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PARASITOLOGIA MÉDICA 12. CESTOIDES: AS TENÍASES Complemento multimídia dos livros “Parasitologia” e “Bases da Parasitologia Médica”. Para a terminologia, consultar “Dicionário de termos técnicos de Medicina e Saúde”, de Luís Rey Fundação Oswaldo Cruz Instituto Oswaldo Cruz Departamento de Medicina Tropical Rio de Janeiro Cestoides parasitos do homem OS CESTOIDES O estróbilo compreende toda a parte do corpo que se segue ao escólex e à região de crescimento (colo) do cestoide. Nele estão demarcados os anéis ou proglotes, que crescem e se diferen- ciam à medida que se afastam do colo. Distinguem-se as proglotes jovens, que apresentam apenas esboços dos órgãos reprodutores; as proglotes ma- duras com esses órgãos completamente formados e as grávidas, cujos úteros bem desenvolvidos estão repletos de ovos. Escólex de um cestoide provido de 4 ventosas e de uma coroa de acúleos. Os cestoides variam muito de tamanho, desde alguns milímetros até 10 metros ou mais de comprimento. No verme adulto, o escólex é uma pequena dilatação, situada na extremidade mais delgada do helminto, e destinada a fixá-lo no intestino do hospedeiro por meio de estruturas como acúleos, ventosas, bótrias ou botrídeas. Taenia saginata e Taenia solium As tênias do homem A Taenia saginata (= Taeniarrhyncus saginatus), ou tênia do boi, e a Taenia solium, ou tênia do porco, são parasitos que na fase adulta têm o homem como único hospedeiro normal. Ambas são conhecidas popularmente como “solitárias” porque os indivíduos com teníase em geral só apresentam um exemplar do helminto em seu intestino. São vermes grandes, medindo a Taenia saginata de 4 a 12 metros de comprimento e tendo por hospedeiro intermediário o gado bovino. Estróbilo de Taenia saginata. O estróbilo inicia-se com um pequeno escólex (E) provido de 4 ventosas, seguido de uma região de crescimento (o colo) e das regiões de proglotes jovens, de proglotes maduras e de proglotes grávidas. Escólex da T. saginata As proglotes (ou „„anéis da tênia‟‟) vão se destacando uma a uma, na T. saginata (fenômeno dito apólise), ou em pequenas cadeias, na T. solium. Elas são eliminadas com as fezes do paciente. Taenia saginata Suas proglotes saem ativamente pelo ânus, graças a uma eficiente muscula- tura, ou são eliminadas com as fezes do paciente (A), em número de 8 a 9 proglotes por dia. Então, pelas superfícies de apólise (sem tegumento) os fundos dos sacos uterinos fazem hérnia e se rompem, podendo liberar 40 a 80 mil ovos por proglote (B). Esses ovos disseminados pelo solo são ingeridos, com o pasto, por bovinos. Sob a ação das enzimas proteolíticas e da bile, as oncosferas eclodem no tubo digestivo dos animais, invadem a mucosa e vão, pela circulação, para a muscula- tura ou para outros lugares, onde se transformam em cisticercos (C). Isso constitui a cisticercose animal. Quando as pessoas comem a carne de gado crua ou mal cozida, os cisticercos (D) são liberados no tubo digestivo, desenvaginam os escólex, fixam-se à mucosa e crescem como tênias adultas. Ciclo de T. saginata Taenia solium As formas adultas de T. solium só foram encontradas, até agora, no organismo humano, e suas larvas vivem normalmente na musculatura de suínos. Popularmente é conhecida como tênia do porco. O estróbilo pode medir de 1,5 a 5 metros. O escólex (A) implanta-se no início do jejuno por meio de suas 4 ventosas e de seu rostro armado com dupla coroa de acúleos em forma de foice (B). Diariamente pequenos segmentos da cadeia, formados em média por 5 proglotes maduras, desprendem-se e são eliminados com as fezes. Cada proglote contém de 30 a 50 mil ovos (C). Elas diferem das de T. saginata por serem menores, mais curtas e terem poucas ramifi- cações uterinas, com aspecto dendrítico (D). Os ovos medem de 30 a 40 µm, não