Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL E A APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL FARIAS, Juliane Weiler dos Santos 1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO DE ATO INFRACIONAL. 3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E A MEDIDA DE INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL. 4 DA INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. 4.1 PROCEDIMENTOS SEGUNDO O ECA; 4.2 JURISPRUDÊNCIA. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1. INTRODUÇÃO Dentre os entendimentos doutrinários sobre o conceito do crime há o conceito analítico, segundo o qual para a conduta configurar-se crime é necessária a presença de três elementos, a saber: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. No que tange à culpabilidade, um dos elementos que a integram é a imputabilidade, que é a possibilidade de atribuir a alguém a responsabilidade do ato praticado. Todavia, segundo o artigo 228 da Constituição Federal, os menores de dezoito anos são considerados penalmente inimputáveis. Dessa forma, os menores de idade que praticam uma conduta típica e ilícita não praticam um crime nem uma contravenção e não estão sujeitas às penalidades do Código Penal, mas, assim como os imputáveis, devem responder pelos seus atos e estão sujeitos à aplicação de determinadas medidas. A seguir, discorreremos sobre o conceito de ato infracional, passando na sequência às medidas aplicáveis, com enfoque na medida de internação em estabelecimento educacional. 2. CONCEITO DE ATO INFRACIONAL 1 Graduanda do Curso de Direito da faculdade CESUCA-RS, julianeweiler@gmail.com; 2 Segundo Alberto Silva Franco 2 , quando praticada por criança ou adolescente, toda conduta que se ajusta a um modelo penal ou contravencional, corresponde a um ato infracional. Por seu turno, o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, conceitua o ato infracional como sendo a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Sobre o tema, leciona Marcos Bandeira 3 : “O nomem juris “ato infracional” não pode ser considerado por alguns – que não conseguem vislumbrar o adolescente como um sujeito de direito em formação – como eufemismo em relação ao crime, pois se ontológica e objetivamente as condutas são semelhantes, subjetivamente há uma diferença abismal, porquanto o adolescente, biologicamente, não possui o discernimento ético para entender o caráter criminoso do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, ou seja, não tem a imputabilidade necessária para “cometer crimes”, mas sim atos infracionais que reclamem a aplicação de medidas socioeducativas que, pedagogicamente, sejam capazes de evitar que, após a maioridade penal, se torne um “delinqüente”.”. Assim, como supramencionado, ao praticar uma conduta típica e ilícita, o menor comete um ato infracional e está sujeito à imposição de uma medida socioeducativa e/ou protetiva, que levarão em consideração sua capacidade de cumprimento, as circunstâncias e a gravidade da infração, nos termos do §1º do artigo 112 do ECA. 2. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E A MEDIDA DE INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL Relativamente à responsabilização da criança e do adolescente pela prática de ato infracional, assim dispõe o artigo 105 do ECA: “Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”. 2 FRANCO, Alberto Silva. Leis especiais penais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 216. 3 BANDEIRA, Marcos Antonio Santos. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus, 2006. p. 30. 3 Tem-se, portanto, que são aplicáveis à criança 4 medidas de proteção, enquanto ao adolescente 5 aplicam-se medidas socioeducativas, além da possibilidade de aplicação de medidas de proteção. As medidas de proteção estão disciplinadas no artigo 101 do ECA, enquanto as medidas socioeducativas aplicáveis ao adolescente infrator estão elencadas no artigo 112 do mesmo estatuto, e são elas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das medidas previstas no artigo 101, I a VI, do ECA. Sobre as medidas de socioeducativas, leciona Ishida 6 : “É a providência originada da sentença do juiz da infância e da juventude através do devido processo legal de natureza educativa, mas modernamente também com natureza sancionatória como resposta ao ato infracional cometido por adolescente. Também em alguns casos possui natureza administrativa, resultante de homologação judicial de remissão cumulada com alguma medida permitida por lei. Portanto, as medidas possuem característica pedagógica, mas também o escopo sancionador, como instrumento de defesa social”. A medida de internação em estabelecimento educacional, prevista no inciso VI do artigo 112 do ECA, possui caráter excepcional e está disciplinada a partir do artigo 121 do mesmo diploma legal. Para a aplicação de tal medida, deve-se observar o que dispõe o artigo 122 do ECA: Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. §1°. O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. §2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. 