. O segundo capítulo tratará sobre os aspectos essenciais do Direito do Trabalho, que são considerados pilares para esta área jurí- – 6 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária dica, e a legislação trabalhista, que determina os direitos e as obrigações dos empregados e dos empregadores. As bases da área jurídica do trabalho são, em primeiro lugar, a própria definição do que vem a ser o Direito do Trabalho como limites de aplicação e regulamentação desta área jurídica. Em segundo lugar, podemos dizer que estão presentes questões como as fontes do Direito do Trabalho e os princípios específicos e, também, os gerais da área jurídica. O terceiro capítulo analisará os aspectos relevantes do Direito Tribu- tário. Este, por sua vez, tem como finalidade a regulamentação dos tributos cobrados pelo Estado com o intuito de gerar receita. Estudaremos neste capí- tulo a Legislação Tributária, as normas gerais desta área jurídica, os princípios jurídicos que regem o Direito Tributário e os diferentes tipos de tributação, como as taxas e os impostos. Por fim, o quarto, e último, capítulo tratará dos aspectos relevantes do Direito Empresarial, ou Comercial. Este ramo jurídico é caracterizado como âmbito privado do Direito. Como veremos, ele disciplina o conjunto de regras jurídicas relativas à atividade comercial, ou empresarial. Desta forma, estudaremos as fontes que regem o Direito Empresarial, os diferentes tipos de sociedades empresárias. Este livro tem como objetivo introduzir o aluno no âmbito jurídico de forma que ele adquira conhecimentos em relação aos fundamentos jurídicos que fazem parte da Teoria do Direito, e que também adquira conhecimentos na parte mais técnica do Direito, estabelecida por meio da legislação de cada ramo jurídico. 1 Introdução ao Estudo do Direito Neste capítulo, estudaremos conceitos introdutórios que são necessários e fundamentais ao estudo do Direito em geral. Ini- cialmente faremos uma síntese da história do surgimento do Direito no Brasil; explicaremos noções essenciais do Direito como o próprio conceito de Direito, de Norma Jurídica e de ordenamento jurídico. Apresentaremos o que são as fontes do Direito, os princípios gerais, além de mostrarmos os seus diferentes ramos. Ao final do capítulo, faremos uma espécie de resumo do que seriam as funções do Direito. 1.1 Breve história do Direito no Brasil Não podemos dizer com precisão quando o Direito surgiu, mas sua existência está diretamente ligada ao desenvolvimento da civilização humana. Podemos dizer que, no Egito Antigo e na Gré- cia Antiga, o Direito já existia, não como o entendemos hoje, mas como regras básicas da conduta humana. – 8 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária O Direito, no Brasil iniciou-se com a chegada e instalação dos portugue- ses no País, fazendo do Brasil a colônia de Portugal. Desta forma, nessa época, a história do Direito brasileiro confunde-se com a história do Direito por- tuguês, ou com parte deste. A partir daí, a história jurídica, de certa forma, passa a ser comum aos dois povos, como ressalta Simões (2007, p. 1): Como o Brasil ficou vinculado, em determinado momento histó- rico, aos ditames de Portugal, todos os costumes e tradições portu- guesas passaram a fazer parte da sociedade e do cotidiano brasileiro, incluindo, por consequência, seu sistema de normas e imposições. Como toda história é feita por nós, seres humanos, ela não é totalmente objetiva e imparcial, como uma fórmula matemática. Desta maneira, Bóris Fausto (2002) lembra-nos que “[...] a história é uma ciência humana. Isso quer dizer que ela tem uma certa relatividade dependendo muito da visão do histo- riador. A história tem um lógica, tem normas, tem um processo, portanto, tem uma objetividade” 1. Logo, podemos analisar dois pontos de vista diferentes em relação a este mesmo fato histórico do Direito no Brasil, como veremos a seguir. Para analisarmos um ponto de vista, podemos citar Justo (2002, p. 3), que comenta sobre a herança do Direito português ao Brasil. O Direito pode ser entendido a partir de: Quando, em 22 de Abril de 1500, a armada comandada por Pedro Álvares Cabral chegou à Terra de Vera Cruz, o Direito Português estendeu a sua vigência a um território mais, com sensibilidade às condições específicas da grande Nação de que todos (Brasileiros e Por- tugueses) nos orgulhamos. Vigoravam, então, em Portugal, as Orde- nações Afonsinas e diversa legislação extravagante que rapidamente iriam também aplicar-se ao Brasil. Assim, as Ordenações Afonsinas, vigentes em Portugal no momento da descoberta das terras brasileiras, passaram a ser também aplicadas no Brasil. Como explanava o jurista Moncada ([19--]): “As Ordenações do Reino são o mais considerável monumento legislativo da nossa história jurídica (ius lusitanae) desde os séculos XIII-XIV e o factor primacial da unidade política da Nação. Outro ponto de vista sobre este fato histórico mostra-nos que a legisla- ção do Brasil-Colônia foi o reflexo da imposição e da vontade do colonizador 1 Série publicada pelo historiador Bóris Fausto na TV Escola (MEC), 2002. Disponí- vel em: <http://tvescola.mec.gov.br>. – 9 – Introdução ao Estudo do Direito português, da mesma forma que o modelo judiciário implantado seguiu os moldes do modelo de Portugal, representando os interesses da sua burguesia. O QUE SÃO ORDENAÇÕES? Ordenações signi�cam ordens, decisões ou normas jurídicas avulsasou agrupadas que comungam de mesmos preceitos de elaboração. Peças fundamentais da história do Direito em Portugal e por correspondência no Brasil. É onde estão o�cialmente registradas as normas jurídicas �xadas nos diversos reinados. Sistema de normas do reino português em sua história, aconteceu na seguinte ordem: Ordenações Afonsivas, Ordenações Manuelinas e Ordenações Filipinas, conhecidas assim pelos seus mandantes. Após as Ordenações Afonsinas, as Ordenações Manuelinas vigoraram de forma definitiva, a partir do ano 1521, no tempo em que Dom Manuel assumiu seu reinado. Segundo Silva (1991, p. 269): [...] a reforma definitiva das Ordenações Manuelinas (1521) teve como fator impulsionador a promulgação de legislação extravagante, destacando-se em importância o Regimento dos Contadores das Comarcas (1514) e o Regimento e Ordenações da Fazenda (1516) [...]. Para não ocasionar divergência entre as edições anteriores das Orde- nações, Dom Manuel, através de Carta datada em 15 de março de 1521, determinou que aqueles que tivessem as Ordenações antigas deveriam se desfazer delas, sob pena de, se assim não se procedesse em três meses, pagar uma taxa, bem como, nesse mesmo período, os conselhos deveriam adquirir as novas Ordenações. – 10 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária De acordo com Faoro (1998, p. 64): O estatuto da organização político-administrativa do reino, com a minudente especificação das atribuições dos delegados do reino, não apenas daqueles devotados à justiça, senão dos ligados à corte e à estrutura municipal. Elas respiram, em todos os poros, a intervenção do Estado na economia, nos negócios, no comércio marítimo, nas compras e vendas internas, no tabelamento de preços, no embargo de exportações aos países mouros e à Índia. A codificação expressa, além do predomínio incontestável e absoluto do soberano, a centralização política e administrativa. André (2007, p. 2) contribui com muita clareza: As Ordenações levaram o nome de seus mandantes régios e três foram essas compilações: a Afonsina de 1447, ordenada por Afonso IV pos- suía cinco livros que versavam sobre Direito Administrativo (Livro I), Direito Constitucional (Livro II), Processo Civil (Livro III), Direito Civil (Livro IV), e Direito e processo Criminal (Livro V); as Orde- nações Manuelinas datam de 1521 e foram elaboradas no reinado de D. Manuel, mantendo a mesma sistematização das Ordenações Afonsinas; e, finalmente as Ordenações Filipina, que apesar de sua vigência ter iniciado em 1603, no reinado de Filipe II, sua elaboração iniciou-se em 1583, sob a égide de Filipe I. Sua sistematização de assuntos é a mesma das Ordenações anteriores, 13 onde encontramos cinco livros, subdivididos em títulos e parágrafos. Na percepção de Silva (1991), um dos maiores defeitos das Ordenações Filipinas teve origem justamente do respeito pelas ordenações anteriores, ou seja, da sua falta de clareza e da obscuridade de muitas disposições. Em um pequeno quadro, podemos resumir a diferença entre as Ordena- ções Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603): Ord. Afonsivas - 1446 Ord. Manuelinas - 1521 Ord. Filipinas - 1603 Sofreu várias influ- ências do Direito Romano e Canônico. Sem praticamente muitas mudanças com relação à Afonsiva. Tem como pri- meira inovação a supressão das normas revogadas. Objetivaram a atualiza- ção das inúmeras regras esparsas editadas no período de 1521 a 1600. – 11 – Introdução ao Estudo do Direito Ord. Afonsivas - 1446 Ord. Manuelinas - 1521 Ord. Filipinas - 1603 A segunda inovação foi o fato de o documento estar redigido de maneira mais concisa e decretória. Consagrou-se como fonte do direito nacional, realizando uma unifor- mização das leis para todo o país. Isso impediu que os abusos praticados pela nobreza, no que diz respeito à sua interpreta- ção. Além de