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Antrologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni Revisão Técnica: Prof. Ms. Edson Alencar Silva Revisão Textual: Prof. Ms. Claudio Brites Religião, Religiosidade e Magia • Religião como Objeto de Estudo Antropológico • Religiões e a Questão da Verdade • A Natureza das Religiões • Crença e Ritual • Religiosidade e Magia • Intolerância e Religião · Compreender o fenômeno religioso, que nos servirá também de instrumento para compreensão das práticas que nos cercam em nosso cotidiano. OBJETIVO DE APRENDIZADO Religião, Religiosidade e Magia Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Religião, Religiosidade e Magia Religião como Objeto de Estudo Antropológico O tema religião é sempre algo delicado de lidar, justamente porque esbarramos em questões de ordem subjetiva e, portanto, de identidade. No entanto, ao tratar esse tema como problema antropológico, podemos colocá-lo em outros termos, ou seja, entender qual é o papel da religião no cotidiano dos seres humanos. Assim, partimos em busca do entendimento dos códigos partilhados pelas pessoas em torno das religiões e também com relação às instituições religiosas. Com isso, podemos dizer de antemão que a preocupação da Antropologia é distinta da ideia de crítica aos sistemas religiosos, mas, ao contrário disso, se volta à compreensão desses sistemas, de seus conjuntos de crenças, dos seus rituais e das ações dos indivíduos motivadas por esses elementos. Assim, a Antropologia define religião como um conjunto de práticas e convicções que direcionam as maneiras de ver e ler o mundo de uma dada cultura ou grupo social. É nesse sentido, portanto, que o olhar antropológico abordará a religião. A sua atenção estará dada paro o horizonte daquilo que é partilhado pelas pessoas e que lhes traz variadas significações. Em outras palavras, não a religião como verdade, mas a religião como código que poderá vir a ser analisado e pesquisado o que interessa aos antropólogos. Religiões e a Questão da Verdade Em essência, toda religião possui a sua verdade e, no mais das vezes, elas não coincidem entre si; a ponto de a verdade de uma ser a mentira para outra. Sendo assim, nenhuma religião é dona da verdade, senão daquela que lhe é própria. Verdade em princípio religioso deve ser compreendido em relação como cada princípio de composição fundamental e inegável de um sistema religioso ou religião. Às vezes, o caráter de verdade de uma afirmação se baseia na tradição dos antepassados ou na palavra de um profeta ou de um livro sagrado crido como palavra de um deus. 8 9 Figura 1 – Alguns confl itos religiosos ocorridos na Alemanha, mas que foram solucionados com a assinatura da Paz de Augsburgo, em 25 de setembro de 1555, que inaugurava um período no qual o príncipe podia impor sua crença aos hábitos de seus domínios Fonte: dhm.de O sectarismo de religiosos em não admitir o direito de outras fés religiosas conceberem verdades distintas das suas acaba sendo a matriz geradora do que chamamos de conflitos religiosos. Ao não admitir a verdade do outro, ainda que distinta da sua, tão somente do direito de existir e mobilizar crenças, leva a uma percepção negativa sobre credos religiosos distintos daquele que enxerga na sua verdade, a única considerada possível e merecedora do direito de existir. Logo, tudo que diverge dessa verdade é inferior e deve, portanto, desaparecer, bem como seus portadores e difusores. Trata-se do modelo de concepção prévia sobre qualquer mensagem que soe diferente de suas referências sobre a verdade difundida por uma religião dominante. É prévia ao conhecimento das religiões que pregam mensagens diversas; logo, não seria necessário conhecê-las, pois apenas por soar diferente já se acredita saber o suficiente sobre ela, negativando-a valorativamente: a esse fenômeno chamamos de preconceito (um conceito prévio ao conhecimento sobre aquilo sobre o qual se emite um juízo de valor). 9 UNIDADE Religião, Religiosidade e Magia O preconceito religioso, comumente, é acompanhado pelo fanatismo, o que configura um dos maiores males da humanidade. Figura 2 – Membros do Ku Klux Klan na Carolina do Norte, em 1958 Fonte: Wikimedia Commons A Natureza das Religiões A religião pode ser entendida tanto como uma instituição (a Igreja Católica, a Igreja Protestante, o Budismo, o Islamismo, por exemplo) quanto como um fenômeno presente na cultura de toda a humanidade, desde os mais remotos tempos até os dias de hoje, isso porque práticas religiosas podem ser verificadas já desde os primeiros grupamentos humanos. Figura 3 – A Igreja Católica é a maior denominação religiosa (organização religiosa) do Cristianismo, com mais de um bilhão de fiéis Fonte: iStock/Getty Images 10 11 Figura 4 – As religiões cristãs protestantes surgem no século XVI em um racha da Igreja Católica Fonte: iStock/Getty Images No campo das Ciências Humanas, da Filosofia e da Teologia, alguns estudiosos definem a religião como a manifestação de um conjunto de crenças em seres espirituais, ou seja, cuja existência não seria objetiva, mas