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História Esquecida - Deliso Villa

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Deliso Villa 
História 
Esquecida
H
ist
ór
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 E
sq
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ci
da
D
el
is
o 
V
ill
a
História 
Esquecida
Ao emigrado desconhecido, 
em nome de uma nação 
que tem o dever 
de recordar.
Avenida Goiás, 600 - Centro
São Caetano do Sul (SP)
CEP 09521-300
Telefones: 4221-9008 / 4221-7420
www.mp.usp.br/fpm
email: fundacao.promemoria@imes.com.br
Este livro integra o Projeto Editorial da Fundação
Pró-Memória, do período administrativo 1997-2000, 
cujo objetivo é resgatar a História do Município 
e da região através da publicação de 
pesquisas e documentos inéditos.
Projeto Editorial da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul
Séries Cadernos de História, Documenta e Ensaios
Direção: Aleksandar Jovanovic
Volumes Publicados:
1. José de Souza Martins, Diário de Fim de Século. Notas sobre o Núcleo Colonial de
São Caetano no século XIX. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória de São Cae-
tano do Sul, 1998.
2. 8º Grupamento de Incêndio 32 anos de História. São Caetano do Sul: Fundação Pró-
Memória de São Caetano do Sul, 1998.
3. Wilson Loduca, São Caetano: de várzeas alagadiças a príncipe dos municípios. São
Paulo: Editora Hucitec -São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória de São Caetano
do Sul: Prefeitura de São Caetano do Sul, 1998.
4. Yolanda Ascencio, Meio século de Legislativo em São Caetano. São Caetano do Sul:
Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, 1998. 2º edição revista e ampliada,
1999.
5. Sonia Maria Franco Xavier (org.), Jayme da Costa Patrão:...um traço marcante na au-
tonomia. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, 1998.
6. Rui Ribeiro, Notas de Realejo. Estudos sobre Literatura e MPB. São Caetano do Sul:
Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, 1999.
7. Guido Carli, Stí àni gera... cussí (Antigamente era assim). São Caetano do Sul: Fun-
dação Pró-Memória de São Caetano do Sul, 1999.
8. Agvan de Andrade Matos, Rosemeire Bento Simões (org.), Cotidiano Redescoberto,
alunos desvendam a História no Bairro Prosperidade. São Caetano do Sul: Fundação
Pró-Memória de São Caetano do Sul: Escola Estadual Laura Lopes, 1999.
9. Anais do III Congresso de História do ABC. À Sombra das Chaminés. A Produção da
Cultura no ABC. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul,
1999.
História 
Esquecida
Deliso Villa 
Tradução do italiano: Adriana Pucci
ISBN 85-86788-15-5
Feito o depósito legal
Título original: Storia dimenticata
© Deliso Villa, 1995
1ª edição - Meneghini, Vicenza
Ficha composta por Jus sa ra Fer rei ra Mu niz
FI CHA CA TA LO GRÁ FI CA:
Villa, Deliso
História Esquecida. Tradutora Adriana Pucci./
Deliso Villa./ Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul:
São Caetano do Sul; 2000./ Série Documenta
I. Emigração-italianos-Brasil. 2.Italianos-
Brasil-História. 3. Sociologia
Capa: Mikal Praemunitus
V76h
Índice
Pri mei ra Par te
Era uma vez a Itália ........................................................................................14
Um país an ti go e imó vel cas ti ga do 
por ma les ter rí veis..........................................................................................15
Uma pá tria pa ra pou cos..................................................................................19
Uma es tra nha his tó ria de ma las de sa pa re ci das ..............................................21
Che ga o al fa be to ............................................................................................23
A car ti lha do jo vem pas tor abruz ze se ............................................................25
Es cu ri dão no Mez zo gior no ............................................................................27
O Ca so Si cí lia ................................................................................................31
Os ca tó li cos: mar gi na li za dos e con fu sos........................................................34
Os so cia lis tas: zan ga dos e amea ça do res ........................................................37
 Duas ro sei ras es car la tes ................................................................................39
As sim nas ceu a Itá lia dos tra ba lhos ser vis......................................................41
To da a Eu ro pa emi gra ....................................................................................43
O fim das sociedades rurais............................................................................47
Balanço de uma época....................................................................................49
Se gun da Par te
Uma viagem pela História da Itália ................................................................51
A lon ga mar cha ..............................................................................................52
A Itá lia cru za a li nha de che ga da....................................................................54
As sim nas ceu na Itá lia o po der cen tral ..........................................................56
O mer ca do dos ra pa zes ..................................................................................58
1868: o im pos to so bre a fo me ........................................................................59
A emi gra ção co mo rup tu ra ............................................................................60
Ro ma, 1870: um Pa pa pri sio nei ro ..................................................................62
Che gam os re cru ta do res ................................................................................63
Pri mei ros de ba tes ..........................................................................................65
1876: cai a Des tra Sto ri ca ..............................................................................67
Aon de vai a Itá lia? ........................................................................................68
Che gam os nú me ros ......................................................................................70
En tre com pai xão e pro tes tos ..........................................................................71
Dois lu tos pa ra a Itá lia e pa ra a Igre ja ............................................................73
O Go ver no afir ma: não po de mos fa zer na da ..................................................74
As duas Itá lias ................................................................................................76
Co me ça a gran de mi gra ção Vê ne ta ................................................................78
Por que o Bra sil? ..........................................................................................81
Por que a Ar gen ti na?......................................................................................83
A gen te mais se den tá ria, mais li ga da à ter ra... ..............................................85
O de do do pé do vi lão ....................................................................................87
A ta xa so bre o pas sa por te ..............................................................................88
No ocea no, a bor do de ve lhas car ro ças ..........................................................89
As ter rí veis di fi cul da des da via gem ..............................................................91
Emi gra ção e co lô nias ....................................................................................93
1887: o ano das de ci sões ................................................................................95
Ho ri zon te ......................................................................................................97
Ter cei ra Par te
Um bispo para um povo desprezado ..............................................................99
Ser vo de to dos em no me do Evan ge lho........................................................100
Uma co mu nida de ins truí da, re con ci lia da e sem fron tei ras ..........................103
A di fí cil pro va das ur nas elei to rais ..............................................................104
O er ro de Leão XIII ......................................................................................106
Edu car o país pa ra a paz ..............................................................................108
Um cha ma do: cui dar da sal va ção dos emi gra dos ........................................111
O ape lo à na ção ............................................................................................114
Pa dres po bres pa ra gen te aban do na da ..........................................................117
A mo bi li za ção dos lei gos ............................................................................120
Não aos re cru ta do res....................................................................................122
A emi gra ção co mo pon to de en con tro pa ra a pa ci fi ca ção do país ....................125
Gê no va: os mis té rios do por to......................................................................127
New York: aos pés da es tá tua da li ber da de ..................................................131
A pa ró quia ita lia na co mo lu gar de fra ter ni da de e de cres ci men to ................134
O pe que no ór fão ..........................................................................................137
No meio das flo res tas pa ra cons truir paí ses..................................................139
Um gran dio so pla no de co lo ni za ção ............................................................142
Ton ti town, a ci da de dos mi la gres ................................................................145
Um pu nha do de pa dres po bres, au da zes, ge ne ro sís si mos ............................147
Frei ras es pe ciais pa ra emi gra dos..................................................................149
Quar ta par te
Como realmente foram as coisas..................................................................152
 Criar obs tá cu los à emi gra ção: um ato in jus to e cruel ..................................153
O mi to da gran de Itá lia ................................................................................155
 Três ci fras as sus ta do ras................................................................................157
A ques tão da pro prie da de pú bli ca da ter ra no Sul ........................................158
“Re rum No va rum”: mo vem-se os ca tó li cos ................................................159
A op ção pe la paz ..........................................................................................161
A gran de lou cu ra mi li tar ..............................................................................163
Agos to de 1893: Ai gues-Mor tes... Ter rí vel! ................................................166
1893: ca tás tro fe ban cá ria ............................................................................167
1894: a Si cí lia re be la-se ..............................................................................168
 Ádua: mas sa cre............................................................................................170
1895 - 1900: o ter rí vel úl ti mo quin quê nio....................................................172
O exér ci to da mi sé ria ..................................................................................174
Uma fa mí lia em di fi cul da des ......................................................................174
1898: os ca nhões de Ba va Bec ca ris..............................................................177
A des for ra dos mal tra pi lhos ........................................................................179
O as sal to às eco no mias dos emi gra dos ........................................................182
As cul pas dos ca tó li cos ................................................................................184
A pe que na gran de in ven ção fei ta por um po bre emi gra do ..........................186
1900: o emi gra do ma ta seu Rei ....................................................................188
A lei da emi gra ção: o úl ti mo as sal to ............................................................190
1901: uma boa lei, po rém in su fi cien te ........................................................193
Sca la bri ni nos Es ta dos Uni dos ....................................................................195
Ca ra a ca ra com o pre si den te Roo se velt ......................................................198
Uma obra pa ra os mon da do res dos cam pos de ar roz ....................................200
O mi la gre eco nô mi co ita lia no ......................................................................202
O re tor no de Gio lit ti ....................................................................................205
Mon se nhor Bo no mel li e os emi gra dos na Eu ro pa ......................................207
Mi re!...Mi re!... Mi re!... ................................................................................210
Mon se nhor Sca la bri ni no país do ca fé..........................................................212
Pa ra os emi gra dos de to do o mun do ............................................................215
1905: o bis po es tá mor ren do... ....................................................................218
Quin ta par te
O Significado de uma história ......................................................................223
Por que es que cer? ........................................................................................224
Cem anos de emi gra ção ..............................................................................226
In ter ro ga ções so bre a Itá lia ..........................................................................228
A re vo lu ção que fal tou ................................................................................230
Uma Igre ja que não sa be per doar ................................................................232
A ár vo re Sca la bri ni ......................................................................................234
Uma as sus ta do ra “bom ba de mo grá fi ca” ......................................................236
A gran de in va são..........................................................................................238
Quan do che ga rá Sca la bri ni? ........................................................................240
A espera ......................................................................................................242
Epilogo ........................................................................................................243
Pri mei ra 
Par te
Era uma vez a Itália
A his tó ria da emi gra ção, pa ra ser com preen di da, de ve ser en qua dra -da num ho ri zon te am plo e pro fun do. Um pe río do lon go faz-se ne -
ces sá rio pa ra que se en ten da o que acon te ce nas re giões, nos paí ses e nos con ti -
nen tes; por trás dos acon te ci men tos, por me no res que se jam, há sem pre uma
es tru tu ra imó vel que re sis te há sé cu los.
A emi gra ção en vol ve so cio lo gia, geo gra fia, re li gião, po lí ti ca, an tro po -
lo gia, ca pi ta lis mo, so cia lis mo e ci vi li za ção. É um pe da ço de vi da do qual a his -
tó ria não po de abrir mão.