permitir a amplificação da política centralizadora do Rei. E finalmente a terceira inovação foi o estabele- cimento de normativas específicas para as questões da expansão marítima. Destacar também que as penas previstas nas Ordenações Filipinas eram consideradas severas e bastante variadas. Fonte: SILVA, 2011. O Direito vigente nesse período caracterizou-se pela junção de leis e costumes dessas três Ordenações. Em muitos casos, a discordância com a realidade encontrada provocava a revisão da legislação, conforme esclarece Wolkmer (2002, p. 48): [...] a legislação privada comum, fundada nessas Ordenações do Reino, era aplicada sem qualquer alteração em todo o território nacional. Concomitantemente, a inadequação, no Brasil, de certas normas e preceitos de Direito Público que vigoravam em Portugal determinava a elaboração de uma legislação especial que regulasse a organização administrativa da Colônia. Tendo em vista tal contexto, ainda segundo Wolkmer (2002, p. 48), “[...] a insuficiência das Ordenações para resolver todas as necessidades da Colônia tornava obrigatória a promulgação avulsa e independente de várias ‘Leis Extravagantes’, versando, sobretudo, sobre matérias comerciais”. Em 1769, ocorreu uma grande modificação na matéria legislativa. Trata-se da criação da Lei da Boa Razão, que definia regras centralizadoras – 12 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária e uniformes para interpretação e aplicação das leis no caso de omissão, imprecisão ou lacuna. Essas mudanças foram decorrentes da Reforma Pombalina. Conforme apresenta Wolkmer (2002), a Lei da Boa Razão foi responsável por minimizar a autoridade do Direito Romano, da glosa e dos arestos, dando preferência e dignidade às leis pátrias e só recorrendo àquele direito, subsidiariamente, se estivesse de acordo com o direito natural e as leis das Nações Cristãs iluminadas e polidas, se em boa razão fossem fundadas. Neste contexto, é importante saber um pouco mais sobre a Lei da Boa Razão. Ela foi publicada em 18 de agosto de 1769 pelo rei D. José I, tendo como principais objetivos a reformulação das matérias concernentes às fontes do Direito em Portugal e o fornecimento de um critério seguro e objetivo sobre o que seria a boa razão – sobre a qual se referiram as Ordenações Filipi- nas quando a estabeleceu como critério à aplicação do Direito romano. Seu caráter instrumental é notório. Foi uma lei cuja finalidade era tratar de outras leis ou, mais precisamente, aplicá-las do modo mais adequado. Mais que uma simples norma sobre aplicação, a Lei da Boa Razão trazia, além do modo de utilização das leis, o que poderia ser aplicado; era uma meta-norma, um instrumento legal indicador do que era Direito de Portugal do século XVIII. De acordo com o comentário de Telles (1824, p. 5), em 1769: As mudanças trazidas pela Lei da Boa Razão ao Direito Português foram profundas. Apesar de serem muitas delas apenas a consolida- ção e o reforço de algumas posturas já há algum tempo tomadas pela Coroa, a publicação de uma lei reguladora do Direito foi importante para dar a segurança almejada principalmente pelo Estado. As incer- tezas sobre as matérias jurídicas eram prejudiciais e só atrapalhavam as tendências centralizadoras de D. José I e do Marquês de Pombal. Em todo este processo, não se tem dúvida de que os portugueses man- tinham total domínio dos assuntos governamental e jurídico. É indiscutível, portanto, reconhecer que, no Brasil-Colônia, a administração da justiça atuou sempre como instrumento de dominação colonial. Neste sentido, Wolkmer (2002, p. 13) esclarece: A monarquia portuguesa tinha bem em conta a necessária e impe- riosa identificação entre o aparato governamental e o poder judicial. Frisa-se, deste modo, que a organização judicial estava diretamente vinculada aos níveis mais elevados da administração real, de tal forma que se tornava difícil distinguir em certos lugares da colônia, – 13 – Introdução ao Estudo do Direito a representação de poder das instituiçõesuma da outra, pois ambas se confundiam. 1.2 Conceitos jurídicos fundamentais Estudaremos, nesta sessão, alguns conceitos fundamentais para a área jurídica em geral, como o conceito de Direito, de norma, a classificação das normas jurídicas, a validade, vigência e eficácia da norma, a teoria da Norma Fundamental e a teoria da antinomia. 1.2.1 O que é Direito A palavra Direito possui definição complexa, com diversos significados. Muitas vezes, o Direito é confundido com a própria lei. Embora sejam intrin- secamente relacionados, distinguem-se entre si, pois a diferença entre Direito e lei pertence ao âmbito ideológico do Estado. Da mesma forma, Direito e Justiça diferenciam-se quanto a significados, mas sua relação tão próxima faz com que os conceitos se confundam também por uma questão ideológica. Podemos dizer que Direito, em sentido amplo, vai além do Direito Posi- tivo, pois abrange uma realidade social na qual o Direito Positivo está em permanente transformação. O Direito Positivo nasce ao mesmo tempo e por conta do Estado Moderno. Por consequência desta relação, entendemos o Direito Positivo como um conjunto de normas jurídicas que busca regular a ordem da socie- dade. Essas normas podem ser escritas e não escritas; sua vigência se altera com o tempo, com o território ou com o povo em questão, opondo-se, neste sentido, ao Direito Natural. Podemos entender o Direito Natural como uma doutrina cuja tese sustenta a ideia de que há um ordenamento mais elevado, válido e justo universalmente, proveniente da natureza, da razão ou da vontade de Deus. Desta forma, segundo a doutrina do Direito Natural, o Direito tem validade universal e imutável e é superior ao Estado, supostamente vinculado a prin- cípios fundamentais. Como indaga o professor João Chaves: “Qual a origem do Direito? Ele nasceria em árvores? Por algum processo de esporulação, como se originam – 14 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária as samambaias?”2. É perceptível que a resposta é negativa. Segundo lições que remontam aos antigos romanos, ubi societas ibi ius, o que significa dizer que onde há sociedade, há direito. Desta forma, Reale (1995) lembra-nos que: No caso das ciências humanas, talvez o caminho mais aconselhável seja aceitar, a título provisório, ou para princípio de conversa, uma noção corrente consagrada pelo uso. Ora, aos olhos do homem comum o direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obri- gatórias que garantem a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros. Assim sendo, quem age de conformidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto. Mas o que Reale (1995) entende realmente por Direito em sentido lato é o fato de este ser um fenômeno social, só existindo na medida em que existe uma sociedade, não podendo ser concebido fora dela. Desta forma, na sua concepção, para a realidade jurídica, há uma qualidade de ser social. Partindo deste pressuposto, o autor fundamenta sua Teoria Tridimensional do Direito. Brevemente podemos dizer que essa teoria é uma concepção que leva em conta três aspectos que fundamentam o Direito. O primeiro aspecto é o normativo, no qual a Norma Jurídica é um dos fundamen- tos. O segundo aspecto é o fático, no qual a relevância social e histórica é outro fundamento em que o Direito está alicerçado. E, em terceiro lugar, o aspecto axiológico ou de valores buscados pela sociedade é o último funda- mento para o Direito. Já para Ferraz Jr. (2001): [...] o direito é muito difícil de ser definido com rigor. De uma parte, consiste em grande número de símbolos e ideais recipro- camente incompatíveis, o que o homem comum percebe quando se vê envolvido num processo judicial: por mais que ele esteja seguro de seus direitos, a presença do outro, contestando o, cria lhe certa angústia que desorganiza sua tranquilidade. De outra parte, não deixa de ser um dos mais importantes fatores de estabilidade social, posto que admit um cenário comum em que as mais diver- sas aspirações podem encontrar uma aprovação e uma ordem. 