sendo distinguíveis dos de T. saginata. A, escólex; B, acúleos do círculo superior e do inferior; C, ovo; D, proglote madura com o aspecto dendrítico característico da T. solium. Ciclo da Taenia solium Devido a seus hábitos coprófilos, os porcos costumam infectar-se maciçamente ao ingerir as proglotes desta tênia. Os cisticercos que se formam nos tecidos deste animal são um pouco maiores que os da T. saginata (pois medem de 5 a 20 mm) e após 60 a 75 dias já são infectantes para o homem. Os cisticercos podem manter-se viáveis, no porco, por muitos anos. Ciclo da Taenia solium A infecção humana decorre do consumo de carne de porco crua ou mal cozida. O parasito evolui no intestino como o faz a tênia do boi. Após algum tempo (60 a 75 dias depois da infecção), os pacientes infectados com a Taenia solium adulta começam a eliminar pas- sivamente, de mistura com as fezes, pequenas cadeias de proglotes. Se os movimentos antipe- ristálticos levarem alguma proglote para o estômago do paciente, ela será digerida, aí, deixando em liberdade os milhares de ovos que contém. Ao voltarem para o intes- tino, esses ovos liberam as oncosferas, sob a ação das enzimas proteolíticas e da bile. Em consequência, produ- zem uma infecção maciça do organismo humano com cis- ticercos: é a cisticercose humana grave ou ladraria. As teníases humanas Geralmente, uma única tênia habita o intestino do paciente. O parasitismo múltiplo varia, segundo diferentes autores, entre 2 e 12% dos casos e é mais raro com a T. saginata. O fato é atribuído à imunidade específica con- comitante com a infecção. Eliminada a tênia, o paciente volta a ser suscetível. A teníase costuma ser assintomática. O paciente se dá conta da sua presença ao notar a expulsão ativa de proglo- tes (da T. saginata) que encontra na cama ou na roupa íntima, fora das evacuações. T. saginata causa sobre- tudo distúrbios da motri- cidade e das secreções digestivas, que ficam diminuídas em 70% dos casos. As teníases humanas Em um terço dos pacientes, as queixas são de dor abdominal, náuseas, astenia e perda de peso. Em outros há cefaleia, vertigens, cons- tipação intestinal ou diarreia e prurido anal. Eosinofilia (entre 5 e 35%) costuma estar presente. Pode haver apendicite, por penetração do parasito no apêndice, ou obstrução intestinal pela massa total da tênia. O período de incubação é, em geral, de 2 a 3 meses. Depois, muitos pacientes se queixam de uma dor epigástrica, com caráter de „dor de fome‟, e que simula a dor de úlcera duodenal, melhorando com a ingestão de alimentos. Inapetência e perda de peso são frequentes, mas, em outros casos, o apetite está aumentado, com dores abdominais fugazes. As teníases humanas Clinicamente, o parasitismo humano pelos vermes adultos de Taenia solium é menos evidente que pela T. saginata, pois o estróbilo é menor e suas proglotes, menos ativas. E por saírem estas passiva- mente de mistura com as fezes, podem passar despercebidas pelo paciente. O quadro clínico, quando presente, é semelhante ao produzido pela tênia do boi, sendo mais frequentes as formas assintomáticas ou as benignas. As prevalências registradas são afetadas pela subnotifica- ção dos casos. A OMS (1995) estimou que, na América Latina, o número provávelde pessoas expostas à infecção é de 30 a 50 milhões. A gravidade da Taenia solium está em o homem poder tornar- se ocasionalmente o hospedeiro de sua forma larvária – o cisticerco – que determina os quadros clínicos da doença denominada cisticercose huma- na (a ver na próxima aula). Donde a necessidade de um diagnóstico rápido da espécie de tênia que parasita um paciente e de seu tratamento imediato. Não há cisticercose humana atribuível à Taenia saginata. Diagnóstico das teníases (1) A O diagnóstico é feito, muitas vezes, pelo próprio paciente ao observar a expulsão de