Co mo to das as his tó rias, a emi gra ção é fun da da so bre um con fli to per -
ma nen te, o qual faz com que se con fron tem, sem ex ce ções, pa ra além e aquém
das fron tei ras, os ri cos e os po bres, o egoís mo e a so li da rie da de, o me do e a es -
pe ran ça. 
14 História Esquecida
E m 1887 a Itá lia da va seus pri mei ros pas sos. Era umaItá lia ain -da pe que na, des co ne xa e po bre.
O jo vem Rei no fo ra pro cla ma do ha via so men te 26 anos1. Ape nas 17
 anos ha viam se pas sa do des de que Ro ma se tor na ra ca pi tal. No ve anos,
so men te, se pa ra vam 1887 da mor te de Vit to rio Ema nue le II2 e de Pio IX.
Giu sep pe Ga ri bal di3 fa le ce ra na ilha de Ca pre ra cin co anos an tes. O ou tro
gran de pro ta go nis ta do Ri sor gi men to4, Giu sep pe Maz zi ni5, pre ce de ra-o
em dez anos. Ca vour6, em 21. 
Rei nos e grão-du ca dos di luíam exaus ti va men te suas fron tei ras den -
tro de um Es ta do maior e mais com ple xo. Sur giam as pri mei ras in dús trias.
As pri mei ras fer ro vias ten ta vam en cur tar as dis tân cias en tre o Nor te e o
Sul.
On ze anos an tes, o mi nis tro Ming het ti anun cia ra ao Par la men to
que, de pois de du rís si mos anos de eco no mia, “fi nal men te ti nha si do al can -
ça do o equi lí brio da ba lan ça”. Pa ra al can çar es sa me ta, o Es ta do ita lia no
ven de ra tu do o que pu de ra ven der: bens es ta tais e ecle siás ti cos, li nhas fer -
ro viá rias, a Re gia dei Ta bac chi7. E es ma ga ra o po vo com im pos tos de su -
ma nos.
A jo vem Itá lia en con tra va-se dian te de imen sos pro ble mas, den tre
os quais des ta ca vam-se os go ver nan tes ain da inex pe rien tes e a pró pria fal -
ta de uma tra di ção que sus ten tas se aque le Es ta do no vo. Mui tís si mas eram,
tam bém, as obras por fa zer: es co las, es tra das, hos pi tais, aque du tos, sa nea -
men to. E ain da: har mo ni zar se te exér ci tos, se te lín guas, se te moe das, se te
re gu la men tos al fan de gá rios, se te mo dos di ver sos de se ver e se apli car a
jus ti ça...
A ma lá ria ain da ma ta va 40.000 pes soas por ano (tam bém Ca vour
ti nha mor ri do de ma lá ria); a pe la gra, 100.000. O có le ra, so men te en tre
1884-87, ma ta ra 55.000 pes soas. As es ta tís ti cas ofi ciais fa lam de cer ca de
400.000 mor tos por ano. Me ta de da que las ci fras era for ma da por pe que nas
cru zes bran cas, que re pre sen ta vam crian ças com me nos de cin co anos, as
 quais aca ba ram nos ce mi té rios por que a co mi da era es cas sa, a hi gie ne, es -
cas sís si ma e o mé di co, inal can çá vel.
En tre os 3.672 mi nei ros de en xo fre si ci lia nos sub me ti dos a uma vi -
si ta mé di ca (nas mi nas de en xo fre tra ba lha vam tam bém cen te nas de ra pa -
zes mui to jo vens), ape nas 203 fo ram de cla ra dos ap tos ao ser vi ço mi li tar.
O res to era gen te des truí da, que de via ser jo ga da fo ra.
No mo men to da uni fi ca ção, a Itá lia ti nha me nos de 400.000 ope rá -
rios. Ha via pou cas fá bri cas; o tra ba lho era fei to, de pre fe rên cia, em ca sa,
se gun do um an ti go cos tu me ar te sa nal que, ain da ho je, es tá vi vo em mui tas
re giões ita lia nas. 
Ro ma pos suía ape nas 180.000 ha bi tan tes; Mi lão, 240.000; Tu rim,
História Esquecida 15
Um país an ti go e imó vel cas ti ga do 
por ma les ter rí veis
200.000; Gê no va, 150.000; Pa ler mo, 180.000. Ná po les, já na que la épo ca
ex traor di ná ria e mi se rá vel, era a se gun da ci da de da Eu ro pa: sua po pu la ção
che ga va a 430.000 ha bi tan tes.
Em 1887, A Itá lia era, pois, um país em gran de par te agres te, an ti go
e imó vel. De apro xi ma da men te 30 mi lhões de ha bi tan tes, pe lo me nos 21
mi lhões eram cam po ne ses. Mo viam-se nos cam pos com o ges to len to dos
an te pas sa dos: tan to na Si cí lia quan to no Vê ne to, mui tos ain da uti li za vam
um ara do mui to ru di men tar, o mes mo que Cin ci na to8, dois mil anos an tes,
ha via uti li za do.
A gran de mas sa po pu la cio nal dos ita lia nos nas cia, vi via e mor ria
num mes mo lu gar, à som bra de um mes mo cam pa ná rio, li ga da a pe que nos
cos tu mes, a tra di ções an ces trais, a du ras pri va ções, a ra ras fes tas ani ma -
das. Nu ma Eu ro pa on de a In gla ter ra já ha via fei to sua re vo lu ção in dus trial
e on de a Fran ça e a Ale ma nha le va vam adian te, em eta pas ace le ra das, a
for ma ção de um po ten te apa ra to in dus trial, a Itá lia sur gia co mo “um país
de mi se rá veis anal fa be tos”, cu ja ren da cor res pon dia a uma quar ta par te da
ren da in gle sa e a um ter ço da fran ce sa. Um país tão for te, tão des pro vi do
de fer ro e car vão, que os fran ce ses se per gun ta vam, com uma pon ta de iro -
nia: “O que quer fa zer a Itá lia?”.
Tam bém no se tor agrí co la a Itá lia es ta va atra sa da. Ape nas o Pie -
mon te, gra ças a Ca vour, ha via-se apro xi ma do do ní vel eu ro peu: as no vas
clas ses em preen de do ras eram o ver da dei ro pro ta go nis ta do de sen vol vi -
men to eco nô mi co da re gião. Na pla ní cie do Rio Pó, do mes mo mo do, des -
pon ta va, aqui e ali, um ca pi ta lis mo agrá rio evo luí do. As em pre sas agrí co -
las es ta vam nas mãos de gran des lo ca tá rios que as con du ziam atra vés do
plan tio de ar roz e de pas ta gens, in te gran do-as com a cria ção de ani mais e
com a pro du ção de de ri va dos do lei te. Se rão es tes ar ren da tá rios que se
trans for ma rão em em preen de do res: se rão eles a cons ti tuir na Itá lia as pri -
mei ras fá bri cas. A trans for ma ção do ar ren da tá rio da pla ní cie do Pó em
em preen de dor mar ca o nas ci men to do ca pi ta lis mo ita lia no e a en tra da da
Itá lia na era in dus trial.
No en tan to, tam bém na Lom bar dia ha via mui ta mi sé ria. No cam po,
ao la do dos ca val lan ti (aque les que con du ziam os ca va los), dos bi fol chi
(con du ziam os bois), dos fat tut to (dis po ní veis pa ra qual quer tra ba lho), dos
 omen de fer (cei fei ros), mo viam-se mui tos gior na lie ri. Es tes úl ti mos - es tá
es cri to num do cu men to - “dis põem de um sa lá rio mes qui nho, de uma co -
mi da mi se rá vel e de uma aco mo da ção es quá li da. Tra zem es tam pa da a po -
bre za nas fa ces fran zi nas e pro vo cam ar re pios nas al mas bem-nas ci das”.
Es tes gio rna lie ri9 en con tra vam-se às por tas de Mi lão, a ri ca, cul ta e be né -
fi ca ca pi tal lom bar da. E eram os mais po bres agri cul to res da Lom bar dia. 
Igual men te na Itá lia cen tral, so bre tu do na Tos ca na, o pa no ra ma
agrí co la apre sen ta va ele men tos po si ti vos. Pre va le cia a par ce ria agrí co la10,
à qual os pro prie tá rios de ter ra ha viam-se man ti do fieis por ra zões pre do -
mi nan te men te so ciais. A par ce ria, de fa to, con de na va à imo bi li da de, mas,
ao mes mo tem po, as se gu ra va a tran qüi li da de num mo men to no qual os
16 História Esquecida
agri cul to res co me ça vam a se re be lar. Con tra ria men te à Lom bar dia, a Tos -
ca na não as sis ti rá à pas sa gem do se nhor de ter ras ao se nhor de cha mi nés.
Não pre ci sa mos in ven tar na da pa ra des cre ver a vi da dos ita lia nos
na que les anos di fí ceis. Te mos, de fa to, à dis po si ção, uma im pres sio nan te
In chies ta agra ria11 , a pri mei ra so li ci ta da pe lo jo vem Par la men to ita lia no.
Se te anos de tra ba lho cus tou es sa pes qui sa, cu ja do cu men ta ção es tá reu ni -
da em 15 vo lu mes, que che ga ram às mãos dos ita lia nos exa ta men te na que -
les anos, de 1881 a 1886. O in qué ri to, di ri gi do por Ja ci ni (um ca tó li co mo -
de ra do, vá rias ve zes mi nis tro, que se fez con de por ter se em pe nha do na
rea li za ção do túnel de Sim plon12), ofe re ce-nos um re tra to pre ci so, re gião a
re gião, das con di ções de vi da da maior par te dos ita lia nos. 
Uma vi da aus te ra, de ne ces si da des, em que o di nhei ro pa ra re mé -
dios fal ta e as rou pas exi bem su ces si vos re men dos, em que os doen tes são
es ten di dos na man je dou ra e o por co cres ce em ca sa co mo mem bro da fa -
mília. Ven der os fi lhos é um há bi to bas tan te di fu so, tan to no Nor te co mo
no Sul. Em Al ta mu ra, na re gião da Pu glia, to dos os anos, na oca sião de
Fer ra gos to13, os me ni nos são co lo ca dos à ven da em pra ça pú bli ca, co mo
se fos sem uma mer ca do ria qual quer. 
Cen te nas de mi lha res de ita lia nos vi vem ain da em gru tas ou em ca -
ba nas sem ja ne las, fei tas de ra mos e bar ro. De ze nas de mi lha res de fa mí -
lias vi vem ain da em con di ções alu ci nan tes nos úmi dos bas si14 de Ná po les,
nos sas si de Ma te ra es ca va dos na ro cha, nos bair ros ope rá rios das ci da des.