2 Pergunta proferida em aula pelo professor João Chaves, ministrante da disciplina Introdução ao Estudo do Direito 2 da Unicap. – 15 – Introdução ao Estudo do Direito O que Ferraz Jr. (2001) aponta é de extrema importância para enten- dermos que o Direito nem sempre corresponde diretamente ao sinônimo de justiça. Muitas vezes, quando há justiça para um, não há para o outro sobre o mesmo fato, pois a Justiça para um nem sempre corresponde à justiça para o outro. Podemos dizer que a justiça dá sentido ao Direito ou que ela é um princípio que o regula. A justiça tem uma relação direta com o tipo de con- duta e ação humana. Tentando definir um princípio que regulasse de forma perfeita a ação humana, o filósofo Imanuel Kant definiu o seu Imperativo Categórico como uma máxima da ação justa, pois, para ele, justa é a ação cuja consequência não interfira na liberdade do outro de forma universal. Mas na prática isso não acontece de forma espontânea por parte de todos: se todas as pessoas agissem segundo a máxima do Imperativo Categórico kantiano, não haveria motivo para estabelecer regras jurídicas. Desta forma, o Direito regula determinados tipos de conduta humana para que as pessoas ajam em conformidade com a lei, afim de promover a ordem e a paz em sociedade. Dessa máxima kantiana – Imperativo Categórico –, implica o conceito de Liberdade. Este, por sua vez, passa a ser definido pelo Estado como uma liberdade delimitada, pois o Estado, com seu poder de polícia, é o único agente que possui o direito de tirar a liberdade do indivíduo, ao mesmo tempo em que é o único agente que regula as condutas por meio das leis. Podemos dizer, deste modo, que o Direito delimita a liberdade do indivíduo acerca do seu convívio em sociedade. Também podemos nos referir ao conceito de Justiça de forma mais universal que nas relações entre indivíduos, de tal forma que uma premissa valha para toda a humanidade. A Declaração dos Direito Humanos baseia-se nestes moldes do conceito de Justiça, na qual traça direitos universais, essenciais e valorativos. Podemos falar em Justiça no mesmo sentido de direito, quando quere- mos dizer que “não é direito viver na miséria” e que “não é direito roubar”, pois queremos dizer que “não é justo viver na miséria” e que “não é justo roubar”; já quando dizemos que “pagamento é direito do credor” ou “educação é direito das crianças”, temos em mente o sentido de que os bens “pagamento” e “edu- cação” são devidos, por justiça, às pessoas mencionadas (MONTORO, 2005). – 16 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Nas palavras de Pedro (2006, p. 13), Direito é: Destaco que o direito não é apenas um conjunto de regras. É muito mais do que isso. As regras, escritas (leis), são um dos instrumentos de aplicação e atuação do direito, que se vale de outros componentes em sua configuração. Temos assim, ao lado das leis, a doutrina, a jurispru- dência, os costumes, os princípios gerais, que, somados, compõem o conceito de Direito. E esses elementos, em conjunto, aplicados, bus- cam atingir o ideal supremo, que é a obtenção da justiça. Desta forma, podemos entender que o Direito é mais um instrumento que procura regular e ordenar as relações da vida humana que apenas um con- junto estático de regras. No entanto, regula determinados tipos de relações humanas: as que podem ser consideradas como vínculos jurídicos. Como observa Reale (1995), quando os romanos ensinavam que a Justiça é funda- mentum regni, estavam, por certo, concebendo uma ideia de Direito como condição de vida, visando a realização de fins não jurídicos. Talvez a grandeza da Justiça consista exatamente no fato de ser o fundamento para o desenvol- vimento das demais virtudes. Para Reale (1995, p. 59): Todas as regras sociais ordenam a conduta, tanto asmorais como as jurídicas e as convencionais ou de trato social. A maneira, porém, dessa ordenação difere de uma para outra. É próprio do Direito orde- nar a conduta de maneira bilateral e atributiva, ou seja, estabelecendo relações de exigibilidade segundo uma proporção objetiva. O Direito, porém, não visa a ordenar as relações dos indivíduos entre si para satisfação apenas dos indivíduos, mas, ao contrário, para realizar uma convivência ordenada, o que se traduz na expressão: “bem comum”. O bem comum não é a soma dos bens individuais, nem a média do bem de todos; o bem comum, a rigor, é a ordenação daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio, uma composição harmônica do bem de cada um com o bem de todos. Portanto, podemos entender que o objetivo maior do Estado é visar e manter o interesse do bem público. Esta finalidade do Estado faz com que ele seja o detentor do monopólio estatal do uso da força como pessoa jurídica de direito interno, o que significa dizer que tem personalidade legal e jurídica por determinação de lei. Daí advém o Direito Positivo, que nasce juntamente com a ideia de Estado Moderno, no qual o poder estatal regula determinadas condutas dos indivíduos. Lembremos que o teórico que primeiro conceituou o Estado Moderno foi Nicolau Maquiavel, diferenciando o Estado Moderno do estado de natureza. Enquanto no estado de natureza o homem vive sem – 17 – Introdução ao Estudo do Direito regras – em um estado animalesco, porque age conforme seus sentimentos e impulsos –, no Estado Moderno, o homem vive conforme regras que o mantém civilizado. Esse Estado Moderno detém a soberania estatal e a força. Podemos entender o Direito como um conceito mais amplo que o Direito Positivo, como analisa Castro (2007, p. 2), ao considerar que o homem não existe sem o Direito e o Direito não existe sem o homem: Entende-se, em sentido comum, o Direito como sendo o conjunto de normas para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos de uma dada sociedade. Estas normas, estas regras, esta sociedade não são possíveis sem o Homem, porque é o Ser Humano quem faz o Direito e é para ele que o Direito é feito. Assim, Ráo (1991, p. 31) entende por Direito: É o direito um sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma pro- porção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em conseqüência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo poder público. Embora haja um grande número de definições sobre o que entendemos hoje por Direito, não podemos deixar de lado os fatos históricos e sociais. Desta forma, Venosa (2005, p. 32) lembra-nos que: [...] o direito é uma realidade histórica, é um dado contínuo, provém da experiência. Só há uma história e só pode haver uma acumula- ção de experiência valorativa na sociedade. Não existe Direito fora da sociedade. (ubi societas, ibi ius, onde existe a sociedade, existe o direito). Daí dizer-se que no Direito existe o fenômeno da alteridade, isto é, da relação jurídica. Só pode haver direito onde o homem, além de viver, convive. Um homem que vive só, em uma ilha deserta, não é alcançado, em princípio, pelo Direito, embora esse aspecto moderna- mente também possa ser colocado em dúvida. Há, portanto, particu- laridades que distinguem a ciência do Direito das demais. Já Kelsen (2006, p. 33) acrescenta o entendimento de sistema para defi- nir o que é Direito: [...] o direito é uma ordem da conduta humana. Uma “ordem” é um sistema de regras. O Direito não é, como às vezes se diz, uma regra. É um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entende- mos por sistema. É impossível conhecermos a natureza do Direito – 18 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária se restringirmos nossa atenção a uma regra isolada. As relações que concatenam as regras específicas de uma ordem jurídica também são essenciais à natureza do Direito. Apenas com base numa compreensão clara das relações que constituem a ordem jurídica é que a natureza do Direito pode ser plenamente entendida. Desta maneira, percebemos que a definição de Direito é bastante com- plexa e, por isso mesmo, há uma grande diversidade de descrições, pelos autores, do seu significado. Montoro (2005) traz uma divisão do conceito de Direito segundo o seu entendimento, analisando as diferentes concepções da palavra Direito segundo cinco expressões: 1. “o direito não permite o duelo”; consequentemente, podemos entender esta expressão como norma: neste caso, o Direito é a lei, a regra social obrigatória. Assim, quando dissemos “o direito nos per- mite contratar”, estamos relacionando uma norma, uma sentença que nos permite, ou não, praticar determinado ato. 2. “o Estado tem o direito de legislar”; esta expressão nos remete ao conceito de Direito como faculdade – estamos revelando a facul- dade, a liberdade que o Estado possui de criar leis a fim de organizar a convivência em sociedade. Como exemplo, podemos observar, na Constituição Federal brasileira de 1988, em seu Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marí- timo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II - desapropriação; III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; [...] 3. “a educação é direito da criança”; esta expressão nos revela o sentido de Direito como sinônimo de justo, ou por Justiça. Também na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5o, caput, é afirmado que, [...] todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. – 19 – Introdução ao Estudo do Direito 4. “cabe ao direito estudar a criminalidade”. No caso desta expressão, o conceito de Direito refere-se ao Direito como Ciência do Direito, pois propõe estudar, com metodologia e rigor cientifico, os aspectos e fenômenos sociais que dão origem ao surgimento do direito como norma e da regulamentação das relações sociais. Assim, o direito como ciência tem a finalidade de estudar o “dever-ser” jurídico, ou seja, investigar e estudar as normas jurídicas, situando-as no tempo e no espaço. Venosa (2005, p. 34) contribui afirmando que: “Direito é ciência do ‘deve ser’ que se projeta necessariamente no plano da experiência. Para cada um receber o que é seu, o Direito é coercível, isto é, imposto à sociedade por meio de normas de conduta”. 