proglotes. Quando elas saem entre as evacuações e são encontradas nos lençóis ou na roupa íntima, trata-se de T. saginata (A). As de T. solium (B) só saem passivamente, durante as evacuações e em geral formando cadeias com 3 a 6 segmentos unidos. Quando é o médico quem levanta a suspeita, deve- se buscar as proglotes nas fezes, para o que o bolo fecal será desfeito na água e tamisado em peneira de malhas finas. Para o diagnóstico de espécie, as proglotes serão comprimidas entre 2 lâminas de vidro grosso; o conjunto é posto a clarear no ácido acético e, depois, examinado com lupa para ver as estruturas uterinas: ─ se com 15 a 30 ramos uterinos em cada lado da haste e aspecto dicotômico, é T. saginata (A). ─ se com 7 a 16 ramificações de cada lado e aspecto dendrítico, é T. solium (B). Cuidado com o risco de infecção por T. solium ao manipular o material. Diagnóstico das teníases (2) Nos 3 primeiros meses da infecção não se encontram proglotes nem ovos. Depois, os ovos podem ser encontrados no exame de fezes ou, melhor, pesquisados com a técnica da fita adesiva transparente. Os ovos chegam a ser abundantes na pele do períneo, onde as proglotes, exprimidas ao passar pelo esfíncter anal, deixaram sair muitos deles pelas superfícies de apólise. A fita gomada, montada sobre uma lâmina de microscopia (A) com a parte colante para fora (a), deve ser aplicada contra o ânus (B), e as nádegas, comprimidas contra ela para que os ovos situados na pele adiram. Colar depois a fita na lâmina (C) e examinar ao microscópio. O método só permite o diagnóstico de teníase, sem revelar a espécie e o risco, eventual, de cisticercose. Ovos de tênia aderidos à fita gomada, vistos ao microscópio. Tratamento das teníases Várias drogas tenicidas são usadas no tratamento: Niclosamida – Medicamento insolúvel na água e não absor- vível pelo intestino. Pratica- mente não apresenta efeitos colaterais. Tomar apenas líquidos, desde a véspera, e 2 gramas de niclo- samida de uma só vez em jejum (crianças tomam 1 a 2 gramas), mastigando bem os comprimi- dos. A taxa de cura fica em torno de 90%, dependendo do grau de micronização do produto. Praziquantel – Muito efetivo no tratamento das teníases; mas, por ser absorvível pelo intestino, é contraindicado nos casos de cisticercose (que teriam seu quadro clínico agravado). Por essa razão, só é recomen- dada contra T. saginata na dose de 5-10 mg/kg de peso corporal. Sua eficácia é de 96% de curas. Mebendazol – Também usado só contra T. saginata, na dose de 200 mg, duas vezes ao dia durante 4 dias. As sementes de abóbora (200 a 400 gramas, sob a forma de decocto ou trituradas com mel) constituem um tratamento tenífu- go recomendado para crianças. Só a eliminação ou destruição do escólex assegura a cura. Por- tanto, se ele não for encontrado nas evacuações, aguardar cerca de quatro meses para ver se as proglotes não reaparecem, exigin- do novo tratamento. Cuidado: nenhum tratamento é ovicida. T. saginata: epidemiologia (1) Sua distribuição é cosmopolita. Prevalências superiores a 10% ocorrem na África, na Região Mediterrânea, no Cáucaso e na Ásia Central. Na América do Sul elas estão entre 0,1 e 10%. A incidência relaciona-se com o hábito de comer carne bovina crua ou mal cozida. Seja devido a preferências pessoais, seja pelo consumo de pratos tradicionais em que a carne não é cozida (como o bife tártaro, o quibe e o shish kebab). T. saginata incide mais entre pessoas com 20 a 40 anos de idade. Escapam do risco os vegetarianos, os que preferem peixes e aves e os que, por razões culturais, religiosas ou econômicas não consomem carne bovina. T. saginata: epidemiologia (2) Pessoas com tênias constituem as únicas fontes de infecção. Elas podem eliminar cerca de 700 mil ovos do parasito por dia. A dispersão desses ovos resulta do hábito de defecar no chão, em várias