Se gun do da dos de 1879, há nes ses lo cais, fre qüen te men te, uma den si da de
po pu la cio nal de dez pes soas por cô mo do:
“Na me sa do cam po nês se ten trio nal, - lê-se num re la tó rio - a car ne
apa re ce não mais do que uma vez por mês; nas ta rim bas15 dos ca fo ni16 do
sul, não mais de uma vez por ano. Os cam po ne ses do Nor te ali men tam-se
ex clu si va men te de mi lho por que cus ta me nos e sa cia mais. Os tra ba lha do -
res ru rais da Pu glia co mem qua se ex clu si va men te pão pre to de ce va da,
pre pa ra do duas ou três ve zes por ano...”.
E, no en tan to, tam bém so bre es te pe da ço de pão, es cas so e du ro co -
mo pe dra, ha via si do im pos ta uma ta xa, a fa mi ge ra da tas sa sul ma ci na to17.
Por cau sa des sa ta xa, nas ce ram san gui no sas re vol tas na Si cí lia e ao lon go
do Rio Pó.
Em fe ve rei ro de 1874, em Ná po les, um tra ba lha dor ru ral que se pre -
pa ra va pa ra em bar car num na vio foi mal tra ta do por um fun cio ná rio. Ir ri ta -
do, o ho mem pe gou da sa co la de via gem a pri mei ra coi sa que foi pa rar em
 suas mãos e ar re mes sou-a com for ça con ta o guar da. Era um pe da ço de pão
pre to. O ho mem foi pre so e con de na do a dois me ses de cár ce re. Ha via
ofen di do um ofi cial pú bli co.
1 - O acon te ci men to ao qual o au tor faz re fe rên cia é a uni fi ca ção na cio nal da Itá lia ou pro -
cla ma ção do Reg no, que ocor reu, jus ta men te, em 1861 (N.T.)
2 - Vit to rio Ema nue le II (Tu rim,1820 - Ro ma,1878): Rei da Sar de nha e, a par tir de 1861, da
Itá lia (N.T.)
História Esquecida 17
3 - Giu sep pe Ga ri bal di (Ni ce,1807-Ca pre ra,1882): mi li tar e po lí ti co. Idea lis ta re pu bli ca no
que par ti ci pou de guer ras de in de pen dên cia tan to no sul Pe nín su la Itá li ca quan to na Amé ri -
ca La ti na (N.T.)
4 - O cha ma do Ri sor gi men to ita lia no cor res pon de ao pe río do, no sé cu lo XIX, em que hou ve
os acon te ci men tos po lí ti cos e mi li ta res que cul mi na ram com a in de pen dên cia e com a for -
ma ção de um es ta do uni tá rio ita lia no (N.T.)
5 - Giu sep pe Maz zi ni (Gê no va,1805-Pi sa,1872):ou tra fi gu ra im por tan te do Ri sor gi men to,
Maz zi ni lu tou, en tre ou tras coi sas, con tra a he ge mo nia do Pie mon te após a uni fi ca ção e a
fa vor de uma Cons ti tuin te que se es ta be le ces se atra vés do su frá gio uni ver sal (N.T.)
6 - Ca mil lo Ben so Ca vour ou Con de de Ca vour (Tu rim,1810-1861): um dos prin ci pais po lí ti -
cos da épo ca. Sua vi da po lí ti ca in cluiu pas sa gens por mi nis té rios e in cur sões pe la car rei ra
di plo má ti ca (N.T.)
7 - Re gia dei Ta bac chi: mo no pó lio do ta ba co e de seu be ne fi cia men to (N.T.)
8 - Cin ci na to: re fe rên cia Lu cius Quinc tius Cin cin na tus (séc. V a.C.) que, de pois de ter si do
côn sul e di ta dor, tor nou a cul ti var os pró prios cam pos (N.T.)
9 - Gior na lie ri: a pa la vra ita lia na usa da pa ra de sig nar tal ti po de tra ba lha dor re fe re-se a diá -
rio, dia ris ta (N.T.)
10 - Pa rce ria agrí co la: o ter mo es tá sen do usa do pa ra tra du zir mez za dria; o ter mo ar ren da tá -
rio, mais adian te, tra du zi rá mez za dro (N.T.)
11 - In chies ta agra ria: o no me, man ti do co mo no ori gi nal, de sig na um in qué ri to par la men tar
pa ra o qual for ma-se uma co mis são de in ves ti ga ção e pes qui sa (N.T.)
12 - Tú nel de Sim plon (Tra fo ro del Sem pio ne , no ori gi nal): pas sa gem que li ga a Suí ça à
Itá lia (N.T.)
13 - Fer ra gos to: fes ti vi da de cí vi ca e re li gio sa que acon te ce dia 15 de agos to (N.T.)
14 - Bas si: ha bi ta ções pau pér ri mas, tí pi cas dos bair ros his tó ri cos de Ná po les (N.T.)
15 - Ta rim bas: es tra dos al tos de ma dei ra (N.T.)
16 - ca fo ni: ter mo que de sig na va os tra ba lha do res ru rais sim pló rios do Sul da Itá lia (N.T.)
17 - Tas sa sul ma ci na to: im pos to so bre a tri tu ra ção de ce reais (N.T.)
18 História Esquecida
Uma pá tria pa ra pou cos
Em 1861, o di rei to de vo tar era ain da re ser va do a pou cos ci da dãos:cer ca de 600.000 em to da a Pe nín su la. Eram os que pos suíam um
pa tri mô nio ou uma ren da. O di rei to ao vo to com pra va-se me dian te pa ga men to
de uma so ma sig ni fi ca ti va, des pe sa com que pou cos po diam ar car.
Vo ta va-se com o Col le gio Uni no mi na le18: ele gia-se, em ca da cir cuns -
cri ção, ape nas um can di da to. Vo ta vam, pois, so men te os mais abas ta dos; quem
en tra va no Par la men to era ne ces sa ria men te ri co e po ten te. 
O re sul ta do de tal sis te ma foi um Par la men to com uma for te co lo ra -
ção clas sis ta: ad vo ga dos, gran des pro prie tá rios ru rais, uo mi ni d’onore19 ex -
poen tes da no bre za, da in dús tria, do co mér cio. A par te mais nu me ro sa da
po pu la ção (os ope rá rios, os cam po ne ses, os pro fes so res, os ar te sãos, os pe -
que no-bur gue ses...) não con ta va com ne nhum re pre sen tan te no Pa lá cio em
que se dis cu tiam as leis e se to ma vam as de ci sões. Foi es te Par la men to
anô ma lo que de ci diu a uni fi ca ção da Itá lia. Na que la oca sião his tó ri ca, as
mas sas po pu la res não exis tiam.
No iní cio não era as sim: o pro ces so de uni fi ca ção da Pe nín su la ti nha
uma ba se po pu lar, ain da que li mi ta da. Nos mo vi men tos in sur re cio nais que es -
tou ra ram em Ro ma em 1848 e 1849 e na que les ocor ri dos su ces si va men te em
Mi lão (as cin co es plên di das “Gior na te20”), nas re vol tas de fla gra das em Bres -
cia, em Ve ne za e na Si cí lia, ha via o po vo. Des ce ra so bre as bar ri ca das. Não gri -
ta ra ape nas con tra a Áus tria e con tra os Bour bons, cla man do por li ber da de; gri -
ta ra tam bém con tra os sig no ri21, in vo can do jus ti ça.
Aque les que que riam a Itá lia uni da es ta vam di vi di dos em duas cor -
ren tes: os de mo cra tas e os mo de ra dos22. De mo cra tas eram Maz zi ni e Ga ri -
bal di: com eles es ta vam in te lec tuais, pe que no-bur gue ses, es tu dan tes, ar te -
sãos, al guns ope rá rios. Eram eles que, pe din do um Es ta do no vo, fa la vam
em re vo lu ção.
In fe liz men te Ga ri bal di, gran de nos cam pos de ba ta lha, co mo ho mem
po lí ti co não va lia na da; e Maz zi ni, pen sa dor e pro fe ta, co mo ho mem de ação
era um au tên ti co fra cas so. Fal tou, as sim, um ele men to es sen cial pa ra se fa zer
uma re vo lu ção, ou se ja, um for te sé qüi to po pu lar. Além de tu do, Maz zi ni sem -
pre se re cu sa ra a dar um con teú do so cial a sua dou tri na; e Ga ri bal di, quan do ti -
ve ra es sa opor tu ni da de (por exem plo, na Si cí lia), pre fe ri ra re nun ciar a ela pa ra
não per der o apoio dos bur gue ses, os úni cos que, àque le tem po, par ti ci pa vam
do mo vi men to ri sor gimen ta le23.
No fi nal, fo ram os mo de ra dos a pre va le cer. Ti nham em si, na pes -
soa de Ca vour, um au tên ti co ho mem de es ta do; na re ta guar da, o Pie mon -
te, com um exér ci to va len te e uma di plo ma cia efi cien te. Pos suíam, além
do mais, uma maior coe são so cial: reu niam os nobres, os bur gue ses gran -
des e mé dios, os no ta bi li24. 
Fo ram os mo de ra dos, en tão, que se tor na ram os pro ta go nis tas do pro -
ces so de uni fi ca ção da Itá lia. Per ten ciam à es co la li be ral, en tão cheia de gló ria,
História Esquecida 19
a mes ma que le va ra mui tos paí ses da Eu ro pa às por tas da li ber da de, aba te ra so -
be ra nos e ti ra nos e has tea ra a ban dei ra dos di rei tos ci vis. Ti nham, além dis so,
um gran de pro je to: in se rir a Itá lia na Eu ro pa.
No iní cio, seu pro gra ma era o de fa zer da Itá lia um Es ta do des cen tra li -
za do, uma es pé cie de con fe de ra ção co mo a Suí ça, que dei xas se mui to es pa ço
às re giões, de ma nei ra que fos sem fa vo re ci dos a au to no mia e o di na mis mo de
ca da es ta do que ti ves se acei ta do a uni fi ca ção.
No Sul, po rém, jus ta men te na que les anos, ti nham-se de fla gra do in sur -
rei ções vio len tís si mas, ge ran do me do em mui tos ha bi tan tes da Pe nín su la, que
se con ven ce ram, as sim, de que ape nas um Es ta do for te per mi ti ria que as mui -
tas di fe ren ças exis ten tes na Pe nín su la fos sem su pe ra das. E foi as sim que, mais
pe la for ça dos acon te ci men tos em si do que pe lo cál cu lo po lí ti co, o Es ta do aca -
bou pre va le cen do so bre as re giões.
Os mo de ra dos, lo go, mu da ram seu pro gra ma: re cu sa ram a Re pú bli ca e
a As sem bléia Cons ti tuin te e li mi ta ram-se a agre gar ao Pie mon te, um após o ou -
tro, os vá rios es ta dos, atra vés de um ple bis ci to do qual po dia par ti ci par ape nas
uma mi no ria. Ao in vés de um só Es ta do no vo, ob te ve-se um Pie mon te es ten di -
do por to da a Pe nín su la, com seu Rei e suas leis.