5. “o direito constitui um setor da vida social”, nesta última expressão de Montoro, Direito significa fato social: o Direito é um fenômeno da vida coletiva, já que é um dos setores da vida social, ao lado dos fatos econômicos, sociais, culturais, entre outros. Este aspecto do Direito sempre existiu, uma vez que nas relações humanas sempre existiram regras de conduta, ainda que primitivas. Os significados exibidos aqui são apenas uma parte das possibilidades de definições do “Direito”. Em outras áreas do saber, a palavra indica reta (segmento direito), perfeição aritmética (cálculo direito), perfeição moral (homem direito) ou, simplesmente, um dos lados de qualquer coisa (lado direito, oposto ao esquerdo) (BETIOLI, 2013). Mas por que estudar Direito? Porque a vida em sociedade é regida por regras sociais e de DIREITO. Porque é uma ciência que se entrelaça com todos os demais ramos do conhecimento. Porque o DIREITO tem a função de garantir a paz e o equilíbrio da sociedade. Porque os negócios empresariais na atualidade são fortemente regidos pelo DIREITO. – 20 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária 1.2.2 O que é Norma Podemos dizer que a Norma Jurídica é a estrutura fundamental doDireito, na qual estão estampados preceitos e valores que construirão à ordem jurídica. Ela é o elemento responsável por regular o comportamento do homem, ao mesmo tempo em que consolida enunciados, determinando em grande medida a organização da sociedade e do Estado. Como caracterizou Dal Vecchio (1953), a Norma Jurídica é a “coluna vertebral” do corpo social. A Norma Jurídica, além de ordenar, expressa um valor que é estabelecido previamente por meio da própria norma. Nem toda norma é jurídica: há as normas não jurídicas que são ape- nas morais, de costume ou de conduta, por exemplo. Quando falamos em normas não jurídicas, nos referimos à norma no sentido de regra em geral; quando falamos em normas jurídicas, nos referimos à norma em sentido de regra em um âmbito estatal, da qual decorre uma imposição por parte do Estado, que implica, no mais das vezes, em uma sanção. Geralmente, a Norma Jurídica acarreta como consequência uma sanção, aplicada quando há o não cumprimento de seu enunciado. Essa sanção é decorrente, por sua vez, de uma coação externa, porque advém do Estado por meio do ordenamento jurídico. enquanto as normas puramente morais podem acarretar algum tipo de coação – mas esta é de caráter interno, do próprio indivíduo, advém da consciência desse indivíduo. Há teóricos do Direito que argumentam que a sanção é o elemento intrínseco e constituidor da Norma Jurídica. Isso significa dizer que em toda Norma Jurídica implicaria uma sanção ou que o ordenamento jurídico estaria fundado na ideia de sanção. Mas para outros teóricos do Direito, pode haver Norma Jurídica sem implicar em uma sanção como defende o teórico Hans Kelsen. Ele esclarece muito bem que a existência de normas jurídicas que não acarretam sanção é um fato que não pode ser ignorado. Desta forma, pode- mos dar exemplos destas, como a parte que diz respeito à organização dos poderes do Estado na Constituição, no caso específico da nossa Constituição Federal de 1988 – esta parte encontra-se em seu Título III. Diniz (2010, p. 387) ressalta que: “Todas as normas são imperativas porque fixam as diretrizes da conduta humana [...]”, pois tanto a Norma Jurí- dica quanto a norma moral constituem norma de comportamento. Porém, – 21 – Introdução ao Estudo do Direito somente a Norma Jurídica tem a característica autorizante, o que significa dizer que ela tem o poder de autorizar o cumprimento do dever. Desta forma, podemos dizer que essa característica autorizante dá à Norma Jurí- dica o poder de obrigatoriedade. A autora conceitua a Norma Jurídica como sendo bilateral. A norma jurídica é, por conseguinte, bilateral, porque se dirige a duas pessoas. De um lado, como imperativo, impõe dever a determinada pessoa, dizendo o que ela deve fazer; de outro lado, autoriza o lesado pela sua violação a exigir o dever. É bilateral por ser imperativa e auto- rizante, exemplificativamente: se alguém paga sua dívida e o credor se recusa a dar-lhe quitação, estará ele violando uma norma do Código Civil (art. 319). Em consequência, o lesado tem a autorização de exi- gir dele, por meio do poder público, o cumprimento dessa norma e a quitação negada. (DINIZ, 2010, p. 387). Desta definição de Diniz, podemos dizer que a Norma Jurídica dá ao indivíduo o poder de exigir o cumprimento do dever no momento em que a outra parte não o cumpre ou o desobedece. Seria como se a Norma Jurídica “emprestasse” o poder momentaneamente ao indivíduo, e esse poder, que é do Estado, estende-se provisoriamente ao indivíduo por meio do Direito. Podemos confundir norma, regra e lei. Isto acontece porque, em pri- meiro lugar, no sentido comum, nós acabamos utilizando como sinônimos no cotidiano; e, em segundo lugar, porque na própria doutrina jurídica os autores divergem quanto a algumas diferenças e semelhanças desses conceitos – em certa medida, esses termos se equivalem. Para Venosa (2003, p. 37): “Lei é uma regra geral de direito, abstrata e permanente, dotada de sanção, expressa pela vontade de uma autoridade competente, de cunho obrigatório e deforma escrita”. Machado (2000, p. 72) enfatiza a diferença entre norma e lei quando diz que: “[...] a diferença entre norma e lei fica bem clara quando se constata que a norma é um conceito de teoria Geral do Direito, ou de Lógica Jurídica, enquanto lei é um conceito de Direito Positivo”. Podemos dizer que toda lei, em sentido amplo, tem como característica ser uma regra que implica na necessidade. Há duas espécies de leis: as leis naturais e as leis jurídicas. Não podemos dizer que toda lei é uma norma, porque a norma é um tipo de regra que se refere apenas às ações humanas. – 22 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Desta forma, não podemos dizer que as leis da Física são normas, pois, além de não se referirem às ações humanas, elas dizem respeito ao “o que é”, não ao “que deve ser”. As leis jurídicas determinam o que deve ser, por este motivo, ela é uma norma prescritiva, ela prescreve a conduta. A fim de encerrar nossa análise sobre o conceito de Norma Jurídica, citaremos mais algumas definições de teóricos do Direito para complementar e cercar suas características. Montoro (2005, p. 361) define que: “A norma jurídica é, em primeiro lugar, uma regra de conduta social. Seu objetivo é regular a atividade dos homens em relações sociais”. Machado (2004, p. 88) complementa que as normas jurídicas: [...] são prescrições jurídicas de caráter hipotético e eficácia repetitiva. Elas prescrevem comportamentos para situações descritas em caráter hipotético. Em outras palavras, elas fazem a previsão de condutas a serem adotadas nas situações que descrevem hipoteticamente. Para Ferraz Jr. (1996, p. 115), a Norma Jurídica é um fenômeno complexo [...] de expectativas contrafáticas, que se expressam por meio de proposições de dever-ser (deve, é obrigatório, é proibido, é permi- tido, é facultado), estabelecendo-se entre os comunicadores sociais relações complementares institucionalizadas em alto grau (relação meta-complementar de autoridade/sujeito), cujos conteúdos tem um sentido generalizável conforme núcleos significativos mais ou me- nos abstratos. A definição de Reale (2001, p. 88) sobre as Normas Jurídicas é: O que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espé- cie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória. [...] Dizemos que a norma jurídica é uma estrutura proposicional porque o seu conteúdo pode ser enunciado mediante uma ou mais proposições entre si correlacionadas, sendo certo que o significado pleno de uma regra jurídica só é dado pela integração lógico-complementar das proposições que nela se contêm. Destacamos também a definição de Diniz (2010, p. 342), ao dizer que: O fundamento das normas está na exigência da natureza humana de viver em sociedade, dispondo sobre o comportamento dos seus membros. As normas são fenômenos necessários para a estruturação ôntica do homem. E como a vida do grupo social está intimamente – 23 – Introdução ao Estudo do Direito ligada à disciplina das vidas individuais, elas fundam-se também na necessidade de organização na sociedade, exatamente porque não há sociedade sem normas de direito, que têm por objetivo uma ação humana, obrigando-a, permitindo-a ou proibindo-a. Para alguns teóricos do Direito, uma norma, para ser considerada jurídica, ou seja, ser uma regra jurídica, precisa obedecer a três critérios: ser válida, ter vigência e ser eficaz. Para outros teóricos do Direito, como Kelsen e Bobbio, a Norma Jurídica deve ter correspondência com o que se entende por justiça, deve ter validade e deve ser eficaz. Veremos essas características da Norma Jurídica com mais detalhes posteriormente. Segundo Vasconcelos (1993, p. 163), para classificar as normas é necessário considerar os seguintes critérios: [...]quanto à destinação (normas de Direito e normas de Sobredi- reito), quanto ao modo de existência (normas explícitas e normas implícitas), quanto à fonte (teorias de Kelsen e Savigny, apontando como formas de expressão do Direito ou normas jurídicas, a lei, o cos- tume, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do direito), quanto à matéria (normas de Direito Público, normas de Direito Pri- vado e normas de Direito Social). 