4 A pessoa até doze anos de idade incompletos (Art. 2° do ECA) 5 Entre doze e dezoito anos de idade (Art. 2° do ECA) 6 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, Doutrina e Jurisprudência. Salvador- Bahia, 2016. p. 337. 4 Tendo em vista que tal medida assemelha-se em alguns aspectos à pena privativa de liberdade, sendo considerada a mais grave das medidas, para sua aplicação é necessária a observância de três princípios, conforme Ishida 7 : “(1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e (3) o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização. Em obediência à brevidade, estipula a lei menorista o prazo máximo de 3 (três) anos(§3º) e liberdade compulsória ao 21 (vinte e um) anos (§ 5º)”. 3. DA INTERNAÇÃO PROVISÓRIA Observados os procedimentos dos artigos 171 e seguintes do ECA, o representante do Ministério Público pode representar o adolescente à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa, conforme o artigo 180, III, do ECA, bem como requerer a internação provisória do representado. Quando a internação é decretada antes da sentença, o prazo máximo de duração da medida é de quarenta e cinco dias e deve ser fundamentada baseando-se em indícios de autoria e materialidade, segundo o artigo 108, parágrafo único, do ECA. Nesse sentido é o entendimentode Marcos Bandeira 8 : “a internação provisória consiste numa medida constritiva de caráter cautelar, que objetiva, fundamentalmente, retirar o adolescente, temporariamente, do convívio social, independentemente do ato ter sido praticado com ou sem violência ou grave ameaça, a fi m de precatar o meio social, bem como preservar a integridade física do adolescente, reorientando-o para voltar a conviver pacificamente na comunidade.”. 7 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, Doutrina e Jurisprudência. Salvador-Bahia, 2016. p. 358. 8 BANDEIRA, Marcos Antonio Santos. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus, 2006. p. 35. 5 Em razão do prazo máximo de duração da internação provisória, todo procedimento deverá ser concluído no prazo de quarenta e cinco dias, nos termos do artigo 183 do ECA. 4.1. PROCEDIMENTOS SEGUNDO O ECA - Flagrante de ato infracional (art. 173 e 174); - Encaminhamento ao representante do Ministério Público (art. 175); - Oferecimento de representação (art. 180, III); - Designação de audiência de apresentação (art. 184); - Prazo de Defesa Prévia (art. 186, §3º); - Audiência de continuação/instrução (art. 186, §4º). 6 4.2. JURISPRUDÊNCIA Nesse sentido é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos casos de internação provisória: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. HOMIDÍCIO QUALIFICADO, FURTO SIMPLES E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO. NULIDADE DO FEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DECRETADA DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL E CONFIRMADA NA SENTENÇA. RECURSO RECEBIDO NO EFEITO DEVOLUTIVO (ART. 1.012, V, CPC). POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO IMEDIATA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. AUTORIA COMPROVADA. LEGÍTIMA DEFESA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. ADEQUAÇÃO À ESPÉCIE. 1. Caso concreto em que o feito se desenvolveu regularmente, com observância de todas as garantias processuais ao adolescente, inexistindo qualquer dado a abalar a higidez do feito, não havendo que se cogitar em cerceamento de defesa. 2. O adolescente permaneceu internado provisoriamente durante toda a instrução processual, havendo a sentença apenas confirmado, no aspecto de sua internação, a tutela provisória anteriormente deferida, com o que a apelação deve ser recebida apenas no efeito devolutivo (art. 1.012, V, do CPC), ante a sistemática do CPC, como expressamente estatui o “caput” do art. 198 do ECA, de modo que a medida aplicada pode ser, desde já, executada. 3. Além disso, condicionar, de forma peremptória, o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação, e apenas porque não se encontrava o adolescente já segregado anteriormente à sentença, constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional. Entendimento do STJ. 4. A prática pelo adolescente das condutas descritas no art. 121, § 2º, III e IV, do CP, no art. 155, caput, do CP, e no art. 12 da Lei n.