Es te fa to mo di fi cou subs tan cial men te, aos olhos do po vo, o sig ni fi ca do
do Ri sor gi men to. De ve ria ter si do uma guer ra de li be ra ção e, ao fi nal, trans for -
mou-se nu ma guer ra de con quis ta. O po der per ma ne ce ra nas mãos de seus an ti -
gos de ten to res. A li ber ta ção em re la ção à Áus tria e aos Bour bons não se ca rac -
te ri za ra, pa ra os po bres, co mo uma li ber ta ção em re la ção a reis, ge ne rais, bis -
pos, pro prie tá rios de ter ra, ad vo ga dos. Não lhes ofe re ce ra a opor tu ni da de de se
tor na rem se nho res do pró prio des ti no. Ha viam ven ci do os mo de ra dos: aque les
que ti nham um pa tri mô nio, uma cul tu ra. Ape sar do Ri sor gi men to, os hu mil des
per ma ne ce ram co mo an tes: sem voz, sem um frag men to de po der.
As mas sas po pu la res te rão, ain da por al gu mas dé ca das, um pe so tão
ir re le van te que nem mes mo en tra rão no con cei to de po vo. Quan do se fa la
de po vo, na que les anos, en ten de-se à bur gue sia: os fun cio ná rios, os co -
mer cian tes, os ad vo ga dos... To dos os ou tros (que cor res pon dem a qua tro
quin tos da po pu la ção) na da con tam.
A fi sio no mia do no vo Es ta do ita lia no se rá, sem ti rar nem pôr, uma
có pia da fi sio no mia do Pie mon te: um Es ta do for te men te cen tra li za do, se -
gun do um mo de lo to ma do em pres ta do da Fran ça. Se rá o Rei a dis tri buir os
car gos de go ver no e se rá o Rei a em pos sar em ca da pro vín cia um go ver na -
dor apa ren te men te oni po ten te. Nem mes mo o pe que no ad mi nis tra dor lo cal
se rá es co lhi do pe lo po vo.
Mas, aten ção: nem o go ver na dor dis põe de um po der real. É sim -
ples men te o re pre sen tan te da au to ri da de cen tral, sua ore lha, seu olho vi gi -
lan te. É um ca bo de trans mis são, des pro vi do de res pon sa bi li da de: sua ta -
re fa é vi giar e in for mar.
Quan do se for ma rem as pri mei ras cor ren tes de emi gra ção, o Go ver no
in ter vi rá - co mo em to das as coi sas - atra vés dos go ver na do res. Se rá a eles
que pe di rá in for ma ções so bre mo vi men tos da po pu la ção e a eles con fia rá a
20 História Esquecida
ta re fa de criar obs tá cu los às par ti das. Ou se ja, a uma au to ri da de vin da de
Ro ma, ex pres são de um po der ain da dis tan te do po vo.
Aque les que par ti ci pa vam da vi da po lí ti ca (tan to os her dei ros de Ca -
vour quan to os su ces so res de Ga ri bal di e Maz zi ni) cons ti tuí ram, de fa to, um
gru po de po der in sen sí vel às ne ces si da des das mas sas po pu la res.
Ape nas no ano de 1882 o di rei to de vo to se rá con ce di do a cer ca de dois
mi lhões de ci da dãos; so men te na que le ano os so cia lis tas con se gui rão man dar
ao Par la men to seu pri mei ro re pre sen tan te. Quan to aos ca tó li cos, de ve rão es pe -
rar ou tros vin te anos an tes de ver elei tos seus can di da tos.
Des se mo do, as mas sas po pu la res per ma ne ce ram real men te alheias à
vi da po lí ti ca do País; con ti nua ram a iden ti fi car o es ta do com os sig no ri. Sua in -
ser ção ocor re rá ape nas de pois de mui tas cri ses e con fli tos san gui no sos. Maz zi -
ni avi sa ra: “Pres tem aten ção, se as mas sas não en tram co mo pro ta go nis tas no
pro ces so de for ma ção da Itá lia, per ma ne ce rão alhei ras à na ção e um dia
trans for mar-se-ão em suas ini mi gas...” Co mo, de fa to, acon te ceu. 
É com es te es ta do de es pí ri to que mui tos emi gran tes su bi ram em bar cos
a va por em Gê no va, Ná po les, Pa ler mo, em Mar se lha, em An tuér pia, qua se fu -
gin do de um país in gra to que nun ca ti nha si do sua ver da dei ra pá tria. 
Uma es tra nha his tó ria de ma las de sa pa re ci das
Giu sep pe La fon te, um es cri tor que per ma ne ceu pra ti ca men -
te des co nhe ci do, ima gi na, num con to, que tam bém os emi gra dos
par ti ci pam das elei ções de fi nal de sé cu lo, e que tal par ti ci pa ção
ha via si do so li ci ta da pe lo gru po de mo crá ti co maz zi nia no; aos ita -
lia nos que es ta vam par tin do, jun ta men te com o pas sa por te ver me -
lho, en tre ga va-se uma cé du la elei to ral, que de ve ria ser con ser va da
pa ra o gran de dia, não im por tan do pa ra on de via jas sem.
 Eram elei ções im por tan tes. Uma lis ta pre via, en tre ou tras
coi sas, a ins ti tui ção de uma Re pú bli ca fun da da so bre o po vo, co -
mo, em seu tem po, pe di ra Maz zi ni. E sa bia-se que, en tre os ita lia -
nos no ex te rior, a pro pos ta ti nha si do dis cu ti da e ha via en con tra do
gran de acei ta ção. Pe la pri mei ra vez, os emi gra dos po diam in fluir,
em mo do de ci si vo, nas es co lhas do país.
A apu ra ção dos vo tos era aguar da da com evi den te ner vo sis mo.
De New York, de Bue nos Ai res, do Rio de Ja nei ro, de Lon dres ha viam
par ti do os ma lo tes di plo má ti cos, con tro la dos ri gi da men te pe los côn su -
les, la cra dos pe los em bai xa do res. Con ti nham as cé du las ama re las e
 azuis uti li za das pa ra a vo ta ção. O re cur so às ur nas trans for ma ra-se
nu ma es pé cie de re fe ren do a fa vor do Es ta do-Rei ou do Es ta do-Po vo.
Os ma lo tes, es col ta dos por ca ra bi nie ri , ha viam al can ça do,
História Esquecida 21
por mar, a Pe nín su la. De Pa ler mo, de Ná po les, de Gê no va ha viam
si do en ca mi nha dos si mul ta nea men te pa ra a ca pi tal, on de um es qua -
drão da po lí cia mon ta da aguar da va.
Aque le mo vi men to de ho mens e ca va los ao re dor dos gran des
ma lo tes alar ma ra um gru po de de lin qüen tes, os quais ti nham ou vi do
fa lar do mis te rio so te sou ro que, vin do da Rús sia, atra vés de Lon dres,
de ve ria ser trans fe ri do aos de pó si tos da Ban ca Na zio na le. As sim,
quan do os trens che ga ram a Ro ma, an tes mes mo que al can ças sem o
de sem bar que, fo ram as sal ta dos e os ma lotes, le va dos e es con di dos nos
be cos pró xi mos, pa ra, a se guir, se rem car re ga dos em va gões e man da -
dos pa ra um des ti no des co nhe ci do.
Na da mais se sou be ra dos ma lo tes; mas mui tos ho mens po lí -
ti cos sus pi ra ram ali via dos, por que o Rei no es ta va sal vo. E nun ca
se des co bri ra se, por trás das ma no bras do gran de fur to ti ves se es -
ta do, ser vin do-se dos de lin qüen tes, por aca so, o mi nis tro dos As -
sun tos In ter nos, um su jei to tran qüi lo vin do do cam po, qua se in sig -
ni fi can te, po rém, as tu to co mo sa bem, às ve zes, ser os cam po ne ses;
di zia-se que, a fim de de fen der a or dem pú bli ca, o mi nis tro es ta ria
dis pos to a ven der a al ma ao dia bo...
18 - Col le gio Uni no mi na le: sis te ma de su frá gio em que, co mo a au tor in di ca rá, há a pre sen ça
de ape nas um can di da to por par ti do em ca da co lé gio elei to ral (N.T.)
19 - Uo mi ni d’onore: o ter mo po de sig ni fi car ho mens de bem.Re fe rin do-se à Má fia, po rém,
in di ca aque les que se guem seu có di go(N.T.)
20 - Gior na te le: cin co dias (cin que gior na te di Mi la no), en tre 18 e 23 de mar ço de 1848, du -
ran te os quais os mi la ne ses com ba te ram e ex pul sa ram os aus tría cos (N.T.) 
21 - Sig no ri: se nho res, com o sen ti do de pro prie tá rios de ter ras ou de ho mens ri cos (N.T.)
22 - De mo cra tas e mo de ra dos: es tes ter mos se rão man ti dos em itá li co quan do o au tor as sim
o fi zer no ori gi nal (N.T.)
23 - Ri sor gi men ta le: re la ti vo ao Ri sor gi men to (N.T.)
24 - No ta bi li: no tá veis, aqui, tem o sen ti do de po de ro sos (N.T.)
25 -Ca ra bi nie ri: sol da dos que têm fun ções de po lí cia mi li tar e são en car re ga dos de tu te lar a
or dem pú bli ca (N.T.)
22 História Esquecida
Che ga o al fa be to
E m 1887, Giu sep pe Ver di apre sen ta va no Sca la26 um ex traor di ná rioOtel lo; Car duc ci27 es cre via as úl ti mas Ri me Nuo ve;Gio van ni Pas co li
pre pa ra va ti mi da men te as Myri cae 28. Il Cuo re de De Ami cis29 ha via ape nas ini cia do
sua fa bu lo sa car rei ra. Nos es tá bu los, on de à noi te se reu niam as fa mí lias, liam-se em
voz al ta, ca pí tu lo a ca pí tu lo,Le Av ven tu re di Pi noc chio30.
Nos jor nais apa re ciam os pri mei ros fo lhe tins: La Cie ca di Sor rien to, I
mis te ri di Na po li...Cir cu la vam tam bém pés si mos ro man ces his tó ri cos. Nas es -
co las e nos sa lões li te rá rios, mui to ain da se dis cu tia so bre Gol do ni31, tão apai -
xo na do pe la vi da num sé cu lo tão tea tral co mo o XVIII. 
Co men ta vam-se as pá gi nas de Al fie ri32, de Pa ri ni33, de um Fos co lo34 mui to
amar go, do con ti noLeo par di35, to ma do por mi sé rias ma te riais e pe la gran de za poé ti ca.
Mas, no ar, ha via a ten ta ti va de ele var a cul tu ra ao po vo, a ten ta ti va de aju -
dá-lo a ler, a ver coi sas no vas. Dia a dia, a gen te hu mil de des co bria o po der da pa -
la vra, en tre via o ne xo que une a fá bu la à rea li da de; com preen dia que - tam bém na
vi da - po de-se so nhar com o faz-de-con ta, mas en con tram-se os ca ra bi nie ri e re -
gis tram-se as fu gas, re tor nos, der ro tas e trans for ma ções.