1.2.2.1 Classificação das Normas Jurídicas Classificar as normas jurídicas não é um trabalho fácil, pois na doutrina do Direito há vários tipos e modos de classificações. Desta forma, mostra- remos a classificação que Diniz faz em relação às normas jurídicas, pois esta teórica do Direito tem relevância na doutrina jurídica e sua classificação é muito completa. Para Diniz (2010), as Normas Jurídicas são classificadas em sete catego- rias e cada uma delas apresenta suas especificidades. Veja a seguir, de forma resumida, como a autora faz esta classificação. I. Quanto à “imperatividade”: 1. imperatividade absoluta, ou impositiva – são de ordem pública, pois tutelam interesses fundamentais, ligados ao bem comum; ordenam ou proíbem de modo absoluto, podendo ser de ordem positiva ou negativa; 2. imperatividade relativa, ou dispositiva – não ordenam nem proíbem de modo absoluto, podendo ser permissivas por – 24 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária consentir ação ou abstenção; podem também ser supletivas, quando suprem a falta de manifestação de vontade das partes, e pode tornar-se impositiva em razão da doutrina e da jurisprudência. II. Quanto ao autorizamento: 1. mais que perfeitas – autorizam a nulidade do ato praticado ou o restabelecimento da situação anterior e também a aplica- ção de uma pena ao violador; 2. perfeitas – autoriza a declaração da nulidade do ato ou a pos- sibilidade de anulação do praticado contra sua disposição, e não a aplicação de pena ao violador; 3. menos que perfeitas – as que autorizam a aplicação de pena ao violador, mas não a nulidade ou anulação do ato que as violou; 4. imperfeitas – aquelas cuja violação não acarreta qualquer con- sequência jurídica. III. Quanto à hierarquia: 1. normas constitucionais; 2. leis complementares; 3. leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções; 4. decretos regulamentares; 5. normas internas (despachos, estatutos, regimentos etc.); 6. normas individuais (contratos, testamentos, sentenças etc.). IV. Quanto à natureza de suas disposições: 1. substantivas – regulam relações jurídicas ou criam direitos e impõem deveres; 2. adjetivas – as que regulam o modo ou o processo de efetivar as relações jurídicas. – 25 – Introdução ao Estudo do Direito V. Quanto à aplicação: 1. de eficácia absoluta – contém força paralisante total; 2. de eficácia plena – disciplinam as relações jurídicas; 3. de eficácia relativa restringível – tem seu alcance reduzido pela atividade legislativa, sendo que a possibilidade de produzir efeitos é imediata; 4. de eficácia relativamente complementável – se a possibilidade de produzir efeitos é mediata, dependendo de norma posterior que lhe devolva a eficácia. VI. Quanto ao poder de autonomia legislativa: 1. nacionais e locais; 2. federais, estaduais e municipais. VII. Quanto à sistematização: 1. esparsas ou extravagantes (lei do inquilinato, do salário-família etc.); 2. codificadas (Código Tributário Nacional, Código Civil, Código Penal etc.); 3. consolidadas (Consolidação das Leis do Trabalho etc.). Para percebermos com mais clareza que a classificação das normas jurí- dicas difere na doutrina jurídica entre os teóricos do Direito, mostraremos a classificação de Máynez apontada por Nader (2012), como você pode ver no quadro a seguir: Classificação das Normas Jurídicas quanto... ao sistema a que per- tencem. Podem ser nacionais, estrangeiras e de Direito uniforme. à fonte. Podem ser legislativas, consuetudinárias e jurisprudenciais. – 26 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Classificação das Normas Jurídicas quanto... aos diversos âmbitos de validez. Âmbito espacial de validez: gerais e locais. Âmbito temporal de validez: de vigência por prazo indeterminado e de vigência por prazo determinado. Âmbito material de validez: normas de Direito Público e de Direito Privado. Âmbito pessoal de validez: genéricas e individualizadas. à hierarquia. Dividem-se em: constitucionais, complementares, ordinárias, regulamentares e individualizadas. à sanção. Dividem-se em: leges perfectae, leges plus quam per- fectae, leges minus quam perfectae, leges imperfectae. à qualidade. Podem ser: positivas (ou permissi- vas) e negativas (ou proibitivas). às relações de com- plementação. Primárias e secundárias. As secundárias são das espécies: a) de iniciação, duração e extinção da vigência; b) declarativas ou explicativas; c) per- missivas; d) interpretativas; e) sancionadoras. à vontade das partes. Dividem-se em taxativas e dispositivas. Fonte: Adaptado de NADER, 2012. No entendimento de Reale (2001, p. 89) sobre a classificação das nor- mas, podemos relatar que: [...] há regras de direito cujo objetivo imediato é disciplinar o com- portamento dos indivíduos, ou as atividades dos grupos e entidades sociais em geral; enquanto que outras possuem um caráter instrumen- tal, visando à estrutura e funcionamento de órgãos, ou à disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação de normas, a fim de assegurar uma convivência juridicamente ordenada. Surge, desse fato, a tendência natural a considerar primárias as normas que enunciam as formas de ação ou comportamento lícitos ou ilícitos; e secundárias as normas de natureza instrumental. Ao analisarmos a diferença existente entre a classificação das normas jurídicas, podemos dizer que não há um padrão estabelecido pela doutrina em relação à unificação dessa classificação. Quanto à desigualdade nos termos classificatórios, Vasconcelos (1993, p. 163) afirma que: – 27 – Introdução ao Estudo do Direito [...] tal diversidade classificatória não decorre de meras razões pessoais de ordem doutrinária e que, mesmo restritas ao meio acadêmico tais classificações não perdem sua importância, já que se tornam indispen- sáveis do ponto de vista da prática jurídica, por motivos metodológi- cos de ordenação dos conhecimentos. As classificações aqui apresentadas, de Diniz e de Máynez, abrangem apenas duas perspectivas acerca das diferentes maneiras de classificar uma Norma Jurídica. Desta forma, não esgotam o assunto; pelo contrário, nos mostra que o tema é muito amplo, com muitas discussões. 1.2.2.2 Validade, vigência e eficácia da Norma Jurídica Em relação à validade da Norma Jurídica, podemos dizer que esta é uma qualidade própria. Para se caracterizar assim, é necessário que essa norma seja válida de acordo com o ordenamento jurídico em que se insere. Por meio desta perspectiva, Ferraz Jr. (2008, p. 71) define a validade da Norma Jurídica: Validade é uma qualidade da norma que designa sua pertinência ao ordenamento, por terem sido obedecidas as condições formais e materiais de sua produção e consequente integração no sistema. Por sua vez, a vigência seria “uma qualidade da norma que diz respeito ao tempo de validade, ao período que vai do momento em que ela entra em vigor (passa a ter força vinculante) até o momento em que é revogada/extinta. Quando falamos que a norma tem força vinculante, queremos dizer que ela foi aprovada juridicamente, contendo força de lei, e que essa “força” se estende aos terceiros, que são todos os cidadãos de determinado território cujo ordenamento está em vigor. Portanto, a qualidade de ser válida é essen- cial para que a norma se torne uma norma efetivamente jurídica e que seja “absorvida” pelo ordenamento jurídico. Essa força vinculante depende do cumprimento detodas as etapas legais, como ressalta Venosa (2007, p. 103): “[...] para sua validade, é necessário que todas as etapas legais de sua elabora- ção tenham sido obedecidas”. Para Vasconcelos (1993, p. 225-226), a validade da Norma Jurídica é uma categoria cuja análise e aprovação é uma questão formal. Na categoria da validade, examinam-se as condições existenciais da norma jurídica, o que requer apenas o emprego de critérios técnicos, sendo tal abordagem, portanto, eminentemente formal. Pretende-se – 28 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária apurar se a norma, de que se trata, é formalmente boa, a saber, se admite as provas de aferição relativas à juridicidade, à positividade, à vigência e à eficácia. Da norma que resistir a tal análise, só se pode afirmar, ainda, que existe validamente como norma jurídica. A aprovação formal desta norma – o que corresponde a sua validade – torna-lhe uma regra jurídica ou, como vimos, torna-lhe uma norma com força vinculante. Em relação a esta formalização e objetivação, por assim dizer, da Norma Jurídica, Bobbio (2005, p. 46-47) expressa muito bem a diferença entre uma análise formal e uma moral. Enquanto para julgar a justiça de uma norma, é preciso compará-la a um valor ideal, para julgar a sua validade é preciso realizar investi- gações do tipo empírico-racional, que se realizam quando se trata de estabelecer a entidade e a dimensão de um evento. Já o professor e desembargador Rizzatto Nunes (2001, p. 5) atribui à validade da norma tanto ao aspecto técnico-jurídico, ou formal, quanto ao aspecto da legitimidade, conforme exposto: No primeiro caso, fala-se de a norma jurídica ser válida quando criada segundo os critérios já estabelecidos no sistema jurídico [...] No outro, fala-se do fundamento axiológico, cuja incidência ética seria a condição que daria legitimidade à norma jurídica, tornando-a válida. Para Diniz (2010), a validade da Norma Jurídica obedece a três requisi- tos necessários. Em primeiro lugar, a validade jurídica tem caráter formal, ou técnico-jurídica, por conta da vigência; em segundo, a validade tem caráter fático, por conta da eficácia; e em terceiro, a validade da Norma Jurídica tem caráter ético, por conta do fundamento axiológico. Montoro (1973, p. 