subjetiva; não concreta, mas abstrata; não visível, mas invisível. Invariavelmente, as religiões são portadoras e difusoras de repertórios normativos, ou seja, por meio de textos sagrados ou pela oralidade, difundem normas religiosas cujo objetivo seria prescrever valores morais que definiriam a boa conduta religiosa, frente ao objetivo da salvação. Em contraste com a natureza do comportamento humano, essas normas tendem a impor uma moral sobre as vontades, prescrevendo a condenação no pós-morte como a pior das penas pela inobservância desses preceitos normativos. A subserviência dos súditos não se explica tão somente por conta de sua crença ou fé, como sub- missão cega a uma autoridade religiosa; mas baseia- -se na pior das certezas do Homem: a aproximação inexorável da morte; reciprocamente à pior de suas incertezas: sobre seusdestinos no pós-morte, o que se verifica em várias sociedades. Sendo assim, a alma humana está inclinada, frente as suas certe- zas e incertezas, às religiões, isso porque é porta- dora daquilo que definimos como religiosidade. O sentimento religioso, ou seja, a religiosidade, está presente em nossa vida desde que tomamos cons- ciência sobre nossa própria existência, o que inclui a consciência sobre sua finitude e sobre o maior de seus abismos desconhecidos: o que ocorre depois da morte, se é que algo ocorreria. Figura 5 – Dalai-Lama, líder espiritual do Budismo Fonte: iStock/Getty Images 11 UNIDADE Religião, Religiosidade e Magia Essas certezas e incertezas nos acompanham, em maior ou menor grau, por toda a vida até nossa morte e, não tendo sido elucidadas por nenhuma outra forma de conhecimento (o que inclui as ciências), segue sendo, a religião, a ins- tituição que acalenta seus fiéis, dando-lhes camadas de certezas sobre as quais a condição humana pode seguir sua caminhada, no percurso de sua efêmera, mas significativa existência. Crença e Ritual Basicamente, a religião é constituída por dois elementos: a crença (fé) e o ritual. A crença (fé) consiste em um sentimento de respeito, submissão, confiança e até mesmo medo em relação ao sobrenatural. É o desejo humano de aceitar qualquer fenômeno, mesmo que não haja para ele comprovação científica. É o caso, por exemplo, da “fé cega” a explicações racionais quando de “pseu- do-aparições” de entidades sobrenatu- rais – a Virgem Maria em manchas de janelas de algumas casas na cidade de São Paulo, que mobilizou romarias até as casas em busca de “salvação” e de mi- lagres. A crença pode ser também obje- to de interesses alheios, primordialmen- te políticos e econômicos – serviria tanto para promover candidaturas políticas quanto para vender santinhos, camisetas etc. Mas aqui nos referimos àqueles que tiram proveito da “boa fé” das pessoas, ou de sua crença religiosa. Figura 6 Fonte: iStock/Getty Images Figura 7 – Suposta aparição de Jesus em frigideira Fonte: telegraph.co.uk 12 13 Já o ritual trata-se da manifestação do sentimento por um ou mais indivíduos, por meio da ação. O ritual religioso se refere, portanto, ao sentimento religioso (isso porque nem todo ritual é, necessariamente religioso, basta que seja um conjunto de ações cujo significado seja imaterial). Dessa maneira, podemos definir ritual como se tratando de um sistema de práticas aceitas tradicionalmente, modos de ser e estar no mundo, ou normas, que podem ser verificados em determinadas cerimônias. Figura 8 – El Colacho, festa tradicional em que um homem, vestido de diabo, salta sobre bebês Fonte: vice.com É um tipo de ação padronizada ou, se quisermos, ritualizada, e que se volta para um ou vários deuses, seres espirituais ou forças sobrenaturais, com uma finalidade qualquer. No mais das vezes, o ritual tem a finalidade de comunicar algo aos deuses, como pedidos ou agradecimentos a graças alcançadas, e assumem as mais diversas formas: festividades, danças, música, transes, orações etc. Também tem a função de conectar o indivíduo ao Sagrado, fazendo com que transcenda sua dimensão meramente material, a fim de atender aos seus desejos da alma, “alimentando-a” por meio do ritual naquilo que chamamos então de “transcendência”. Numa única cerimônia religiosa podem existir vários rituais inter-relacionados. Temos várias festividades religiosas brasileiras que se enquadram nessas categorias ritualísticas, tanto quanto a peregrinação à Meca pelos muçulmanos ou o autoflagelo cometido por adeptos de várias religiões ocidentais e orientais – com o uso de brasas, chicotes, facas etc. Figura 9 – Comunidades de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros Fonte: iStock/Getty Images 13 UNIDADE Religião, Religiosidade e Magia Religiosidade e Magia Tanto a religiosidade quanto a magia são duas maneiras propriamente humanas de se conectar com o “sagrado”. Práticas mágicas correspondem ao poder de acionar as divindades e fazê-las agir, interferindo no mundo humano. Desde os mais remotos tempos, a humanidade desenvolveu distintas formas de se relacionar com entidades sobrenaturais e que julgavam ter o poder de interferir no mundo dos vivos, buscando a partir daí relações com