Era uma ten ta ti va de vi da. Nun ca, co mo na que la épo ca, com preen de ra-se tão
bem que o ver da dei ro es teio do dos ve lhos re gi mes ha via si do a ig no rân cia. Fran ces -
co IV di Mo de na até mes mo amea ça ra de mor te aque les que sou bes sem ler ou es cre -
ver. Jus ta men te por que não sa biam ler, os ita lia nos per ma ne ce ram sur dos aos ape los
de Maz zi ni e o Ri sor gi men to ha via si do um ne gó cio pa ra pou cos.
Em 1861, de 26 mi lhões de ha bi tan tes, ape nas 600.000 fa la vam o ita lia no.
Vin te e cin co anos de pois, da ca da 100 ita lia nos, ao me nos 70 ain da as si na vam com
uma cruz em lu gar do no me. Nas es co las do Rei no usa va-se abun dan te men te o dia le -
to. No Vê ne to, fa la va-se fre qüen te men te de Itál gia e de itál gia ni. Na Sar de nha e nas
zo nas de mon ta nha, o Ca te cis mo era im pres so em ita lia no e em dia le to. Até o Rei era
fra co em ita lia no: na Cor te usa va-se mais o pie mon tês que a lín gua de Dan te.
Na Pe nín su la vi viam po pu la ções di fe ren tes, que fa la vam lín guas mui to di -
ver sas. Fal ta vam, é ver da de, sa las de au la e pro fes so res: mas, so bre tu do, fal ta va uma
lín gua co mum. E es te era um dra ma, por que a lín gua não é so men te um meio de co -
mu ni ca ção, mas um ins tru men to men tal gra ças ao qual um po vo ali men ta sua al ma.
Man zo ni36 ha via ofe re ci do ao país, com i Pro mes si Spo si, um gran de mo de lo
lin güís ti co. Sua in ten ção era jus ta men te cons truir uma lín gua pa ra to dos, não ape nas
pa ra os le tra dos. Mas era uma ba ta lha di fí cil, até por que ca da re gião ten ta va de fen der
seu pa tri mô nio lin güís ti co co mo par te es sen cial de sua his tó ria.
Na ba ta lha das lín guas im pu se ra-se, por fim, o tos ca no, por que a lín gua es cri -
ta va ria va pou co em re la ção à fa la da e era usa da tan to por cul tos quan to por in cul tos.
Era, por tan to, a úni ca lín gua “vi va” exis ten te, en tão, na Pe nín su la. Mas os ou tros pe -
na ram pa ra apren dê-la. Os me ni nos ti ve ram de apren dê-la na es co la, aos pe da ços,
ano após ano, co mo fa zem ho je com o ale mão e o in glês. Pa ra mui tos, o ita lia no con -
ti nuou a ser uma es pé cie de lín gua im por ta da, im pos ta pe los pa trões. Uma lín gua que
com ba tia o dia le to com to das as suas an ti gas raí zes. 
História Esquecida 23
Is to tam bém con tri buiu pa ra iso lar a cul tu ra da so cie da de. A lín gua que
se fa la va nas aca de mias, nos tri bu nais e no Par la men to con ti nuou, ain da por
mui to tem po, a ser in com preen sí vel pa ra o ho mem da rua. Por mui to tem po ain -
da os emi gra dos pa re ce ram, aos olhos es tran gei ros, mi se rá veis anal fa be tos.
O pro ble ma dian te do qual se en con tra va a Itá lia na que les anos era,
to da via, mais com ple xo. Não era ape nas um pro ble ma de lin gua gem: era um
pro ble ma de cul tu ra. Uma ques tão his tó ri ca bas tan te es pes sa que, até ho je,
foi re sol vi da ape nas em par te.
Ca la bre ses, lí gu res, tos ca nos, vê ne tos e si ci lia nos não só fa la vam lín -
guas di ver sas, mas tam bém ti nham cul tu ras di fe ren tes, uma his tó ria pró pria,
cos tu mes e men ta li da des ori gi nais. Era ne ces sá rio ago ra reu ni-los, ofe re cer-
 lhes uma cul tu ra co mum ca paz de su pe rar suas di fe ren ças, ma tu ran do fi nal -
men te uma cons ciên cia na cio nal.
An tes da uni fi ca ção, tal ta re fa ti nha si do as su mi da por es cri to res e poe -
tas. Quan do, po rém, a pá tria foi con quis ta da, os gru pos in te lec tuais fo ram to -
ma dos por uma pro fun da de si lu são; pa ra al guns es cri to res e poe tas aque la lon -
ga es ta ção te ve, até mes mo, a cor da tra gé dia.
A Itá lia uni da (aque la pá tria sì bel la e per du ta37, en con tra da ape nas en -
tre as pá gi nas dos ro man cis tas e nos ver sos dos poe tas) tor na ra-se rea li da de
 após guer ras, re vol tas, he roís mos in di vi duais e co le ti vos. Pois bem, aque la
uni da de idea li za da e for te men te de se ja da apa re cia ago ra co mo uma for ma va -
zia, uma es pé cie de li cen ça poé ti ca e re tó ri ca.
A pas sa gem do Ri sor gi men to aos pro ble mas da Itá lia uni da (a pas sa gem da
poe sia à pro sa) foi lon ga, di fi cul to sa e não isen ta de er ros. Ape sar da uni fi ca ção, a cul -
tu ra ita lia na per ma ne ceu co mo uma cul tu ra de clas ses, ali men ta da pe la bur gue sia. As
mas sas po pu la res fo ram ex cluí das des sacul tu ra por um bom tem po.
A emi gra ção traz à bai la, de mo do cruel, es sa rea li da de. Os emi gra dos
con ti nuam a ser, por mui tas dé ca das, um po vo sem voz. A cul tu ra ofi cial ig no -
ra-os. Não en con tram em to do o país um só ro man cis ta que in ter pre te em mo do
épi co suas aven tu ras nem um poe ta que ofe re ça aos pa ren tes, co mo um ges to
de adeus, o som pun gen te de seus ver sos.
A cul tu ra bur gue sa, que sem pre ig no rou os hu mil des, ig no ra os emi gra -
dos. Car duc ci, que can ta com ri mas ru mo ro sas as gló rias da no va Itá lia, nem ao
me nos per ce be que, a sua vol ta, cen te nas de mi lha res de ope rá rios, cam po ne -
ses, ar te sãos e mo des tos li te ra tos pas sam fo me e são obri ga dos a fu gir.
A emi gra ção des ta ca ou tra ca rên cia bá si ca da cul tu ra ita lia na. A cul tu ra
“lai ca” (no sen ti do de cul tu ra in de pen den te do pen sa men to e da au to ri da de do
cle ro) re ve la-se in ca paz de com preen der a cul tu ra cam po ne sa, por que es ta é
sim ples, ino cen te e re li gio sa. 
O lai co ha bi tuou-se a pen sar na re li gião co mo nu ma for ma de ig no rân -
cia: o cam po nês que vai à mis sa pa re ce-lhe uma po bre cria tu ra que ain da não
con se guiu se des ven ci lhar dos mi tos e dos me dos.
Há uma rup tu ra pro fun da en tre o lai co que se for mou nas ci da des e o
hu mil de tra ba lha dor que per ma ne ceu nos cam pos. O in te lec tual tem di fi cul da -
des pa ra se co mu ni car com os ho mens do cam po e qua se se en ver go nha dis so.
24 História Esquecida
É-lhe di fí cil tam bém por que não com preen de sua lin gua gem e ig no ra seus va -
lo res. Ao mes mo tem po, o cam po nês re cu sa a cul tu ra da ci da de, des pro vi da de
hu ma ni da de e, mui to fre qüen te men te, an ti-re li gio sa.
Se rá as sim tam bém nas ter ras de emi gra ção. Em mui tos paí ses, os pri mei ros a
che gar fo ram com fre qüên cia os in te lec tuais. Tam bém pa ra eles a cul tu ra dos po bres,
jus ta men te por cau sa de sua al ma re li gio sa, era con si de ra da uma não cul tu ra, al gu ma
coi sa que não se adap ta va às re gras mo der nas da ci vi li da de. Eram per sua di dos de que
o mun do cam po nês, pa ra as cen der à de mo cra cia, à li ber da de, à cul tu ra, de ves se re -
nun ciar a seus va lo res ori gi nais. Re nun ciar tam bém à Igre ja, tam bém à Fé.
Quan do nos sos emi gra dos, reu ni dos nas ter ras da Amé ri ca, co me ça ram
a cons truir no vas co mu ni da des, es ses in te lec tuais lai cos não fo ram ca pa zes de
en ten der suas exi gên cias mais pro fun das. E quan do nos sos emi gra dos ti ve ram
de re sis tir aos na cio na lis mos lo cais que que riam ab sor vê-los, não foi a cam po
pa ra apoiá-los. Dei xa ram-nos sós, pre fe rin do mui tas ve zes sua der ro ta. 
A car ti lha do jo vem pas tor abruz ze se38
Lui gi Ca rol lo nas ce ra na pla ní cie de Sul mo na. Co nhe cia a
Maiel la 39com to dos os seus con tra for tes, as mui tas gru tas, os des fi la -
dei ros car re ga dos de me mó ria. Sa bia que se es con de ram, nos mes mos
lu ga res em que ou tro ra vi ve ram inu me rá veis ere mi tas, cen te nas de cri -
mi no sos, pri sio nei ros de guer ra, eva di dos, jo vens que que riam es ca par
do alis ta men to mi li tar, to dos igual men te as sis ti dos pe la po pu la ção.
Quan do era ra paz, par ti ci pa ra do cha ma do “pe le gri nag gio del -
le set te mon tag ne” que par tia do San tua rio del la Tri ni tà, so bre Su bia -
co40. An ti ga men te es sa pe re gri na ção era um de ver de cons ciên cia pa ra
os bons cris tãos.
Quan do foi pa ra a Amé ri ca, Lui gi ti nha 14 anos; e por ter fre -
qüen ta do ape nas al gu mas ve zes a es co la, por cau sa das ove lhas que
pre ci sa va con du zir ao pas to, dos lon gos in ver nos e da ma mãe doen te,
não co nhe cia o ita lia no.
A pro fes so ra, pa ra aju dá-lo, an tes da via gem, ha via-lhe pre sen -
tea do uma car ti lha. As sim, Lui gi ti nha fei to a pri mei ra sé rie do en si no
fun da men tal no na vio, en quan to as on das o er guiam e o ven to sa cu dia
as pa la vras do li vro.