146) segue esta mesma posição de Diniz quando afirma que a validade da Norma Jurídica também se relaciona com o caráter ético, ao dizer que: “Toda norma jurídica tem, assim, um âmbito temporal, espacial, material e pessoal, dentro dos quais ela tem vigência ou validade”. Porém, é importante ressaltar que, na visão de Diniz, a validade pode ser entendida como um gênero da Norma Jurídica e que a justiça, a eficácia e a vigência são espécies deste gênero. A validade como gênero conteria, de certa forma, os elementos vigência, eficácia e justiça. Já para outros teóricos do Direito, a validade, a justiça e a eficácia estariam no mesmo nível de clas- sificação referentes à Norma Jurídica e seriam critérios de valoração, como entendem Kelsen (2000) e Bobbio (1997). – 29 – Introdução ao Estudo do Direito Para Kelsen (2000), estes três elementos são independentes entre si, pois uma norma, segundo ele, pode ser justa sem ser válida, pode também ser válida sem ser justa, pode ser válida sem ser eficaz, pode ser eficaz sem ser válida, pode ser justa sem ser eficaz e pode ser eficaz sem ser justa. Na visão de Bobbio (1997), ao tratar da solução dos conflitos gerados pela antinomia de duas normas válidas, a existência de quatro âmbitos distintos de validade da Norma Jurídica são apontados: temporal, espacial, pessoal e material. A questão da validade jurídica das normas e do ordenamento jurídi- cos é uma questão zetética, portanto uma questão aberta. Do ângulo dogmático, a questão é fechada. Por isso, sua formulação é diferente. Em vez de se perguntar que é validade e como se define validade jurí- dica, pergunta-se pela identificação da validade das normas de dado ordenamento O problema dogmático da validade das normas é, pois, questão de identificá-las no ordenamento brasileiro, alemão, francês, americano etc. A questão é tecnológica. Nesse sentido, a validade das normas do ordenamento brasileiro não é definida, mas assinalada: cumpre ao dogmático mostrá-la e, se necessário, demonstrá-la. (FER- RAZ JR., 1994, p. 196). Como vimos, para Diniz (2006, p. 393-394), a vigência é um aspecto da validade formal. Desta forma, são elencados três aspectos fundamentais, os quais são primeiramente classificados por Reale, para que a vigência se efetue: 1o) elaboração por um órgão competente, que é legítimo por ter sido constituído para tal fim; 2o) competência ratione materiae do órgão, isto é, a matéria objeto da norma deve estar contida na competência do órgão; 3o) observância dos processos ou procedimentos estabelecidos em lei para sua produção. (DINIZ, 2006, p. 394). É interessante acrescentarmos como o jurista e filósofo Hans Kelsen (2000, p. 11) define vigência: Com a palavra “vigência” designamos a existência específica de uma norma. Quando descrevemos o sentido ou o significado de um ato normativo dizemos que, com o ato em questão, uma qualquer con- duta humana é preceituada, ordenada, prescrita, exigida, proibida; ou então consentida, permitida ou facultada. Se, como acima propusemos, empregarmos a palavra “dever ser” num sentido que abranja todas estas significações, podemos exprimir a vigência (validade) de uma norma dizendo que certa coisa deve ou não deve ser, deve ou não ser feita. – 30 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Quando Kelsen (2000) se refere à existência da norma, ele quer dizer que a sua vigência está diretamente relacionada com a sua duração no tempo, pois podemos dizer que a norma tem um início, assim como tem um fim. Da mesma forma que a vigência confere à norma caráter de validade, o “dever ser” da norma também configura validade a esta, desde que este “dever ser” tenha uma consequência vinculante entre o conteúdo da norma e a Norma Fundamental, e que estejam ligadas a um ordenamento válido. Sobre o con- ceito de Norma Fundamental, estudaremos mais adiante. Podemos citar mais um teórico do Direito a fim de encerrarmos nossa aná- lise acerca do conceito de “vigência”. Carvalho (1999, p. 82), por sua vez, explica: Viger é ter força para disciplinar, para reger, cumprindo a norma seus objetivos finais. A vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fático, os eventos que elas des- crevem. Há normas que existem e que, por conseguinte, são válidas no sistema, mas não dispõem dessa aptidão. A despeito de ocorrerem os fatos previstos em sua hipótese, não se desen- cadeiam as consequências estipuladas no mandamento. Dizemos que tais regras não têm vigor, seja porque já o perderam, seja porque ainda não o adquiriram. O que Carvalho quer dizer com vigor, podemos entender como eficácia. Bobbio (2005, p. 47) bem explica que: “[...] o problema da eficácia da norma é o problema de ser ou não ser seguida pelas pessoas a quem é dirigida [...]”, pois há normas que podem ser vigentes mas, ao mesmo tempo, não serem eficazes, por exemplo, algumas leis ambientais e algumas normas do antigo Código Penal brasileiro. Podemos dizer também que há graus diferentes de eficácia. Quando, por exemplo, uma norma é seguida espontaneamente e de maneira universal, falamos que ela é mais eficaz; quando as normas estão munidas de coação e só por esta razão são seguidas, dizemos que elas são apenas eficazes; mas quando uma norma não é obedecida nem quando impõem sansão, falamos que esta norma é ineficaz. Diniz (2010, p. 396-397) classifica a eficácia em quatro tipos: a eficácia absoluta, que são as insuscetíveis de emenda (p. ex.: CF, arts. 1o, 2o, 5o, I, a LXXVII, e 14); a eficácia plena, que disciplina as relações jurídicas (p. ex.:– 31 – Introdução ao Estudo do Direito arts. 14, , 69, 155 e 156 da Constituição Federal); a eficácia relativa restrin- gível, que tem seu alcance reduzível pela atividade legislativa (p. ex.: CF, arts. 5o, XII e LXVI, 139 e 170); a eficácia relativa complementável, na qual sua possibilidade de produzir efeitos é mediata (p. ex.: arts. 205 e 218 da CF). Ao analisarmos a eficácia da norma, devemos considerar dois segmentos, que são a eficácia social e a jurídica. Assim elucida Ferraz Jr. (2008): Eficácia é uma qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta, ou para satisfação de objetivos visados (efetividade ou eficácia social), ou por- que estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação (eficácia técnica). De forma muito clara, Diniz (2010, p. 407) define, ao explicar eficácia social: “A eficácia social seria a efetiva correspondência da norma ao querer coletivo, ou dos comportamentos sociais ao seu conteúdo”. Segundo Silva (1999, p. 65), a eficácia social: [...] designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada; nesse sentido, a eficácia da norma diz respeito, como diz Kelsen, ao “fato real de que ela é efetivamente aplicada e seguida, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos”. É o que tecnicamente se chama efetividade da norma. Eficácia é a capacidade de atin- gir objetivos previamente fixados como metas. Ainda Silva (1999, p. 66), referindo-se à eficácia jurídica, afirma que: [...] se diz que a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou exe- cutoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. Diniz (1995) nos apresenta a interação entre vigência, validade e eficá- cia. Como se vê, a eficácia é condição da validade na sua teoria, pois a eficácia é a validade fática; a eficácia seria uma espécie de validade. A eficácia de uma norma consiste em que esta é, em geral, efetiva- mente cumprida e, se não cumprida, é aplicada. A validade consiste – 32 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária em que a norma deve ser cumprida, ou, se não o for, deve ser apli- cada. Assim, se uma norma proíbe matar animal de uma certa espécie, ao ligar a tal matar uma pena como sanção, perderia sua validade se aquela espécie de animal desaparecesse e, por conseguinte, não fosse possível nem o cumprimento nem a aplicação da norma jurídica. (DINIZ, 1995, p. 47). Bobbio (1997, p. 47) nos explica que: Não é nossa tarefa aqui indagar quais possam ser as razões para que uma norma seja mais ou menos seguida. Limitamo-nos a consta- tar que há de existir normas que são seguidas universalmente de modo espontâneo (e são as mais eficazes), outras que são seguidas na generalidade dos casos somente quando estão providas de coação, e outras, enfim, que são violadas sem que nem sequer seja aplicada a coação (e são as mais ineficazes). A investigação para averiguar a eficácia ou a ineficácia de uma norma é de caráter histórico-socio- lógico, se volta para o estudo do comportamento dos membros de um determinado grupo social e se diferencia, seja da investigação tipicamente filosófica em torno da justiça, seja da tipicamente jurí- dica em torno da validade. Aqui também, para usar a terminologia douta, se bem que em sentido diverso do habitual pode se dizer que o problema da eficácia das regras jurídicas é o problema fenomeno- lógico do direito. Porém, como há os teóricos que aceitam que há Norma Jurídica mesmo com graus diferentes de eficácia e que uma Norma Jurídica pode ser dita ineficaz, como visto anteriormente em Bobbio (1995), há outros teóri- cos, como Reale (1998), que denominam como Norma Jurídica apenas se nela contiver um mínimo de eficácia; se ela for ineficaz, já por defini- ção, não será uma Norma Jurídica. No entendimento de Reale (1998, p. 112), “A eficácia se refere, pois, à aplicação ou execução da norma jurí- dica, ou por outras palavras, é a regra jurídica enquanto momento da conduta humana”. Nas palavras de Reale (1998, p. 112): O certo é, porém, que não há norma jurídica sem um mínimo de eficácia, de execução ou aplicação no seio do grupo. O Direito autêntico não é apenas declarado, mas reconhecido, é vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira de conduzir- se. A regra de direito deve, por conseguinte, ser formalmente válida e socialmente eficaz. – 33 – Introdução ao Estudo do Direito Desta forma, para este autor, a Norma Jurídica caracteriza-se como tal somente a partir da existência destes dois fatores: validade e eficácia, pois, para ele, estes elementos seriam inseparáveis, ao se tratar de Nor- ma Jurídica. Para Diniz, além da eficácia e da vigência, a justiça é outro elemento ou uma espécie de validade da Norma Jurídica. Para a autora, a justiça corres- ponde à validade ética e ao fundamento axiológico da Norma Jurídica. Quanto a isso, esperamos ter exposto os principais critérios de classifi- cação das normas jurídicas. Existem diversos critérios e várias outras inter- pelações que podem ser analisáveis, pois a doutrina jurídica, assim como a ciência do Direito, procura, como prioridade, solucionar conflitos e definir conceitos jurídicos. 