circuns- tâncias. Isso permite a dissemina- ção dos ovos por moscas e insetos coprófilos, pelas aves (como gaivotas, gralhas, pardais etc.) ou por minhocas, que são comidas pelas aves. Os ovos atravessam incólumes o tubo digestivo desses transportadores e são amplamente dispersa- dos no meio ambiente com suas fezes. Nas pastagens assim poluídas, os ovos podem ficar viáveis por mais de 4 meses, e asseguram a contaminação do gado, mesmo em lugares situados longe das fontes de poluição humana. T. saginata: epidemiologia (3) A resistência dos ovos no meio é tão grande que suportam até o tratamento habitual dos esgotos. Isso permite que os efluentes e os lodos ativados secos, usados como adubo, ou as aves que se nutrem nos leitos de secagem das estações de tratamento transportem os ovos para longe. Os rios que recebem esgotos não tratados ou os efluentes tratados, assim como suas águas, utilizadas para irrigação, podem conter ovos de tênia, contaminando as pastagens, o feno etc. Ciclos vitais das tênias: T. solium (a) e T. saginata (b), passando das fontes de infecção humana (A) para os hospedeiros intermediários (B) e vice-versa. (Modifi- cado de Piekarski, 1962) T. solium: epidemiologia (1) Ocorre no mundo todo, sendo mais frequente onde se consome carne de porco crua ou mal cozida. As maiores incidências são encontradas na Améri- ca Latina, nos países não muçulmanos da África e do Sudeste Asiático. Elas dependem das más condições higiênicas pre- valentes e do nível socioe- conômico dos pacientes, pois cada um elimina 5 ou 6 proglotes por dia, com cerca de 50 mil ovos por proglote. Depende, também, das circunstâncias em que os porcos são criados. Se permanecem livres no peridomicílio, por exemplo, isso facilita sua infecção com as fezes humanas que contaminem o terreno. A falta de inspeção nos matadouros e o abate clandestino ou doméstico possibilitam a transmis- são da infecção do porco aos consumidores de sua carne. T. solium: epidemiologia (2) Entretanto, as prevalên- cias reais desta teníase são mal conhecidas. A razão está nas dificul- dades práticas encontradas para diagnosticá-la. Em particular pela se- melhança entre os ovos de Taenia solium e os de Taenia saginata. Mas, também, pela falta de sintomas na generalida- de dos pacientes, exceto nos casos graves de cisticercose. Quando a infecção é introduzida em uma região, tende a tornar-se hiperendê- mica. A razão está na facilida- de com que os porcos se infectam intensamente (coprofagia) e pela grande longevidade (anos) dos cisticercos nos tecidos do animal vivo. Os cisticercos permane- cem infectantes 10a 15 dias nas carnes conserva- das a 10°C e dois meses entre 0 e 4°C. Controle das teníases Os inquéritos epidemiológicos devem mostrar, previamente, a prevalência e a distribuição da infecção no gado e na popula- ção humana. Nos matadouros, a inspeção deve registrar a proveniência dos animais infectados e conde- nados. Os novos medicamentos e as técnicas modernas de criação, sobretudo de porcos, mais as medidas de controle adotadas reduziram consideravelmente as teníases e praticamente elimina- ram a T. solium e a cisticercose nos países da Europa, EUA, Canadá etc. Os procedimentos adotados foram principalmente: 1. Legislação regulamentando a notificação dos casos, a inspe- ção do gado abatido nos mata- douros e proibindo o abate clandestino. 2. Exame periódico dos que trabalham na indústria da carne. 3. Exigência de instalações sanitárias em matadouros, fazen- das de gado, restaurantes, locais de turismo e de camping, para evitar a poluição ambiental. 4. Melhoria do saneamento e correção das deficiências nos sistemas de esgotos. 5. Técnicas de criação seguras. 6. Educação para o consumo da carne bem cozida e para adoção de bons hábitos higiênicos.
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