Os pri mei ros tem pos ti nham si do du ros pa ra o jo vem emi gra do,
so bre tu do quan do pre ci sa va ir à ven da pa ra fa zer com pras e ti nha de
se fa zer en ten der com ex pres sões que não eram ame ri ca nas nem ita lia -
nas, ape nas pos suíam o ten ro som da ex pres são fa la da dos Abruz zi.
Um dia pre ci sa va com prar um pou co de fa ri nha de cas ta nha e
não con se guia ex pli car-se. Ex pe ri men tou uti li zar as mãos, ten tou com al -
gu mas pa la vras, e na da. Na que le ins tan te, lem brou-se da car ti lha, com
as be las pá gi nas bran cas, as pa la vras gran des acom pa nha das pe los de -
se nhos. Cor reu pa ra ca sa, pe gou o li vro, en con trou a pá gi na preen chi da
por uma es plên di da cas ta nha e le vou-a, sem pre cor ren do, à ven da.
História Esquecida 25
A do na da ven da sor riu, di ver tin do-se. Tam bém Lui gi sor riu. E
vol tou pa ra ca sa, sem pre sor rin do, com um pa co ti nho de fa ri nha de
cas ta nhas, aper tan do so bre o bra ço o li vro das pá gi nas al vas, com as
pa la vras gran des acom pa nha das por de se nhos.
26 - Tea tro al la Sca la: cé le bre tea tro lí ri co de Mi lão, inau gu ra do em 1778 (N.T.)
27 - Gio sue Car duc ci (Val di cas tel lo,1835- Bo log na,1907).Poe ta, crí ti co li te rá rio e pro fes sor
uni ver si tá rio. No iní cio de sua vi da pú bli ca, era re pu bli ca no e maz zi nia no, com ba ten do a via
mo nar quis ta apon ta da pe lo Ri sor gi men to. Em 1878, po rém, abra ça a cau sa da mo nar quia.
Em 1906, re ce be o Prê mio No bel de Li te ra tu ra (N.T.)
28 - Gio van ni Pas co li (San Mau ro di Ro mag na,1855 - Bo log na,1912). Poe ta. Foi alu no e su -
ces sor de Car duc ci na Uni ver si da de de Bo log na. Dei xou vas ta obra, tan to em ita lia no co mo
em La tim. As Myri cae fo ram sua pri mei ra pu bli ca ção, em 1891 (N.T.)
29 - Ed mon do De Ami cis (One glia, 1846 - Bor dig he ra,1908). Es cri tor e ofi cial mi li tar. Par ti ci -
pou de vá rias ba ta lhas, in clu si ve da to ma da de Ro ma em 1870. Sua car rei ra de es cri tor te ve
iní cio com con tos so bra a vi da mi li tar. Ob te ve su ces so in ter na cio nal com a pu bli ca ção do
Cuo re, obra em for ma de diá rio de um es tu dan te, per mea do de con tos li te rá rios de ins pi ra -
ção pa trió ti ca (N.T.)
30 - As Aven tu ras de Pi nó quio, de Car lo Col lo di (Flo ren ça,1826 -1890), fo ram pu bli ca das ini -
cial men te em jor nal pa ra crian ças, em ca pí tu los (N.T.)
31 - Car lo Gol do ni (Ve ne za,1707 -Pa ris, 1793) Au tor de co mé dias tea trais que pre ga va a
res tau ra ção da dig ni da de do tea tro cô mi co, a qual jul ga va per di da pe la tra di ção da Com me -
dia dell’arte, gê ne ro em que pre do mi na va a im pro vi sa ção e o uso de más ca ras (N.T.)
32 - Vit to rio Al fie ri (As ti, 1749 - Flo ren ça,1803 ) es cri tor de fa mí lia no bre que dei xou obras de
ins pi ra ção po lí ti ca e mo ral (N.T)
33 - Giu sep pe Pa ri ni ( Bo si sio,1729 -Mi lão,1799 ) Es cri tor pro ve nien te de fa mí lia mo des ta,
de fen dia a idéia de uma ta re fa di dá ti ca pa ra li te ra tu ra, sem ne gar, con tu do, a im por tân cia do
cui da do com a for ma. (N. T)
34 - Ugo Fos co lo (Zan te, 1778 - Tur nham Green, 1827) Poe ta e ofi cial mi li tar, es cre veu, en tre
ou tras im por tan tes obras, o fa mo sís si mo I Se pol cri , em que, com ba ten do um édi to de Na po -
leão que proi bia se pul tu ras em cen tros ur ba nos, faz a apo lo gia da me mó ria res guar da da pe lo
tú mu lo dos gran des ita lia nos se pul ta dos na Igre ja de San ta Cro ce, em Flo ren ça. (N.T.)35 - Gia co mo Leo par di (Re ca na ti, 1798 - Ná po les, 1873) Es cri tor que des de a pri mei ra in -
fân cia de mons trou in crí vel ha bi li da de pa ra os es tu dos. Apren deu o gre go e o he brai co de
for ma au to di da ta, e des fru tou in ten sa men te da bi blio te ca ri quís si ma de seu pai. A clau su ra
pa ra os es tu dos se rá im por tan te na de fi ni ção de uma con cep ção de mun do do poe ta, que
acre di ta que a sal va ção do ho mem es tá na acei ta ção de sua con di ção e em sua co mu nhão
com a na tu re za. Suas prin ci pais obras são: Ope ret te Mo ra li (1824); Zi bal do ne (1820-26) e
Can ti (1826).Re ce beu a al cu nha con ti no por ser fi lho de um con de (N.T)
36 - Ales san dro Man zo ni (Mi lão, 1785-1873):es cri tor, con si de ra do um mo de lo de lín gua e
de es ti lo. Sua obra mais im por tan te é o ro man ce I Pro mes si Spo si, cu ja edi ção de fi ni ti va da -
ta de 1842 (N.T.)
37 - Sí bel la e per du ta (tão be la e per di da): tre cho do Co ro dos He breus (Va’ Pen sie ro), da
ópe ra Na bu co do no sor (Na buc co), de Giu sep pe Ver di, en ce na da pe la pri mei ra vez no Sca la
de Mi lão em 1942. Es sa ópe ra, so bre tu do a ária Va’ Pen sie ro, foi re ce bi da pe lo pú bli co co mo
um hi no do Ri sor gi men to e da lu ta con tra a do mi na ção aus tría ca (N.T.)
38 - Da re gião dos Abruz zi (N.T.)
39 - Maiel la: re le vo mon ta nho so da re gião, de no mi na do Mas sic cio del la Maiel la (N.T.)
40 - Su bia co: ci da de da re gião do Lá cio (N.T.)
26 História Esquecida
Es cu ri dão no Mez zo gior no41
O Mez zo gior no era, já na que la épo ca, um pro ble ma pa ra a Itá lia.Num país atra sa do em re la ção à Eu ro pa se ten trio nal, o Sul,
su fo ca do por an ti gos vín cu los feu dais, des pro vi do de es tí mu los e de li ber -
da de, apa re cia ain da mais atra sa do.
Em 1850, en tre 1800 mu ni cí pios do Rei no de Ná po les, 1500 não
con ta vam com es tra das. Em mui tas zo nas nem mes mo sa biam o que era o
di nhei ro; as tro cas fa ziam-se em es pé cie, co mo no tem po de Ci ce ro ne42.
Era tu do mui to sim ples. No fun do, co mo di zia um mi nis tro do Rei Bour -
bon43, “sus ten tar um as sa la ria do ru ral cus ta me nos do que sus ten tar um
as no”.
No mo men to da uni fi ca ção, os co fres de Tu rim es ta vam va zios, en -
quan to aque les de Ná po les es ta vam cheios de ou ro. Só que o Pie mon te,
 além de ar car com as des pe sas imen sas im pos tas pe la guer ra de in de pen -
dên cia, preo cu pa va-se em equi par o es ta do cons truin do es tra das, fer ro -
vias, por tos, ca nais. O Rei Bom ba44, ao con trá rio, co mo seus ca fo ni, não
acre di ta va nem mes mo no pa pel-moe da im pres so por seu ban co. O Rei no
era ab so lu ta men te des pro vi do de equi pa men tos, mas o ou ro es ta va se gu ro
nos co fres de es ta do.
Em ter mos de in dús trias, ha via duas de no tá veis pro por ções: os es -
ta be le ci men tos me câ ni cos de Pie tra san ta, que per ten ciam ao es ta do e não
se preo cu pa vam, por tan to, com pro ble mas de cus to, e as al go doa rias de
Sa ler no, que ha viam si do cons truí das por em preen de do res suí ços, os quais
as ge riam, em con di ções de mo no pó lio, tran qüi la men te.
Fei ta a Itá lia, a in dús tria me ri dio nal não re sis tiu à con cor rên cia: as
má qui nas de Pie tra san ta fo ram subs ti tuí das por aque las da An sal do45 de
Gê no va , me nos cus to sas; as al go doa rias de Sa ler no por aque las de Bus to
Ar si zio46, mais bem apa re lha das. Pa ra sal var o que po dia ser sal vo, o Es ta -
do pre ci sou in ter vir: foi a pri mei ra in ter ven ção pú bli ca fei ta na Itá lia pa ra
afas tar uma in dús tria da fa lên cia.
No se tor agrí co la a si tua ção era, pa ra di zer o mí ni mo, bi zar ra. A ter -
ra, de fa to, per ten cia a quem não ti nha amor pe lo cam po; quem tra ba lha va
os cam pos era ape nas um ser vo, o her dei ro dos es cra vos. Ha via, aqui e ali,
gran des pro prie da des bur gue sas, nas ci das atra vés da usur pa ção de bens
es ta tais e da com pra de ter ras ti ra das da Igre ja. Mas eram pou cas. Na Pu -
glia en con tra vam-se em pre sas agrí co las con ce bi das com cri té rios mo der -
nos. Eram, po rém, ra ras ilhas.
Ha via um es tra to bas tan te am plo de fei to res, que, con tu do, ser -
viam-se de as sa la ria dos in cer tos e, em re la ção aos cam po ne ses po bres,
pra ti ca vam a usu ra, a ter rí vel usu ra que, no Sul, fa zia mor rer gen te.
Na re gião da Cam pa nia e nas pro vín cias de Ba ri e Lec ce, in cluin do
 seus ar re do res, es ta vam pre sen tes uma pe que na e uma mé dia bur gue sias
que exer ci ta vam pro fis sões ur ba nas: mé di cos, ad vo ga dos, fun cio ná rios.
História Esquecida 27
 Eram aque les que ha viam es co lhi do vi ver na ci da de por que pa ra eles, des -
de sem pre, a ter ra ti nha si do uma fon te de ren da a ser es pre mi da sem co -
me di men tos, jun ta men te com os ho mens que ne la tra ba lha vam.
Com ra ras ex ce ções, não ha via no Mez zo gior no ca sei ros ou ar ren -
da tá rios. O cam po nês me ri dio nal não pos suía vín cu lo al gum que o li gas se
à ter ra. A sua con di ção era a de ver da dei ro mi se rá vel que na da pos sui, de -
ses pe ra do e sem am pa ro. Sua con de na ção era a de vi ver a ca da dia, de de -
pen der sem pre de al guém.