1.2.3 Teoria da Norma Fundamental A teoria da Norma Fundamental foi criada por Kelsen e trata-se da ideia de uma norma que serve como fundamento ou base para todas as outras normas do mesmo ordenamento. Conforme apresentado por Kelsen (1998, p. 136): A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as nor- mas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu funda- mento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último funda- mento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa. Segundo Bobbio (1995), existe uma Norma Fundamental para cada ordenamento, e essa norma é responsável por dar unidade a todas as demais normas que se encontram espalhadas e que possuem variadas origens. As normas respeitam critérios de hierarquia dentro do ordenamento jurídico, conforme nos mostra Bobbio (1995, p. 49): Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encon- tram mais acima, chegamos a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. – 34 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária A princípio, Kelsen formula sua teoria da Norma Fundamental argumen- tando que ela seria uma hipótese no ordenamento jurídico. Porém, em seu livro “Teoria Geral das Normas”, reconceitua essa teoria entendendo que ela não seria uma hipótese, mas uma ficção. Primeiramente precisamos entender o que é a Norma Fundamental para depois explicá-la como sendo uma ficção. A Norma Fundamental fundamenta a validade de um ordenamento jurídico, ou seja, ela é a norma primária, originária, na qual todas as outras normas (ditas como secundárias) estariam em conformidade com ela. Em outras palavras, a Norma Fundamental, ou primária, é aquela que descreve uma conduta, enquanto a norma secundária prescreve uma sanção. É interessante analisarmos as próprias palavras de Kelsen (1986, p. 9): Admite-se que a distinção de uma norma que descreve uma certa con- dutae de uma norma que prescreve uma sanção para o fato de viola- ção da primeira é essencial para o Direito, então precisa-se qualificar a primeira como norma primária e a segunda, como norma secundária – e não ao contrário, como o foi por mim anteriormente formulado. [...] Costuma-se diferenciar entre normas jurídicas que impõem uma conduta fixada e normas jurídicas que ligam uma sanção à conduta contra essas normas, para distinguir entre normas jurídicas primárias e secundárias, como, porventura: Não se deve furtar; se alguém furta deve ser punido. Mas a formulação da primeira de ambas as normas é supérflua, visto que o não-dever-furtar juridicamente só existe no dever-ser-punido ligado à condição do furto. Portanto, a Norma Fundamental valida todas as outras normas: se outra norma a legitimasse, ela não seria a fundamental. Então, ela não precisa, em uma definição lógica, ser validada; precisa ser presumida pelo pensamento. Para se compreender a forma como as normas jurídicas se estruturam e se correlacionam, deve-se ter em mente que nenhuma norma tem existência isolada, independente, solitária. Ao contrário, as normas jurídicas convivem umas com as outras, entrelaçam-se, complementam-se, ajustam-se reciproca- mente, conjugando-se de forma harmoniosa (KELSEN, 1986). 1.3 Ordenamento jurídico O ordenamento jurídico é um conjunto de normas jurídicas organizadas que precisam ser coerentes e válidas entre si. – 35 – Introdução ao Estudo do Direito O ensinamento a partir do ordenamento jurídico é complexo, pois estes, em geral, têm um número muito grande de normas que não devem ser contraditórias entre si. As normas de um ordenamento jurídico devem obedecer à validade correspondente entre elas e devem ser coerentes entre si. Ao falarmos em ordenamento jurídico, não podemos deixar de citar a teoria da hierarquia das normas de Kelsen, conhecida também como teo- ria da pirâmide das normas jurídicas, pois esta teoria, além de clássica no Direito, é seguida pela doutrina jurídica em geral como a teoria fundamen- tal do ordenamento jurídico. A teoria da pirâmide das normas aceita o pressuposto de que o ordena- mento jurídico corresponde a um conjunto de normas que se estabelecem de forma organizada e que seguem uma hierarquia. Esta obedece à seguinte ordem: em primeiro lugar, está a norma constitucional como a principal e mais elevada Norma Jurídica; em segundo lugar, estão as normas gerais; e, em último lugar, estão as normas individualizadas. Por normas gerais, entende- mos as leis, os costumes, os decretos e a jurisprudência. Por normas individu- alizadas, entendemos as decisões judiciais e os negócios jurídicos. Então, podemos elencar em ordem hierárquica as normas jurídicas segundo a teoria da hierarquia das normas de Kelsen: 1. constituição; 2. emendas constitucionais; 3. leis complementares; 4. leis ordinárias; 5. leis delegadas; 6. medidas provisórias; 7. decretos; 8. resoluções; 9. instruções normativas; 10. portarias; 11. contratos e sentenças. – 36 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária 1. A Constituição Federal é a norma hierarquicamente mais ele- vada, sendo que todas as normas abaixo dela precisam obri- gatoriamente estabelecer uma relação de coerência com esta. 2. A emenda constitucional modifica algumas partes do texto constitucional originário, sem a necessidade de este ser substi- tuído totalmente. 3. A lei complementar se diferencia da lei ordinária por exigir um quorum de aprovação referente a sua formação. Este quorum é de maioria absoluta. A finalidade da lei complementar é de complementar o texto constitucional. 4. A lei ordinária exige um quorum de votação de maioria sim- ples para ser criada. Sua finalidade é de criar normas gerais e abstratas. 5. De acordo com o art. 68 da CF/88, “As leis delegadas serão elaboradas pelo presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional”. 6. A medida provisória é executada pelo presidente da República; em casos de urgência e relevância, tem força de lei. 7. Os decretos são ordens que podem ser provenientes de autori- dade superior ou órgãos. São atos administrativos. 8. As resoluções são provenientes do Poder Legislativo. Vide arts. 155, VI, 51, 52, 59,VII, 68§§ 2o e 3o da CF/88. 9. Instruções normativas são atos normativos. 10. A portaria se caracteriza por ser um documento derivado de um ato normativo. 11. O contrato é um negócio jurídico que estipula vínculo jurí- dico entre, pelo menos, dois sujeitos de direito. Bobbio (1995) menciona que os ordenamentos jurídicos são com- postos por uma quantidade incontável de normas que não podem deixar de ser criadas, pois precisam satisfazer as variadas necessidades da socie- dade. Essas necessidades tornam-se cada vez maiores com o desenvolvi- – 37 – Introdução ao Estudo do Direito mento das sociedades, consequentemente há a regulamentação de novas normas jurídicas. Estas necessidades fazem com que os ordenamentos jurídicos se tor- nem complexos, pois, como as necessidades mudam com o tempo, há o surgimento de novas necessidades e há também a necessidade da extin- ção de algumas normas. Mas o ponto crucial de um ordenamento jurí- dico é a questão da validade da norma. Esta não pode ser contraditória com o restante do ordenamento, a começar pela Constituição. De acordo com Dantas (2005, p. 9), “A complexidade de um ordenamento jurídico advém do fato de que a necessidade de regras de conduta, seja qual for a sociedade, é tamanha que não há poder ou órgão capaz de satisfazê- las sozinho”. Por definição, um ordenamento jurídico deve ter, pelo menos, duas nor- mas, pois se tiver apenas uma norma não será considerado um ordenamento jurídico. Na prática, no entanto, os ordenamentos jurídicos são um conjunto com um número quase incontável de normas. Para cada estado, há um orde- namento jurídico diferente, constituído a partir das necessidades de regulação das condutas de cada nação. Bobbio (1995, p. 34) menciona que: “[...] se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma, disso advêm que os