o sagrado. Tanto a magia quanto a religiosidade forneceram formas ao Homem para o estabelecimento desse contato com o mundo sobrenatural, com o objetivo de resolver questões humanas materiais ou espirituais. Figura 10 – A Feitiçaria e a Magia são consideradas artes ou ciências que se aprendem Fonte: iStock/Getty Images A magia seria então uma espécie de estratégia ou tática das sociedades para obterem a ajuda dos deuses em suas vidas. As práticas mágicas são necessariamente ritualizadas e se perpetuam com o passar do tempo, se transformando de acordo com distintos contextos sociais, mas mantendo antigos significados. Contudo, magia e religião não são termos sinônimos. A magia é paralela à religião, ela faz uso das tradições religiosas existentes em uma determinada sociedade, com o objetivo de obter melhores resultados que a própria religião oficial. Seria uma espécie de “atalho” para se chegar aos deuses, segundo a interpretação das religiões oficiais, e muitas de suas práticas foram tidas pelas religiões dominantes como proibidas, motivo pelo qual chegaram a ser, em muitas sociedades, banidas. Há pesquisadores que apontam que a magia teria decaído nas sociedades em que teria havido cisões entre ciência e religião. Feitiçaria, magia popular e bruxaria, como práticas mágicas de interferência espiritual na realidade, teriam sido substituídas por uma fé maior na ciência e na técnica, motivo pelo qual sociedades que se modernizaram abandonaram práticas mágicas em seu cotidiano. Contudo, mesmo que se leve em consideração essas ideias, é difícil retirar a magia do horizonte religioso, dado que é através de ações mágicas que muitos rituais religiosos ganham eficácia simbólica. 14 15 Figura 11 – A feitiçaria consiste num conjunto de conhecimentos práticos e teóricos sobre magia, ou seja, sobre a invocação de espíritos com a fi nalidade de criar certos efeitos no mundo terreno Fonte: iStock/Getty Images Intolerância e Religião Já nessa etapa inicial de nossas reflexões, tendo dado conta das primeiras conceituações teóricas sobre religião e religiosidade, podemos nos perguntar: por que as religiões estão tão ligadas a fenômenos de intolerância? Porque desvelam visões distintas de mundo e suas interpretações, ou melhor, são operacionalizadas nesse sentido. A religião, como instituição, não deve ser confundida com religiosidade. Isso porque todos nós possuímos religiosidade, ainda que não tenhamos nenhuma religião. É o caso daqueles que acreditam (têm fé) em um deus, ou em deuses, sem praticar ou se identificar com alguma religião. A religiosidade constitui nossa dimensão imaterial de existência, onde residem nossas necessidades subjetivas como: amar, ser amado, perseguir uma ideia de justiça, de verdade... Figura 12 Fonte: iStock/Getty Images 15 UNIDADE Religião, Religiosidade e Magia Essa dimensão é chamada de “Sagrado”, conforme entende a Teologia e a Antropologia Cultural. Nas mais variadas religiões, recebe os mais distintos nomes: Deus, Alá, Buda, Kishna etc. O que é necessário saber, em termos antropológicos, é que constitui o estado de transcendência em que, por meio do ritual (dado em livros sagrados ou outras formas de indicações expressas em praticamente todas as religiões), o indivíduo transcende a sua dimensão meramente material e se conecta a algo maior, que lhe alimenta a alma e lhe devolve à matéria transformado, em condição de equilíbrio e paz. Figura 13 – Palavra Alá em caligrafia árabe Fonte: iStock/Getty Images Nesses termos,a religião poderia ser instrumento de uma sociedade pacífica, tolerante, e não estaríamos discutindo as relações entre religiões e condutas de intolerância. Dissemos “poderia” porque não se leva equilíbrio a alguém fomentando o ódio, a intolerância ou reafirmando exatamente os valores da matéria em detrimento dos valores do espírito. Não se transcende a matéria quando o valor ritual é o do dinheiro e o objetivo deixa de ser a completude dos desejos da alma para a garantia de satisfação plena dos desejos da matéria. Viveríamos em desequilíbrio, portanto, não em estado de paz, sequer conosco. Como aceitar o outro, se não aceitamos nem a nós mesmos, quando incorporamos valores excessivamente materiais e privilegiamos apenas o “ter”, relegando nosso verdadeiro “ser”? 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Filmes O Nome da Rosa Dir.: Jean Jacques Annaud, Alemanha / França / Itália, drama, colorido, 1983. O Judeu Dir.: Jom Tob Azulay, Brasil, drama, colorido, 1986. 17 UNIDADE Religião, Religiosidade e Magia Referências CATÃO, Francisco. O Fenômeno Religioso. São Paulo, Editora Letras & Letras, 1995. BAROJA, Julio Caro. As bruxas e o seu mundo. Lisboa: Vega, Coleção Janus, 1978. BENTO, Victor Eduardo Silva; Totem e tabu: uma semiologia psicanalítica em Freud? Estudos de Psicologia, Campinas, v. 24, n. 3, jul./set. 2007. FREUD, S. Totem et tabou. France: Payot, 1965. MAUSS, Marcel. Esboço de uma teoria geral da magia. In: ______. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naif, 2003. MOMIGLIANO, A. et al. 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