º 10.826/03, está comprovada pelos elementos informativos colhidos na fase investigativa e pelas provas produzidas durante a instrução processual. 5. Inexistindo elementos a indicar que o representado repeliu agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, não há falar que sua conduta, em relação ao homicídio qualificado (1º fato), se deu sob o abrigo da excludente de ilicitude da legítima defesa (art. 25 do CP). 6. A medida adequada à espécie é a de internação, com fundamento no art. 122, I, do ECA, porque o ato infracional é de natureza gravíssima (homicídio qualificado, além do furto simples e da posse irregular de arma de fogo). PRELIMINARES 7 REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70082540477, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 26-09- 2019) HABEAS CORPUS. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. PEDIDO DE LIBERAÇÃO. 1. Existindo elementos de convicção suficientes para agasalhar a aplicação de medida socioeducativa de internação, descabe afastar a pretendida liberação do infrator que está internado de forma provisória. 2. A internação provisória se mostra rigorosamente necessária quando o ato infracional é tipificado como roubo em concurso de agentes. 3. A gravidade do fato delituoso praticado pelo infrator justifica seja mantida a internação provisória. Ordem denegada.(Habeas Corpus Cível, Nº 70082609223, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 25-09-2019) ECA. ATO INFRACIONAL. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES. PEDIDO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. 1. A internação provisória somente se justifica quando houver necessidade imperiosa dessa providência ex vi do art. 108 do ECA. 2. Já tendo transcorrido cerca de cinco meses do fato e não havendo o clamor social, nem o risco do adolescente se evadir, nem havendo prejuízo para a instrução do processo, descabe adotar a segregação provisória, que é excepcional. Recurso desprovido.(Agravo de Instrumento, Nº 70082164708, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 25-09-2019) HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INFRAÇÃO COMETIDA SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA A PESSOA. PACIENTE SEM REGISTRO FORMAL DE ANTECEDENTES INFRACIONAIS. DESCABIMENTO DA INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. Cuidando-se de ato infracional análogo ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, supostamente cometido por adolescente sem registro formal de antecedentes infracionais, descabe a decretação da internação provisória. Embora indubitavelmente seja grave a infração, deve-se ter em mente que não se cuida de ato infracional cometido com violência ou grave ameaça - primeira hipótese que autorizaria a aplicação de tal medida (art. 122, inc. I, do ECA) – e tampouco se configuraria reiteração no cometimento de outras infrações graves, já que o adolescente não conta com registros formais de antecedentes - segunda hipótese que autorizaria a aplicação daquela medida extrema (art. 122, inc. II, do ECA). Logo, no caso, afigura-se desproporcional a decretação da internação provisória do paciente. CONCEDERAM A ORDEM. UNÂNIME.(Habeas Corpus Cível, Nº 70082707456, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 26-09-2019) 8 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo teve como objetivo elucidar como se dá a responsabilização da criança e do adolescente em conflito com a lei e, principalmente, fazer compreender o que é a medida socioeducativa de internação em estabelecimento educacional e quando ela é aplicada. Depreende-se do estudo realizado que ao estabelecer as medidas socioeducativas, o legislador buscou que essas medidas servissem para a ressocialização e a reeducação do adolescente, não pautando a existência de tais métodos apenas como sanção. Outrossim, a decretação da medida de internação, de forma provisória ou não, deve respeitar os princípios pertinentes, bem como, se configura medida excepcional, e possui procedimentos que devem ser observados com rigidez. Por fim, diante do entendimento jurisprudencial acercada internação provisória, evidenciou-se que os motivos ensejadores da decretação da medida são levados a rigor e, quando não há justificativa plausível, descabe a aplicação de tal medida. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDEIRA, Marcos Antonio Santos. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus, 2006. FRANCO, Alberto Silva. Leis especiais penais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, Doutrina e Jurisprudência. Salvador-Bahia, 2016.
Compartilhar