Por is so, ha via no Sul uma ter rí vel von ta de de ter ra e as pes soas re -
cla ma vam-na com vio lên cia. Não era ape nas o de se jo de pos suir: era a
von ta de de sair do na da, de con quis tar uma dig ni da de. Ha viam, as sim, re -
ce bi do com en tu sias mo Ga ri bal di: por que ti nham es pe ran ças na dis tri bui -
ção das ter ras. Du ran te a spe di zio ne dei Mil le47, os ho mens ha viam-se, até
mes mo, ati ra do so bre as ter ras dos ga lan tuo mi ni, mas ti nham si do con ti -
dos e es pan ca dos. A no va Itá lia ha via de si lu di do suas es pe ran ças.
O ca so de Ná po les é es cla re ce dor. No sé cu lo XVII, foi o en ge nho
na po li ta no o pri mei ro na Itá lia a aco lher o pen sa men to de Car te sio48. E, no
fim do sé cu lo XVIII, in te lec tuais na po li ta nos fo ram os pri mei ros na Itá lia
es ta be le cer um con ta to com as so cie da des pa trió ti cas fran ce sas, tra man do,
a par tir des se con ta to, a in tro du ção das ins ti tui ções de mo crá ti cas na Pe -
nín su la. Fo ram eles que, em 1799, pro cla ma ram a Re pú bli ca na po li ta na.
Re sis ti ram por seis me ses. En tão Fer di nan do IV49, apoia do pe la ma -
ri nha in gle sa e pe los ban dos ca tó li cos do car di nal Ruf fo, re tor nou a Ná po -
les. A re pres são foi fe roz. Oi to mil pa trio tas fo ram en via dos pa ra a mor te.
Mor re ram com dig ni da de e co ra gem. En tre os már ti res de 1799, es ta vam
os me lho res ex poen tes da no bre za e da bur gue sia, gran des es tu dio sos,
mui tos bis pos. Vin cen zo Cuo co (um dos pou cos a es ca par do mas sa cre) e
Gius ti no For tu na to es cre ve ram pá gi nas be lís si mas so bre os már ti res me ri -
dio nais e so bre sua ma lo gra da re vo lu ção.
Des de en tão o Sul não se re cu pe rou mais. A cau sa mais gra ve de seu
atra so foi jus ta men te o fra cas so da que la re vo lu ção po lí ti ca e o con se qüen -
te fra cas so da re for ma agrá ria que se ten tou exe cu tar en tre os sé cu los
 XVIII e XIX.
Foi o fra cas so da no va bur gue sia me ri dio nal, que se con ten ta va em
vi ver da ter ra. Des ta no va clas se di ri gen te eram pro ve nien tes os mo de ra -
dos que apoia ram Ca vour con tra os Bour bons e con tra Ga ri bal di. Eles
acei ta vam os no vos se nho res pie mon te ses, con tan to que fos sem man ti das
 suas prer ro ga ti vas de ba rões.Por es se mo ti vo, nun ca pro cu ra ram a ade são
das mas sas. O po vo do Sul - mais ain da que o do Nor te - foi cor ta do do mo -
vi men to ri sor gi men ta le. Os ga lan tuo mi ni, ape nas eles, con ver te ram-se em
mas sa na Itá lia uni da. Não que riam en ca rar o cam po em re vol ta, pa tru lha -
dos pe los bri gan ti50.
Jus ta men te, os bri gan ti: um ca pí tu lo trá gi co da his tó ria da Itá lia.
Mui tos de les ti nham saí do das fi las do exér ci to dos Bour bons, da que la
mas sa de qua se 100.000 ho mens man da dos de vol ta a ca sa lo go de pois da
28 História Esquecida
uni fi ca ção, sem um cen ta vo, dis po ní veis a qual quer aven tu ra pa ra so bre vi -
ver. Os ou tros ha viam si do cria dos pe la mi sé ria pe la fal ta de ca mi nhos,
por pa trões cruéis, pe los maus tra tos ao fí si co, pe la cons cri ção obri ga tó ria,
pe los go ver nos ex ces si va men te po li ciais.
O tra ba lha dor ru ral rús ti co es ta va car re ga do de ran co res re pri mi dos
por que o Es ta do o ha via li be ra do de cer tas obri ga ções me die vais, mas não
lhe ha via da do na da com o que nu trir es sa con quis ta. Tam bém a dis tri bui -
ção das ter ras es ta tais e ecle siás ti cas ti nha ido pa rar nas mãos dos in fluen -
tes e dos es per ta lhões. As sim, acres ce ra-se ao an ti go ódio con tra os an ti -
gos se nho res o ódio aos an ti cris tos li be rais que se ha viam ser vi do da uni fi -
ca ção da Itá lia pa ra seus pró prios in te res ses e, ago ra, opri miam os cam po -
ne ses com ra pa ci da de re vol tan te.
Os bri gan ti, no Mez zo gior no ha viam-se já, há tem pos, trans for ma -
do nu ma ins ti tui ção. Os Bour bons e a igre ja ha viam-se ser vi do de les pa ra
ex pul sar os fran ce ses. A Car bo ne ria51 ti nha en tra do em acor do com eles
pa ra apoiar Ca vour. To do o mo vi men to ri sor gi men ta le do Sul fi cou, por
tu do is so, po luí do.
Co mo sem pre, o Go ver no con si de ra va o bri gan tag gio52 não co mo
um pro ble ma so cial a ser cor ri gi do com re for mas, mas co mo um pro ble ma
de de lin qüên cia co mum a ser opri mi do com ações po li ciais. Apro vei tan -
do-se da si tua ção, os bri gan ti aban do na ram os bos ques da Lu câ nia e ata -
ca ram as ci da des, mas sa cran do seus exér ci tos de de fe sa. O mais gra ve era
que o po vo, com o apa re ci men to dos bri gan ti, ma ni fes ta va-se, ig no ran do
au to ri da de, po lí cia e ga lan tiou mi ni, com lu mi ná rias, fes tas e can to do Te
 Deum, por que o cle ro, por sua vez, es ta va to do a seu la do. Na fan ta sia po -
pu lar, o bri gan te ti nha-se tor na do o pa la di no dos po bres, o in tér pre te da
re vol ta das clas ses ru rais con tra os no vos se nho res.
Foi co mo a ex plo são de uma bom ba. O eco no país e no mun do foi
enor me. O Go ver no man dou a cam po 120.000 sol da dos. Hou ve mas sa cres
de uma par te e de ou tra. As bai xas do exér ci to, ao que pa re ce, su pe ra ram
aque las de to das as guer ras até en tão com ba ti das con tra a Áus tria. Es te fa -
to deu-se en tre os anos de 1860 e 1865. To do o Sul foi tra ta do co mo uma
co lô nia em re vol ta. Tam bém mui tos bis pos fo ram ex pul sos, fu gi ram ou
fo ram pre sos.
A guer ra não foi com ba ti da ape nas com ar mas, mas tam bém com
cor rup ção e ne go cia tas. Gran de par te da de so la ção do Mez zo gior no, com
 suas en cos tas ári das, é fru to da ca ça ao ho mem que se alas trou na que les
 anos de sa ti na dos.
No fi nal de1865, a tra gé dia ti nha ter mi na do. Fi ca ram as cau sas e as
con se qüên cias. O jo vem Es ta do ita lia no ha via ven ci do sua pri mei ra guer ra
ci vil, mas seu pre ço ti nha si do al tís si mo. As po pu la ções do Mez zo gior no,
por mui tos anos, viam nos sol da dos ita lia nos os des ta ca men tos de um
exér ci to in va sor. A es ta ção dos bri gan ti ti nha ter mi na do. Co me ça aque la
dos emi gran tes.
Es te é o Mez zo gior no que os ita lia nos co nhe ciam en tão, o lu gar co -
História Esquecida 29
mo se mos tra va na su per fí cie. Cer ta men te mais atra sa do que o Set ten trio -
ne53, mais ve lho e imó vel, mas, apa ren te men te, igual ao res to da Itá lia. Ve -
re mos, mais adian te, em qual pe río do e atra vés de quais ho mens os ita lia -
nos des co bri ram que, na Pe nín su la uni fi ca da pe lo Ri sor gi men to, há não
uma, mas duas Itá lias. 
41 - Mez zo gior no ( meio-dia): ex pres são em pre ga da pa ra fa zer-se re fe rên cia à Itá lia do
Sul (N.T.)
42 - Mar cus Tul lius Ci ce ro: po lí ti co, ora dor e fi ló so fo ro ma no que vi veu en tre 106 e 43
a.C (N.T.)
43 - No ori gi nal, mi nis tro bor bo ni co, o que tam bém sig ni fi ca re tró gra do (N.T.)
44 - Re Bom ba: foi o ape li do da do pe los si ci lia nos ao Rei da di nas tia Bour bon que do mi na va
o Rei no das Duas Si cí lias àque la épo ca, de vi do a bom bar dea men tos or de na dos pe lo so be -
ra no por cau sa dos mo vi men tos de in de pen dên cia (N.T.)
45 - An sal do: in dús tria ele tro me câ ni ca fun da da em 1853 (N.T.)
46 - Bus to Ar si zio: ci da de da Lom bar dia, ain da ho je um im por tan te cen tro têx til (N.T.)
47 -Spe di zio ne dei Mil le: ex pe di ção mi li tar che fia da por Ga ri bal di, ocor ri da em 1860, cu jo es -
co po era o de aba ter o re gi me dos Bour bons na Itá lia me ri dio nal. A ex pe di ção par tiu de
Quar to, per to de Gê no va, e de sem bar cou em Mar sa la, na Si cí lia (N.T.)
48 - Car te sio: no me la ti ni za do de Des car tes (N.T.) 
49 - Ao ser ex pul so de Ná po les, por oca sião da pro cla ma ção da Re pú bli ca, o Rei Fer di nan do
IV es ta be le ceu-se na Si cí lia. Por is so, o au tor fa la em re tor no do so be ra no (N.T.)
50 - Bri gan ti: a pa la vra bri gan te sig ni fi ca mar gi nal, fo ra-da-lei que vi ve de fur tos. Nes te con -
tex to his tó ri co, po rém, ad qui re uma acep ção es pe cial, que se rá ex pli ca da pe lo au tor (N.T.)
51 Car bo ne ria: so cie da de se cre ta de ideo lo gia li be ral, sur gi da no rei no de Ná po les (N.T.)
52 - Bri gan tag gio:mo vi men to dos bri gan ti (N.T)
53 - Setentrione: Re gião Nor te da Pe nín su la (N.T.)