principais problemas mais conexos com a existência de um ordenamento são os que nascem das relações das diversas normas entre si”. De acordo com a teoria de Kelsen sobre a validade das normas de um ordenamento jurídico, o fundamento de validade de toda norma deve estar amparada na Norma Fundamental. Como vimos no tópico anterior, a Norma Fundamental valida todas as outras normas do ordenamento. A princípio, Kelsen chama a Norma Fundamental de hipotética, mas em seus últimos trabalhos, Kelsen a denomina não mais como hipotética, mas como ficcional. Por conta da teoria da Norma Fundamental é que podemos dizer que o orde- namento jurídico é um sistema porque todas as normas são válidas de acordo com a Norma Fundamental. Podemos dizer que o ordenamento jurídico não aceita normas contrá- rias entre si: se houver contradição, há antinomia. Por antinomia jurídica, entende-se a contradição existente entre normas jurídicas, e essa contradição – 38 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária pode ser real ou aparente. De acordo com Bobbio (1995), a antinomia das normas é uma das maiores dificuldades que os juristas encontram. Com base na Teoria Geral do Direito, apontamos a origem do grego Anti = oposição + nomos = norma, conceituando antinomia como “Conflito entre duas normas jurídicas, cuja solução não se acha prevista na ordem jurí- dica” (AQUAVIVA, 2003). Bobbio (1995, p. 49) menciona também que: Devido à tendência de cada ordenamento jurídico se constituir em sistema, a presença de antinomias em sentido próprio é um defeito que o intérprete tende a eliminar. Como antinomia significa o encon- tro de duas preposições incompatíveis, que não podem ser ambas ver- dadeiras, e, com referência a um sistema normativo, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas,a eliminação do inconveniente não poderá consistir em outra coisa senão a eliminação de uma das duas normas (no caso de normas contrárias também a eliminação das duas). Só existirá antinomia real se, depois da análise acertada das duas normas, a divergência entre elas permanecer. E por isso é conhecida como a diver- gência entre duas normas contraditórias, proveniente de poderes eficazes em uma mesma esfera normativa, a qual coloca o sujeito responsável por aplicar o Direito, em um ponto injustificável de seleção, não podendo escolher por uma delas sem ferir a outra. Como ressalta Raz (1974, p. 94-95), “A funcionalidade, portanto, de uma norma (hipotética) fundamental é estabelecer a nota da unidade de um ordenamento jurídico, pois, o ordenamento jurídico não é um conjunto de normas escolhidas ao acaso”. Para Ferraz Jr. (2008, p. 171-173), o ordenamento jurídico, Em termos mais elaborados, consolida um sistema dinâmico, aberto, coeso, heterogêneo e circular, composto de elementos normativos e não normativos, associados a regras estruturais, norteado pelas ideo- logias (de origem interna ou externa) em voga naquele corpo coletivo. Ferraz Jr. (2008, p. 172-173) conceitua o ordenamento jurídico como um sistema: O ordenamento jurídico se caracteriza como sistema, conjunto de contornos identificáveis (sabe-se o que está dentro e o que está fora), – 39 – Introdução ao Estudo do Direito formado por repertório (feixe de elementos normativos e não norma- tivos interligados) e estrutura (somatório de regras estruturais e das relações por elas estabelecidas). Os ordenamentos jurídicos, para Bobbio (1995), podem ser simples ou complexos, dependendo das normas que os compõem. Ordenamentos deri- vados de juristas e historiadores são caracterizados como complexos. Segundo Bobbio (1995, p. 38), “a complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa socie- dade é tão grande que não existe nenhum poder (ou órgão) em condições de satisfazê-la sozinho”. Muitas são as definições dadas pelos autores aqui citados sobre o ordenamento jurídico. Podemos, então, dizer que o ordenamento é um conjunto de normas jurídicas com uma configuração ordenada ou categorizada; há estágios distintos, com as normas mais resistentes, e estágios secundários, com as normas mais inferiores. Em resumo, no estágio superior, ficam as normas constitucionais; posteriormente, as normas legais; seguidamente, as normas julgadas; e, por último, as normas contratuais. 1.3.1 Teoria das lacunas Em um ordenamento jurídico no qual há ausência de determinadas nor- mas, estas são chamadas de lacunas. Já em um ordenamento jurídico em que não há lacunas, chama-se de ordenamento completo. Para Bobbio (1995, p. 49): Por “completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna” (num dos sentidos do termo “lacuna”), “completude” significa “falta de lacunas”. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma tirada do sistema. Segundo Lemke (2005), lacuna da lei é a ausência da norma legal para determinado caso concreto. O referido autor cita Larenz e expõe que lacuna “[...] significa a ausência de uma regra determinada, que seria de se esperar no contexto global daquele sistema jurídico” (LARENZ apud LEMKE, 2005, p. 10-11). – 40 – Introdução ao Direito: Fundamentos, Legislação Social, Trabalhista, Comercial e Tributária Segundo Kelsen (1998, p. 172), a teoria das lacunas no ordenamento jurídico é errônea, pois, para ele: Esta teoria é errônea, pois funda-se na ignorância do fato de que, quando a ordem jurídica não estatui qualquer dever de um indivíduo de realizar determinada conduta, permite esta conduta. A aplicação da ordem jurídica vigente não é, no caso em que a teoria tradicional admite a existência de uma lacuna, logicamente impossível. Na ver- dade, não é possível, neste caso, a aplicação de uma norma jurídica singular. Mas é possível a aplicação da ordem jurídica - e isso também é aplicação do Direito. Por sua vez, Diniz (2002, p. 70) conceitua as lacunas dizendo que elas são “[...] faltas ou falhas de conteúdos de regulamentação jurídico-positiva para determinadas situações fáticas, que admitem sua remoção por uma deci- são judicial jurídico-integradora”. São muitas as classificações das lacunas, com relações bastante diferentes e com perspectivas distintas. A fim de preservar que o tema fique monótono, relacionamos as principais a respeito das lacunas. A mais antiga das classificações se deve a Zitelmann, segundo o qual as lacunas se dividem em autênticas e não autênticas. Aquelas serão obser- vadas quando a lei não dispor de resposta para determinado caso concreto, enquanto estas serão vislumbradas quando a lei apresentar uma solução inde- sejável para determinado fato-tipo. Neste ínterim, considera-se que a solução prevista pela lei é insatisfatória. A autora observa que apenas a lacuna autên- tica é uma lacuna jurídica, considerada propriamente dita, pois a não autên- tica é apenas uma lacuna política ou crítica (DINIZ, 2002). Bobbio (1995), de outro turno, estabelece a existência de lacunas reais (iure conditio) e lacunas ideológicas, ou impróprias (iure condendo). Nesta classificação, as lacunas reais são lacunas propriamente ditas, enquanto as lacunas ideológicas surgem a partir de uma confrontação entre o que é um sistema real e um sistema ideal, significando a ausência de Norma Justa. Diniz (2002) lembra que a doutrina alemã distinguiu as lacunas em primárias, ou originárias, e secundárias, posteriores ou derivadas. As pri- meiras existem desde o surgimento da norma, e as segundas são as que aparecem posteriormente, decorrendo de modificações nos valores ou das situações de fato. – 41 – Introdução ao Estudo do Direito Lemke (2005, p. 11), por sua vez, expõe a distinção entre as lacunas normativas e as axiológicas. As primeiras referem-se à ausência de solução no sistema, e, quando se trata das últimas, não há ausência de regra, mas sim uma regra insatisfatória ou injusta na opinião do aplicador da decisão: “[...] as normativas levam a uma interpretação praeter legem, enquanto as axiológicas produzem uma interpretação contra legem”. Perelman (2004, p. 67) destaca a classificação das lacunas em intra legem, praeter ou contra legem. A lacuna intra legem resulta da omissão do legislador. As praeter legem “[...] são criadas pelos intérpretes que, por uma ou outra razão, pretendem que certa área deveria ser regida por uma dis- posição normativa, quando não o é expressamente [...]”. Já a lacuna contra legem pode ser dita como o “[...] encontro às disposições expressas da lei, é também criada pelos intérpretes, que, desejando evitar a aplicação da lei, em dada espécie, restringem-lhe o alcance introduzindo um princípio geral que a limita.” (PERELMAN, 2004, p. 66-67). Para finalizar, Diniz (2002, p 95) menciona que: [...] ante a consideração dinâmica do direito e a concepção multifária do sistema jurídico, que abrange um subsistema de normas, de fatos e de valores, [...] três são as principais espécies de lacunas: 1ª) nor- mativa, quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais, (por exemplo, o grande desenvolvimento das relações sociais e o progresso técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva); e 3ª) axiológica, no caso de ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta. De acordo com o que foi exposto, existem muitas outras categorizações. Contudo, as apresentadas aqui são consideradas as mais relevantes para o entendimento do tema. 1.4