30 História Esquecida
O Ca so Si cí lia
Na pai sa gem me ri dio nal, tão car re ga da de con tra di ções e de ten sões,a Si cí lia apre sen ta-se com uma car tei ra de iden ti da de pre ci sa. A ilha
tem uma his tó ria, uma po pu la ção sua, uma lín gua pró pria, uma con di ção so cial di -
fe ren te da que la das ou tras re giões ita lia nas, di ver sa até mes mo das ter ras do Sul.
Se gun do al guns es pe cia lis tas, a Si cí lia é uma na ção a par te. Na ilha, o feu -
da lis mo re sis tiu por mais tem po. Por is so, as ten sões são mais ar den tes e, quan do
ex plo dem, as su mem as pec tos mais trá gi cos do que no res to da Itá lia.
No fi nal de 1789, quan do os Bour bons, a bor do da na ve ca pi tâ nia de
Nel son54, che ga ram pe la pri mei ra vez à Si cí lia, a ilha era real men te uma ter ra
mis te rio sa. Nem os pró prios os si ci lia nos a co nhe ciam, por que a fal ta de es -
tra das tor na va a ilha ina ces sí vel em mui tas par tes. Os pro prie tá rios ru rais,
que di vi diam en tre si a maior fa tia de chão, pos suíam um con cei to tão ab so lu -
to de sua so be ra nia que não ad mi tiam in ter fe rên cias da par te do po der cen -
tral. Abs ti nham-se até mes mo do cen so.
Pre su me-se que a po pu la ção che gas se a um mi lhão e meio de pes soas. Pa -
ler mo, com 180.000 ha bi tan tes, era uma das ci da des mais po pu lo sas da Itá lia. Co -
mo Ná po les, apre sen ta va o mais des ca ra do con tras te entre a mi sé ria e a pom pa.
A Si cí lia era cha ma da de ter ra dos no bres: lá ha via, de fa to, 142 prín ci pes,
688 mar que ses, 1500 du ques e ba rões, so ma dos. Seus em ble mas mais mar can tes
 eram a pai xão pe lo lu xo co mo si nal de po tên cia, a ar ro gân cia e o exa ge ra do con -
cei to das pró prias prer ro ga ti vas. A sua era, real men te, uma so cie da de pe tri fi ca da.
Das 360 vi las da Si cí lia, 280 vi viam em re gi me de se nho ria feu dal.
Em suas ter ras, o ba rão com por ta va-se co mo um so be ra no ab so lu to. Os ha bi -
tan tes eram pra ti ca men te ser vos da gle ba, obri ga dos a pres tar cor vées, is to é,
jor na das de tra ba lho gra tui to. O di nhei ro era ab so lu ta men te des co nhe ci do.
Aque les que vi viam no feu do não po diam mu dar de do mi cí lio: con tra os re -
bel des, os fi dal gos ti nham sua po lí cia e seus cár ce res.
Tam bém a jus ti ça era mui to feu dal. Os ma gis tra dos si ci lia nos ju ra vam fi -
de li da de ao Rei, que era, po rém, um so be ra no sem pre dis tan te: pri mei ro em Ma -
dri, de pois em Ná po les, mais tar de em Ro ma. O ba rão lo cal, ao con trá rio, ain da
que tra tan te, era si ci lia no e, co mo tal, de ve ria ser de fen di do con tra as pre ten sões
da au to ri da de “es tran gei ra”. As sim o fi dal go, que já era se nhor de tu do, po dia per -
mi tir-se ban car o pre po ten te: sa bia que po dia con tar com a jus ti ça si ci lia na.
Co mo to dos os ter ri tó rios em re gi me feu dal, a Si cí lia vi via qua se ex -
clu si va men te de agri cul tu ra. Uma de ze na de fa mí lias pos suía pro prie da des
vas tís si mas: o prín ci pe Bu te ra, por exem plo, ex traía, so zi nho, de suas ter ras
10% de to do o ren di men to da ilha.
 Dois ter ços da po pu la ção nem mes mo co nhe ciam o pão de tri go. Co -
miam pão de mi lho, mas tam bém es se era um lu xo re ser va do aos dias de fes -
ta. O ali men to co mum era cons ti tuí do de sim ples fo cac cie amas sa das com
tre mo ço e cas ta nhas.
O mer ca do de tri go es ta va nas mãos de pou cos co mer cian tes ata ca dis tas,
História Esquecida 31
que eram li vres pa ra fa zer o que qui ses sem. As ci da des eram ape nas cen tros mi li -
ta res e ad mi nis tra ti vos, além de ser o pon to de en con tro da no bre za pa ra seus bri -
lhos e pra ze res. Tu do es ta va a ser vi ço dos se nho res. Em Pa ler mo, Goe the des co -
briu que nas ruas era dei xa do o es ter co pa ra for ne cer um ma cio ta pe te às car rua -
gens dos no bres. E nin guém dis so se la men ta va... 
É in te res san te ver co mo era or ga ni za do o feu do si ci lia no, por que is so nos
per mi te co nhe cer co mo era for ma da, em suas es tru tu ras fun da men tais, a so cie da -
de da ilha. Ca da feu do ti nha um ca sa men to 55 que cons ti tuía o cen tro da em pre sa ru -
ral. Ao re dor, co mo na so cie da de feu dal, ha via o oli ve do e as vi nhas.
Uma par te do feu do era co lo ca da à dis po si ção dos tra ba lha do res, com
um con tra to de dois ou três anos. Em com pen sa ção, os agri cul to res de viam
ao pro prie tá rio (ou ao ga bel lot to56) um ren di men to em es pé cie. Se o pa trão
an te ci pa va se men tes ou aju da em es pé cie, os cam po ne ses de viam de vol ver
ca da coi sa com o acrés ci mo de ju ros.
Es ta vam sob as or dens do pro prie tá rio ne go cian tes, pa dei ros, apren di -
zes, pa la fre nei ros, cu ra to li (tra ba lha do res con tra ta dos ap tos a ser vi ços di ver -
sos), bi fol chi etc. Ha via o so pras tan te 57que di ri gia tu do e o pri mo cam pie re
que da va or dens aos cam pie ri58, os quais, por sua vez, fa ziam ron das a ca va lo
pa ra vi giar os tra ba lha do res.
Pa ra que se ob ti ves se pro te ção, era ne ces sá rio pa gar vá rios im pos tos, co -
mo o di rit to di guar dia e o di rit to di cuc cia59 ( meio tú mu lo de tri go pa ra ca da “sal -
ma”60 de ter ra). Em mui tos lu ga res, ha via o di rit to di es ti mo (pa ra o pri mei ro ano),
o di rit to di Mes sa (pa ra os ser vi ços re li gio sos) e o di rit to di pri ma not te, pa ra po der
con trair núp cias e sal var as mu lhe res do de se jo dos pa trões.
Cer ca do por es ses vín cu los, o cam po nês si ci lia no não ti nha saí da. Fo -
ra do feu do não ha via ou tras ter ras dis po ní veis. Se que ria vi ver, era obri ga do
a su por tar em si lên cio. Ape nas a emi gra ção ofe re cer-lhe-á a opor tu ni da de de
ar re ben tar aque las ter rí veis amar ras. A via gem com des ti no à Amé ri ca se rá,
pa ra ele, a via gem com des ti no à li ber ta ção.
Má fia é uma pa la vra ára be na tu ra li za da si ci lia na e, ho je em dia, in se -
ri da em to das as lín guas do mun do.
Se gun do al guns his to ria do res, a Má fia tem uma da ta de nas ci men to pre ci -
sa: 1860, quan do se rea li zou a uni fi ca ção da Pe nín su la. A Má fia nas ce co mo opo -
si ção ao ser vi ço de in te res ses pre ci sos. É o fru to do com pro mis so en tre o po der
cen tral do es ta do e as clas ses do mi nan tes si ci lia nas. Se gun do ou tros, na ori gem da
Má fia es tá o ga bel lot to, o ho mem que con tro la va as ter ras no lu gar do pro prie tá rio
que fi ca ra na ci da de e era, por tan to, o ver da dei ro se nhor da vi da e da mor te.
Os es tu dos mais re cen tes par tem, por sua vez, dos có di gos cul tu rais da
na ção si ci lia na: a hon ra, a ami za de, a es per te za. É des se có di go que se ser ve a
Má fia pa ra des fru tar as van ta gens da no va or dem so cial e ci vil pro ve nien te
da uni fi ca ção da Itá lia.
Na ilha, en tão, ha via uma so cie da de ex tre ma men te sim pli fi ca da: pou -
cos gran des la ti fun diá rios, pou cos bur gue ses re si den tes nas ci da des e uma
gran de mas sa de cam po ne ses po bres. A Má fia in se re-se jus ta men te nes se
ma gro te ci do so cial.
32 História Esquecida
É a res pos ta de um cer to gran de ca pi tal agrá rio me ri dio nal fren te à in -
dús tria que se es tá de sen vol ven do no Nor te. É ao mes mo tem po a rea ção dos
pro prie tá rios lo cais à che ga da das ins ti tui ções es ta tais, que se ins ta lam, com
 seus có di gos, em to do o ter ri tó rio na cio nal. É, em su ma, a Si cí lia ru ral que se
re be la an te o Nor te que a sub ju ga; a Si cí lia que pro cu ra se se pa rar do Es ta do
uni tá rio, do qual não se sen te par te.
O jo go é con du zi do pe los em preen de do res ru rais, que atuam co mo
me dia do res en tre pro prie tá rios e cam po ne ses, en tre po lí ti ca e ne ces si da de,
pe ri fe ria e cen tro, mer ca do na cio nal e in ter na cio nal. Na prá ti ca, uma ir man -
da de vio len ta e pa ra si tá ria de ho mens de ne gó cios, que per se gue sem es crú -
pu los os pró prios in te res ses.
Pa ra as pes soas co muns, que ig no ram os jo gos de po der, os ma fio sos
são vio len tos, po rém ho mens hon ra dos, ban di dos, mas ca va lhei ros. Nu ma
so cie da de na qual os fra cos são sub me ti dos a ex plo ra ções cons tan tes, a ca pa -
ci da de dos ma fio sos de in ter vir e pro te ger é apre cia da.
Es sa era a Má fia das ori gens, li ga da à ter ra. De pois da se gun da guer ra
mun dial, che gou uma se gun da ge ra ção de me dia do res: a Má fia da cons tru -
ção, dos ser vi ços pú bli cos, dos fi nan cia men tos es ta tais, que te ceu uma re de
de re la ções com os ho mens do po der.
Ho je tu do é di fe ren te. A Má fia per deu sua an ti ga al ma me dia do ra. São ig -
no ra dos os có di gos cul tu rais tra di cio nais. Trans for mou-se em Pio vra61.
Dom Stur zo, fun da dor do Par ti do Po pu lar (o pri mei ro ca pí tu lo dos ca tó li -
cos ita lia nos), ha via, no iní cio de sé cu lo, es cri to uma co mé dia so bre a Má fia. Era
em cin co atos, dos quais,

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